Os estereótipos são crenças e imagens partilhadas sobre os atributos dos membros de um grupo (e.g., Yzerbyt et al., 1994). Como tal, estereótipos de género são crenças sobre os atributos de homens e mulheres e estão diretamente relacionados aos papéis sociais e às diferenças nos estatutos de poder entre os géneros (Eagly, 1987). Os estereótipos de género, tal como qualquer outro estereótipo, dota o mundo social de consistência, perceção de controle e previsibilidade (Ma et al., 2019), razão pela qual a informação estereotípica é privilegiada e resistente à mudança (Fiske, 2017; Haines et al., 2016). No entanto, as últimas décadas passaram por grandes transformações socioeconómicas, com efeitos na estrutura social, laboral e familiar.
Atualmente, as famílias monoparentais e homoparentais são uma realidade social que implica a redistribuição dos papéis domésticos. Por essa razão, e também por mudanças nas expetativas e atitudes face à carreira e ao trabalho, há cada vez mais mulheres a trabalharem fora de casa (e.g., Chuanchuan & Jingwen, 2021) e a realizarem formação universitária (Okahana & Zhou, 2018). As mulheres estão a conquistar profissões de prestígio como medicina, política e posições de liderança. A mulher passou a competir com o homem no acesso a iguais profissões, funções e salários e tem as mesmas expetativas para progressão na carreira (Kossek et al., 2021). O género feminino assume, hoje, um leque ainda maior de atributos e expetativas, tornando inconsistente a generalização dos atributos numa só categoria. Uma das consequências dessa inconsistência foi o surgimento de subcategorias estereotípicas de mulheres, coexistindo pelo menos três grupos: mulher tradicional (e.g., dona de casa), mulher independente (e.g., mulher de carreira) e mulher sexy (e.g., exuberante na forma de vestir) (e.g., Ashmore et al., 1984; Deaux et al., 1985; Gómez-Berrocal et al., 2011).
Alguns estudos cross-cultural e de análise temporal comparativa analisaram empiricamente a persistência ou alteração dos estereótipos e papéis de género. Com uma amostra norte-americana, Haines et al. (2016) não observaram grandes mudanças nestes estereótipos entre 1983 e 2014. Em Portugal, apesar das políticas de igualdade e das alterações nos papéis de género, não se observam alterações nas atitudes sexistas (Gomes et al., 2021). No Brasil, África do Sul e Índia, as mulheres relatam ainda viverem em uma sociedade onde são categorizadas por múltiplos estereótipos, sendo pressionadas a se comportarem e se vestirem conforme os papéis tradicionais (Unstereotype Alliance, 2018).
Por outro lado, o estudo de Eagly et al. (2020), observou mudanças nas características comunitárias e na avaliação da competência das mulheres entre 1946 e 2018. Já Moya e Moya-Garófano (2021) observaram mudanças relativas aos comportamentos e as ocupações de género entre 1985 e 2018, em Espanha. No entanto, nenhum destes estudos considera a categorização da mulher em subtipos e suas diversidades em termos físicos e modo de vestir.
As primeiras impressões
As interações sociais assentam numa troca constante de perceções e, portanto, de julgamentos. Desde o primeiro contacto, o percecionador sente-se capaz de formar uma opinião sobre o alvo. Estas primeiras impressões (Asch, 1946) são rapidamente formadas com base em estímulos facilmente visíveis como os atributos físicos, características faciais e atratividade (e.g., Am-bady & Skowronski, 2008; Todorov et al., 2005), e mesmo o vestuário transmite informações referentes à identidade, estatuto social e posição hierárquica (Howlett et al., 2015). Os estímulos visíveis são importantes componentes da categorização de género. Especialmente nas mulheres, o vestuário é fator notável na formação de impressão, onde mesmo pequenas mudanças são capazes de alterar julgamentos de competência, de inteligência (Daniels & Zurbriggen, 2016) e até mesmo de moralidade (Fasoli et al., 2018). Assim, a roupa utilizada por uma mulher constitui uma importante pista não verbal sobre seus atributos psicológicos, os seus comportamentos, motivações, habilidades e as suas competências. Em consequência, afeta a avaliação da atratividade física e da confiabilidade e permite pressupor o seu estatuto socioeconómico (e.g., Gouda-Vossos et al., 2019), pelo que é legítimo considerar que o percecionador também avalia a legitimidade do sucesso profissional, entre outros efeitos. Forsythe (1990) sugere que trajes executivos, como o blazer e a calça social, aumentam a perceção da mulher como mais competente e mais suscetível às posições de liderança. Já o uso de saias curtas e decotes faz com que as mulheres sejam mais vezes percebidas como menos competentes e menos inteligentes (Glick et al., 2005). Deste modo, espera-se que, para os diferentes tipos de mulher, haja diferentes expetativas quanto à sua aparência física, os seus tipos de vestuário, e expetativas relacionadas ao contexto laboral em que estão inseridas.
Um marco remanescente na pesquisa da formação de impressão encontra-se no modelo do conteúdo do estereótipo (MCE) de Fiske et al. (2002), em que contempla o conteúdo universal presente em todos os estereótipos grupais: as dimensões calor e competência. O calor, também designado como comunhão, diz respeito à cordialidade, amabilidade, simpatia, moralidade e confiabilidade. A competência ou agência compreende características de cariz instrumental, como assertividade, eficiência, competição e domínio.
A literatura tem mostrado que estas duas dimensões constituem elementos universais da cognição social interpessoal e intergrupal (Baker & Florack, 2021). Com o MCE é possível classificar e dar sentido a grupos ou indivíduos, afetando os julgamentos sociais, os comportamentos e as interações sociais (Fiske et al., 2002). Deste modo, os estereótipos grupais podem conter avaliações altas e baixas, tanto em calor quanto em competência, e são importantes ferramentas na diferenciação do estatuto social: grupos de estatuto elevado tendem a ser percebidos com alta competência e grupos de baixo estatuto tendem a ser percebidos com mais calor e menos competência. O MCE tem sido observado de forma consistente nas várias categorias sociais, tais como idade, etnia, género, dimensões corporais, etc. (e.g., Baker & Florack, 2021; Cuddy et al., 2008).
A mulher e as três subcategorias
De uma perspetiva geral, as mulheres são vistas como prestativas, carinhosas, superiores em aspetos emocionais, gentis, devotas e compreensivas (e.g., Eagly & Mladinic, 1989; Eagly et al., 2020), porque ao terem em conta o género feminino, as pessoas tendem a projetar os estereótipos tradicionais (Becker, 2010). As mulheres tradicionais, embora compactuem com as normas prescritivas de género, são avaliadas como o grupo de menor estatuto, como menos competitivas e menos competentes. Este grupo também tende a sofrer alienação e discriminação em ambientes de domínio masculino (Smith, 2013) e por isso são mais vezes alocadas a “carreiras femininas” como enfermagem e ensino (e.g., Froehlich et al., 2020). Deste modo, espera-se que os nossos resultados venham ao encontro destas perspetivas. É nossa expetativa que os participantes avaliem a mulher tradicional com mais atributos de calor e menores de competência e que sejam descritas com profissões de menor estatuto.
Já os grupos não tradicionais, como a mulher independente (ou de carreira) e a mulher sexy, buscam a sua autonomia fora dos papéis tradicionais de género (Diekman & Eagly, 2000). Uma mulher independente carrega os atributos de cultura, habilidade e liberdade, e faz do seu grupo o grupo de mulheres de maior estatuto (Fiske et al., 2002).
São avaliadas como competitivas e competentes, mas não calorosas. Mulheres de alto estatuto são consideradas menos atraentes do que os homens de igual posição, mas estudos anteriores indicam que este efeito pode ser reduzido através da roupa: um modo de vestir mais corporativo favorece a avaliação destas mulheres não só como competentes, mas como igualmente prováveis de emergirem em cargos de topo hierárquico (Forsythe, 1990). Como tal, é de se esperar que a imagem de uma mulher independente também carregue atributos que remetam ao seu caráter organizacional, e que tenham consequentes descrições de profissões de maior agência, como gestão ou profissões em ciências exatas.
A mulher sexy é comumente descrita como a mulher que reforça a sua sensualidade, mas também compreende as mulheres que são demasiado preocupadas com sua aparência, contrastando seus atributos físicos em seu dia a dia (Glick et al., 2005). Há muito que a sexualidade é empregue na pesquisa dos estereótipos de género, mas recentemente este termo tem ganho novas perspetivas e novos caminhos no estudo acerca da sua utilidade e das consequências no ambiente laboral e social. As mulheres que fazem uso de decotes ou saias demasiado curtas nos seus ambientes de trabalho são recorrentemente avaliadas de forma negativa como menos competentes, menos inteligentes e menos morais (Fasoli et al., 2018). Como tal, a mulher sexy é estereotipada como um grupo de estatuto inferior (Deaux et al., 1985). É de se esperar que sejam avaliadas como menos competentes e que sua área profissional se iguale às profissões de menor estatuto, como a mulher tradicional.
É objetivo do presente estudo caracterizar as atribuições que são feitas a estes três grupos de mulheres, através de uma amostra portuguesa de ambos os géneros. Para este efeito, foi pedido que os participantes avaliassem o alvo feminino em termos de área profissional, aparência física e modo de vestir. Observou-se também o efeito do género do participante e do tipo de mulher (tradicional, independente ou sexy) nas avaliações dos atributos referentes ao calor e competência destes alvos.
Método
Conduziu-se um estudo experimental, de corte transversal com o uso de questionários de autorresposta.
Participantes
A amostra foi selecionada, por conveniência, no campus da universidade. Foram considerados funcionários, docentes e estudantes (incluindo estudantes-trabalhadores) sendo os critérios de inclusão ser português e não ser estudante nem docente de psicologia. A amostra foi aleatoriamente distribuída pelas três condições. A amostra é constituída por 78 portugueses, 41 homens (52.6%) e 37 mulheres, entre os 18 e 62 anos, com idade média de 35.27 (SD =13.78). Destes 78 participantes, 5.2% possuem escolaridade básica, 37.2% possuem escolaridade de nível médio (até o 12º ano de ensino), 42.3% possuem ensino superior, e 15.3% possuem ensino pós-superior; e estavam distribuídos em 21 tipos de atividades profissionais, dentre elas assistentes operacionais (21.7%), vendedores (16.6%), treinadores de exercício físico (12.8%), e ainda 11.5% eram estudantes.
Materiais e procedimentos
Cada participante foi convidado a responder a um questionário em papel de autorresposta (a recolha foi feita no período com menores restrições associadas à pandemia COVID-19 e cumprindo as recomendações impostas pelo governo de Portugal). Este questionário tinha três versões (descrição da mulher: tradicional, independente ou sexy).
A aplicação foi individual e presencial e a versão entregue a cada participante foi definida antecipadamente de forma aleatória. Dito de outra forma, a amostra foi selecionada por conveniência mas distribuída aleatoriamente por cada condição. O questionário além de incluir as informações relativas ao consentimento informado e liberdade de participação, apresentava a descrição da mulher (variável independente), os itens de manipulation check, as variáveis dependentes e as questões de caracterização sociodemográfica. Os procedimentos éticos foram aprovados pela comissão de ética do CIP no âmbito do projeto “Diversidade social e cultural no trabalho e na vida social: Fatores de vulnerabilidade”. Nenhuma compensação foi oferecida aos participantes.
Medidas
Área profissional, aparência física e modo de vestir. Foi apresentada uma breve introdução sobre imagens e ideias dos atributos dos membros de um grupo. A seguir, os participantes leram o texto sobre sua mulher alvo e deviam indicar como a imaginavam em termos de área profissional, aparência física e modo de se vestir.
Os participantes na condição mulher tradicional receberam a seguinte informação:
38 anos, trabalhadora e com família, com uma vida familiar muito preenchida e que despende grande parte do tempo livre na gestão familiar.
Na condição mulher independente:
38 anos, trabalhadora e independente, com uma vida social restrita aos colegas de trabalho e que despende grande parte do tempo livre a trabalhar.
Na condição mulher sexy:
38 anos, trabalhadora e independente, com uma vida social muito ativa e que despende grande parte do tempo a seguir as tendências de moda.
Calor e Competência. Como medida de formação de impressão, utilizou-se a escala de Fiske et al. (2007), referente ao modelo do conteúdo do estereótipo. A escala é composta por 14 atributos, onde os itens 1 a 7 medem a dimensão competência e os itens 8 a 14 a dimensão calor. Os participantes deveriam indicar em que medida os atributos apresentados poderiam ser utilizados para descrever a mulher que foram convidados a imaginar. Os itens foram classificados em uma escala Likert de 7 pontos (de “1 = Nada” a “7 = Totalmente”), e contaram com uma fiabilidade de .83 para as dimensões de competência e .89 para as dimensões de calor.
Manipulation Check. A fim de assegurar que os participantes compreenderam as indicações: (1) solicitou-se que avaliassem em uma escala Likert de 7 pontos (de “1 = Nada” a “7 = Extremamente”) o quanto consideravam a mulher por eles imaginada como a típica mulher tradicional, independente ou sexy e; (2) Os participantes deviam indicar, com esta mesma escala, em que medida imaginou a mulher como alguém próximo de si. Esta última tinha como objetivo garantir que a descrição dada pelo participante tenha sido a imagem global que ele tem sobre este grupo de mulher e não de uma pessoa específica.
Variáveis sociodemográficas. Os participantes forneceram informações acerca de seu género, idade, naturalidade, habilitações literárias, estado civil e área profissional.
Análise de dados
Área profissional, aparência física e modo de vestir. Para análise do conteúdo das respostas abertas relativas à área profissional, aparência física e modo de vestir de cada tipo de mulher representado neste estudo, optou-se pela utilização da análise prototípica de Vergès (1992). Os participantes responderam de forma esporádica, apresentando características soltas, articuladas na forma de palavras ou expressões, que favorece uma análise prototípica. Tal como uma análise de conteúdo, esta análise mede a frequência das palavras e acrescenta ainda a ordem pela qual estas foram evocadas. Esta análise é conhecida pela sua eficácia mesmo em amostras pequenas e dados pouco estruturados (Wolter et al., 2009).
Tendo como base teórica a abordagem estrutural das representações sociais, estipula a importância das palavras para a construção da representação baseada na relação entre frequência e ordem de evocação. Nos quadrantes superiores encontra-se o núcleo central, que contém as palavras mais frequentemente utilizadas e as primeiras a serem evocadas, e o sistema periférico, com as respostas mais frequentes, mas de evocações secundárias; nos quadrantes inferiores é possível encontrar os elementos periféricos contrastantes e a segunda periferia, ambos com baixa frequência de respostas.
Os dados foram submetidos num banco de dados no Open Office Calc, e as análises feitas no programa IRAMUTEQ, a partir do software R (Camargo & Justo, 2013).
As palavras brutas foram lematizadas, reduzindo-as à sua forma mais simples, em número e em género. Expressões compostas foram hifenizadas para que as palavras fossem processadas conjuntamente (ex. cabelo-comprido). Foi ainda realizada uma categorização prévia, com critério semântico, para agregar ideias similares numa só expressão (e.g. cabelo loiro e cabelo aloirado).
Calor e competência. A codificação e o tratamento estatístico dos dados da escala de formação de impressão, manipulation check, e dados sociodemográficos foram realizados com o IBM SPSS 27. Para análise dos efeitos das condições experimentais no calor e na competência, realizou-se uma MANOVA Between-Subjects de 3 (Tipos de mulher: Tradicional vs. Independente vs. Sexy) x 2 (Sexo do participante: Homem vs. Mulher).
Resultados
Manipulation Check
A análise de verificação de manipulação confirmou que os participantes compreenderam o que lhes foi solicitado: os participantes que responderam a condição mulher tradicional avaliaram-na como a típica mulher tradicional (Mtrad = 4.81, MInd=4.50, Msexy = 4.62). Na condição mulher independente, a manipulação foi ainda mais evidente, com uma média bastante superior (Mtrad = 4.04, MInd = 5.54, Msexy = 4.46). Na condição mulher sexy, as médias do quanto a consideravam como a típica mulher sexy e a típica mulher independente foram muito próximas (Mtrad = 3.62, MInd = 5.31, Msexy = 5.19). Entretanto, esta semelhança entre a mulher independente e a mulher sexy será discutida posteriormente. Além disso, as médias na avaliação do quanto eles imaginaram a mulher como alguém próximo de si foram baixas em todas as condições (Mtrad = 3.92, MInd = 3.42, Msexy = 2.85), sugerindo que as descrições não foram feitas com base numa pessoa específica.
Área profissional, aparência física e modo de vestir
Mulher tradicional. Ao considerar os elementos mais frequentemente evocados, o núcleo central e primeiro periférico, as descrições partilhadas pela nossa amostra, quando o pedido foi avaliar a mulher tradicional, rementem para uma “professora” e “administrativa”, de aparência física “magra”, “alta”, “cabelo comprido”, “morena”, “peso ideal” e “olho castanho”, com modo de vestir “casual”, “camisa”, “simples”, “formal” e “sapato alto” (Tabela 1).
Mulher independente. Os elementos mais frequentemente evocados na avaliação da mulher independente são “empresária”, “administrativa”, “gestão”, “médica”, “secretária” e “advogada”, de aparência física “arranjada”, “boa forma física”, “magra” e “morena”, com modo de vestir “formal”, “sapato alto”, “casual”, “cor neutra” e “elegante” (Tabela 2).
Mulher sexy. Os elementos mais frequentemente evocados na avaliação da mulher sexy são “gestão”, “advogada”, “chefe de loja” e “secretária”, de aparência física “alta”, “peso ideal”, “cuidada”, “loura”, “arranjada”, “magra” e “morena”, com modo de vestir “tendência da moda”, “formal”, “clássico”, “bem vestida” e “chique” (Tabela 3).
Calor e competência. Como se pode observar pela Tabela 4, maiores avaliações de calor correspondem à mulher tradicional (Mtrad = 5.58; DP = .79), enquanto maiores avaliações de competência são dadas à mulher independente (MInd = 5.94; DP=.60).
Os resultados da MANOVA indicam um efeito principal do tipo de mulher nas avaliações de calor (F(2, 71) =5.171, p <.05, partial η2 =.127). O efeito principal do género não foi significativo em nenhuma das avaliações (F variou de .06 a .03, p > .05), bem como não houve efeito de interação.
A análise post-hoc, recorrendo ao procedimento Tukey HSD, indica que o efeito do tipo de mulher no calor se dá às diferenças significativas entre os valores médios de calor da mulher tradicional (Mtrad = 5.58) e da mulher sexy (Msexy = 4.77) (p < .05), cujo tamanho do efeito é considerado grande (d = .90). Já a diferença entre o grupo da mulher tradicional (Mtrad = 5.58) e da mulher independente (MInd = 4.98), embora não seja estatisticamente significativa (p = .06), possui um tamanho de efeito moderado (d = .68), indicando uma diferença evidente nas classificações destes grupos. Não houve diferença significativa entre os valores médios da mulher independente e mulher sexy (p = .71, d =.21).
Estes resultados podem ser observados na Figura 1.
Discussão
A categorização de género está associada a vários estereótipos que possibilitam formar uma impressão com base em estímulos facilmente visíveis, como atributos físicos e o modo de vestir, mas também em comportamentos não verbais e em características além das disponíveis no momento.
Este processo, denominado “formação de impressão” (Asch, 1946), permite organizar a informação disponível e dar significado aos estímulos percebidos. Estes estímulos são frequentemente classificados em duas dimensões universais: calor e competência (Fiske et al., 2002), que se associam às categorias utilizadas na formação de impressão. Estas duas dimensões são de grande importância na literatura dos estereótipos de género, pois refletem o estatuto social dos grupos, onde grupos de estatuto elevado são percebidos como mais competentes e menos calorosos - os homens - e grupos de baixo estatuto são percebidos como mais calorosos e menos competentes - as mulheres. Por muito tempo, esta classificação foi suficiente para compreender o domínio social dos homens comparativamente às mulheres, mas com as mudanças sociais e as conquistas das últimas décadas, dizer que todas as mulheres são mais calorosas do que competentes tornou-se falacioso. As mulheres assumem hoje cargos e profissões que as colocam no mesmo patamar de competência dos homens e a obrigatoriedade de uma mulher gentil e que vive em prol do outro tornou-se obsoleta. Como tal, os estereótipos de género femininos, embora ainda enraizados nos aspetos prescritivos (Prentice & Carranza, 2002), permitem compreender que elas não são todas estereotipadas da mesma forma, e que, atualmente, coexistem em pelo menos três subgrupos: as tradicionais, as independentes e as sexy.
O objetivo do presente estudo foi conhecer as caracterizações dadas a estes três subgrupos de mulheres em uma amostra portuguesa. Os resultados corroboram com pesquisas anteriores, em que a mulher tradicional é avaliada como a mais calorosa e com avaliações menos positivas de competência (Cuddy et al., 2008). A mulher tradicional reflete muitos dos típicos estereótipos femininos: complacente, bondosa, afável, e parece englobar todas as características de maternidade. Como tal, as suas avaliações foram reflexo destas crenças. A sua área profissional concentrou-se em tarefas administrativas e ensino, duas profissões associadas ao género feminino. A escolha de suas vestimentas como um estilo casual também refletem a imagem que se tem da mulher tradicional como uma mulher mais descontraída e menos preocupada com a aparência.
A mulher independente recebeu maiores avaliações de competência e menores em atributos de calor. Na literatura, este grupo é retratado como a “mulher de carreira”, e neste estudo os participantes seguiram esta mesma lógica. Ela foi descrita mais vezes em profissões de alto estatuto como empresária ou gestora, refletindo profissões de poder. Suas vestimentas foram mais vezes descritas como formal e de “cores neutras”. Estudos anteriores revelam que este tipo de vestimenta, que muito se assemelha ao traje masculino, faz com que estas mulheres sejam percebidas como melhores profissionais e com maiores probabilidades de atingirem o sucesso (Forsythe, 1990; Gouda-Vossos et al., 2019).
Os nossos resultados para a categorização de mulher sexy revelaram-se interessantes: os participantes avaliaram-na quase tão competente quanto a mulher independente. Estes resultados não corroboram com pesquisas anteriores em que a mulher sexy é claramente julgada como menos competente (Deaux et al., 1985; Glick et al., 2005; Howlett et al., 2015). Deaux et al. (1985) afirmam que o estereotipo da mulher sexy está negativamente associado ao estereotipo masculino de competência e como tal, há uma falta de ajuste entre elas e estes atributos, principalmente quando são alocados em termos profissionais. Os resultados que encontrámos não vão ao encontro a esta afirmação. Não só a mulher sexy foi bem avaliada em termos de competência, bem como as profissões que lhes foram dadas se assimilam às profissões de maior estatuto e poder: gestão e advocacia. Estes dados se assemelham a investigações mais recentes, também realizadas em contexto ocidental, em que os participantes, especialmente mulheres, tendem a avaliar as mulheres com roupas sensuais como mais confiantes e mais poderosas (Gurung et al., 2018, Howlett et al., 2015). Dois fenómenos podem contribuir para estes resultados: por um lado, a promoção do autocuidado, da moda e da importância do cuidar-se imposta pela mídia e o tipo de imagens de si que as pessoas partilham nas redes sociais, i.e., as selfies (Baumgartner et al., 2015), banalizaram a imagem sexy e despenalizaram a mulher que se veste e se comporta de forma sexy. E por outro lado, a atração como fator notório: como não foram dadas indicações físicas da mulher alvo, a imagem construída pelo participante prendeu-se apenas em seus processos de memória visual. Vários estudos mostram uma tendência em construir uma imagem positiva das características faciais de uma pessoa, quando a informação sobre a mesma se encontra incompleta (Orghian & Hidalgo, 2020). Assim, uma construção enviesada da mulher alvo como bonita e atraente, pode resultar nas avaliações mais positivas dadas pela nossa amostra, seguindo o estereotipo de “o que é bonito é bom” (Dion et al., 1972). Consequentemente, embora os grupos de mulheres não tradicionais sejam mais vezes penalizados, esta reação tende a atenuar se a mulher for igualmente atraente (Fisher et al., 2019).
Nos resultados de verificação de manipulação, quando questionados em que medida sua mulher alvo representa um dos três grupos (tradicional, independente ou sexy), os participantes na condição mulher sexy avaliaram-na mais vezes como mulher independente (MI = 5.31, MS = 5.19). Como discutido acima, nossos participantes mantiveram as avaliações da mulher sexy tão alta em termos de competência e estatuto de poder quanto as avaliações que foram dadas à mulher independente. Estes resultados podem estar associados ao facto de serem estes os dois grupos de mulheres que violam suas normas prescritivas de género, o que pode estar a gerar uma sobreposição de conceitos. Pode ser que os participantes considerem que ser uma mulher sexy é ser uma mulher independente. Estudos futuros podem analisar se esta associação é bidirecional, no sentido de que sexy é independente e independente é sexy, ou se apenas funciona em uma direção.
Ainda que este estudo tenha importantes contribuições sobre os estereótipos femininos na cultura portuguesa, está limitado quanto ao tamanho da amostra e sua variabilidade geográfica, que resultou em participantes predominantemente caucasianos. A idade também não foi considerada. Embora nossos participantes tivessem idades desde os dezoito aos sessenta anos, as diferenças geracionais não foram ponderadas devido ao reduzido número da amostra. Estudos futuros podem replicar estas descobertas com uma amostra de maior dimensão, com vista a estudar os estereótipos e seus valores geracionais, como foi o caso do estudo de Cuadrado-Guirado e López-Turrillo (2014) com uma amostra adolescente onde os resultados indicam o mesmo caminho dos nossos resultados.
As nossas conclusões vão também ao encontro de outras pesquisas de estereótipos de género em outros países (e.g., Uğurlu et al., 2018), tornando favorável um possível cross cultural para compreender como a imagem estereotípica da mulher está representada nas mais diversas culturas. O nosso estudo foi original na construção de uma imagem completa destes três grupos: área profissional, aparência física e modo de vestir. Sendo nossos resultados da mulher independente e mulher sexy muito parecidos, estudos futuros podem vir a resolver a questão colocada quanto à sobreposição do conteúdo da mulher independente e da mulher sexy. Recursos fotográficos e com introdução ao contexto podem ser ferramentas mais exatas para avaliar estes dois diferentes tipos de mulher e as associações que são feitas sobre estes grupos. A atração é outra variável que pode afetar os resultados e não foi aqui colocada em pauta. Assim, uma questão interessante para investigação futura é a influência da beleza física nas avaliações de calor e competência dos três grupos de mulher, e se (e como) a atração tem o poder exclusivo de modificar a imagem estereotípica destes três grupos. Este estudo tem grande potencial de ser replicado com um maior número de participantes, para que assim seja possível uma generalização dos padrões estereotípicos portugueses. Sugere-se, ainda, estudos com amostras de países com valores culturais diferentes (e.g., Nepal, Argentina, China, Filipinas) (Hofstede, 1980), que permitam aceder à consensualidade da representação da imagem dos tipos de mulher. Só assim será possível perceber se (e de que maneira) a globalização pode estar a afetar a imagem estereotípica das mulheres, condicionando um padrão global, e em que medida os valores culturais são preditores dessa representação1.