Introdução
Atualmente, com o aumento do fluxo de mobilidade humana, as migrações constituem um dos campos de interesse e de pesquisas científicas brasileiras, resultando em uma temática não só da Demografia, como também da Sociologia, da Antropologia, da Ciência Política, do Direito, da Psicologia, do Serviço Social dentre outras áreas do conhecimento que trazem suas contribuições teóricas ou empíricas acerca desse fenómeno. Nesse contexto, a proposta deste artigo é realizar a descrição da revisão sistemática parcial das produções científicas publicadas em forma de artigo em revistas consideradas as mais relevantes no Brasil.
Cabe ressaltar que o estudo em desenvolvimento se utiliza do Qualis--Periódicos, o qual é baseado nas informações fornecidas pelos programas da área na plataforma Sucupira, ano a ano. Não é um conjunto de periódicos escolhidos pela coordenação como os melhores da área, mas refletem exatamente onde os docentes da área têm publicado os resultados de suas pesquisas. Uma vez registrado, esse conjunto é classificado em estratos de qualidade: desde AI, o mais elevado, a A2, BI, B2, B3, B4, B5 e c, este com peso zero. O processo no Brasil é repetido cada novo ano, considerando as informações fornecidas pelos programas para o respectivo ano. Ao final do período de avaliação, o Qualis completo é atualizado, e os indicadores de produtividade intelectual são gerados, tanto em números absolutos quanto em números relativos aos pontos que a área atribui a cada estrato. No caso da área de ensino, essa pontuação corresponde a: AI=IOO pontos; A2=85, BI=7O, B2=55, B3=4O, B4=25, B5=IO e c=o.
Portanto, inicialmente, pesquisaram-se artigos publicados em periódicos brasileiros da área 32 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes1), que retratassem a questão da migração internacional entre os anos 2009 e 2018/1 (primeiro semestre). Com os dados coletados, produziram-se, em forma de tabela e gráficos, os achados da pesquisa, categorizando-os em: título, autores, palavras-chave, universidade de vinculação dos autores, código de identificação da revista, ano da publicação, DOI de acesso ao artigo na internet e categorias abordadas. Foram encontrados 168 artigos, que foram analisados, sobretudo, na questão temática de cada um e nos elementos metodológicos utilizados.
Ressalta-se que foi identificado, nesta pesquisa, um aumento da produção científica que aborda a participação de mulheres no contexto migratório, antes invisibilizadas pela sociedade; dessa forma, entendemos que a questão da migração de mulheres merece uma análise aprofundada. Portanto, o percurso deste estudo ocorre a partir da constatação das múltiplas formas nas quais o fenómeno migratório vem sendo alvo de estudos e pesquisas através da produção do conhecimento.
Patarra (2005) salienta a importância dos estudos sobre migrações internacionais que "no contexto da globalização tem sido, na verdade, objeto de um número expressivo de contribuições importantes, de caráter teórico e empírico, que atestam sua diversidade, significados e implicações" (p. 23).
O ato de migrar tornou-se uma escolha cada vez mais recorrente. Diante do atual cenário mundial, os seres humanos migram por diversos motivos, como: busca por segurança, qualidade de vida ou conflitos, catástrofes ambientais etc., ou seja, as migrações estão ligadas às transformações culturais, políticas, sociais e económicas mundiais. A mobilidade humana vem reconfigurando as sociedades e, devido a isso, cada vez mais desperta o interesse da academia em estudar esse complexo fenómeno. Com isso, a diversificação dos temas debatidos na questão das migrações é ampla e torna-se cada vez mais necessária.
Em decorrência da globalização e da facilidade de locomoção e comunicação, a migração tornou-se uma alternativa ao alcance de todos. Existem três variáveis principais para classificar os tipos de migração existentes atualmente: o espaço de deslocamento, o tempo de permanência e o motivo da migração. Quanto ao espaço de deslocamento, a migração pode ser internacional ou interna. Quanto ao tempo de permanência, pode ser classificada como permanente ou temporária. E, quanto ao motivo, pode ser espontânea, quando o indivíduo planeja migrar para outra região, por fatores económicos, políticos ou culturais, ou então pode ser que a migração seja forçada por um motivo de força maior ou por conflito armado.
Em contraponto à importância atual dos estudos sobre mobilidade humana, essa temática, enquanto questão social na visão clássica do pensamento de sociólogos, como Thomas Malthus, Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber, era consequência do processo de desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da urbanização das sociedades, ou seja, esses sociólogos abordavam a questão da migração como um problema social secundário. A partir do século XX, com a crescente onda de deslocamento populacional mundial no espaço geográfico, será desenvolvida uma contribuição específica ao tema migrações, na qual se identificará uma diversidade de etnia, de classe e de gênero nas sociedades.
Neste trabalho, evidencia-se a questão do gênero com base na importância de estudar o fluxo migratório de mulheres. Para Assis (2007), essa importância se dá porque, no século passado, não tiveram as suas experiências migratórias tratadas como objetos de análise, ainda que os dados demonstrem a presença e participação de mulheres nos fluxos migratórios internacionais na segunda metade do século XX. Isso aponta para um fator crucial para entendermos essa invisibilidade: a perspectiva teórica presente nos estudos de migração até o início dos anos de 1970 ignorava as diferenças de gênero, raça e etnia.
O aumento da participação de mulheres no contexto migratório, de acordo com Assis (2007), decorre de um crescimento das migrações internacionais no século passado e aponta para as diferenças entre os fluxos migratórios. Exemplo disso é o caso dos migrantes contemporâneos, que contam com um sistema de comunicações e de transportes mais baratos e eficientes do que seus antecessores, o que diminuiu as distâncias e torna mais frequente o contato entre a sociedade de origem e a de destino.
Contudo, na mesma perspectiva desta pesquisa, as autoras Assis e Sasaki (2001) escreveram, para a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), um balanço da produção bibliográfica sobre os novos migrantes do e para o Brasil. Nesse estudo, a partir de um levantamento bibliográfico em livros, artigos, teses, dissertações, monografias, relatórios de pesquisa e apresentações de congressos e seminários, já constatava um crescimento no interesse em pesquisas sobre o tema, em sua maioria nas instituições do centro-sul do país, local que, de fato, concentra o maior número de publicações na área, conforme veremos a seguir.
Procedimento metodológico do estudo
Para compreender o fenómeno das abordagens presentes em periódicos considerados de alta relevância na avaliação das agências de fomento brasileiras, foi realizada uma pesquisa a partir da classificação da Qualis-Periódicos da Plataforma Sucupira. Foram consultados 253 periódicos, todos classificados em A1, A2, B1 e B2 da área 32 da Capes, por se tratar de uma área abrangente do conhecimento científico que é a da Ciências Sociais Aplicadas.
A partir da técnica de revisão sistêmica da literatura, que consiste na pesquisa e análise de estudos relevantes sobre um determinado tema, nesse caso, as migrações, utilizaram-se bancos de dados de literatura sobre determinada questão, como fonte e métodos, com o intuito de realizar uma revisão crítica e abrangente da literatura. Para realizar essa revisão sistêmica, após determinado o universo da pesquisa, identificaram-se as fontes de pesquisa e qual seria a estratégia de busca dos artigos publicados em periódicos brasileiros. Após o início da coleta dos trabalhos, todos foram analisados, a fim de compreender o que se colocaria como recorrente e similar nessas produções. Em seguida, foram extraídos os dados, construído um mapa cognitivo e realizada a síntese dos dados, a qual culminou neste trabalho.
Com o levantamento e a avaliação do conhecimento sobre as migrações internacionais, foram elaboradas tabelas, a fim de facilitar a visualização de todos os artigos publicados, uma vez que foram analisados 168 artigos; dessa forma, consideraram-se: título do artigo, autores, palavras-chave, universidade de origem dos autores, ISSN da revista, ano da publicação e DOI (sigla em inglês utilizada pelas revistas de identificador digital de objetos). Com as tabelas realizadas, analisaram-se atentamente todas as informações acerca dos artigos e, a partir dessa verificação, consultou-se de forma integral cada artigo, o que permitiu o levantamento da produção publicada entre os anos de 2009 e 2018/1. O achado nessa classificação pode ser observado na figura 1.
Quando a produção acadêmica publicada em periódicos A1, A2, B1 e B2, evidencia-se que as revistas B1 e B2 possuem um contingente maior de publicações sobre migrações internacionais. Entretanto, essa concentração pode justificar-se pela maior oferta de revistas classificadas nessas áreas. Os periódicos A1 possuem 16 revistas cadastradas, com somente 3 artigos encontrados. O A2 apresenta 35 revistas nessa classificação. Já o B1 possui um universo de 111 revistas nessa classificação, e o B2, 91 registros.
Em todas as 253 revistas consultadas, foram pesquisadas as expressões "migrações", "imigração", "imigrantes", "mobilidade humana". No período de 2009 a 2018/1, foram encontrados 168 artigos que deram início a esta revisão de literatura e à discussão dos resultados obtidos.
Resultados da pesquisa
Para o desenvolvimento da pesquisa sobre migrações internacionais, tornou-se importante o desenvolvimento deste trabalho, a fim de ampliar e demonstrar o que tem sido pesquisado nas universidades brasileiras e, por consequência, publicado em determinados periódicos. Diante disso, a subárea do objeto de estudo deste artigo é as publicações em periódicos a partir da avaliação da Capes. Dessa forma, apresentamos parte dos resultados obtidos na análise, discussão e resultados das publicações sobre migrações internacionais.
Os artigos encontrados sobre migrações internacionais foram subdivididos em grandes áreas temáticas relacionadas com a questão migratória, sendo elas: educação, saúde, políticas, relações de trabalho, religião, território e qualidade de vida. Também se fez uma análise sobre o protagonismo de mulheres nas migrações, na qual se encontraram artigos que identificam a intersecionalidade das relações de gênero, migrações e vulnerabilidades ante a saúde, a exploração sexual e a correlação entre mulheres e trabalho doméstico.
Portanto, observando os números encontrados nesta pesquisa e considerando os artigos publicados nas revistas entre 2009 e 2018/1, iniciou-se a análise dos dados, a partir do ano de publicação, a fim de demonstrar o crescimento das publicações sobre migrações.
A figura 2 torna possível a visualização do crescimento anual de pesquisas e publicação sobre migrações, com base nos dados da Plataforma Sucupira. De 2009 a 2015, as publicações nessa temática não ultrapassaram o contingente de 20 artigos. A partir de 2016, há um salto de publicações, em que foram encontrados 34 artigos; no ano de 2017, 32 artigos; e até o primeiro semestre de 2018, foram publicados 15 artigos que abordam essa temática.
O crescimento da produção acadêmica e de pesquisas sobre migrações a partir de 2016 pode-se justificar pelo grande aumento das migrações internacionais para o Brasil. Em dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2016, a quantidade de pessoas migrantes aumentou em 41 % nos últimos 15 anos, totalizando 244 milhões de migrantes internacionais, resultando em 3,3 % da população mundial. No entanto, as migrações internacionais se dão de diferentes formas, por exemplo, na Europa, na América do Norte e na Oceania, os migrantes são pelo menos 10 % da população, enquanto na África, na Ásia, na América Latina e no Caribe, somam menos de 2 %.
Em contrapartida, identificam-se muitas pesquisas de fluxos migratórios de determinadas populações, como por exemplo, a migração de haitianos que atravessam a fronteira norte do país para se estabelecerem no Brasil é tema recorrente dessas pesquisas e publicações. A migração haitiana para o Brasil se dá em um contexto de diáspora após o catastrófico terremoto em 12 de janeiro de 2010. Dos 14 artigos encontrados que tratam em específico do fluxo haitiano para o Brasil, todos são pesquisas qualitativas em determinados locais do país, sobretudo no Amazonas, porta de entrada para essa população. Em suma, os artigos tratam das dificuldades socioculturais, da burocratização do acesso ao Sistema Único de Saúde (sus), o qual é uma garantia legal prevista na Constituição Federal brasileira, e da precarização do trabalho a que os haitianos são submetidos principalmente no Norte do Brasil.
Foi analisada também a produção do conhecimento a partir da região da sua publicação com base nas universidades nas quais os/as pesquisadores/ as-autores/as estão inseridos/as.
Fica evidente que as pesquisas publicadas em periódicos bem avaliados pela Capes estão concentradas na região Sul e Sudeste do Brasil, o que significa um dado desigual e alarmante comparado com as outras regiões geográficas do país. Considerando a grande extensão do país e as significativas diferenças culturais entre as regiões, entendeu-se por necessário analisar o que vem sendo pesquisado e publicado nas diferentes regiões brasileiras. Conforme os dados obtidos na análise, as regiões Sul e Sudeste concentram a maior parte das publicações em periódicos, enquanto as demais regiões possuem uma porcentagem consideravelmente inferior. E importante ressaltar que essa distribuição condiz somente aos artigos publicados em periódicos selecionados nesta pesquisa.
Foi possível identificar também os principais temas abordados nos 168 artigos consultados, sendo eles: saúde, trabalho, educação, religião, políticas, territórios e qualidade de vida dos imigrantes.
Destaca-se que os temas mais abordados nos achados das pesquisas estão centrados na questão da saúde dos imigrantes, na forma de recepção e inserção deles no mercado de trabalho, nas políticas públicas brasileiras voltadas aos imigrantes - que, no ano de 2017, foram marcadas pelo avanço de direitos com a promulgação da Nova Lei de Migração, baseada nos Direitos Humanos - e na questão da territorialidade, na qual "os imigrantes, ao se inserirem nos territórios de destino, dão significados a esses territórios, a partir de movimentos de desterritorialização e reterritorialização" (Lanza, Santos e Rodrigues, 2016, p. 54).
Os textos referentes à qualidade de vida, em sua maioria, retratam as experiências de migrantes brasileiros que deixaram o Brasil em busca de uma condição melhor de vida, escolhendo principalmente a Europa como residência. Nesses artigos, o país com mais pesquisas de caráter qualitativo sobre essa temática é Portugal, que tem a mesma língua que o Brasil. No que tange à religião, 5 % do universo total do levantamento feito se concentra no islamismo e no judaísmo, ambos como pertencentes à identidade desses grupos étnicos.
As publicações que envolvem migração e educação são, na maioria, de caráter qualitativo, com reflexões e entrevistas com os sujeitos da pesquisa, salvas as publicações sobre as escolas étnicas, com estudo nas de origem polonesa, em que foram feitas análises históricas. Segundo Rodrigo Boçõen (2017), essas escolas do século xix eram caracterizadas por seu ensino na língua materna do grupo étnico, da sua cultura e história do país. Sobre migrações contemporâneas com fins de estudo para o Brasil, destaca-se que esse fluxo migratório é caracterizado por um movimento temporário.
Giulliany Feitosa e Luciana Lima (2017) analisaram o fluxo de estudantes africanos em uma universidade do Nordeste brasileiro vinculados ao Programa de Convênio Estudantil (PEC-G) e o processo de adaptação e inserção no campo acadêmico. Na análise, relata-se a solidariedade entre os estudantes africanos e conclui-se que existe uma aproximação maior entre os estudantes africanos, se comparado com a interação com os estudantes brasileiros.
A questão laboral é uma temática recorrente nas pesquisas. Nos periódicos pesquisados, 17 % das publicações referem-se ao trabalho de imigrantes. São estudos quantitativos de dados estatísticos que denunciam a sua precarização e as desigualdades do mercado de trabalho brasileiro. Silva, Queiróz e Ferreira (2016) retratam os mecanismos de produção e reprodução das desigualdades no Brasil, a partir da mobilidade humana e do capital, retratando as dificuldades que os imigrantes e refugiados encontram e a que se submetem na sociedade brasileira; em geral, submetem-se a trabalhos insalubres com baixa remuneração e sem perspectiva de crescimento. Por fim, a temática mais recorrente é sobre políticas setoriais. Optou-se por categorizar todas as políticas em uma só, por tratarem a respeito da formação de agenda de políticas públicas voltadas para as migrações, ou seja, esse tópico compreende as políticas de fato migratórias e as políticas públicas e sociais voltadas para a população migrante. Sobre isso, foi analisado como tais políticas estão implicadas na cultura, na qualidade de vida e na situação de imigrantes residentes no Brasil, além disso foram verificados os efeitos e o desenvolvimento das políticas públicas e setoriais destinadas aos imigrantes, com o intuito de compreender a relação entre a formação da agenda de políticas públicas migratórias e a questão jurídica brasileira referente aos imigrantes.
Quanto à questãojurídica de imigração, em 2017, o Brasil muito avançou, uma vez que trocou o seu arcabouço jurídico ao promulgar a Nova Lei de Migração (Lei 13.445), que regulou a entrada e permanência dos imigrantes no Brasil. Os artigos analisados de Luiz Figueredo e João Zanelatto (2016), de Maiquel Ângelo Wermuth e Joice Nielsson (2016) e de Carmem Lussi (2015) tecem críticas fundamentais à antiga política regulamentária dos imigrantes no Brasil, o então Estatuto do Estrangeiro, uma lei baseada na segurança nacional, da era ditatorial, que compreendia o imigrante como uma ameaça ao território brasileiro. Esses autores já faziam menção da nova lei de migração, que, até então, era um projeto de lei que tramitava desde 2015, com a promessa de ser uma política baseada na promulgação da igualdade entre todos, o que de fato se consolidou.
A Nova Lei de Migração do Brasil merece destaque. Baseada nas diretrizes dos direitos humanos que asseguram a todos os imigrantes igualdade no direito à vida e ao acesso a saúde, segurança, trabalho, moradia dentre outros direitos fundamentais. Para tanto, por mais ampla e protetora que seja a nova lei, o Brasil ainda carece de uma política pública interdisciplinar, integrada e contextualizada para essa população, que seja capaz de reconhecer e assumir a complexidade que esse tema requer, porque, além de garantir o acesso a esses direitos, agora reconhecidos em lei para os imigrantes, é preciso promovê-lo (Lussi, 2015). Ainda mais, é preciso integrar a população migrante à nossa população receptora, com o desafio de implementar uma política que não seja discriminatória.
Outro tema abordado frequentemente nas publicações é a relação entre gênero e migrações. Entendemos que o protagonismo das mulheres nos fluxos de mobilidade humana obteve destaque, uma vez que, nos estudos clássicos sobre migrações, segundo Assis (2007), as mulheres eram descritas como aquelas que acompanhavam, esperavam por seus maridos e filhos, sem evidenciar a importância de seus ganhos para a renda familiar. Portanto, as análises e pesquisas migratórias não só encobriam a participação de mulheres, como também não percebiam que a migração de longa distância ocorre articulada em uma complexa rede de relações sociais nas quais elas possuem uma fundamental participação.
Monzón (2017) ressalta que toda a experiência humana possui impactos diferenciados para mulheres e para uma diversidade de identidades de gêneros que se entrecruzam em condições históricas, sexuais, sociorraciais, étnicas, etárias e de outros meios de opressão, discriminação e exclusão. A categoria gênero constitui-se em uma ferramenta analítica para explicar os fenómenos da realidade social e, em particular, as questões socioculturais, históricas, económicas e políticas que estão intrinsicamente ligadas aos motivos de migração de mulheres. Devido a toda essa questão que envolve o protagonismo das mulheres na migração, entendeu-se como necessária a análise de artigos publicados que retratassem as condições e contribuições da migração de mulheres.
Diante disso, foram encontrados 38 artigos na base de pesquisa que tratam sobre a feminização das migrações, o que corresponde a 34 % do total de artigos sobre migrações internacionais e que se concentram nos periódicos avaliados em A2, B1 e B2. Visto isso, ressaltamos que, em periódicos A1, não foi encontrada nenhuma publicação sobre o movimento migratório de mulheres. No periódico A2, foram encontradas 9 publicações; nos periódicos B1 e B2, 16 e 13 publicações, respectivamente.
A figura 5 apresenta as publicações por ano sobre a temática das migrações de mulheres. O ano de 2016 foi o com maior número de publicação, totalizando 7 artigos, acompanhando o aumento do índice geral para o ano de 2016. Em 2011, não foi encontrado nenhum artigo nos periódicos analisados. Dos 38 artigos, 5 destes estão no primeiro quadriênio analisado, 26 no quadriênio 2013-2017 e 3 artigos foram publicados no primeiro semestre de 2018. Ressaltamos que, dentre os 38 artigos, 9 deles retratam pesquisas sobre as experiências de mulheres brasileiras em países da Europa, relacionadas ao acesso à saúde e ao trabalho, e à questão do matrimónio e da maternidade no país europeu. Outros artigos retratam as experiências migratórias de mulheres latino-americanas para o Brasil, como é o caso das colombianas, bolivianas e peruanas, em relação às condições de trabalho a que estão subordinadas e ao acesso à saúde.
Considerando a produção sobre o movimento migratório de mulheres, foram encontrados artigos sobre essa temática em 20 periódicos do total de 253 consultados, o que significa um baixo índice de revistas que publicam sobre isso. Ressaltamos que a maioria desses artigos foi encontrada em revistas de estudos de gênero, como a Revista de Estudos Feministas (Universidade Federal de Santa Catarina), o Cadernos Pagu (Universidade Estadual de Campinas), o Caderno Espaço Feminino (Universidade Federal de Uberlândia) e a Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero (Universidade Estadual de Ponta Grossa).
Foi analisado também o local de origem dos artigos publicados com base nas universidades de vinculação dos/das seus/suas autores/as. As publicações concentram-se nas produções das regiões Sudeste com 34% e na região Sul com 24%. A região Nordeste e Centro-Oeste com 5 % cada e a região Norte com 2 % das universidades a que os/as autores/ as estão vinculados/as.
Entretanto, quando se trata da produção do conhecimento sobre migrações e gênero do contexto social em análise, a Europa aparece em 22 % das publicações dos periódicos brasileiros, a América Latina em 2 % e a América do Norte em 5 %. Esse dado é baseado na análise de todos os artigos encontrados sobre a relação de gênero e migrações no período desta pesquisa.
A metodologia utilizada nos artigos científicos encontrados e analisados, em sua maioria, é de abordagem qualitativa. Somente em dois artigos foram encontradas pesquisas quantitativas e qualitativas ao mesmo tempo, com análise de dados sobre o processo migratório para o Brasil combinadas com entrevistas e questionários. Dentre as técnicas aplicadas nas pesquisas de método qualitativo, evidenciamos a utilização de entrevistas, relatos de histórias de vida, análises teóricas e observação participante.
Os dados da figura 5 coadunam-se com a invisibilidade das migrações de mulheres, tema difundido por Assis (2007) e citado nos textos de Alencar--Rodrigues, Strey e Espinosa (2009), Dornellas e Nunes Ribeiro (2018) e retratadas também nos artigos de Pontes (2012) e Montian e Rosa (2015). Estes/as autores/as compartilham a ideia de que as migrações se dão de diferentes formas para os homens e para as mulheres, e que estas, durante muitos anos, foram invisibilizadas, tratadas como acompanhantes de seus maridos, e não como protagonistas do ato de migrar, além das diversas formas de exclusão, de estigmas e violências às quais estão sujeitas ao migrar.
Diferentemente da separação dos artigos por temas centrais de discussão sobre migrações internacionais, no que tange à migração de mulheres, não encontramos nenhum artigo sobre educação, como encontrados anteriormente. Entretanto, a violência torna-se um tema-chave, como apontado na figura 6, na qual 19 % dos artigos retratam as diferentes formas de violência a que as mulheres são submetidas. Enfatiza-se que essas representações se diferem da figura 4, mesmo que alguns temas se repitam.
Outro tema substancialmente abordado é a relação de gênero e ma-trimônio baseados nos casamentos mistos ou binacionais, de mulheres brasileiras com homens europeus. Viviane Assunção (2016), em sua pesquisa etnográfica, combate os conceitos estabelecidos por sensos comuns que retratam o casamento de brasileiras com holandeses que optaram por residir no país europeu, demonstrando que essa opção é por amor, e não por conveniência ou questões de legalidade no país, ou então de que são mulheres que vivem em extrema pobreza e procuram homens europeus dispostos a tirá-las dos países em desenvolvimento, como é substabelecido consensualmente. Ademais, Assunção (2016) relata que existe uma heterogenização dessas mulheres, que se diferem na faixa etária, na origem geográfica e na classe social.
Assim, com base na figura 6, quanto às abordagens das pesquisas realizadas e publicadas, as migrações apresentam-se de diferentes faces para homens e mulheres. Das publicações encontradas, 10 % retratam a falta de políticas públicas que deem visibilidade para a mulher migrante e garantam o seu bem-estar e acesso aos direitos fundamentais. As produções publicadas nos periódicos consultados sinalizam também as dificuldades encontradas pelas mulheres migrantes ante a maternidade, a partir do vínculo matrimonial com homens de outra nacionalidade, a relação da migração de mulheres com o trabalho doméstico e o número de artigos que tratam sobre tráfico humano sexual de mulheres, o que é considerado crime transnacional.
Quanto às dificuldades em relação ao acesso à saúde pública enfrentadas por imigrantes, tornam-se mais dramáticas quando a imigrante necessita de cuidados de pré-natal. Os artigos que tratam sobre esse tema são todos de método qualitativo, ou seja, é possível compreender questões particulares dessas mulheres, como é o caso das mulheres bolivianas tratadas no artigo de Castro, Oliveira e Custódio (2015), que retrata os problemas de comunicação entre as imigrantes e os profissionais da saúde, situação em que sentem diferença entre o tratamento dado aos imigrantes e às brasileiras, além da diferença na dimensão cultural (por exemplo, as mulheres bolivianas têm preferência pelo parto na posição vertical).
Esses obstáculos retratados estendem-se a todas as mulheres imigrantes que possuem dificuldade na comunicação. Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (Ipea) de 2015, os/as imigrantes relataram que o idioma, a documentação e a falta de informação são os principais obstáculos ao chegarem ao Brasil, já que, sem isso, o acesso a todos os serviços públicos é dificultado.
Das publicações relacionadas ao movimento migratório de mulheres e religião, 10% concentram-se na imigração judia, a partir de processos de aculturação e identidades das mulheres judias. Quanto às questões sobre territorialidade, 6 % retratam a questão da apropriação do espaço público. Em uma pesquisa em Portugal, Joana Miranda (2014) retrata a vivência de mulheres imigrantes brasileiras, cabo-verdianas e ucranianas, como se relacionam com o espaço imigrado, uma vez que as cidades continuam sendo espaços segregados, de conflito e de discriminação.
Outros temas relevantes publicados nesses periódicos brasileiros se referem à questão do trabalho doméstico e do tráfico sexual. No artigo de Nancy Pereira (2016), a pastora metodista retrata a crise social vivenciada por mulheres pobres e/ou migrantes a partir da exploração e precarização do trabalho sexual e doméstico.
As questões étnicas e raciais também operam de modo importante nesta equação, aprofundando as formatações históricas de subordinação de grupos sociais colonizados e mantidos na subalternidade através de mecanismos de exclusão na organização social e sexual do trabalho. Sem esta combinação de variáveis analíticas - classe, gênero, etnia - fica difícil desvelar os muitos níveis de subordinação que se escondem no âmbito do trabalho doméstico, em especial do trabalho doméstico de mulheres migrantes. (p. 66)
Diante de todos esses fatores de vulnerabilidades enfrentados por mulheres imigrantes, os referidos artigos apontam de forma similar que as migrações de mulheres necessitam um melhor tratamento pelas sociedades. Pontes (2012, p. 279) demonstra "a importância das representações de gênero, classe e origem na articulação de distinções sociais discriminatórias que justificam as desigualdades sociais no contexto migratório". Dessa forma, os artigos que possuem um recorte de gênero visibilizam a questão que está à margem das teorias das migrações, ou seja, é quando os/as pesquisadores/as identificam que existe uma relação entre migrações, gênero, sexualidade, etnia, classe social e origem.
Considerações finais
Ao terminar este trabalho, gostaríamos de frisar que este faz parte de um estudo e pesquisa sobre fluxos migratórios e interessa-se em analisar como os estudos sobre essa temática têm sido representados em periódicos relevantes do ponto de vista da avaliação Qualis. A partir disso, damos seguimento à análise do que está representado sobre a temática em periódicos considerados fora do mainstream da produção intelectual em periódicos brasileiros.
Por conseguinte, optou-se, ao longo deste trabalho, construir um panorama geral sobre a produção acadêmica científica sobre as migrações internacionais para o Brasil, entretanto muitos aspectos mencionados aqui merecem um aprofundamento de caráter analítico.
Esta pesquisa, sobre os artigos publicados em revistas acadêmicas da Plataforma Sucupira, ou seja, do que vem sendo produzido cientificamente e publicado sobre migrações internacionais em revistas no Brasil, classificadas em A1, A2, B1, e B2, constituiu-se em um esforço de apresentar os desdobramentos das pesquisas e publicações sobre os movimentos migratórios de 2009 até 2018/1, com base na análise dos artigos publicados nesse período.
Já é sabido que as migrações atualmente são influenciadas por guerras, mudanças climáticas, catástrofes ambientais, terrorismos e outros fatores que interferem na mobilidade humana, lidando com os desejos, anseios e vulnerabilidade dos imigrantes ao se fixarem em um local diferente do seu de origem e nele morar, trabalhar, estudar, ter segurança e saúde. Com isso, a diversificação dos temas debatidos na questão das migrações é ampla e torna-se cada vez mais necessária em tempos globalizados.
A diversificação de temas abordados ao longo dos 168 artigos encontrados demonstra o quanto é fundamental a discussão e ampliação do entendimento sobre o tema, além do enfrentamento dos obstáculos do processo migratório. O propósito deste estado da arte, para além de uma construção bibliográfica e metodológica da produção de artigos publicados nas revistas em análise, é a observação do contexto migratório no Brasil, a realidade das pessoas migrantes e a garantia dos direitos fundamentais assegurados aos imigrantes no contexto jurídico e social.
Os estudos e pesquisas realizados no âmbito brasileiro somam significativas contribuições de conhecimento e compreensão sobre os mais diversos processos de migração. Por mais que o Brasil tenha mudado o seu ordenamento jurídico durante esta análise (ano de 2017), com a alteração e flexibilização da regulamentação da entrada e permanência dos imigrantes em um contexto mundial de políticas migratórias restritivas, ainda é necessária a implementação de uma política pública que vise ao bem-estar e à permanência digna de todos os imigrantes.
Com a análise da produção publicada, com foco nas migrações contemporâneas para o Brasil, encontramos muitas pesquisas sobre o movimento de imigração do Haiti, como citado anteriormente, que transparecem a atual situação de muitos imigrantes recém-chegados ao Brasil, a partir da exploração do trabalho, da dificuldade de acesso à saúde, de comunicação entre outros estigmas. Com isso, constatamos que a situação vivenciada por haitianos se equipara à migração de senegaleses e venezuelanos para o Brasil, que tiveram início em 2015 e 2018, respectivamente, e justificamos a falta de produção científica sobre suas trajetórias migratórias, porque são fluxos extremamente recentes. Como identificamos, o fluxo haitiano teve início em 2010, e as publicações e pesquisas ganham visibilidade a partir de 2015.
Ao longo da análise, também foi identificado que muitos artigos tratam sobre xenofobia, que é o ódio gratuito, a antipatia ou o temor por imigrantes. O combate à xenofobia ganhou visibilidade no Brasil, ao ser repudiada e considerada crime pela atual Lei de Migração. Contudo, foi constatado que pouco se fala sobre o combate a ela ou, então, sobre possíveis soluções para isso a partir da educação, a qual, para pensadores como Munanga (1999), é a chave para transformar a sociedade.
Entretanto, considerando a pluralidade de estudos e problemas debatidos teórica e empiricamente, foi possível compreender as migrações internacionais sob diversos ângulos e perspectivas. Com isso, conclui-se que, no Brasil, é preciso reconhecer os avanços da Nova Lei de Migração, da globalização e da mobilidade humana, além disso potencializar as políticas públicas a partir das diferenças entre raça, classe e gênero. O grande desafio da implementação dessa política pode estar na criação de uma política com diferenças sem ser discriminatória.
No mais, este artigo propôs demonstrar, de forma parcial, um mapa cognitivo sobre as publicações em revistas consideradas bem avaliadas pelo sistema Qualis da Plataforma Sucupira. Importante ressaltar que tais periódicos correspondem a 31 % do total de periódicos A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, isto é, representam menos da metade de todas as revistas avaliadas na área.
Nesta fase inicial da pesquisa, não é possível afirmar a existência de seletividade, ainda que já se observe uma concentração regional na origem dos artigos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, conforme demonstrado na figura 3 do presente artigo.
Portanto, esta pesquisa não é de caráter conclusivo, uma vez que se pretende ainda fazer um levantamento que considere os periódicos ponderados como de baixo impacto na avaliação da Capes e no qual esta metodologia seja reaplicada.