Introdução
As condições de saúde da população interferem diretamente no processo saúde-doença. Nesse sentido, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) se tornam causas de graves prejuízos à saúde pública, o que influencia negativamente na qualidade de vida dos indivíduos 1. Devido a que as DCNT correspondem a 72 % das causas de morte, foi elaborado um plano de ações estratégicas para o enfrentamento das DCNT, a ser implementado de 2011 a 2022 2.
Entre as suas principais metas, está a redução da mortalidade em 2 % ao ano das pessoas com idade inferior a 70 anos, bem como o aumento da prática de atividade física e a promoção da alimentação saudável. O plano é fundamentado para as diretrizes de vigilância, informação, avaliação e monitoramento, promoção da saúde e cuidado integral 2. O monitoramento permanente dos principais agravos e do potencial limitante de suas consequências é de grande validade para considerar as reais necessidades de saúde da população, além de possibilitar as mudanças adequadas para as políticas públicas 3.
O perfil da população é caracterizado pela prevalência de fatores de risco relacionados ao acometimento de agravos crônicos. Além disso, a diminuição na qualidade da condição de saúde é causada principalmente pela cronicidade dessas doenças associadas às condições socioeconômicas, como idade, renda e nível de escolaridade 3. Assim, torna-se necessário analisar quais as possíveis características sociais e econômicas que se correlacionam com o acometimento de morbidades crônicas na população.
De acordo com a pesquisa feita pelo sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizado e coordenado pelo Ministério da Saúde do Brasil, nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, a prevalência da hipertensão arterial nos adultos entrevistados de ambos os sexos foi de 24,7 % em 2018. Ressalta-se que o diagnóstico médico de hipertensão e diabetes apresentou elevação de acordo com a idade e com a maior prevalência no sexo feminino, e redução segundo o nível de escolaridade 4.
Além dos prejuízos funcionais e incapacitantes das doenças crônicas para a saúde, há os problemas sociais e econômicos causados por tratamentos prolongados, trazendo custos excessivos tanto para o sistema de saúde como para a população, gerados, por exemplo, com a utilização de medicamentos e a realização de exames 5.
Nesse sentido, com a implementação da Política Nacional de Promoção da Saúde, estabeleceu-se maior incentivo à prática de atividade física e à alimentação saudável, com enfoque nas ações direcionadas à redução das vulnerabilidades sociais e dos fatores de riscos associados aos determinantes sociais da saúde 6.
A Estratégia Saúde da Família (ESF), caracterizada como importante via de acesso do usuário ao sistema de saúde, objetiva agir de modo coordenado com outros pontos de atenção na assistência e em períodos de reabilitação. Também contribui, por meio da promoção da saúde e da prevenção de doenças, para a resolubilidade de demandas do cuidado à saúde com a permanência do usuário na rede de atenção básica 7.
Com isso, têm-se estabelecido, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), medidas e ações que visam promover e incentivar a população na busca por hábitos saudáveis, com base na promoção da saúde e na prevenção de doenças. Entre as medidas, destaca-se o Programa Academia da Saúde, que está integrado à ESF e ao Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica, com o objetivo de auxiliar a Unidade Básica de Saúde na promoção da integralidade no acesso aos serviços de saúde e ampliar, assim, o nível de qualidade da assistência multiprofissional 7.
Dessa forma, melhorar a saúde e estabelecer um cuidado contínuo a partir da prática de atividade física constitui-se como um dos principais fatores que contribuem positivamente para a participação e permanência da população no programa 8.
Para atender a uma das metas do objetivo de desenvolvimento sustentável, que se refere à redução, em um terço, da mortalidade prematura por DCNT até 2030, a Organização Mundial da Saúde recomenda ações que promovam o progresso e diminuam os principais fatores de risco. Evidenciam-se o estímulo à alimentação saudável e à prática de atividades físicas, bem como a importância da detecção e tratamento precoces de doenças como algumas delas 9. Diante disso, é imprescindível conhecer as condições sociodemográficas e a sua relação com as morbidades, a fim de se adotarem estratégias que considerem essa realidade.
Com base nas evidências de estudo semelhante 4, este estudo parte da hipótese de que as morbidades são mais prevalentes em mulheres, com elevação conforme o aumento da idade. Portanto, busca-se identificar se há relação entre as morbidades autorreferidas e as condições sociodemográficas dos participantes da pesquisa. Ressalta-se, ainda, que o monitoramento das condições socio-demográficas desses usuários contribui para a divulgação de dados epidemiológicos, a fim de se reconhecer quais fatores influenciam o quadro das morbidades crônicas na população, com o objetivo de auxiliar na promoção, na prevenção, no tratamento e na reabilitação.
Diante desse contexto, objetivou-se analisar as morbidades autorreferidas relacionadas às condições sociodemográficas dos usuários de espaços comunitários de atividade física.
Materiais e métodos
O presente estudo utiliza delineamento transversal de abordagem quantitativa e foi realizado no território que abrange a macrorregião de saúde do Cariri, localizada no centro-sul do estado do Ceará. As regiões de saúde incluem a junção de municípios configurados de forma que se assemelham entre si nas características sociais, culturais e econômicas, além de buscarem a garantia da intersetorialidade de suas ações direcionadas à saúde. A macrorregião de saúde do Cariri é formada pelas regiões de saúde de Icó, Iguatu, Brejo Santo, Crato e Juazeiro do Norte, com um total de 45 municípios do sul do estado do Ceará 10.
Assim, a população foi composta por usuários do sus, residentes nessas regiões de saúde, com idade a partir de 10 anos, que totalizaram 1.046.896 pessoas. A amostra foi estimada com base em um intervalo de confiança de 95 % e margem de erro de 5 %. O cálculo amostral foi realizado para cada munícipio, o que totalizou a indicação de 384 pessoas. Acrescentou-se uma taxa de 10 % para o quantitativo final da coleta, o que resultou em uma amostra de 433 participantes.
Os participantes do estudo, segundo critérios de inclusão, foram os usuários do sus que residiam nos munícipios da macrorregião de saúde do Cariri, próximos a espaços comunitários de atividade física, como o polo do Programa Academia da Saúde, e próximos ao terreno que ainda prevê a construção de um polo, mas que já é utilizado para práticas corporais pela comunidade, ou locais habitualmente utilizados para isso. Contudo, foram excluídas da pesquisa as pessoas com dificuldades de responder de forma adequada às respostas do formulário.
A coleta de dados foi realizada no período compreendido entre maio de 2015 e fevereiro de 2016, em todos os municípios da macrorregião de saúde do Cariri, de forma que as entrevistas aos participantes foram organizadas por conglomerados, geograficamente demarcados em torno de um ponto comum, no domicílio dos participantes. Os entrevistadores que compunham a equipe da pesquisa foram estudantes da graduação em Enfermagem, com capacitação para a aplicação do instrumento. Em média, as entrevistas duraram dez minutos.
A partir da utilização de formulário elaborado com base no modelo de questionário utilizado pela Vigitel, foram selecionadas as variáveis do bloco "Características socioeconómicas" e "Condições de saúde". Para o bloco do perfil dos integrantes, foram consideradas as seguintes variáveis independentes: sexo, idade, estado civil, renda familiar e nível de escolaridade. Como variáveis dependentes, foram selecionadas as condições de saúde, a saber: "diagnóstico de hipertensão arterial", "diagnóstico de diabetes" e "diagnóstico de hipercolesterolemia". As perguntas realizadas foram: "Algum médico já lhe disse que o(a) sr.(a) tem pressão alta?", 'Algum médico já lhe disse que o(a) sr.(a) tem diabetes?", "Algum médico já lhe disse que o(a) sr.(a) tem colesterol ou triglicérides elevados?" 11.
Os dados foram tabulados no software Excel Microsoft e alocados para o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0 para Windows. Foi utilizado o teste do qui-quadrado (x2) de Pearson, o teste ANOVA e o teste de Tukey com nível de significância em 5 %. A análise dos dados foi realizada por meio da estatística inferencial, segundo informações de frequência, média e desvio-padrão. Os dados foram apresentados no formato de tabelas. As variáveis sexo, idade e renda foram relacionadas às morbidades autorre-feridas hipertensão, diabetes e dislipidemia.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri, sob o número de parecer 328.933. A participação na pesquisa foi legitimada por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); os participantes com idade entre 10 e 18 anos, além da assinatura no TCLE, tiveram a sua participação consentida pelos pais ou responsáveis legais.
Resultados
Características socioeconómicas
Entre os participantes, 303 (70 %) eram do sexo feminino. A média para a idade ficou entre 42,92 anos (DP ± 17,4). Quanto à raça, 247 usuários (57,0 %) declararam cor parda. De acordo com o estado civil, 178 indivíduos (41,1 %) estavam em situação de casado(a) legalmente. A média da renda familiar ficou concentrada em R$ 1.486,36 (DP ± 1.015,0). Observou-se que 131 indivíduos (30,3 %) apontaram ensino médio como nível de escolaridade. Quanto à situação empregatícia, 157 usuários (36,3 %) estão empregados de acordo com a descrição observada na Tabela 1.
Relação das condições de saúde com o sexo
Ressalta-se que, dos 433 entrevistados, 142 indivíduos referiram ter hipertensão; destes, 109 eram mulheres. Assim, o sexo feminino esteve associado à maior prevalência de hipertensão (p = 0,001). A presença de dislipidemia também obteve associação significativa com o sexo feminino (n = 8; p = 0,003). Quanto ao diagnóstico de diabetes, não houve associação significativa com o sexo, como demonstra a Tabela 2.
Relação das condições de saúde com a idade e a renda
Dentre o perfil socioeconómico, a idade foi considerada estatisticamente associada a todas as morbidades referidas neste estudo. Desse modo, foi evidenciado que, a partir do teste de anova, a média da idade situada entre 53,85 anos (DP ± 15,64) esteve associada à hipertensão. Sobre a presença de diabetes, houve relação com a média de idade de 59,54 anos (DP ± 15,25). Já a dislipidemia apresentou associação com a média de idade de 52,42 anos (DP ± 16,66). Não houve correlação estatística entre a renda e as morbidades, conforme apresentado na Tabela 3.
Discussão
As morbidades referidas pelos usuários da região de saúde pesquisada demonstraram a associação da hipertensão e da dislipidemia com o sexo feminino. Em relação à idade, quanto mais elevada, maior a relação com o diagnóstico médico de hipertensão, dislipidemia e diabetes.
O uso dos espaços comunitários de atividade física tem como principais motivos a adoção de um estilo de vida mais saudável, a redução do estresse, a melhoria da saúde ou do desempenho físico e o interesse pelas atividades oferecidas. Nesse contexto, observou-se uma maior frequência e motivação para o uso desses espaços comunitários por mulheres, o que pode ser em consequência de atividades como ginástica, dança ou caminhada serem preferíveis em geral por esse público 12,13.
No que se refere à raça, observou-se, neste estudo, uma maior representação de participantes auto-declarados pardos. Esse achado assemelha-se a outros estudos desenvolvidos na região nordeste 8,14. Isso pode estar associado às semelhanças das características populacionais entre as regiões da coleta de dados.
Quanto à idade, a média de 42,92 anos corrobora com outros estudos que demonstram o uso desses ambientes por indivíduos com idade entre 40 e 50 anos 15, o que reforça que os programas de promoção à saúde são direcionados a adultos e idosos, chamando pouca atenção de jovens e crianças 16. Além disso, essa faixa etária atenta-se ao maior risco das DCNT e para a qual o estímulo dessa prática funciona como prevenção 17.
Sobre os participantes da pesquisa, concluiu-se que a maioria é casada legalmente, associando-se à possibilidade de dispor de menos recursos para a prática de atividades em ambientes privados. Relacionada a isso, a renda mensal dos indivíduos que praticam atividades em espaços públicos é, em média, de R$ 1.000,00 a R$ 2.999,00 (equivalente a uma renda entre USD$ 190 e USD$ 570) 15, tendo em vista que uma menor renda e nível de escolaridade são associados ao maior desenvolvimento das DCNT. O uso dos espaços comunitários de atividade física por esse público promove a melhoria da qualidade de vida e o combate ao avanço dessas doenças 18.
No que se refere à escolaridade, em torno de 38,5 % contam com o ensino médio completo 17. Os fatores de risco para o desenvolvimento das DCNT apresentam maior frequência em indivíduos com menor nível de escolaridade. Pessoas com até oito anos de estudo têm maior risco para o desenvolvimento de doenças como a hipertensão arterial e diabetes. Enquanto aqueles com maior nível de escolaridade são mais ativos no tempo livre e consomem regularmente a quantidade recomendada de frutas, legumes e verduras 19.
Quanto ao sexo, as mulheres, com o avançar da idade, referem-se com maior frequência ao diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia, em comparação aos homens 20. Estudo feito em Campinas, São Paulo, Brasil, em 2008, com a utilização do formulário Vigitel, observou a prevalência da dislipidemia entre as mulheres independentemente da idade 19.
O público feminino apresenta como fatores de risco cardiovasculares, além do sedentarismo, os aspectos hormonais, como a menopausa, relacionando-se, assim, a condições multifatoriais, hábitos inadequados e ciclo de vida 21. O maior acometimento por tais morbidades nesse público ocorre possivelmente em consequência também de as mulheres frequentarem mais os serviços de saúde e, em razão disso, referirem maior acometimento 22.
Além disso, observa-se uma baixa procura dos serviços de saúde pelo gênero masculino, o que dificulta consideravelmente o diagnóstico dessas DCNT. Os homens, com frequência, são educados contra o cuidado e incentivados a não procurarem os serviços de assistência à saúde, pois isso diminui a sua independência, força e virilidade. Essa dificuldade para buscar tais serviços é percebida nas estatísticas e na expectativa de vida, em geral, menor para os homens, o que reforça a necessidade de ações que envolvam ambos 23.
Isso se configura como um problema para a efetividade do cuidado ofertado pelas equipes de saúde. No cotidiano da assistência, as ações que são instituídas e recomendadas pela Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem são contempladas de maneira parcial, em sua maioria, apenas quando já se apresentam adoecidos em situações clínicas e cirúrgicas 24.
O aumento da hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e diabetes ocorre em todas as regiões do mundo, em consequência do aumento da expectativa de vida e, sobretudo, dos hábitos de vida pouco saudáveis, com elevados índices de sedentarismo e dietas inadequadas 20. Essa combinação de comportamentos e condições clínicas são os principais fatores de risco para as DCNT, inclusive as cardiovasculares 25.
O enfrentamento dessas condições ocorre por meio de estratégias de saúde pública, com ações de prevenção de doenças e promoção da saúde associadas à prática de atividade física e à orientação alimentar 26,27. Diante disso, como integrante das equipes multiprofissionais, a enfermagem desempenha um papel fundamental nas ações de educação em saúde, podendo, sobretudo, por sua proximidade com a comunidade, identificar de maneira precoce as DCNT e atuar no controle dos fatores de risco cardiovasculares 28.
Nesse contexto, a prática regular de atividade física apresenta um efeito fisiológico muscular e cardiocirculatório que atua como protetor da saúde, melhora a qualidade de vida e reduz os fatores de risco das DCNT 29. Dessa forma, os espaços públicos são locais adequados para exercícios físicos e proporcionam melhorias físicas, psicológicas e sociais.
Entretanto, o incentivo à prática da atividade física deve ser acompanhado pelo desenvolvimento de políticas e programas voltados aos determinantes da saúde (emprego, renda, educação, habitação, saneamento básico, dentre outros), a fim de que a promoção da saúde e da qualidade de vida consigam alcançar níveis satisfatórios na população 30.
Em um cenário que perpassa por fragilização das instituições públicas, por uma economia desequilibrada e por uma emenda constitucional (2016) que restringe os gastos públicos por 20 anos e que pode comprometer o desenvolvimento adequado das políticas públicas 31, é preciso refletir sobre a eficiência desses programas e as possibilidades de melhoria das políticas públicas vigentes voltadas à promoção da saúde e da qualidade de vida no Brasil.
Tratando das limitações quanto ao delineamento metodológico deste estudo, percebeu-se que o local designado para a pesquisa, a macrorregião de saúde Cariri, ao contar com 45 municípios, dificultou o processo da coleta de dados, devido à necessidade dos pesquisadores se deslocarem até os municípios para a aplicação dos questionários. Isso se caracteriza como uma limitação de acessibilidade.
Além disso, as respostas derivadas da autoavaliação podem implicar um viés de informação.
Contudo, esta pesquisa pode contribuir com a prática da enfermagem por se tratar de uma profissão que lidera esses espaços em saúde pública. Além disso, aborda uma temática que se caracteriza como um problema urgente nos sistemas de saúde, trazendo resultados oportunos a diferentes populações, aplicados à realidade atual.
Conclusão
A análise das características sociais e econômicas permitiu verificar a associação de morbidades como hipertensão, diabetes e dislipidemia com o sexo, a idade, a renda e a escolaridade. Essas variáveis estão associadas a hábitos de vida inadequados e constituem-se como os principais fatores de risco para o desenvolvimento das DCNT. O acometimento dessas doenças acarreta prejuízos e incapacidades funcionais, além de custos excessivos ao sistema de saúde.
Para minimizar a ocorrência desses fatores de risco, é necessário instituir um conjunto de estratégias e intervenções. Por isso, as ações de prevenção e promoção da saúde são de grande relevância para a prática de enfermagem no território. Nesse sentido, a fim de possibilitar uma atuação interdisciplinar entre a equipe de enfermagem e a multiprofissional no contexto comunitário, é fundamental estabelecer estratégias que priorizem essas características sociais e econômicas, com consequente impacto sobre o perfil de morbidade.