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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.29 no.3 Medellín Oct./Dec. 2011

 

ENSAYO / ESSAY / ENSAIO

 

Desafios nas entrevistas de uma investigação qualitativa. Relato de experiência

Desafíos en las entrevistas de una investigación cualitativa. Relato de experiencia

Qualitative research interview challenges. Experience report

 

 

Stefanie Griebeler Oliveira1, Alberto Manuel Quintana2, Maria de Lourdes Denardin Budó3, Manoela Fonseca Lüdtke4, Paula Argemi Cassel5, Raquel Pötter Garcia6

 

1 Enfermeira, Mestre em Enfermagem , Doutoranda em Enfermagem. Professora da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: stefaniegriebeler@yahoo.com.br.

2 Psicólogo, Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: albertom.quintana@gmail.com.

3 Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Professora da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: lourdesdenardin@gmail.com.

4 Acadêmica de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: manuludke@hotmail.com.

5 Acadêmica de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: paula.acassel@gmail.com.

6 Enfermeira, Mestranda em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. email: raquelpotter_@hotmail.com.

 

Subvenciones: artículo producto de la investigación "Representações Sociais da Internação Domiciliar na terminalidade: o olhar do cuidador familiar".

Conflicto de intereses: ninguno a declarar.

Cómo citar este artículo: Oliveira SG, Quintana AM, Budó MLD, Lüdtke MF, Cassel PA, Garcia RP. Desafios nas entrevistas de uma investigação qualitativa. Relato de experiência. Invest Educ Enferm. 2011;29(3): 485-491.

 


 

RESUMO

Relato das percepções surgidas da experiência da recolha dos dados da investigação qualitativa "Representações Sociais da Internação Domiciliar na terminalidade: o olhar do cuidador familiar". Mostram-se as dificuldades para o pesquisador na realização das entrevistas, especialmente no estabelecimento de uma relação o mais horizontal possível entre pesquisador e pesquisado.

Palavras chaves: pesquisa qualitativa; técnicas de pesquisa; entrevistas como assunto; coleta de dados; enfermagem.

 


 

RESUMEN

Relato de las percepciones surgidas de la experiencia de recolección de datos de la investigación cualitativa "Representações Sociais da Internação Domiciliar na terminalidade: o olhar do cuidador familiar". Se muestran las dificultades para el investigador en la realización de las entrevistas, especialmente en el establecimiento de una relación horizontal entre investigador e investigado.

Palabras clave: investigación cualitativa; técnicas de investigación; entrevistas como asunto; recolección de datos; enfermería.

 


 

ABSTRACT

Report of the perceptions emerged from the experience of the qualitative research "Representações Sociais da Internação Domiciliar na terminalidade: o olhar do cuidador familiar" data collection. Difficulties for the researcher in performing the interviews, especially in establishing a horizontal relationship between the researcher and the researched, are shown.

Key words: qualitative research; research techniques; interviews as topic; data collection; nursing.

 


 

INTRODUÇÃO

O presente artigo discute as impressões emergidas a partir da realização da coleta de dados de uma pesquisa qualitativa, em especial da entrevista, proveniente de uma dissertação de mestrado intitulada "Representações Sociais da Internação Domiciliar na Terminalidade: o olhar do cuidador familiar",1 do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria. Tal pesquisa abordou a percepção dos familiares cuidadores de pacientes terminais que se encontravam em internação domiciliar. No decorrer da fase da coleta de dados foram suscitados diversos questionamentos sobre o método qualitativo, bem como os aspectos deste relacionados à pesquisa com seres humanos.

O método qualitativo se caracteriza por ter o ambiente natural como fonte de coleta dos dados e o pesquisador como o instrumento principal. Além disso, tem caráter descritivo, visando descobrir os significados que os sujeitos da pesquisa dão ao tema que está sendo investigado, bem como descrever e decodificar os significados colhidos na pesquisa.2 A pesquisa qualitativa divide-se em três etapas, a saber: sua elaboração, a coleta dos dados, e a sua posterior análise.

Na primeira, a construção do projeto de pesquisa depende estritamente dos seus autores, podendo ser desenvolvida de acordo com a disponibilidade dos mesmos. Essa fase, na maioria das vezes, costuma ocorrer de maneira tranquila e sem intercorrências, já que não exige um roteiro pré-estabelecido. Apesar disso, essa etapa caracteriza-se como uma das mais importantes da pesquisa, pois compreende a construção de uma trajetória de investigação,3 necessitando de organização e perseverança. Ela também pode ser definida como a fase de planejamento, a qual deve preconizar certo investimento em tempo e trabalho, a fim de permitir que a segunda fase, onde acontece a execução da pesquisa, seja realizada sem problemas metodológicos e logísticos. Salienta-se que a fase de execução da pesquisa somente se inicia após a apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), quando envolve seres humanos.4 Assim, a partir dessa aprovação é que o pesquisador poderá iniciar o acesso aos sujeitos de pesquisa e prosseguir no desenvolvimento do seu trabalho.

No tocante à investigação qualitativa, existem diversas maneiras de efetuar a coleta dos dados e, entre elas, destaca-se a entrevista. Esta é bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, como também das suas explicações a respeito das coisas que ocorrem em seu entorno.5 É neste momento de coleta dos dados que poderão emergir ansiedades e expectativas do pesquisador frente às conquistas, mas também diante dos desafios e percalços, entre outros possíveis obstáculos decorrentes do primeiro encontro com o sujeito da pesquisa. Podem-se citar a angústia relativa à aceitação do sujeito em participar da pesquisa e também o estabelecimento de um roteiro adequado com os objetivos propostos. O contato interpessoal objetiva a obtenção das informações necessárias para estabelecer novos conhecimentos acerca das vivências humanas6 e o sucesso da entrevista depende fundamentalmente do nível da relação pessoal estabelecido entre entrevistador e entrevistado.5

Nesse sentido, as angústias e expectativas enfrentadas durante a etapa de coleta dos dados podem variar de acordo com o pesquisador e também conforme os sujeitos da pesquisa, uma vez que cada um tem sua personalidade e maneira de agir frente às situações. Diante dessas constatações, pretende-se relatar a experiência das percepções emergidas a partir da realização da coleta dos dados de uma pesquisa qualitativa.

Uma breve contextualização da experiência

A pesquisa "Representações Sociais da Internação Domiciliar na terminalidade: olhar do cuidador familiar"1 teve, como período de coleta de dados, do mês de dezembro de 2009 ao mês de junho de 2010. Nesse período, as impressões foram sendo registradas em um diário de campo, desde o momento da aprovação da pesquisa pelo CEP, a maneira com que o pesquisador se organizou para acessar os possíveis sujeitos de pesquisa, o primeiro contato, por telefone, com esses sujeitos, bem como as observações realizadas durante a entrevista.

A referida pesquisa1 apresentava particularidades, por ter como sujeito o cuidador familiar, maior de 18 anos, do paciente terminal em regime de internação domiciliar. Se o paciente falecesse, este cuidador não seria mais entrevistado, visto que ele expressa certos significados, representações, quando está cuidando do paciente, e, após a morte do mesmo, apresentará outros significados pertencentes à fase de luto. Ao finalizar os registros no diário de campo, percebeu-se a riqueza das observações, e, assim, a relevância de organizá-las em um relato de experiência, para que essas impressões pudessem ser compartilhadas, pensadas e refletidas por outros pesquisadores.

Coleta de dados: desafios e perspectivas

Conforme já mencionado, o pesquisador é perpassado por expectativas e ansiedades, as quais surgem logo com a construção do objeto de pesquisa, e se acentuam com as etapas posteriores. No momento em que se recebeu a aprovação do Comitê de Ética para a pesquisa "Representações Sociais da Internação Domiciliar na Terminalidade: o olhar do cuidador familiar"1 e a consequente autorização para o início da coleta dos dados, sentimentos inquietantes se intensificaram, uma vez que o pesquisador necessitou se organizar para acessar os sujeitos da pesquisa e preparar-se para encontrar suas realidades.

A preparação para a entrevista, segundo muitos autores,3,7,8 é uma das etapas mais importantes da pesquisa, pois demanda tempo e exige cuidados, tais como: o planejamento, a escolha do entrevistado, que deve ser alguém que tenha familiaridade com a temática pesquisada, além da disponibilidade para o entrevistado fornecer a entrevista.

A ansiedade e expectativa da realização das entrevistas, por parte do pesquisador, foram também centradas nos participantes, pois, na tentativa de adentrar em suas rotinas, mesmo que por instantes, foi necessário perceber que eles têm seus compromissos cotidianos, sobretudo frente à adaptação a um novo contexto de vida, ou seja, o fato de um familiar ter uma doença que exige cuidados permanentes. Apesar disso, se o pesquisador conseguir conduzir a entrevista corretamente, o entrevistado passará a compartilhar com ele sua intimidade, e expor pensamentos, afetos e sentimentos que, por serem muito intrínsecos, são mobilizadores de ansiedade. Esta possibilidade presente em qualquer entrevista apresenta diferentes intensidades, dependendo da temática da pesquisa. No caso da investigação que deu origem a este trabalho, a ansiedade pode ter sido muito intensa, uma vez que a doença terminal de um familiar movimenta diversos valores e crenças acerca da morte.

A partir do pressuposto de que esta reflexão se originou de uma pesquisa realizada com cuidadores familiares de doentes terminais em internação domiciliar, entende-se que tal situação necessitou de um momento adaptativo, que possibilitasse que os indivíduos estivessem preparados para relatar suas reais percepções. Assim, o pesquisador teve a necessidade se adequar à disponibilidade dos sujeitos, aguardando o momento mais condizente para a realização dos depoimentos. Embora mais evidente na pesquisa realizada em função de sua temática, a adaptação do pesquisador à disponibilidade do sujeito de pesquisa foi fundamental, mas ela é extensível a qualquer situação da entrevista que pretenda penetrar no mundo do entrevistado.

Além dos aspectos já destacados, ainda foi necessário atentar para a época em que se pretendia realizar a coleta dos dados, pois a entrevista não poderia dificultar a rotina dos sujeitos, possibilitando, assim, que os dados encontrados fossem fidedignos para com seus contextos. Logo que se recebeu a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa, pretendeu-se, então, acessar os possíveis sujeitos de pesquisa. Todavia, isso ocorreu em dezembro, mês que possui datas comemorativas, o que dificultou a primeira entrevista, uma vez que grande parte das pessoas, nessa época, se organiza para as festas de fim de ano. Além disso, durante as datas festivas, muitas vezes são recebidas visitas de familiares de outras cidades e, com isso, as pessoas passam a se organizar de maneira diferente, alterando sua rotina e transparecendo situações pouco comuns do seu dia a dia. Considerou-se, desse modo, que as relações interpessoais presentes nos encontros eventuais de fim de ano poderiam, de alguma forma, prejudicar a credibilidade dos dados obtidos.

Em vista disso, neste estudo, o pesquisador, mesmo ansioso para iniciar sua coleta de dados, necessitou desenvolver sua pesquisa de maneira tranquila, a fim de escolher o momento mais adequado para a realização da entrevista, sendo que a primeira ocorreu somente em janeiro de 2010. Foi necessário, também, respeitar o momento de cada sujeito, buscando uma boa aproximação e interação no decorrer de todo o processo de investigação. Os encontros entre pesquisador e pesquisado foram permeados pelo estabelecimento de confiança, a qual permitiu maior acessibilidade às informações coletadas. Essa ocasião tornou-se um momento especial, pois se buscava o conhecimento de algum aspecto da vida dos indivíduos que somente eles poderiam relatar. Cada um dos pesquisados mostrou peculiaridades, possuindo sua própria história de vida, contida em toda a sua existência.7

Outro fator que causou certo desconforto e ansiedade para o pesquisador, na coleta dos dados, ocorreu durante o levantamento dos possíveis participantes, pois poderia ser encontrado um número pouco significativo, impedindo desse modo, o andamento em tempo hábil das fases da pesquisa. Exemplo disso foi a previsão de coleta dos dados da pesquisa1 para quatro meses, a qual teve a necessidade de se estender por seis meses, devido a, em um dos meses, não ter havido a vinculação de novos pacientes terminais ao Serviço de Internação Domiciliar. Houve, também, o fato de dois pacientes terminais internados ficarem somente três dias vinculados a esse serviço e em seguida falecerem, o que impedia a coleta dos dados com seus cuidadores, pelos critérios de inclusão da pesquisa.1 Tal aspecto deve ser avaliado desde o princípio, a fim de permitir que a pesquisa seja desenvolvida de maneira correta, no seu tempo e sem empecilhos para o pesquisador.

Ainda, como maneira de levantar maiores significações nos depoimentos dos cuidadores dos pacientes terminais, optou-se por realizar as entrevistas no domicílio onde eles desenvolviam o cuidado. No entanto, algumas vezes, isso implicou em uma necessidade de encontrar outra pessoa para estar no lugar de cuidador, uma vez que o paciente era bastante solicitante. Ressalta-se que tal situação modificaria a rotina de cuidados do paciente, o que poderia ocasionar certa preocupação ao familiar e consequentemente intervir na revelação dos dados.

Assim, percebeu-se que diversas dificuldades foram impostas ao pesquisador, as quais geraram angústias difíceis de serem resolvidas, uma vez que ele se colocava a par de uma situação e necessitava da disponibilidade das pessoas para alcançar seus objetivos. Um ponto a destacar em pesquisas com pacientes terminais, ou até mesmo pacientes crônicos já debilitados, é a incerteza do seu tempo de vida, pois, para a realização da pesquisa, faz-se necessário que a família ainda esteja vivenciando a situação e provendo cuidados.

Outro desafio encontrado neste período foi em relação às famílias que possuíam a ajuda de cuidadores menores de 18 anos, pois estes não se incluíam na referida pesquisa. Assim, encontraram-se empecilhos, já que as entrevistas foram realizadas no período diurno, momento em que os adultos trabalhavam para garantir a renda familiar. Essa situação gerou certo desconforto ao pesquisador, pois as condições precárias das famílias exigem que os papéis sejam invertidos, tornando os menores responsáveis por prestar os principais cuidados aos doentes.

O agendamento das entrevistas com os possíveis participantes caracteriza outro momento de tensão do pesquisador, uma vez que não existe a possibilidade de ir ao domicílio para a realização de uma pesquisa, sem anteriormente ter contatado esses indivíduos, a fim de verificar os melhores horários e disponibilidades dos mesmos. Nesse sentido, diversas maneiras podem ser utilizadas para a realização desse primeiro contato, sendo que as mais utilizadas foram as visitas ou a ligação por meio do telefone.

Nesta pesquisa1 utilizou-se a ligação telefônica, na qual, primeiramente, explicava-se o motivo da ligação e a maneira como o número do telefone foi encontrado. Ressalta-se o quanto isso causou estranhamento, pois, ambos, pesquisador e pesquisado, nunca haviam se encontrado, e com apenas uma ligação passaram a iniciar um contato passível de desconfianças, receios, anseios, dúvidas, inquietações e curiosidades.

O pesquisador deve atentar ao modo como o sujeito se expressa no contato inicial, seja por telefone, ou pessoalmente. Isso também deve ser observado no dia da entrevista, pois gera dados relevantes que podem ser associados no momento da interpretação dos depoimentos, bem como para a compreensão do universo investigado.9

Observou-se, ainda, que no início das entrevistas os sujeitos da pesquisa pareciam falar o que pensavam que o pesquisador queria ouvir. Isso demonstra que as relações de poder entre o pesquisador e sujeito da pesquisa podem tornar-se fatores dificultantes para o andamento das entrevistas, pois, no primeiro contato, há possibilidade do sujeito da pesquisa sentir-se retraído nessa relação, já que o senso comum reforça que o pesquisador faz parte do cientificismo. Tal situação pode ficar ainda mais intensificada, se houver diferença social entre pesquisador e pesquisado.

Ao identificar essa dificuldade, buscou-se, desde o primeiro momento, expressar que o saber do entrevistado sobre aquele assunto era muito importante para a pesquisa, por isso estava sendo estudado, e que pouco se sabia sobre a experiência de cuidar de um paciente terminal no domicílio. Isso, de alguma maneira, tranquilizava o cuidador, pois este passava a ver o pesquisador como alguém interessado na sua história. Portanto, salienta-se ser uma necessidade do pesquisador que haja consciência da sua dependência em relação ao entrevistado, e, de alguma maneira, ele transmita isso ao sujeito da pesquisa, para atenuar a disparidade que se instala na entrevista, em especial, quando o entrevistado tem escassa instrução formal.

Se não revertida essa dissimetria que se instala na entrevista, o sujeito da pesquisa poderá, ao longo da coleta dos dados, sentir-se em situação de avaliação, fazendo com que, assim, responda o que considerar relevante para o entrevistador. Logo, é comum o entrevistado iniciar o relato com um discurso não espontâneo, porém, a partir disso, e não somente nessa situação, é que aparecerão, possivelmente, as contradições nas falas desses entrevistados.10

Ressalta-se que vale também interferir ao longo da entrevista, mas somente quando necessário, deixando que ela transcorra da maneira natural, pois o pesquisador necessita da riqueza de informações que lhe serão transmitidas. Aquele que pesquisa tem papel fundamental na comunicação de orientações claras acerca da realização da investigação, sem influenciar respostas do pesquisado e permitindo que ele se sinta à vontade para relatar o que lhe for conveniente.

O processo ansiogênico10 pode causar no entrevistado sentimentos de avaliação, e, no entrevistador, a ansiedade pelas respostas pode dificultar a elaboração de novas perguntas, antes mesmo do entrevistado concluir sua resposta. Além disso, a própria quantidade de perguntas pode deixar as repostas muito sucintas, inclusive monossilábicas, prejudicando na coleta dos dados. Quanto menos perguntas, melhor a qualidade de respostas, as quais poderão ser mais amplas, menos concisas e mais ricas de informações. Essas situações de "respostas diretas a perguntas diretas" costumam não produzir bons resultados. Uma alternativa é, inicialmente, falar de gostos e interesses pessoais, da relação com os pais, do ambiente familiar, da própria infância e juventude, dos amigos, de experiências escolares. Isso, de um modo geral, deixa as pessoas mais livres para se expressar.9 Nesse âmbito, quanto menos dirigidas, isto é, quanto mais amplas as entrevistas puderem ser, mais eficientes elas se apresentam.6

Outro impasse encontrado refere-se à perspectiva nos comitês de ética, os quais avaliam que as pesquisas despertadoras de grande carga emocional nos seres humanos poderão ser prejudiciais ao entrevistado. No entanto, em praticamente todas as entrevistas, os cuidadores agradeceram no final, pela oportunidade de estarem expressando seus sentimentos, suas experiências, representações, pois muitas questões abordadas, como a sobrecarga no cuidado, não poderiam ser relatadas à família, por exemplo.

Entende-se que falar sobre circunstâncias de forte impacto emocional pode vir a gerar outra situação traumática no entrevistado. Essa crença popular está arraigada em diversas pessoas do meio científico, contudo, quando não há oportunidade para conversar sobre determinados assuntos, se criam zonas de silêncio e temas tabus, onde se cultiva uma situação fértil para que essas emoções fiquem enclausuradas, criando, assim, uma situação traumática. A entrevista, se o pesquisador souber respeitar o tempo do entrevistado, permite uma oportunidade para que se fale dessas questões, aliviando suas tensões ao compartilhar com o outro as suas angústias.

Nessa perspectiva, quando há estabelecimento de certa empatia entre entrevistador e entrevistado, e também deste último para com a temática da pesquisa, isso resulta de alguma forma em grande satisfação, o que faz com que os sujeitos entrevistados manifestem agradecimento pela oportunidade de responder ao instrumento de pesquisa, afirmando que esta possibilitou a reflexão sobre seu cotidiano.11

Por outro lado, ao longo das entrevistas, o pesquisador precisou estar atento a uma série de detalhes, como aos gestos, expressões e, sobretudo, ao conteúdo falado pelo sujeito da pesquisa.8 Essa atenção foi necessária para que os questionamentos não se tornassem repetitivos a ponto de constranger o entrevistado e impedi-lo de relatar seu contexto com fidedignidade. Contudo, acredita-se que as questões relevantes à pesquisa poderão ser mencionadas novamente, porém de maneira diferente e somente quando realmente exigirem aprofundamento, como nos casos em que ocorrem contradições no depoimento do sujeito.

Alguns estudos12 referem que a questão principal da entrevista deveria ser removida do roteiro, pois as repetidas explicações do que se deseja que o sujeito responda poderiam induzi-lo. Assim, na experiência relatada neste artigo, bastava emitir questionamentos diferenciados a respeito da temática pesquisada, para que o sujeito produzisse depoimentos aprofundados e completos. Portanto, a atenção e interesse do pesquisador na entrevista foram necessários, a fim de que se tornasse possível a detecção desses pontos. A entrevista, como método de coleta de dados, exige do pesquisador uma atenção exclusiva ao que foi dito, com o intuito de poder analisar e refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, assim como seu tom, seu ritmo de voz e suas expressões corporais.13

Nesse sentido, durante a coleta dos dados da pesquisa,1 foi realizada no momento de transcrição dos dados uma constante avaliação acerca do modo de condução das entrevistas. Essa avaliação contemplava identificar indução em respostas, se os eixos norteadores estavam sendo expressados de maneira clara para o entrevistado, e se as respostas estavam atendendo aos objetivos.

À medida que questões foram sendo apresentadas, diversas vezes, para diferentes indivíduos, e o pesquisador passou a escutar sua própria voz nas gravações, foi possível avaliar criticamente o seu desempenho, a fim de corrigi-lo gradativamente. Elaborar roteiros de entrevistas e formular perguntas pode, inicialmente, parecer tarefa simples, entretanto, quando ela é aplicada na prática, podem apresentar lacunas.9 Por fim, para que ocorra uma realização efetiva desses fatores e a pesquisa tenha resultados concretos, fez-se necessário que, no momento da entrevista, o pesquisador estivesse atento aos seus objetivos,12 buscando avaliar se eles estavam sendo atingidos por meio dos eixos norteadores ou das questões propostas.

Considerações finais

A realização de uma pesquisa exige capacidade de organização e conhecimento do pesquisador, uma vez que este necessita desenvolver todas as etapas conforme preconiza a metodologia. A fase da coleta dos dados demanda uma atenção ainda maior, sobretudo, quando são realizadas entrevistas com seres humanos.

Entrevistar os cuidadores familiares de pacientes terminais em regime de internação domiciliar significou para o pesquisador, também enfermeiro, relativizar seus conceitos e opiniões, pois somente dando abertura àqueles que vivenciam tal situação diariamente é que se pode entender algumas divergências entre familiares e profissionais da saúde. Além disso, dar voz aos cuidadores familiares permitiu que estes pudessem expressar seus sentimentos, sua sobrecarga em torno do cuidado, os quais muitas vezes são difíceis de compartilhar com os outros familiares, pois estes últimos podem ter uma interpretação diferente, entendendo que o cuidador deseje que o paciente venha a óbito, para que não ocupe mais o lugar de cuidador.

Assim, para adentrar em seus contextos e conseguir itens de suas vivências, faz-se necessária uma solicitude do pesquisador, buscando alternativas que melhor se adaptem às características de cada sujeito, sem desconfigurar os objetivos propostos. Ainda, diversos fatores podem causar angústias e ansiedades ao pesquisador durante a realização de entrevistas, porém elas devem ser minimizadas e subjugadas para que os dados sejam coletados da maneira mais fidedigna possível.

 

REFERENCIAS

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Fecha de Recibido: 7 de marzo de 2011. Fecha de Aprobado: 16 de agosto de 2011.

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