Introdução
Este artigo tem como recorte de análise o parque urbano, que por suas diferentes formas de inserção na cidade pode revelar o sentido da produção e apropriação dos espaços públicos. Compreende-se aqui a cidade como espaço dinâmico, em constante movimento, combinando mudanças nas suas formas e funções. Revela-se no espaço e no tempo como um espaço conflituoso, expressando-se como totalidade na sociedade.
O parque é uma das marcas da cidade contemporânea e, como o espaço urbano, produz-se por meio de "um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos agentes sociais" (Harvey 2005, 171), com papéis múltiplos, por vezes complementares, mas também contraditórios e, com frequência, conflituosos.
Os espaços públicos são como amálgamas da vida co-letiva, dão o sentido da festa, da coletividade, do urbano. Como os bens públicos (saneamento, saúde, educação, etc.), "sempre foram uma questão de Estado e administração pública", mas não constituem necessariamente um comum urbano. A ideia de:
"comum" é incorporada nesta análise no sentido de uma relação social instável e maleável entre determinado grupo social autodefinido e os aspectos já existentes ou ainda por criar do meio social e/ou físico, considerada crucial para sua vida e subsistência. (Harvey 2014, 143-145)
Compreender o parque como um comum urbano é reafirmar a prática social de comunalização engendrada por certos grupos sociais que foge a processos de mer-cantilização. No entanto, muitos parques, como o High Line (Nova York) e o Tejo (Lisboa), objeto desta análise, são criados como comuns urbanos, facilitando relações capitalistas.
Os parques públicos, sobretudo quando inseridos em grandes projetos de requalificação urbana1, surgem como produtos da lógica capitalista para induzirem ou reforçarem as mudanças pretendidas ou em curso em parcelas das cidades. Muitos estudos demonstraram em suas análises como em cidades de diferentes portes, esses equipamentos públicos obedecem à uma lógica universal que predomina desde a difusão dos ideários de "sustentabilidade" após a década de 1970, compondo agendas urbanas por extensão e difusão de preocupação e responsabilidade ambiental (Gomes 2013; Serpa 2007).
Os parques também se tornaram símbolos, imagens de marca das cidades ditas "modelo", como "Barcelona, Cingapura, Curitiba e assim se difundiram como elementos de um pacote de intervenções urbanas que procuram dar visibilidade às cidades que pretendem inserir-se no mercado mundial" (Sánchez 2010, 247). Como afirma Sánchez (2010, 247):
Algumas cidades são eleitas como modeladoras para outras e seus programas e projetos são incorporados à agenda urbana hegemónica. Essa agenda, expressiva da fase contemporânea do capitalismo, difunde um ideário sintonizado com os chamados 'impulsos globais' e se apoia na codificação de ações desejáveis para os governos locais que procuram a chamada 'inserção competitiva' no novo mapa do mundo. Os governos locais, aliados a instituições internacionais, transformam a cidade em produto, mercadoria, que atrai cidadãos-consumidores e investidores, determinando os canais mais apropriados para a difusão dos chamados "modelos".
Os projetos dos parques são, portanto, impulsionados por uma política global que os insere em preocupações ecológicas e de qualidade de vida humana. Em relação ao primeiro aspecto, o interesse não é necessariamente o de conservar, mas de reparar danos anteriormente causados ao meio. Por conseguinte, os discursos que exaltam a qualidade de vida os proclamam como locais de lazer ativo e contemplativo, proporcionando benefícios à saúde física e mental.
Os parques integram as agendas urbanas como espaços que legitimam ações de gestões públicas consideradas eficientes, representando o compromisso ambiental e social. No entanto, é muito comum esses espaços serem implantados em áreas de grande interesse imobiliário, como orlas marítimas, bairros considerados nobres, viadutos ou linhas férreas subutilizadas ou inutilizadas em áreas de interesse do capital, áreas degradadas ambientalmente como pedreiras, lixões ou onde as condições ambientais são restritivas para outros usos. Esse fato reflete a orientação dessas propostas para a ampliação das disparidades socioespaciais urbanas, alargando as contradições em termos socioambientais.
Grandes projetos de parques surgiram em ambiciosos e rentosos projetos urbanísticos em várias partes do mundo, com o intuito de promover e ampliar rendas imobiliárias. Implantados, muitas vezes, no contexto de grandes eventos internacionais, estes parques têm suas propostas fundamentadas no que se denomina city marketing (Hall 2005; Sánchez e Moura 1999; Vainer [2000] 2002). Ou seja, para além dos pressupostos do lazer, da ampliação e oferta do verde na cidade, têm-se a venda da imagem urbana tornando estas cidades atrativas para grandes investimentos internacionais, visitantes e usuários solváveis.
Na cidade de Lisboa, o Parque Tejo foi implantado entre 1995 e 1999, como parte de um projeto mais amplo, denominado Parque das Nações, para sediar a Exposição Mundial de Lisboa de 19982. Este ambicioso projeto urbanístico, implantado em área de elevada degradação ambiental, teve o Parque Tejo tanto como um elemento de adorno, refletindo uma estética urbana que se pretendia para projetar uma Lisboa moderna, quanto uma forma de destinação de áreas impróprias ou pouco desejadas para outros usos, como se destaca adiante.
O Parque Tejo foi apontado como a mais importante contribuição para a dimensão ambiental da proposta urbanística do Parque das Nações. Agregou-se a isso as condições naturais da área onde se situa e a sua concepção paisagística, revelando-se para os seus idealizadores como um elemento propulsor de uma proposta sustentável para o projeto em sua integridade, e, atingindo usos em escala metropolitana.
Considerando estas especificidades do Parque Tejo no contexto urbano de Lisboa, os objetivos deste artigo se concentraram em analisar os usos e desusos desse Parque, através da compreensão do perfil dos seus usuários, e da problematização da sua inserção histórica e espacial no espaço metropolitano de Lisboa. Compreender os usos e apropriações do espaço contribui para uma leitura do parque que tanto privilegia o agente social fim do processo, ou seja, o usuário, quanto permite avançar em estratégias de melhorias e recuperação dos espaços públicos. Por outro lado, este estudo pode contribuir ainda como uma metodologia para estudo de diferentes realidades.
Como recursos metodológicos, em uma primeira etapa foram realizados o reconhecimento da literatura especializada, sobretudo em bibliotecas da Universidade de Lisboa e Universidade Lusófona, e análise de documentos públicos sobre o parque, publicados pelo Parque Expo3. Numa segunda etapa, que privilegiou procedimentos empíricos, procedeu-se a entrevista com segmento do poder público relacionado à sua gestão, quer seja, a Junta de Freguesia do Parque das Nações; entrevista com os responsáveis pela concepção paisagística do projeto na empresa Arquitetura Paisagística (PROAP); e, questionários com o público usuário do parque, em um total de 80 deles, aplicados em diferentes dias e horários, privilegiando múltiplos espaços no interior do parque. Ainda, observações in loco foram realizadas com frequência com o intuito de compreender a dinâmica dos usos e apropriações do Parque e realizar registros fotográficos.
O trabalho se apresenta estruturado em duas partes, além das considerações iniciais onde se realizou apontamentos teórico-metodológicos e das considerações finais onde se apresenta o desfecho da análise. Na primeira parte é realizada uma contextualização do processo de implantação do Parque Tejo no âmbito do projeto urbanístico do Parque das Nações, demonstrando os elementos que os justificaram naquela parcela da cidade e com as características que assume na atualidade. Na segunda parte é apresentado o perfil dos usuários do Parque, problematizando os usos e apropriações. O intuito é oferecer um quadro analítico que permita compreender as contradições entre aquilo que foi previsto para o Parque como um espaço em escala metropolitana e aquilo que efeti-vamente se constituiu como um Parque de uso público, marcadamente apropriado pela população da Freguesia onde se localiza e por turistas em geral.
Parque Tejo como elemento de um projeto urbanístico em escala metropolitana
Como aludido, o Parque Tejo é parte de um projeto de requalificação urbana denominado Parque das Nações e sua compreensão só é possível a partir da contextualização dessa parcela do espaço urbano de alto padrão no município de Lisboa, resultante de uma operação urbanística dirigida pelo Estado português. Após intenso processo, desde 2012, o Parque das Nações se elevou à condição de Freguesia4, através da Lei no 56/2012, congregando partes da antiga Freguesia de Santa Maria dos Olivais (Concelho de Lisboa), Moscavide e Sacavém (Conselho de Loures) (Moreno 2016).
Com uma área de 415,5 hectares, [o Parque das Nações] representa 5% do total da área da cidade de Lisboa e possui uma população estimada de 21.025 habitantes. De acordo com os dados da Câmara Municipal de Lisboa, a Freguesia do Parque das Nações apresenta 819 edifícios habitacionais (1,55% do peso na área da cidade); 11527 alojamentos (3,53 do peso na área da cidade), 8366 famílias (3,40% do peso na área da cidade) e 21025 indivíduos (3,80% do peso na área da cidade). (Junta de Freguesia do Parque do Parque das Nações 2015, 15)
Denominado inicialmente de Zona de Intervenção (zi), o Parque das Nações compreende cinco quilôme-tros de frente ribeirinha e foi implantado numa vasta área degradada e poluída. Outrora ocupada por hortas, quintas e conventos, esta área experimentou a instalação de fábricas modernas e vilas operárias desde meados do século xix até por volta da década de 1960, quando houve uma deterioração progressiva, em função da desativação de muitas unidades industriais e ineficácia de políticas públicas. Transformou-se em um espaço contaminado, repleto de detritos das indústrias obsoletas.
"Edifícios em ruína, toneladas de aço e de ferro retorcido, tanques de combustível decrépitos, um velho matadouro, centenas de contentores marítimos empilhados, cemitérios de material de guerra, incluindo viaturas militares destruídas," etc., constituíam os elementos que caracterizavam o espaço naquele momento histórico (Ferreira 2007, 73) (Figura 1). Esta condição permaneceu até a década de 1990, quando esta área foi escolhida para sediar a Exposição Mundial.
As Figuras 1 e 2 demonstram os aspectos da área do Parque das Nações antes e depois da Exposição Mundial de Lisboa.
Esta parcela do espaço urbano:
Encontrava-se claramente segregado[a] do resto da cidade de Lisboa, conformando um conjunto de dissimetrias que denunciavam uma política urbana de isolamento na localização de bairros sociais e industriais, com uma quase total ausência de equipamentos culturais e de lazer que traduziam uma profunda degradação dos critérios urbanísticos e ambientais da frente ribeirinha oriental. (Machado 2006, 85)
Conforme Pedrosa (2013, 75):
A degradação da paisagem e edificado favoreceu o desequilíbrio e marginalização social que marca o território de proximidade, com antecedentes de ocupação espontânea.
Falhadas as pretensões de se constituírem como bairros operários, a construção de núcleos de habitação social junto à faixa industrial, como é o caso de Chelas, contribuíram para a "guetização" daquela zona da cidade. A "lógica metropolitana" da intervenção e o objetivo de requalificação e integração sócio-urbanística, daquela envolvente problemática, acabou por se tornar um dos fatores que mais controvérsia gerou, do ponto de vista da crítica, na fase pós-Expo.
A necessidade de recuperação ambiental da área pelo elevado nível de degradação e a possibilidade de aproveitar o evento para dar uma destinação para novos usos foram utilizadas como elementos justificativos. Também contribuíram para a escolha o fato de a zona ocidental de Lisboa concentrar as melhores infraestruturas urbanas e assim a zona oriental atendia à necessidade de espaço necessário para a Exposição, a maior parte dos terrenos eram públicos e a acessibilidade facilitada, sobretudo por estar servida de autoestradas, linha férrea e proximidade do aeroporto, além da ponte Vasco da Gama, construída concomitantemente.
A ideia era a de promover uma "profunda operação de renovação urbana e requalificação ambiental" (Pedrosa 2013, 75), integrando esta área ao tecido urbano de modo que se tornasse uma referência urbanística e de intervenção ambiental, contribuindo para a elevação de Lisboa ao circuito de cidades competitivas na Europa, tanto por oferecer um novo centro de negócios na metrópole quanto por proporcionar um conjunto de equipamentos públicos que subsidiariam as atividades turísticas5.
Com a Exposição, os objetivos primordiais do que se denominou de um projeto global para Portugal estavam centrados na projeção do país para o mundo através da realização de um evento internacional "com os mais altos padrões de qualidade e eficácia", reveladores da "modernidade do país e da capacidade de planeamento e concretização de projectos de grande complexidade", como foi a requalificação urbana da referida área (Morgado 1999, 28).
Nessas condições, o Parque Tejo compós um dos equipamentos ou âncoras urbanísticas do projeto, congregando com outros equipamentos (Centro de Exposições de Lisboa, Oceanário, Pavilhão Multiusos, Gare do Oriente, Torre Vasco da Gama, etc.) uma ampla variedade de usos. No entanto, como se analisa a seguir, o Parque, que deveria atingir usos em escala metropolitana, constituiu-se num equipamento de adorno do projeto que deveria obedecer aos padrões urbanísticos do Parque das Nações, privilegiando as necessidades de usos da população residente nessa Freguesia, em detrimento da diversidade social de Lisboa e, sobretudo, da sua envolvente.
Usos e desusos, o previsto e o feito: análise do perfil dos usuários do Parque Tejo
O Parque Tejo (Figura 3) foi implantado numa categoria de parque urbano/metropolitano que segundo "Normas para Programação de Equipamentos Coletivos de Lisboa", constitui-se naquele cuja dimensão seja superior a 80ha, e população mediata de 250.000 hab, considerando a oferta de transportes públicos, em suma, dimensão e acessibilidade6 (Parque das Nações e PROAP 1999). Ou seja, a ideia inicial era atender a uma demanda da cidade e região metropolitana7 como um todo no âmbito da educação ambiental, cultura, recreio, lazer e desporto (Parque das Nações e PROAP 1999).
A escala dos usos metropolitanos foi justificada pela acessibilidade em termos dos modais de transportes disponíveis para se chegar ao parque: aéreo, fluvial, ferroviário e metropolitano; e pela agregação no Parque das Nações de grandes equipamentos como o Centro de Exposições de Lisboa, além de serviços hoteleiros e de restaurantes, comércios, etc. Somou-se ainda o peso demográfico da porção norte metropolitana que demandava espaços públicos dessa natureza e a intenção de instalar grandes equipamentos de lazer ativo no espaço do parque como previsto nos estudos para o Plano de Pormenor8. No entanto, muitos não foram implantados, a exemplo do kartódromo, complexo desportivo, piscinas, pista de atletismo, restaurantes e comércios, simplificando os usos e o perfil do público que o frequenta.
Tornou-se claro que o perfil do público das imediações do Parque das Nações não era o desejável para o espaço do Parque Tejo, fato demonstrado ainda com as medidas de não implantar certos equipamentos de uso público e também pela própria manifestação da população da Freguesia do Parque das Nações que se mostrou contrária a essas ações.
O estudo realizado pela Junta de Freguesia do Parque das Nações (2015), com base em entrevistas com 2.229 moradores em 2015, ou seja, 12% da população da Freguesia, identificou que a média de idade nesse território é de 46,28 anos, 94,1% de nacionalidade portuguesa e 69,9% possui filhos, 38% têm nível superior e 17,2% secundário completo. 50% trabalha em tempo integral, 22,8% é aposentado e 6,6% desempregado. Entre os que trabalham, destacam-se em atividades intelectuais e científicas, e, nos setores públicos e privados em quadros superiores.
A Freguesia do Parque das Nações se constitui, portanto, de uma população predominantemente de médio e alto rendimentos (48,8% auferindo mais de 851 euros, acima da média nacional), com grau de escolaridade em geral de nível superior (mais de 50%). Tais características atestam o perfil socioeconómico que se projetou para esta localidade desde a sua concepção enquanto projeto urbanístico.
No que se refere ao perfil do usuário do Parque Tejo, a sua caracterização (ver Anexo 1), como se apresenta nesta análise, foi baseada no trabalho desenvolvido sobre outros espaços verdes em Lisboa por Costa e Alves (sd) e elementos adaptados do trabalho de Nascimento, Silva e Gomes (2016), em pesquisas sobre Uberaba-Brasil.
O questionário foi dividido em 4 partes (ver Anexo 1): caracterização do inquirido, frequência ao parque, incluindo motivação, avaliação da qualidade do parque, opinião sobre possíveis melhoras no parque, contribuição do parque para qualidade de vida, opinião sobre outros espaços verdes em Lisboa, opinião sobre a componente sustentável e o parque. No total foram entrevistadas 80 pessoas de diferentes faixas etárias que no momento da abordagem estavam frequentando o recinto, em dias e horários alternados, oscilando entre 7h e 9h da manhã e entre 16h e 20h da noite. Os dados foram trabalhados em planilhas do Microsoft Excel.
Apesar da importância dos números, a análise impetrada aqui se caracteriza como de ordem qualitativa, baseada tanto em observações dos usos do referido espaço quanto nos números em percentuais sobre os questionamentos direcionados na entrevista. Não se pretende com isso generalizar a diversidade das formas de uso e apropriações do Parque, nem tão pouco do seu público usuário, mas problematizar a realidade do Parque a partir do universo reconhecido.
Os resultados das entrevistas apontaram uma diversidade de indivíduos, em diferentes contextos socioeco-nômicos, com opiniões e percepções distintas sobre o parque. Entre o público entrevistado, 56% foi composto de homens e 44% de mulheres, com idades que variaram de 15 a mais de 64 anos. Os grupos predominantes foram aqueles que tinham entre 45 e 64 anos (43%) e entre 35 a 44 anos (16%). Trata-se de usuários em idade adulta e idosa, em maioria com filhos de até 10 anos (45%) e netos (23%).
Predominantemente o usuário do Parque é português (66%), tendo importância significativa aqueles de outras nacionalidades, europeias (25%) ou não (9%), que se encontram em Lisboa como turistas ou residentes. Quanto ao grau de instrução, 43% dos entrevistados apresentaram nível Secundário e 18% Superior. Os demais se dividiram entre outros níveis de ensino de grau inferior. No geral, o público se ocupa, em maioria, em empregos formais (35%) ou são reformados/pensionistas (17%). Há ainda aqueles que apenas estudam (14%), sendo dependentes financeiramente. Ou seja, há um público predominante de pessoas escolarizadas, em trabalhos formais, seguido de inativos e estudantes.
A renda familiar dos entrevistados é composta em maioria de 1 a 2 salários mínimos (40%) e 2 salários (29%). Nos extremos estão aqueles que percebem até 1, que somam 11% e, 3 ou mais que somam 20%. Pode-se afirmar que os usuários entrevistados no Parque Tejo são majoritariamente de renda média, refletindo o contexto da Freguesia onde está inserido, como destacado anteriormente.
Sobre o meio de transporte utilizado para se deslocar até o Parque, o transporte público foi apontado como o mais usado por 42% dos entrevistados, seguido pelos meios não motorizados (a pé ou bicicleta, 37%), e automóveis (21%). Este dado pode estar relacionado ao local de residência dos usuários que, em sua maioria (33,7%), reside em cidades ou localidades da grande Lisboa ou outros países, seguido do Parque das Nações (28,7%), outros bairros de Lisboa (18,7%), Olivais Norte/Sul (12,5%) e Chelas (6,2%) (Figura 4)9.
No que se refere às formas de deslocamento da população residente no Parque das Nações, 65,3% prefere deslocar-se a pé dentro da Freguesia e 63,4% desloca-se de carro para fora da Freguesia, fato que revela o padrão económico da população (Freguesia do Parque das Nações 2015). Esses aspectos referentes ao local de moradia e meio de deslocamento do usuário incidem no tempo gasto até o Parque Tejo, onde cerca de 69% gasta até 30 minutos e os demais, acima de 30 minutos ou até ultrapassam 1h (Figura 5). Ou seja, bairros de Lisboa, como Amoreiras, Almada, Bairro Alto e Cais do Sodré localizam-se distantes do Parque e muitos deslocamentos requerem a utilização de mais de um modal de transporte. É importante considerar ainda que alguns usuários são turistas e outros trabalham nas imediações.
Quanto à frequência de visitação ao Parque, os dados inferidos mostram que 36% o visita diariamente, 24% aos finais de semana e 19% entre 3 a 4 vezes por semana. Além disso, apenas 4% visita o Parque atéduas vezes por mês e 15% até 5 vezes por ano. Ou seja, usuários que frequentam o Parque mais de 3 vezes por semana moram ou trabalham nas suas imediações, deslocando-se, sobretudo, a pé ou de veículo próprio, como mencionado.
Entre as motivações que os usuários têm para frequentar o Parque, há uma multiplicidade de respostas como razões principais. No entanto, destacam-se, por ordem de apontamento: agradável estar ao ar livre, passear sozinho, estar com amigos, contato com a natureza, é perto de casa, trabalho ou escola (Figura 6).
Tais motivações, como é destacado, relacionam-se sobretudo, às qualidades do Parque, que, como apontado na Figura 6, apresenta graus de satisfação diversificados conforme o elemento avaliado. Entre as qualidades melhor avaliadas, destacam-se a promoção da sociabilidade e a tranquilidade. Entre as consideradas boas, destacam-se acessibilidade, segurança, confortabilidade, atrativida-de, limpeza, sentimento de pertença, etc. Os quesitos mais mal avaliados foram a qualidade das áreas verdes e aspectos relacionados à inclusão. Nenhum elemento foi caracterizado como muito mal. Tais dados reforçam a necessidade de forças mais enérgicas da gestão pública, potencializando os cuidados com a manutenção da vegetação e promovendo formas de inclusão que potencialize o público usuário (Figura 7).
Os dados da Figura 7, que apresenta a avaliação dos usuários em números absolutos para cada critério, são reafirmados nas opiniões sobre as intervenções necessárias no Parque. Os usuários apontaram com mais frequência aquelas relacionadas às áreas verdes: mais vegetação (24%), aumentar o nível de manutenção dos espaços verdes (18%), aumentar a área de relvado (13%). Em seguida outros aspectos se sobressaíram, como melhorar as áreas de circulação (15%) e envolver os utentes na gestão através de associações (Figura 8).
Entre as contribuições do Parque para a saúde, bem-estar e qualidade de vida, foram apontados uma diversidade de elementos, cujas avaliações foram auferidas numa escala que variou do 1 (nada) até 5 (muito). Entre os aspectos avaliados como muito bons, destacam-se a promoção do convívio e o estímulo da energia e da vitalidade. Em geral, todos os quesitos foram avaliados com bom desempenho, sendo aqueles piores avaliados os relacionados ao combate à solidão e à prevenção da obesidade (Figura 9). Isto reflete duas questões já apontadas neste trabalho. De um lado, a importância do "verde", contribuindo para a energia e vitalidade do indivíduo e, de outro, a necessidade de implantação de equipamentos de lazer ativo que congregue pessoas e favoreça intera-ção social e laços de solidariedade. Esses dados dialogam com as opiniões dos moradores do Parque das Nações nas quais sobressaem-se as queixas quanto à manutenção do espaço público, apontado por 70% da população como o maior problema da Freguesia (Freguesia do Parque das Nações 2015).
Segundo Gomes (2017), desde 2010, com a extinção da Parque Expo, a gestão do Parque das Nações passou para a Câmara Municipal de Lisboa, que sofreu redução no orçamento.
O elevado nível de qualidade do espaço público era mantido porque haviam recursos suficientes na Parque Expo, inclusive provenientes da venda de terrenos. Os gastos com manutenção, segurança, espaço verde era superior a qualquer outro espaço em Lisboa de mesma proporção, segundo informação da Junta de Freguesia do Parque das Nações. No entanto, a limitação de recursos na atualidade tem contribuído para a deterioração dos equipamentos do Parque Tejo bem como no comprometimento do aspecto paisagístico de todo o Parque das Nações. (Gomes 2017, 68)
Além do Parque Tejo, os usuários entrevistados afirmaram utilizar com frequência outros espaços públicos de lazer em Lisboa de grande destaque em escala metropolitana. Considerando-se a frequência mínima de uma vez ao mês, 35% disseram frequentar Belém, 20% Monsanto, e 14% Parque Bela Vista. A maioria absoluta (96%) afirma serem os espaços em Lisboa suficientes e claramente suficientes. A frequência a estes espaços deve-se às condições de acessibilidade, infraestrutura ou proximidade aos locais de residências dos usuários entrevistados que, como já apontado, um número significativo não reside no Parque das Nações.
Considerando-se que um dos elementos que caracterizaram a proposta arquitetônica do Parque foi a ideia de sustentabilidade10, questionados sobre a contribuição do Parque quanto a este aspecto, 71% dos entrevistados afirmaram que sim. As respostas em geral foram justificadas pelos aspectos referentes à presença de áreas verdes, preservação do Rio Tejo, Limpeza da área e infraestruturas para recolher os lixos. Entre aqueles que responderam não, justificaram apontando a pavimentação da área, poucas árvores e presença de muitas empresas no local. Ou seja, as ideias de sustentabilidade, como pregam a municipalidade de Lisboa e outros organismos internacionais, pautando-se nas recomendações da Agenda 21 global, são visualizadas através da importância das áreas verdes, de formas de preservação dos recursos naturais, como os rios, de base técnica que permita recolher e reutilizar resíduos, entre outros. Na percepção dos usuários, é notória a vinculação da sustentabilidade à base física do território, sendo os aspectos sociais um elemento secundário.
Segundo o Cesur (2007), os usuários potenciais de um parque variam em função das características que apresenta e do seu raio de atração. Três fatores principais têm sido apontados na satisfação dos usuários de espaços verdes: "as actividades que podem ser desenvolvidas naquele espaço e que decorrem dos equipamentos presentes, das acessibilidades, da percepção de segurança e da capacidade de orientação" (Cesur 2007, 8). Nesses aspectos, em geral, o Parque Tejo apresenta satisfações variadas conforme se demonstrou com o universo da pesquisa. Ou seja, há deficiência quanto à diversidade de equipamentos que podem subsidiar variadas ativi-dades, a acessibilidade é facilitada para quem se desloca de longas distâncias, mas precária para o pedestre que reside em bairros das imediações e, por fim, a segurança e orientação mostram-se satisfatórias.
Considerações finais
Os parques constituem na atualidade equipamentos relevantes na composição dos espaços urbanos e desempenham papéis socioambientais e econômicos nas parcelas das cidades onde são implantados, contribuindo na qualidade ambiental e de vida humana.
Os parques, frequentemente identificados como espaços de importância ambiental pelo conteúdo natural que apresentam, podem desempenhar efeitos restaurativos para os seus usuários, relacionados a: a possibilidade de afastamento das atividades diárias por não exigirem uma atenção dirigida; serem espaços que têm elementos que fascinam; apresentarem compatibilidade com as necessidades e vontades do momento; ligação do sujeito àquele espaço que lhe permite ter uma sensação de bem-estar e tranquilidade (Cesur 2007, 111). No caso do Parque Tejo, na cidade de Lisboa, objeto da análise que foi realizada, os usuários afirmaram que o mesmo contribui para o estímulo à energia e vitalidade, relevantes para a saúde e bem-estar social.
O presente estudo apontou as características mais marcantes na composição do Parque e no perfil do público usuário. Entre os entrevistados, trata-se de uma maioria de renda média, de elevado grau de instrução, proveniente de distintas localidades, destacando-se os moradores locais e turistas ou residentes de outras localidades da grande Lisboa. Em geral, os moradores entrevistados visitam o Parque mais de três vezes por semana, tendo como motivação principal estar ao ar livre, passear, ter contato com a natureza ou estar com amigos. As qualidades apontadas como mais relevantes relacionam-se à acessibilidade, segurança, confortabilidade, atratividade e limpeza, sendo os elementos pior avaliados aqueles referentes às áreas verdes e aspectos relacionados à inclusão.
Os usuários relataram ser fundamental as intervenções na composição e manutenção das áreas verdes, ampliando a vegetação e áreas de relvado, assim como melhorar aspectos gerais de poda e tratos com a vegetação. Esse fato dialoga com as informações adquiridas na Junta de Freguesia do Parque das Nações, as quais explicitam as dificuldades impostas pela mudança de orçamento e gestão dessa localidade desde a extinção da empresa pública ParqueExpo.
Os resultados do trabalho reafirmam a importância da participação popular na elaboração e implantação de espaços públicos, em detrimento dos projetos de gabinetes, realizados sob encomenda para adornar projetos urbanísticos de grande interesse capitalista, como foi o caso do Parque das Nações, cujo Parque Tejo se constituiu em elemento do mesmo, respaldando uma ideia de natureza e sustentabilidade impressa na proposta mais ampla. Como consequência, o Parque apresenta usos limitados quando se trata de lazer ativo, sendo necessário realizar o pagamento para utilização das quadras poliesportivas presentes no local, fato que reduz as possibilidades de agregar um público diverso em perfis económicos e sociais.
Nessas condições, faz-se necessário reinventar o espaço, ressignificá-lo, torná-lo palatável a usuários e usos diversificados, pois:
a apropriação de um lugar não se relaciona apenas com a utilização reconhecida do espaço, mas é o processo pelo qual os utilizadores, mediante um processo activo, e por vezes socialmente partilhado, de acção-transformação e de identificação, vão adequando o espaço às suas necessidades e modos de estar. (CESUR 2007, 126)