Introdução
A água subterrânea é um recurso natural essencial para a humanidade e para o meio ambiente, pois além de suprir as necessidades do abastecimento para consumo e para o uso das diversas atividades antrópicas, mantêm a umidade do solo e garante o fluxo de base dos cursos d'água, sendo responsável por mantê-los perenes em épocas de estiagem (Santos et al. 2007).
Estima-se que 51 % do abastecimento de água potável no Brasil seja originário de fonte subterrânea, da qual provêm inúmeros poços tubulares profundos e poços escavados. Somente no estado de São Paulo, essa estimativa chega a contar 61 % de seus núcleos urbanos abastecidos total ou parcialmente por águas subterrâneas (Foster e Hirata 1993).
Assim, a questão da qualidade da água subterrânea vem se tornando cada vez mais importante para o gerenciamento dos recursos hídricos, visto que a exploração excessiva dos recursos hídricos subterrâneos, a perfuração de poços tubulares, a ocupação irregular do solo e a ausência de normas legais ameaçam de contaminação os aquíferos, colocando em risco a qualidade natural dos mesmos (Ribeiro et al. 2011), dado que a qualidade final da água subterrâneas tem relação direta com as atividades que são desenvolvidas em toda a bacia hidrográfica, pois cada atividade produz um efeito específico e característico (Porto e Branco 1991).
Na agricultura, os sistemas de produção intensivos elevam a necessidade do uso de agroquímicos, aumentando os níveis de nitrato, fosfato e as concentrações residuais dos agrotóxicos ou de seus metabólitos, resultantes dos processos de biodegradação no solo, que, por sua vez, podem comprometer a qualidade das águas superficiais e dos lençóis freáticos (Fay e Silva 2004), sendo que, cerca de 20 % das quantidades dos agrotóxicos usados no combate à pragas, doenças e plantas daninhas, podem alcançar as águas superficiais (Barriuso et al. 1996).
Datando décadas, resíduos de agrotóxicos nas águas subterrâneas têm sido registrados por vários autores (a citar, Walls et al. 1996; Rudolph e Parkin 1997; e no Brasil, Hirata et al. 1995), principalmente com contaminantes oriundos de fertilizantes nitrogenados. A lixiviação de nitrogênio do solo para os aquíferos é resultado de um complexo processo que envolve os tipos de solo e de aquífero, regime de colheita e infiltração. Entre os principais fatores controladores da lixiviação destacam-se: permeabilidade e espessura do solo, infiltração efetiva (chuvas e irrigação), continuidade do cultivo e controle da aplicação de fertilizantes (Foster e Hirata 1988).
Assim, a identificação do potencial de risco à contaminação de aquíferos, considerando os aspectos naturais, físicos, geológicos, clima, as atividades antrópicas e seus produtos utilizados, compõem um importante instrumento de gestão ambiental que visa a proteção dos mananciais subterrâneos (Lorandi e Junqueira 2008), sendo o Sistema de Informação Geográfica - em diante SIG, uma ferramenta eficaz e essencial para tal uso (Costa 2017), conforme constatado em alguns estudos (Tavares et al. 2009; Huan et al. 2012; Montero e Peixoto 2013; Linhares et al. 2014; Guerrero et al. 2017; Novais, Cruz e Azevedo 2019).
Nesse cenário, o presente trabalho se propõe a determinar, com base na análise espacial de dados do meio físico, técnicas e geoprocessamento usando análise multicritério, o potencial de contaminação dos aquíferos, devido a ações antrópicas na sub-bacia hidrográfica do Jaguari, com recorte para o município de Artur Nogueira, São Paulo, Brasil, no ano de 2018, na escala de 1:50:000.
Área de estudo
O município de Artur Nogueira (Figura 1) está localizado na região centro-leste do Estado de São Paulo, na região administrativa e mesorregião de Campinas. Faz divisa geográfica com os municípios de Mogi-Mirim, Limeira, Holambra, Engenheiro Coelho e Cosmópolis; possui uma extensão territorial de 177,68 km2; e compreende a sua rede de drenagem na Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) 5 - Piracicaba/Capivari/Jundiaí (PCJ). Em maior escala, o município está inserido na sua sub-bacia hidrográfica do rio Jaguari e contempla as microbacias do Rio Pirapitingui, com uma área de 173,64 km2, e a do Ribeirão do Pinhal, com uma área de 4,25 km2, seu curso d'água principal é o Ribeirão Pirapitingui.
Em termos populacionais o município conta com a estimativa de 51.846 habitantes e uma densidade demográfica de 291,22 hab./km2 em 2019, sendo que 90,54 % dessa população reside na área urbana (SEADE 2019). Sua economia é baseada 70,60 % em valor de serviços, seguido pela indústria com 15,57 % e pelo setor agropecuário com 13,83 % (SEADE 2019). A área de estudo apresenta grande quantidade de estabelecimentos rurais, totalizando 568 propriedades (IBGE 2017).
Dentre as suas características físico-ambientais, o clima é classificado como tropical de altitude Cwa segundo a Köppen e Geiger, com uma temperatura média anual de 19,8 °C e pluviosidade média anual de 1.295 mm. O município está inserido no bioma de Cerrado, com formação vegetacional de Floresta Estacional Semidecidual (Instituto Florestal 1983).
Numa escala geológica continental, a área está inserida no domínio geológico denominado Cobertura Fanerozóica (inclusive da província subandina), na compartimentação geotectónica Cráton Paraná, na Província Estrutural do Paraná (Hasui et al. 2012). Quanto à geologia regional, distribuem-se pelas bacias as unidades litoestratigráficas da Bacia do Paraná (Tabela 1), cuja distribuição na área é apresentada na Figura 2.
As unidades sedimentares dos Grupos Tubarão e Itararé apresentam orientação sub-horizontal com direções próximas N-S e mergulho variando entre 3 e 5° para w (Pedrotta et al. 2006). Os diques de rochas intrusivas básicas têm orientação subvertical e são compostos por diabásios associados ao evento Serra Geral. Na área, as unidades de materiais inconsolidados assentam-se con-cordantemente sobre as unidades do substrato rochoso.
Quanto a geomorfologia, as microbacias do rio Pirapintingui e do Ribeirão do Pinhal estão situadas na unidade morfoestrutural da bacia sedimentar do Paraná; unidade morfoescultural, da depressão Periférica Paulista, depressão Média Tietê. As formas do relevo são resultado de processo denudacional e os modelados dominantes são formados por colinas com topos amplos. Os vales apresentam dimensão interfluvial grande (1.750 m à 3.750 m) e grau de entalhamento muito fraco (< 20 m) (Ross e Moroz 2011).
Caracterização socioeconômica e ambiental
Dentre as atividades agrícolas desenvolvidas no município, destacam-se a produção de cítricos e a cana-de açúcar (IBGE 2017). Na pecuária, predominam estabelecimentos que se destinam a produção de bovinos e galináceos (IBGE 2017). Ambas atividades comercializam seus produtos nos mercados interno e externo (Furtado et al. 2011; Lopes et al. 2011; Neto e Bacchi 2014). As atividades agropecuárias frequentemente estão vinculadas à crescente demanda, advinda, em partes, do aumento populacional global (Lanz et al. 2018).
Em consonância com esta tendência mundial, a população municipal também aumentou aproximadamente 25 % na última década (IBG 2010), contribuindo para a maior demanda também do mercado local. Não raramente, o agronegócio se expande para terras de baixo custo, porém, que são prioritárias na conservação como o cerrado brasileiro (Myers et al. 2000; Silva 2018). Esta vegetação é típica de solos oligotróficos que (Paganeli et al. 2020; Paganeli e Batalha 2021), entretanto, estão sendo transformados para abrigar as requisições de determinadas culturas (Klink e Machado 2005; Matos e Pessóa 2014).
Reconhecidamente, além do estado de São Paulo ser o maior parque citrícola do mundo (Kalaki e Neves 2017), também tem destaque histórico no mercado global canavieiro (Goes et al. 2011; Schmitz et al. 2002). Desta maneira, possibilita o desenvolvimento econômico ao nível regional, mas também atua com grande relevância na balança comercial nacional (Erpen et al. 2018). Nas últimas décadas, embora o consumo de laranja tenha crescido 450 %, este pode ser entendido como modesto quando comparado aos investimentos em fertilizantes, que aumentaram cerca de 800 % (Lopes 2010). Similarmente, a produção de cana-de-açúcar também faz uso de insumos. Dentre eles, destaca-se o glifosato, que por ser um herbicida de amplo espectro (Zhang et al. 2019), dependendo da aplicação, pode ocasionar alterações ecológicas em muitos organismos (Hagner et al. 2019), inclusive para polinizadores necessários para o desenvolvimento saudável dos laranjais (Cerqueira e Figueiredo 2017).
Dados disponibilizados pelo IBGE (2017) relatam que proprietários rurais desta região apresentam graus de instrução formal relativamente baixos e não recebem instruções técnicas, porém utilizam fertilizantes químicos e agrotóxicos em suas propriedades. Desta maneira, a produtividade potencial pode não ser alcançada, devido à falta ou excesso destes insumos (Lopes 2010), que, em última análise, diminuem a lucratividade rural por elevar os custos da produção, mas não a produtividade (Dias e Fernandes 2006; Lima et al. 2016). Não raramente, ocorrem excessos nestas práticas, os quais podem, além de impor prejuízos diretos à biodiversidade (Balmford et al. 2018; Lanz et al. 2018), serem intensamente lixiviados para áreas circunvizinhas, gerando desbalanço nutricional e consequente contaminação dos corpos d'água (Good e Beathly 2011; Hunke et al. 2015).
Metodologia
Para a elaboração das análises foi utilizada a álgebra de mapas, sendo os arquivos trabalhados no formato matricial, com o mesmo tamanho de pixel. Os planos de informação (Figura 3) foram tratados no software ArcGlS® 10.6 e projetados para a projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), sistema geodésico de referência SIRGAS 2000 e Zona 23 do hemisfério sul. A metodologia seguiu o que foi proposto por Costa (2017), com relação aos atributos a serem considerados (Tabela 2) e os graus de potencial de contaminação para ponderação.
A carta de materiais inconsolidados foi obtida por meio da digitalização do mapeamento realizado para as quadrículas de Cosmópolis e Conchal, na escala 1:50.000, elaborados por Gruber (1993) e Aguiar (1995), respectivamente. As características desses materiais consideradas para as análises foram granulometria, permeabilidade e espessura, todas obtidas a partir das pesquisas dos autores citados.
A carta de unidades aquíferas foi gerada por meio da análise das cartas de substrato rochoso das quadrículas de Cosmópolis e Conchal, com escala 1:50.000, também elaboradas por Gruber (1993) e Aguiar (1995). Com a consulta a especialstas da área, juntamente com a análise do material descritivo elaborado por tais autores foi possível realizar a delimitação e classificação das unidades aquíferas da área de estudo. Para esta classificação foram considerados os comportamentos da hidrologia superficial e subterrânea, bem como de permeabilidade de cada um dos materiais, atribuindo as características de unidade aquífera ou aquiclude (Costa 2017).
A declividade da área foi elaborada a partir da extração dos pontos altimétricos da imagem Alos Palsar (2011) em ambiente SIG. Primeiramente, foi elaborado o Modelo Digital de Elevação (MDE), utilizando a ferramenta Topo to Raster. A partir do MDE, utilizando a ferramenta Slope, foi obtida a declividade da área de estudo.
O uso e ocupação do solo para o ano de 2018 foi obtido por meio do banco de dados do MapBiomas, com base em imagens da coleção Landsat, com resolução de 30 m. O processamento é feito por machine learning, analisando o tipo de uso que é correspondente às características de um determinado pixel. Os arquivos são fornecidos em formato matricial, portanto, em ambiente SIG, foi realizada a conversão do plano de informações para vetores. Isso foi feito com o intuito de realizar algumas correções manuais necessárias na classificação e adequação das nomenclaturas do banco de dados, gerando um mapeamento com 13 classes de uso e ocupação do solo.
Finalizada a etapa de tratamento das informações, foram atribuídos pesos para os atributos de cada componente, sendo estes representativos do grau de potencial de contaminação, variando de Muito Baixo (1) a Muito Alto (5). Os componentes geoambientais receberam pesos iguais, indicando uma mesma importância na análise, e os atributos relacionados a esses componentes, pesos variando de 1 a 5, de acordo com a sua influência no potencial de contaminação das águas subterrâneas da área de estudo.
Após a atribuição de pesos, foi executada a álgebra de mapas, utilizando a ferramenta Weighted Sum. Esta ferramenta possibilita a realização de uma soma dos atributos, soma esta que foi feita de forma pareada, gerando quatro cruzamentos de informações, conforme apresentado no fluxograma metodológico (Figura 4).
Para as análises, foram consideradas as seguintes características dos materiais inconsolidados: permeabilidade, granulometria e espessura. Os materiais com maior permeabilidade e elevadas porcentagens de areia na sua composição foram classificados com maior potencial de contaminação, por facilitar a chegada de poluentes ao lençol freático. A espessura foi considerada de forma separada, devido a sua heterogeneidade na área de estudo. Materiais com espessuras menores do que 10 m apresentaram um maior potencial de contaminação, enquanto aqueles iguais ou maiores do que 10 m, menor potencial.
A declividade de uma região influencia diretamente a capacidade de um poluente em atingir uma unidade aquífera, isso porque regiões com baixas declividades tendem ao acúmulo de água e poluentes, facilitando o processo de infiltração e percolação, enquanto regiões declivosas levam ao escoamento superficial. Assim, áreas com declividades maiores do que 10 % apresentaram um menor potencial de contaminação, e aquelas menores do que 5 %, os maiores potenciais.
Segundo Costa (2017), as atividades antrópicas podem modificar as propriedades das águas subterrâneas de acordo com as mudanças de uso e ocupação do solo que ocorrem em uma determinada região. A implementação de atividades agrícolas, industriais, urbanas e de mineração são responsáveis pelo lançamento de uma série de poluentes no ambiente, como agroquímicos e resíduos industriais e urbanos. Assim, locais onde foram identificados estes usos foram classificados com os maiores potenciais de contaminação. Por outro lado, locais em que foram mantidos remanescentes de vegetação ou possuem uma prática agrícola de menor impacto obtiveram baixos potenciais.
Resultados e discussão
A aplicação da metodologia considerou cinco níveis de potencial à contaminação dos aquíferos na área de estudo, conforme apresentado na Figura 5. Os resultados têm influência significativa das condições de materiais inconsolidados na área, especialmente devido às condições geológicas locais.
Os dados disponíveis na base SIAGAS (2019) mostram que grande parte dos poços em produção na área está produzindo em profundidades superiores à 10 m, por vezes ultrapassando 400 m. Os dados de qualidade de água de tais poços não apresentam indícios de contaminação ou poluição.
No entanto, na zona rural é comum a execução de escavações de 10 a 20 metros de profundidade para produção de água em pequenas vazões (1 a 5 m3/dia) na base das camadas de materiais inconsolidados, interface entre os materiais inconsolidados e as unidades do substrato. Tal circunstância faz com que esses volumes de água em subsuperfície sejam os mais expostos à eventuais contaminação ou poluição, sem que se tenha dados de qualidade de água de tais mananciais para atestar tal suspeita.
As atividades agrícolas existentes na área, por sua vez, apresentam grande potencial de contaminação de mananciais de superfície, o que pode ser constatado pelos registros da base INFOSANBAS (2020).
Infelizmente, os dados disponibilizados em tal base até o momento registram apenas o número de análises de água realizadas no ano, por grupo de parâmetros, e os agrotóxicos detectados nas cujo resultado foi um valor numérico ou abaixo do limite de quantificação, sem que se informe localização dos pontos de coleta ou resultados das análises. De qualquer forma, tais informações são um indicativo da possibilidade de contaminação dos mananciais de subsuperfície via escoamento e contribuição de mananciais superficiais.
As áreas com alto potencial de contaminação correspondem a cerca de 24 % do município. Na região noroeste, tais áreas coincidem com os solos arenosos de espessuras variáveis de 2 a 5m. Sua permeabilidade varia entre 3,10-2 a 10-3 cm/s em que tanto na porção noroeste como na porção central predomina o aquífero poroso livre. A fração sudeste, por estar sob o aquífero aluvionar, teve o mesmo score das áreas previamente citadas.
A inter-relação destes atributos aliada a baixas declividades (2 % a 5 %) classifica estas regiões como de alto potencial de contaminação. Nestas mesmas regiões, cerca de 2 % da área do município se caracteriza por apresentar um potencial de contaminação muito alto, devido a declividade que varia entre 0 % e 2 %, o que favorece os processos de infiltração e percolação de substâncias.
O potencial médio de contaminação foi encontrado na maior parte do município, em aproximadamente 47 % do território. Nestas áreas predominam os materiais in-consolidados arenosos, com alta permeabilidade, porém com espessuras de aproximadamente 10 m. Tal característica pode ter reduzido o potencial de contaminação, uma vez que as substâncias devem percolar uma distância maior para alcançarem a zona saturada. As classes de declividade por sua vez, variam entre 2 % a 10 %, o que também contribui para a permanência das soluções em contato com o solo, propiciando a infiltração.
Entretanto, a variável tipo de aquífero contribuiu para que tais áreas fossem classificadas com um médio potencial de contaminação. Estas áreas se encontram sobre aquíferos mistos e aquicludes, os quais possuem maior confinamento, e são, portanto, aquíferos menos suscetíveis à contaminação.
As áreas categorizadas como de muito baixo e baixo potencial de contaminação ocupam 22 % do território. Nestas regiões, a característica que levou a este resultado foi a granulometria do material inconsolidado, a qual apresentou predominância de argilas e, consequentemente, baixas permeabilidades.
As maiores espessuras, que variaram entre 10 e 20 metros, também contribuíram para que o percurso mais longo das substâncias percoladas dificultasse o encontro destas com a reserva subterrânea. Tais áreas estão localizadas sobre aquíferos sedimentares mistos e aquiclude. Da mesma maneira, nota-se que as regiões sobre substrato rochoso do tipo diamictito se tornam um cenário de menor potencial de contaminação. Tais materiais, apesar de serem mais compactos que os arenitos e siltitos, são mais porosos que os argilitos. Estes aparecem apenas na porção extremo sudeste de Artur Nogueira, que, embora apresentem baixos e médios potenciais de contaminação, não compõem as maiores manchas desta classe no território municipal. Estas regiões se localizam na porção central do município, na qual se insere a porção urbanizada.
Outro relevante influenciador do potencial de contaminação foi o uso da terra, o qual é destinado predominantemente para atividades agropecuárias, com poucas áreas de paisagens típicas da região. Este fato cria condições de suscetibilidade edáfica para que ocorra contaminação, inclusive com excessos de fertilizantes e defensivos agrícolas. Assim, o uso e cobertura do solo na área de estudo foi caracterizado, principalmente, por atividades agrícolas e agropecuárias, de modo que pastagem (34,2 %) e cultura semi-perene (24,7 %), quando somados, ultrapassam 50 % da área total do município (Tabela 3).
Ao associar a carta de potencial de risco à contaminação de aquíferos, apresentada na Figura 5, tais características corroboram e evidenciam a existência de problemática antrópica do uso do solo com atividades impactantes advindas da agricultura. Assim, áreas apontadas como cultura semi-perene configuraram alto potencial de contaminação (23,9 %), e áreas de pastagem, médio potencial (46,9 %).
Uma situação parecida pôde ser verificada no trabalho de Anjinho et al. (2018), na bacia do rio São Roque (SP), onde foram encontradas áreas com risco muito alto de contaminação pelo uso e ocupação do solo de atividades agrícolas, em específico, o cultivo de cana-de-açúcar, citricultura e pastagem, mostrando semelhança com o potencial de contaminação e uso do solo predominante encontrados neste trabalho.
Outra relevante associação estabelecida foi verificada entre uso do solo e declividade, uma vez que as áreas de alto e muito alto potencial de contaminação estão inseridas majoritariamente próximas ou sob áreas de corpos hídricos, sendo que a declividade dos rios de primeira ordem estão entre 0-2 % e 2-5 %, e quando se unem e formam rios de ordens superiores a declividade é maior, estando entre 10 % e 20 % e acima de 20 %, propiciando assim o carreamento e lixiviação dos agroquímicos utilizados nas culturas de cana-de-açúcar e laranja para os cursos d'água ali presentes. É o caso do Ribeirão Boa Vista, que possui áreas de elevado potencial de contaminação ao longo do seu curso, visto que de jusante à montante o uso do solo predominante é de área destinada à pastagem e monoculturas de cana-de-açúcar e citricultura.
Segundo Chilton et al. (1995), extensas áreas de monocultura são os tipos de atividade agrícola que geram contaminação difusa mais preocupante das águas subterrâneas. Sendo o íon nitrato relacionado com as práticas agrícolas e considerado como o contaminante mais agravante na poluição de águas subterrâneas (Chilton et al. 1998). Mesmo que em baixas concentrações, a contaminação por agroquímicos em amostras de água subterrânea foi encontrada em diversos países, incluindo o Brasil (Dores 2004). Gomes et al. (2001) avaliaram a presença de um pesticida utilizado em larga escala no Brasil, em amostras de água subterrânea de um poço localizado na microbacia do Córrego Espraiado, município de Ribeirão Preto (SP), área de recarga do Aquífero Guarani e concluíram que o contaminante estava presente em todas as amostras analisadas.
A disposição das formações florestais influencia em uma menor proteção do solo, visto que estas aparecem esparsas como pequenas manchas pelo território e em Áreas de Preservação Permanente (APP). O maior adensamento florestal, que coincide com áreas de menores potenciais de contaminação, encontra-se em uma região que aparenta tornar-se a próxima fronteira da expansão urbana municipal. Entretanto, ressalta-se a relevância de maiores áreas com cobertura florestal, o que pode ser visualizado na região nordeste do município. Nesta porção municipal ocorre um adensamento florestal que configurou um baixo potencial de contaminação, mesmo estando sobre solos arenosos com espessura baixa.
Ao se realizar uma abordagem cronológica de expansão urbana, se verifica uma tendência de avanço do território urbano às margens da rodovia SP 332 (MapBiomas). Caso esta perspectiva persista, a expansão urbana será feita justamente nas regiões de menores potenciais de contaminação dos aquíferos. Isto faz com que seja imprescindível a tomada de decisão que não exclua o desenvolvimento, entretanto, demanda a manutenção de condições apropriadas para a saúde ambiental e, consequentemente, a de toda população que possa se beneficiar dos recursos hídricos desta região.
No entanto, sabe-se que a expansão urbana avança gradualmente em direção aos ambientes naturais de forma não ordenada na maioria dos casos. Caso não ocorra um planejamento adequado, bem como tomadas de decisão na ótica da qualidade ambiental, os potenciais de contaminação de áreas inseridas próximas à atual mancha urbana e de futura expansão territorial, podem variar de baixo para médio ou alto potencial, devido ao fator de complexidade e utilização do solo presente em ambientes urbanos. Os centros urbanos possuem fontes de poluição pontuais e difusas, visto que a contaminação pode ocorrer especificamente em um ponto (descarga de efluentes de uma indústria) ou a partir de vários pontos (carreamento de resíduos superficiais via first flush). Portanto, a expansão urbana deve ser controlada e planejada, além da necessidade de fiscalização e licenciamento de novos empreendimentos potencialmente poluidores.
Destaca-se também a presença de 37 poços de captação de água subterrânea na área de estudo, sendo que aproximadamente 8 destes se encontram em regiões de alto potencial de contaminação, podendo contribuir com a inserção de poluentes e contaminantes no sistema, principalmente por estarem localizados em matriz agrícola. Segundo Foster et al. (2002), os poços de captação, quando não projetados de forma correta, podem atuar como pontos de entrada direta de contaminantes nos aquíferos. Além disso, os mesmos autores alertam para o risco que a construção de poços em regiões inadequadas acarreta à saúde humana, visto que a contaminação de águas subterrâneas é mais difícil de ser detectada e, portanto, a água que está sendo captada pode não estar nos padrões sanitários para consumo.
Desta maneira, fica claro que o potencial de contaminação é o resultado da interação de inúmeros fatores. Isto fica evidente ao analisar a região de maior adensamento florestal, na região nordeste da cidade, que cria condições para as áreas serem caracterizadas com baixas e médias suscetibilidades à contaminação.
Conclusões
O município de Arthur Nogueira apresentou em grande parte de sua área médio potencial de contaminação de aquíferos. Os locais com presença de baixas declividades, associadas a unidades aquíferas vulneráveis, materiais inconsolidados com elevadas permeabilidades e baixas espessuras e uso do solo caracterizado por atividades an-trópicas apresentaram elevado potencial de contaminação.
Por se tratar de áreas monocultivadas com citricultura e cana-de-açúcar, a determinação do risco de contaminação é essencial, porém, uma das mais difíceis de ser avaliada, particularmente quando se discute a contaminação química (íons inorgânicos, pesticidas, fertilizantes, entre outros). Os processos de dispersão (escoamento superficial, lixiviação, retenção, degradação, entre outros) que ocorrem após a aplicação de insumos em extensas áreas e o comportamento em subsuperfície desses compostos são ainda pouco conhecidos. Nesse sentido, estudos quantitativos voltados para a avaliação da qualidade das águas superficiais e subterrâneas na área de estudo são necessários para determinar os níveis de contaminação que podem ser encontrados, de forma a indicar quais medidas devem ser executadas para mitigar os impactos ambientais existentes.
A manutenção dos fragmentos de vegetação remanescente é necessária para que não ocorra o aumento do potencial de contaminação em outras regiões, juntamente com a ação do poder público a fim de propor um planejamento do uso e ocupação do solo que considere as características geoambientais da região.
Com relação à carta de potencial de contaminação de aquíferos, este documento pode contribuir diretamente com a tomada de decisões relacionada ao processo de planejamento e zoneamento do município, indicando áreas que podem ser mais ou menos favoráveis à expansão urbana, além daquelas onde existe a necessidade de ações voltadas à recuperação e restauração de ecossistemas.