Introdução
Paulo Reglus Neves Freire1 nasceu em Recife, Pernambuco, em 19 de setembro de 1921. Tornou-se referência mundial em Educação ao criticar o caráter autoritário da escola e propor uma educação libertária, materializada em sua mais famosa obra, a Pedagogia do Oprimido. Apesar da formação inicial em Direito, sua trajetória de vida e atuação profissional e política são reconhecidas e aplaudidas, principalmente, pelo trabalho com a alfabetização de adultos e educação popular. Foi o educador brasileiro mais homenageado da história, sendo laureado com 29 títulos de Doutor Honoris Causa de Universidades da Europa e América. Em 13 de abril de 2012 foi sancionada a lei n° 12.612 que declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira.
No período mais recente da história do nosso país, questionamentos ao legado freiriano eclodiram nos discursos de pessoas e instituições ligadas à direita e extrema direita no campo político e social. Isso pôde ser evidenciado, por exemplo, em meio às manifestações a favor do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em 2015, ou nas falas de líderes e/ou apoiadores de movimentos neoconservadores como o Movimento Brasil Livre e, principalmente, o Escola Sem Partido. As motivações para recusar ou refutar a importância do pensamento de Paulo Freire são basicamente político-ideológicas e, muitas vezes, carecem de argumentos consistentes2 para confrontar a obra e as ideias do autor.
Em reação às críticas infundadas, inúmeras iniciativas e movimentos têm se mobilizado em defesa do trabalho do educador, como o Consejo de Educacion de Adultos de América Latina - CEAAL, que lançou recentemente a campanha Paulo Freire Vive, Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire. Além disso, estudos, pesquisas e dossiês temáticos têm sido organizados por diferentes grupos e instituições para divulgar e debater o pensamento, contribuições e influência de Paulo Freire para a educação na contemporaneidade. É nesse conjunto de iniciativas que o presente estudo se inscreve.
Não são poucos os autores que se debruçaram sobre a literatura educacional com o intuito de verificar a presença do pensamento de Paulo Freire no debate contemporâneo. Streck (2011), por exemplo, apresenta cinco razões pelas quais o diálogo com a obra freiriana é relevante na atualidade: a concepção da educação como processo de humanização, a "conectividade" do seu pensamento com diferentes ideias e interlocutores, a transitoriedade do tempo e sua capacidade de reinvenção em contextos de mudanças, além da "largueza e profundidade" de seus trabalhos que pode ser comprovada pelo fato de seu mais importante livro Pedagogia do Oprimido ser a terceira obra mais citada no campo das Ciências Humanas3.
Uma contribuição da obra de Paulo Freire para o panorama pedagógico atual é que ele colocou no centro da discussão pedagógica a questão do ser (como verbo e sujeito) humano, seguindo uma preocupação central do pensamento pedagógico ocidental, desde a Paideia grega, passando pela Didática Magna de Comenius e o Emílio de Rousseau. 'Nosso verdadeiro estudo é a condição humana', diz Rousseau. E essa condição humana, acrescentaria, Paulo Freire, se revela e se constrói nos embates da história por libertação de todas as formas de opressão. É nessa busca que se pode encetar também o diálogo com diferentes disciplinas e tradições culturais, como o fez Paulo Freire em suas andarilhagens pelo mundo das pessoas, das culturas, dos projetos políticos e das ideias. (Streck, 2011, pp. 7-8).
Saul e Silva (2009) discutem sobre contribuições de Paulo Freire para as políticas curriculares e a formação de educadores no Brasil a partir do seu trabalho como Secretário da Educação da cidade de São Paulo (1989-1991). Também argumentaram sobre a atualidade e importância do pensamento desse intelectual, destacando a inserção da sua produção no contexto acadêmico em diálogo com diversas áreas do conhecimento e da consolidação de um caráter universal em sua obra. Afirmam as autoras:
A atualidade do pensamento de Paulo Freire vem sendo atestada pela multiplicidade de experiências que se desenvolvem tomando o seu pensamento como referência, em diferentes áreas do conhecimento, ao redor do mundo. A crescente publicação das obras de Paulo Freire em dezenas de idiomas e a ampliação de fóruns, cátedras e centros de pesquisa criados para pesquisar e debater o legado freiriano são indicações da grande vitalidade do seu pensamento. Tal projeção confere ao conjunto de suas produções o caráter de uma obra universal. (Saul e Silva, 2009, p. 224).
O professor português Antônio Nóvoa (1998, p. 172) já havia reconhecido o valor e atualidade de Paulo Freire ao afirmar que "Freire é o mais importante pedagogo de língua portuguesa do século XX. A sua vida e a sua obra impõem-no como uma referência obrigatória, uma vez que transporta memórias e conceitos essenciais para o esforço científico de pensar a educação e a escola". Em linha próxima, Cortella (2011, p. 11) considera que "Freire é um clássico porque o seu trabalho não perdeu vitalidade, não perdeu irrigação, conexão com a vida e com o sangue que a vida partilha e emana".
Saul (2016), divulgando resultados de uma pesquisa nacional intitulada Paulo Freire na atualidade: legado e reinvenção4, que teve o objetivo de investigar a materialidade e a reinvenção do pensamento de Paulo Freire em diferentes contextos da educação brasileira, concluiu que:
Os resultados da pesquisa demonstraram que o pensamento de Paulo Freire continua vivo e atual, oferecendo contribuições relevantes para as políticas e práticas educativas. A pedagogia freiriana penetra diferentes áreas e subáreas do conhecimento e se alonga em diferentes campos de estudo, aproximando-se de problemáticas contemporâneas. (Saul, 2016, p. 09).
Em produções recentes, Kohan (2019a; 2019b) também destacou a importância de pensar com Paulo Freire, sobretudo no presente contexto sombrio e autoritário da política brasileira, consequentemente, das políticas educacionais que se desenham no atual governo. De forma especial, destacou o sentido filosófico da igualdade afirmada por Paulo Freire como condição para uma educação libertadora, ressaltando-a como princípio da relação pedagógica que se opõe à desigualdade, não à diferença, pois, "são as desigualdades que inibem uma relação pedagógica dialógica, não as diferenças que, ao contrário, alimentam-na, potenciam-na quando se principiam na igualdade" (2019b, p. 16).
Influenciados pelos resultados desses trabalhos, nos propusemos a vislumbrar a utilização da obra de Paulo Freire no contexto da área de Educação Física. Para tanto, analisamos a presença do seu construto teórico nos artigos publicados, entre 2010 e 2020, nas duas principais revistas da área que reúnem pesquisas de cunho pedagógico: a Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), publicada pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, entidade científica da área, e a Revista Movimento (RM), publicada pela Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ambas, como apresentamos na Tabela 1, estão indexadas em bases de dados internacionais, encontram-se disponíveis para acesso público em portais eletrônicos e possui classificação no sistema Qualis-CAPES em três áreas, Educação, Ensino e Educação Física.
Revista/ Endereço Eletrônico | Indexação | QUALIS-CAPES | ISSN |
---|---|---|---|
Movimento http://www.seer.ufrgs.br/Movimento |
Scopus Web of Science (ISI) Latindex Lilacs |
A2 Educação Física A2 Educação A2 Ensino |
e-ISSN 1982-8918 |
Revista Brasileira de Ciências do Esporte http://www.rbceonline.org.br/ |
Scopus Scielo Lilacs Latindex Doaj Redalyc |
B1 Educação Física A2 Educação A1 Ensino |
e-ISSN 2179-3255 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Metodologicamente falando, o presente estudo se constitui como uma pesquisa bibliográfica, que de acordo com Gil (2008, p. 44), é um tipo de "pesquisa desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos". O acesso aos sites das revistas e a seleção dos textos ocorreu no período entre 01 e 15 de agosto de 2020. Apesar das revistas disponibilizarem ferramentas de busca, optamos por acessar todos os textos publicados no período e verificar quantos e quais deles referenciavam as obras de Paulo Freire. Escolhemos o período balizador de 2010 a 20205 por se tratar da produção mais recente e, provavelmente, preocupada com a atualidade do pensamento freiriano.
Exceto os editoriais6, todos os artigos publicados nos dois periódicos a partir de 2010 foram acessados para verificarmos se alguma obra de Paulo Freire fora mencionada. Em caso positivo, o texto foi selecionado para registro do ano da publicação, volume e número da revista, título, autores e respectivas instituições.
No segundo momento, fizemos a leitura dos resumos para conhecer brevemente o conteúdo e, através da ferramenta de localização de palavras7, identificamos onde e como Freire fora citado. A estratégia permitiu identificar os principais temas e conceitos mobilizados pelos autores, as citações realizadas de forma direta e/ou indireta e o teor principal da interlocução com as ideias de Paulo Freire.
Resultados e Discussões
De acordo com nossa escolha metodológica e seguindo os procedimentos descritos na seção anterior, tivemos acesso a um número total de 1525 artigos, sendo 643 publicados na Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE) e 882 pela Revista Movimento (RM). Contudo, após verificar as referências, em apenas 42 deles, sendo 11 na RBCE e 31 na RM, foram mencionadas obras de Paulo Freire, como apresentado na Tabela 2.
Textos publicados desde 2010 até agosto 2020 | Textos selecionados conforme critérios | Número de obras citadas em cada texto | |
---|---|---|---|
RBCE | 643 | 11 |
09 textos relacionam apenas 01 título 01 texto relaciona 02 títulos 01 texto relaciona 07 títulos |
RM | 882 | 31 |
16 textos relacionam apenas 01 título 09 textos relacionam 02 títulos 03 textos relacionam 03 títulos 01 texto relaciona 04 títulos 01 texto relaciona 05 títulos 01 texto relaciona 08 títulos |
Total | 1525 | 42 |
25 textos relacionam 01 título 10 textos relacionam 02 títulos 03 textos relacionam 03 títulos 01 texto relaciona 04 títulos 01 texto relaciona 05 títulos 01 texto relaciona 07 títulos 01 texto relaciona 08 títulos |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A primeira impressão é o pequeno percentual (2,75%) de textos que referenciam obras de Paulo Freire. Em que pese a frustração inicial decorrente do confronto entre o achado quantitativo e a expectativa que nutríamos, nos interessa analisar a dimensão qualitativa das informações reunidas.
As discussões diretamente articuladas do legado freiriano com a Educação Física foram identificadas em apenas 3 artigos. Sendo eles: 1) um ensaio publicado no número 04 do volume 17 (out./dez. 2011) da RM, onde Correia, Miranda e Velardi (2011) refletem sobre a prática pedagógica da Educação Física com idosos, apresentando e defendendo o que denominaram de uma "experiência dialógica-problematizadora" ancorada nos pressupostos teóricos da pedagogia freiriana. 2) um artigo original publicado no número 2 do volume 36 da RBCE, em que Françoso e Neira (2014) debatem o campo curricular da Educação Física a partir de categorias centrais da obra de Paulo Freire, situando seu legado no emaranhado das relações que envolvem a cultura corporal e reconhecendo a inspiração freiriana no desenvolvimento de uma pedagogia culturalmente orientada para a Educação Física. 3) outro artigo original, publicado no número 4 do volume 24, do ano de 2018 da RM, Nogueira, Maldonado et al. (2018). tentaram entender como a teoria freiriana vem sendo estudada pela comunidade académica da Educação Física a partir de uma revisão sistemática em trés bases de dados (ERIC, SPORTDÍSCUS e Fuente Académica).
Quantitativamente, nossos resultados convergem com os encontrados por Nogueira et al. (2018). Esses autores selecionaram apenas 19 trabalhos, publicados no período compreendido entre 1990 e 2017, que abordavam a Educação Física e/ou as práticas corporais e que adotavam como referencial teórico a obra de Paulo Freire. Em suas conclusões, além de apontar a raridade dos estudos realizados na Educação Física que se fundamentam na perspectiva freiriana, também reconhecem evidências da "contribuição dos ensinamentos de Freire para a efetivação de uma EF mais crítica e democrática" (p. 1265) e indicam que "novas investigações devem aprofundar as relações entre a teoria proposta pelo autor e a EF" (p. 1265).
No que concerne à autoria dos 42 textos seleccionados, observamos um total de 112 pessoas, evidenciando um caráter coletivo e colaborativo da produção intelectual destacada. Apenas 5 artigos foram publicados com autoria individual e apenas 3 pesquisadores participaram em mais de um texto - Fabiano Bossle (2 artigos), Lisandra Oliveira e Silva (3 artigos) e Vicente Molina Neto (5 artigos), os trés da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Maria Luiza de Jesus Miranda (2 artigos), da Universidade São Judas, em São Paulo e Daniel Martos García da Universidade de Valencia, na Espanha.
Convém destacar a qualificação dos autores. Para tanto, foi necessário consultar seus currículos inscritos na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Considerando-se o ano da publicação dos artigos, foi possível identificar que 50 autores possuíam doutorado, 13 eram mestres, 3 eram especialistas, 9 haviam concluído a licenciatura e/ou bacharelado ou ainda eram estudantes de graduação. Além disso, 8 autores se apresentaram como mestrandos e 7 como doutorandos. Não foi possível identificar a titulação de 23 autores estrangeiros que não declararam explicitamente nos textos e não possuíam currículo na Plataforma Lattes. Se considerarmos apenas o número de autores cuja titulação foi possível identificar, veremos que 55% eram doutores, 22,5% mestres e 22,5% eram especialistas ou graduados.
Quando à vinculação, 13 pessoas mencionaram universidades espanholas (Universidade de Almería; Universidad de Granada; Universidad de Valencia; Universidad de Valladolid; Instituto Nacional de Educación Física de Cataluña); 2 estavam ligados a instituições chilenas (Universidad Católica de Valparaíso; Universidad Austral de Chile), 4 informaram instituições portuguesas (Universidade do Minho; Universidade do Porto) e outras 4 a duas universidades australianas (Deakin University; University of Western Sydney); 03 pessoas da Nova Zelândia (University of Auckland. Auckland,) 1 autor à uma universidade do Uruguai (Universidad de la República); 1 autor a instituições do Reino Unido (University of Strathclyde and University of Queensland) Por essa razão, 4 textos foram publicados em espanhol e outros 4 em inglês. Os demais autores estão vinculados a 35 instituições nacionais, principalmente, Universidades.
Aproximadamente 9% dos autores, à época em que os trabalhos foram publicados, atuavam na Educação Básica e mais de 90% no Ensino Superior, predominantemente, em instituições públicas e no contexto da formação de professores de Educação Física. Isso é importante se considerarmos que esses autores, ao terem buscado apoio no pensamento freiriano para produzir novos conhecimentos, podem ser considerados potenciais interlocutores e multiplicadores das ideias de Paulo Freire no exercício cotidiano da profissão.
A abrangência territorial compreende 10 unidades da federação (RS, sc, PR, sp, ES, GO, BA, PE, PB e DF) e outros 7 países (Espanha, Portugal, Chile, Uruguai, Nova Zelândia, Reino Unido e Austrália). Observase a concentração na região Sul e Sudeste do País, uma pequena parcela nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, não tendo sido identificado nenhum artigo produzido na região Norte, como indicado no Gráfico 1.
O quantitativo inicialmente pensado como diminuto revela um significativo alcance das 42 produções, se considerarmos atuação dos seus 112 autores, a divulgação das ideias em 49 instituições diferentes, além da circulação espontânea e académica entre leitores regulares e irregulares dos periódicos. Esse olhar converge com as afirmações de Streck (2011), Saul e Silva (2009) e Saul (2016) quanto à dimensão abrangente do pensamento freiriano.
Quanto às obras presentes nas referências, verificamos 23 títulos, sendo os mais citados: Pedagogia do Oprimido (20); Pedagogia da Autonomia (19); Educação como Prática da Liberdade (7), Pedagogia da Esperança (7), Educação e Mudança (3) e Conscientização (3). Esse resultado converge com o encontrado por Saul (2016, p. 25), que identificou uma maior incidéncia da Pedagogia da Autonomia e Pedagogia do Oprimido:
Nesse conjunto de referências das obras de Paulo Freire, em cada um dos focos das produções analisadas nessa pesquisa, destacam-se os livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia. A obra clássica, Pedagogia do Oprimido, segue sendo um livro seminal, para os estudos de Freire, no Brasil e também em outras geografias. Recentes informações situam essa obra, nos Estados Unidos, de acordo com dados do projeto The Open Syllabus Projectv, 2015, entre os 100 livros mais solicitados pelas universidades americanas, sendo o segundo mais indicado nas ementas da área da Educação.
Também há convergéncia com o resultado do estudo de Nogueira et al. (2018, p. 1269) que identificou "indícios de algumas das discussões defendidas por Paulo Freire, tendo como base as obras Educação como prática da liberdade (Freire, 1967), Pedagogia do Oprimido (Freire, 1987) e Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente (Freire, 1996)".
A análise da forma como se apropriaram dos argumentos verificou que, em torno de 69%, (29 textos) consistem em citações indiretas, 9,5% (4 textos) são transcrições de trechos curtos e/ou longos dos escritos de Freire e 21,5% (9 textos) combinam as duas formas.
Verificando os títulos e os resumos dos trabalhos, percebemos que tratam de uma gama bastante diversa de assuntos e temáticas, mas é possível um destaque para as questões da formação de professores (Azevedo, Oliveira, Silva, Nobrega e Souza Junior, 2010; Bopsin, Silva e Molina Neto, 2010; Silva, Caparróz e Almeida, 2011; Medina, Mégias e Arcos, 2013; Alves, 2016; Atienza , Valencia-Peris, Martos-García, López-Pastor e Devís-Devís , 2016; Rocha e Nascimento, 2017; Philpot, Smith e Ovens, 2019) ; da prática pedagógica da Educação Física em contextos variados, a saber, rural, educação escolar indígena, ensino médio, educação infantil e ensino superior (Marin et al., 2010; Costa e Leiro, 2010; Surdi e Kunz, 2010; Correia et al, 2011; Silva, M. A. Silva, L. O e Molina Neto, 2016; Marchesan et al., 2017; Skolaude et al., 2020); da pesquisa eprodução do conhecimento na área (Sampaio, 2014; Aquino et al., 2017; Nogueira et al., 2018); dos desafios do trabalho docente (Pereira e Mendes, 2010; Souza et al., 2010; Bossle et al., 2013; Brauner, 2015; Conceição e Molina Neto, 2017; Ferreira et al., 2020); e do currículo e/ou projeto pedagógico (Oliveira et al., 2011; Souza e Capraro, 2013; Betti et al., 2014; Françoso e Neira, 2014). Também estão presentes discussões sobre políticas públicas de educação, esportes e lazer (Mendes e Azevedo, 2010; Donã et al., 2014; Bernardi e Fazenda Junior, 2018; Troncoso et al., 2018; Diehl, Silva e Molina Neto, 2019); Pedagogias Críticas na Educação Física (Fensterseifer et al., 2019; Hickey et al., 2019; Vaz, 2019; Kirk, 2019; Hernández et al., 2020) temas contemporâneos como as mídias (Costa e Leiro, 2010), o cyberbullyng (Gonçales et al., 2014); violência na escola (Bossle et al., 2013), empodera-mento da mulher (Brauner, 2015); discussões sobre práticas corporais (Dourado da Silva e Ferreira, 2012; Nogueira et al., 2018); e programas de exercícios (Marchesan, 2017).
Cabe mencionar que alguns textos atravessam mais de um dos temas identificados e ainda se vinculam com outras temáticas, portanto, poderiam ser organizados de maneiras distintas, mas nos orientamos pela centralidade observada durante a análise. Também é importante dizer que quase todos os trabalhos fazem alianças com a produção freiriana, valorizando, concordando e apoiando-se em conceitos e proposições, contudo também há reterritorializações como no caso de Françoso e Neira (2014) ou críticas e tensionamen-tos, conforme Fensterseifer et al. (2019).
Sobre a diversidade de temas e assuntos também há convergéncia entre os nossos resultados e os levantamentos realizados pela rede freiriana de pesquisadores. Uma análise empreendida no Banco de Teses da CAPES com o descritor Paulo Freire, no período 1991 a 2012, registrou 1852 trabalhos em três grandes áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Biológicas e Exatas) e diversas subáreas. Apesar da Educação Física não ter sido diretamente mencionada, Saul (2016) destaca que o legado freiriano adentra diferentes áreas, subáreas e campos de estudos, participando de problemáticas contemporâneas.
Quanto à formação de professores, que para nós também atravessa as questões da prática pedagógica, do trabalho docente e do currículo, Pinto (2015), Pinto e Giovedi (2016) e Saul e Pinto (2016) consideram a teoria e a prática de Paulo Freire como importantes contribuições para consolidação de um paradigma contra-hegemônico para a formação de educadores. Recorrer a Freire para discutir essas questões implica evocar uma prática político-pedagógica séria, competente e crítica, pautada por uma concepção ontológica do ser humano e efetivada como formação permanente, conforme destaca o próprio autor.
A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse económico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (Freire, 1993, pp. 22-23)
Ao pesquisar os principais conceitos e categorias que emergem nos textos selecionados, também identificamos uma abrangência e diversidade significativa, o que reafirma a capacidade e as possibilidades de interlocução com Paulo Freire na atualidade. Contudo, nossos resultados apontam que as categorias Autonomia, Diálogo/Dialogicidade, Educação Bancária e Conscientização, são as mais recorrentes, conforme visualizamos na Tabela 3.
Conceito/ Categoria | Autores / Citação |
---|---|
Autonomia |
Correia et al., 2011, pp. 287-288 Cabe elucidar, nesse momento, que na epistemologia freiriana a categoria autonomia assume um lugar de destaque. Compreende Freire (1996) que, por sermos seres de cultura, somos necessariamente dependentes. Desta forma, a autonomia não se constrói sozinha ainda que, por vocação, os homens e as mulheres sejam capazes de apreender as coisas do mundo. Assim, em Freire, autonomia é um processo de decisão e humanização que os sujeitos vão construindo de acordo com os movimentos da sociedade, em decorrência de várias, inúmeras decisões que vão tomando ao longo da vida. Portanto, ninguém é primeiro autónomo para em seguida decidir. A autonomia vai se construindo mediante as experiências de decidir tomadas ao longo de sua existência (Freire, 1996). Logo, ninguém é dono da autonomia de ninguém, assim como ninguém é dono de sua própria autonomia. A autonomia se constrói mediante um processo de coerência e ética. |
Bossle et al., 2013, p. 56 (... ) pautada pela agenda de manutenção de uma ordem imposta de fora e pela adoção de mecanismos que entram em colapso com as necessidades, anseios e expectativas de uma educação que deveria promover a autonomia e a emancipação (Freire, 1996) dos sujeitos envolvidos -e implicados nela (por ela). | |
Gonçalves et al., 2013, p. 981 Na perspectiva de Paulo Freire (2003), empoderada é aquela pessoa (ou um grupo) capaz de agir com autonomia em prol das transformações. | |
Betti et al, 2014, p. 1634 Com base em Freire (1991, 2002) e Kunz (1991, 1994), entendemos que "emancipação" e "autonomia" estão enleados, constituem um único processo, sempre inacabado, de tomar consciência e pronunciar-se de forma singular, coletiva e crítica diante das objetivações e condicionamentos que as mídias, a indústria cultural e a ciência positiva impõem aos sujeitos. Buscar emancipação e autonomia na EF exige elevar a capacidade crítica dos sujeitos para tomarem decisões, fazerem escolhas, agirem e se pronunciarem no mundo. | |
Troncoso et al., 2018, p. 1016 A ideia de processos educativos implica assumir a perspectiva de ensino-aprendizagem como exercício cidadão de participação democrática para autonomia das pessoas nos espaços da cidade (Freire e Faundez, 2012), ou seja, o conhecimento gerado com outros ciclistas urbanos durante o tempo de trabalho que compartilham a percepção do descaso institucional na gestão da política pública. | |
Diálogo/ Dialogicidade |
Correia et al, 2011, p. 285 Na teoria do conhecimento postulada por Freire a categoria diálogo assume uma função essencial para o processo de construção do conhecimento. Entende Freire que é na relação dialógica entre os sujeitos e o objeto cognoscível que a construção do conhecimento floresce. Para ele, o conhecimento é uma construção coletiva, mediada dialogicamente, que deve articular dialeticamente a experiência da vida cotidiana com a sistematização rigorosa e crítica (Freire, 1983). |
Medina et al., 2013, p. 254 (...) Una pedagogía que sea flexible para acoger las necesidades del alumnado así como las de la sociedad, que supere la verticalidad de los currículos rígidos, que sea creativa para que el estudiante deje de ser pasivo, superando la receptividad, la repetición y la acomodación, y finalmente que sea dialógica dado que, como apunta Freire (2002), el conocimiento se obtiene a través del diálogo. | |
Antieza et al., 2016, p. 1034 El primero de ellos ya lo apuntó Freire (1970; 1990), consiste en conseguir un aprendizaje dialógico en el que el alumnado (re)construya el conocimiento a través de una relación de diálogo y discusión con otras personas en contraposición al tradicional aprendizaje bancario en el que los estudiantes se limitan a acumular los contenidos que el docente le ‘transfiere’. | |
Silva e Ferreira, 2012, p. 667 Quando falamos sobre Capoeira como dialogia corporal, presume-se um embasamento teórico a partir da dialogicidade da educação escrita por Freire (1983). Para o autor, o diálogo verdadeiro é o meio pelo qual os seres humanos podem ser mais. | |
Françoso e Neira, 2014, p. 534 A concepção de diálogo, enquanto processo dialético-problematizador apresentado por Freire (2005), permite olhar o mundo e a nossa existência em sociedade como processo, algo em construção, como realidade inacabada e em constante transformação. O diálogo é a força que impulsiona o pensar crítico-problematizador em relação à condição humana no mundo. “Enquanto a concepção ‘bancária’ dá ênfase à permanência, a concepção problematizadora reforça a mudança” (p. 84). E não é possível desenvolver uma educação problematizadora fora do diálogo. “Ao fundarse no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia” (p. 94). | |
Skolaude et al., 2020, pp. 7-8 A esta ação de (re)conhecimento, interação e diálogo, Freire (2017) denominou de dialogicidade, já que é um processo de educação crítica que liberta, humaniza, outorga sentido e problematiza a dimensão existencial, ética e política dos sujeitos com a finalidade de compreender e transformar sua realidade. Paulo Freire (2017), em sua obra “Pedagogia do oprimido”, oferece um dos eixos principais da sua teoria direcionada ao diálogo, como elemento emancipatório para prática da liberdade, comprometido com a educação, a vida e a existência que conscientiza criticamente o sujeito no seu contexto histórico social. Partindo desta ideia, o diálogo, na lente de Freire, seria entendido como aquele momento em que os sujeitos se encontram para refletir criticamente o meio, sua cultura e a cultura dos “outros”, confrontando assim o aprisionamento em que se estrutura a educação antidialógica, baseada na homogeneização do conhecimento. (educação bancária) e nas relações de poder, já que, como menciona Freire e Faundez (1985) “o diálogo só existe quando aceitamos que o outro é diferente e pode nos dizer algo que não conhecemos” (Freire; Faundez, 1985, p. 36). Para Freire, a dialogicidade é tratada a partir da ação e reflexão; é o sujeito que aprende em contato com o outro, com sua cultura, experiências, identidades e diferenças. | |
Educação Bancária |
Barbero-González e Rodríguez-Campazas, 2013, pp. 81-82 To integrate the movie within our pedagogical discourse, we rely upon Freire’s “generative themes” (for us, “generative concept images”). Rephrasing this author (Freire, 2005, p. 109), “in contrast with the (usual) antidialogical and non-communicative “deposits” of “banking education”, we try to connect selected movie fragments with real existential situations to stimulate the awakening of critical consciousness through a dialogical approach to knowledge. |
Bossle et al., 2013, p. 59. Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire (1987) argumenta sobre a necessidade de rompimento com uma educação bancária, centrada no professor, que desconsidera o saber da cultura dos estudantes e recebe apenas “depósitos” dos conhecimentos alheios à sua cultura e, também, a necessidades de formação crítica -como a leitura de mundo. | |
Alves, 2016, p. 76 Não são recentes as discussões sobre as tendências bancária e tecnicista da formação educacional. Freire (1975, 1979, 1996) já a denunciava em seus estudos, e essas mesmas tendencias podem ser sentidas nas disciplinas de Atividades Rítmicas e Expressivas e Dança quando nos vemos na necessidade de quantificar o desempenho dos alunos, tendo, muitas vezes, que se submeter a diretrizes avaliativas restritas que pouco se preocupam com os processos, pois a elas só interessam os resultados na sua superfície mais formal e objetiva. | |
Bernardi e Fazenda Junior, 2018, p. 1035 O esp está calcado na ideia de que um determinado conhecimento possa ser desprovido de parcialidade, como se a própria ciência fosse neutra. A farsa remonta à tragédia com uma educação pura e simples de transmissão de conhecimento, uma guinada total à concepção bancária de educação, na qual os educandos são tratados como tábulas rasas, na qual o papel do profesorado é apenas despejar o conhecimento em cima, eliminando fatores importantes deste processo: a intrínseca e dialética relação educador/educando. | |
Nogueira et al., 2018, p. 1266 A partir dessa perspectiva, chamam atenção alguns conceitos desenvolvidos pelo educador, como: “Educação Bancária”, na qual professores preenchem os educandos passivos com informações; “Cultura do Silêncio”, em que pessoas dominadas são silenciadas por conta da imposição cultural de quem as domina; e “Empoderamento”, no qual os sujeitos dominados tomam o poder para si, a partir do desenvolvimento da consciência crítica (Freire, 1987; Valoura, 2006). | |
Françoso e Neira, 2014, p. 534 É, portanto, fundamental substituir a “educação bancária” pela “educação problematizadora”. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber, é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos. A “educação problematizadora” rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, superando a contradição entre o educador e os educandos. | |
Philpot et al., 2019, p. 5 Those who advocate for critical reflection aim to move beyond what Freire (1970) called ‘banking’ education where students store knowledge unproblematically to focus on exploring issues of context, positionality or power | |
Ferreira et al., 2020, p. 5 Como se sabe, a perspectiva bancária de educação, com base em Paulo Freire (1987), apresenta uma metáfora entre a educação escolar e uma operação monetária em um banco, prevendo o depósito, o investimento e o saque de conhecimentos, tendo como base, assim, uma perspectiva tradicional de educação. | |
Consciência Conscientização Conscientizar |
Correia et al, 2011, p. 2990 Sabemos que não é raro na área da educação física observar educadores escondendo-se em aulas que se constituem em verdadeiros rituais a serem seguidos, desenvolvidas através de uma educação diretivista, para não revelarem o medo que têm de problematizar e dialogar sobre as atividades propostas. Para tal, justificam que “problematizar” e “dialogar” são perdas de tempo, fazendo adormecer a sua capacidade crítica e, consequentemente, a do educando. No entanto, “o diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam” (Freire, 1996, p. 55). |
Françoso e Neira, 2014, p. 533 A conscientização, conceito-chave da pedagogia freiriana, implica fundamentalmente no desvelamento da realidade com o propósito de transformá-la. Consiste no “olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘dês-vela’ para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante” (Freire, 1980, p. 29). | |
Marchesan et al., 2017, p. 318 Acredita-se que, nesse contexto, o profissional de educação física deve ir além da prescrição e da avaliação do programa de exercícios físicos ou então da aptidão física dos pacientes. A preocupação com o doente renal deve estar dirigida não apenas para a melhoria de sua aptidão física, mas para a educação que busca conscientizar (Freire, 1993), na qual o paciente entenda o seu contexto e a sua realidade, consiga aprender como lidar com as questões que acompanham a doença, melhore, dessa forma, sua qualidade de vida. | |
Nogueira et al., 2018, p. 1274 Tema constante nas obras de Paulo Freire, ratificamos a valorização da conscientização percebida durante a leitura dos textos analisados. Nos estudos, foi latente a preocupação dos autores com relação à tomada de consciência acerca das práticas corporais entrelaçadas aos contextos sociais. Essa explicação, de acordo com o nosso entendimento, caminha no sentido de que o método de ensino dialógico difundido por Paulo Freire é também conhecido como Método da Consciência (Lopes e Macedo, 2011). | |
Hickey et al., 2019, p. 8 Through a deepening consciousness of the world, produced through reflection and action (Freire, 1970), teachers are more likely to realise the practical utility of a critical disposition | |
Vaz, 2019, p. 3 [...] o método de alfabetização de Paulo Freire, em Pernambuco. Era preciso alfabetizar para a conscientização e conscientizar que há um saber entre os não letrados que supõe uma visão, ainda que eventualmente heterônoma, de mundo. Síntese feliz entre base humanista, sensibilidade social e gênio inovador, a educação libertadora e para a conscientização foi proscrita pela ditadura civil-militar que tem início com o golpe de 1964. | |
Kirk, 2019, p. 8 At the same time, in highlighting the place of emotion in educational and political communication, neither criticism rules out the importance of reflection and conscientization (Freire, 2005). | |
Hernández et al., 2020, p. 3 En este sentido, son fundamentales las aportaciones del brasileño Paulo Freire y sus trabajos dedicados, entre otras cosas, a la ‘concientización’. Para él, la concientización era la única manera de evitar el dogmatismo y garantizar que, em su caso, ‘los oprimidos’ fueran actores principales en el proceso de desvelar la realidade y conocerla de forma crítica, incluso de recrear el propio conocimiento. Solo así, fruto de un proceso de concientización, las personas se comprometerían a luchar por su libertad (Freire, 2003). |
Fonte: elaborada pelos autores.
Nota: todos os grifos são nossos.
Essas categorias também tiveram destaque nos resultados divulgados por Saul (2016, p. 24, grifos da autora):
Tanto nas dissertações e teses analisadas, como nos estudos empíricos, observou-se um amplo leque de conceitos/categorias tratados na obra de Freire e que foram considerados tanto para dar suporte teórico às pesquisas, como para analisar dados produzidos nas investigações. O amplo repertório de conceitos utilizados, nos trabalhos examinados, mostrou a vasta apropriação que os pesquisadores fizeram do referencial freiriano. As categorias diálogo, participação, autonomia, gestão democrática, liberdade, emancipação, reflexão crítica, conscientização, alfabetização crítica e formação permanente foram as mais recorrentes. Esses conceitos estiveram presentes em diferentes contextos educativos, nas modalidades de ensino pesquisadas e, também, em espaços de educação não formal.
Considerações Finais
Mudar é difícil, mas é possível e urgente
(Freire, 1991, p. 8).
Buscamos com esse trabalho evidenciar a presença da obra de Paulo Freire na área de Educação Física e tentamos fazê-lo a partir da análise da produção de conhecimentos divulgada em dois periódicos com circulação nacional destacada na área. Inspirados pelos resultados de outros trabalhos, especialmente, aqueles que veem sendo divulgados pela Cátedra Paulo Freire da puc-sp e buscando superar pré-con-ceitos quanto ao conhecimento de diferentes áreas, o acesso a todos os textos divulgados pelos periódicos no período selecionado foi importante porque a área de Educação Física tem sido produzida e disputada a partir de diferentes discursos e marcos científicos.
Identificamos no universo de mais de um milhar e meio de artigos apenas 42 que relacionam obras de Paulo Freire nas referências, no entanto, o que quantitativamente nos surpreende e parece pouco significativo, também promoveu reflexões e problematizações, permitindo evidenciar uma importante inserção e contribuição do legado freiriano para a área de conhecimento e prática pedagógica da Educação Física.
Os resultados obtidos convergem com o levantamento apresentado por Nogueira et al. (2018) que também identificou poucos trabalhos (19) utilizando a teoria freiriana, mas, apesar disso, reconheceu como importante a contribuição do autor e a necessária ampliação da aproximação e apropriação da área de Educação Física e das práticas corporais com as teorias de Paulo Freire. Bossle (2018) também anuncia o legado freiriano como alternativa viável aos professores de Educação Física comprometidos com a transformação da sociedade. Assim como anteriormente fizeram Françoso e Neira (2014) reconhecendo as inspirações desse importante educador na produção de uma escola, currículo e Educação Física implicada com a desconstrução das narrativas dominantes que justificam as desigualdades e as opressões sociais.
Finalizamos lamentando não poder demonstrar que os radicais e extremistas de direita têm razão. Infelizmente, Paulo Freire ainda não está amplamente "infiltrado" e "doutrinando" ideologicamente o pensamento e a produção de conhecimentos em Educação Física e Ciências do Esporte, e isso, pode nos dar pistas que também não esteja tão presente nas escolas e nas ações pedagógicas de professores e professoras de Educação Física de todo o Brasil. Portanto, não nos entristece a possibilidade dessa leitura ser fruto dos limites da nossa investigação, com escopo e estratégias circunscritas, e se outras bases de dados ou investigações demonstrarem o contrário, afinal, em tempos de ameaça a democracia, usurpação de direitos, ampliação das desigualdades, expansão da opressão e de políticas de morte, nós queremos uma ideologia para viver (Cazuza, 1990), por isso, precisamos de Paulo Freire, mais que nunca (Kohan, 2019).