Introdução
Com o advento das tecnologias da informação e da comunicação, e o desenvolvimento do conceito e da aplicação do que tem sido chamado de "democracia eletrônica", surgem, como uma das mudanças, as publicações de informações sobre as ações governamentais em formato fechado - relatórios financeiros ou dados disponibilizados de maneira não interativa. Em uma segunda fase, consultas personalizadas a bases de dados passaram a ser disponibilizadas, o que possibilitou, aos interessados, filtrar e interagir com a base de forma mais autônoma a fim de encontrar a informação desejada. Há aproximadamente dez anos, uma nova fase emergiu: a oferta de base de dados em estado bruto, o que permitiu a geração de novas aplicações e conhecimentos pela própria sociedade civil, que passou a ter a alternativa de manipular, filtrar ou cruzar dados livremente (Vaz et al., 2011).
Denomina-se essa recente característica de relacionamento do governo com o cidadão como "dados governamentais abertos" (DGA) - quaisquer dados que pertencem a um órgão do setor público (Kucera & Chlapek, 2014) e que podem ser utilizados livremente, modificados e compartilhados por qualquer pessoa para qualquer finalidade (Open Knowledge Foundation, n. d.). A disponibilização de DGA possibilita o aumento de transparência, melhora as relações públicas, estimula o campo económico (Kucera & Chlapek, 2014) e promove uma sociedade digital com base nos princípios de colaboração e participação (Arquero Avilés & Marco Cuenca, 2014).
Por conta disso, sendo incorporado ao conceito de governo aberto, entendido como uma moderna maneira de estabelecer relações entre a administração pública, a indústria e os cidadãos (Bauer & Kaltenböck, 2012), os DGA têm recebido grandes investimentos por muitos países para o desenvolvimento de infraestruturas que possibilitem sua aplicação (Brito et al., 2015), resultando em diversos portais eletrónicos - o principal produto tangível no qual as estratégias políticas das diferentes administrações públicas em torno do governo aberto são materializadas (Arquero Avilés & Marco Cuenca, 2014).
Dessa forma, a adoção ao movimento de DGA ocorreu tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Na América Latina, dos 20 países que a compõem, 15 possuem um portal de DGA do governo federal, o que evidencia a expansão da publicação de DGA. Apesar disso, a prática de dados abertos ainda é muito mais forte em países da América do Norte e da Europa. A figura 1 ilustra a discrepância entre os continentes.
Na América do Norte, há mais de 600 organizações, a maioria concentrada nos Estados Unidos, de acordo com o Open Data Impact Map (2019), incluindo empresas, instituições acadêmicas e grupos de desenvolvedores, que utilizam dados abertos para desenvolver produtos e serviços, melhorar operações, conduzir pesquisas e para fins de advocacy.
Na Europa, o envolvimento também é expressivo: mais de 400 organizações utilizam dados abertos. Dos países da América Latina, o México concentra a maior parte das organizações, o que condiz com sua localização na América do Norte, enquanto os outros países, localizados na América Central e na América do Sul, possuem um baixo envolvimento. Assim, evidencia-se a utilização de dados abertos em maior volume por países desenvolvidos e uma abordagem ainda com pouca expressividade de países em desenvolvimento, como é o caso dos países da América Latina, mas com participação das administrações públicas para que o cenário se expanda.
Diferentes pesquisas foram conduzidas com o objetivo de analisar as iniciativas de DGA, os portais eletrónicos que os disponibilizam e os próprios dados. Muitas dessas pesquisas se concentraram em analisar municípios e países da Europa (Abella et al., 2018; Arquero Avilés & Marco Cuenca, 2014; Lourenço et al., 2013; Petychakis et al., 2014; Vicente-Paños & Jordan-Alfonso, 2017) e da América do Norte (Gill & Corbett, 2017; Martin et al, 2016; Thorsby et al, 2017; Veljkovic et al, 2014; Zhu & Freeman, 2019), corroborando a expressividade que essas regiões têm no uso de dados abertos por organizações. Contudo, há pesquisas que envolvem outros cenários, como as análises de portais da Austrália (Chatfield & Reddick, 2017), do Brasil (Klein et al., 2015), da China (Wang et al., 2018) e do Taiwan (Lin & Yang, 2014).
Ainda, outras pesquisas foram conduzidas sem avaliar um continente ou um país específico. No entanto, dessas pesquisas, poucas consideram países da América Latina em suas amostras. Apenas os portais eletrônicos de dados abertos dos governos federais da Colômbia (AlRushaid & Saudagar, 2016; Machova & Lnenicka, 2017), do Brasil, do Chile, da Costa Rica, de El Salvador, do Paraguai e do Uruguai (Machova & Lnenicka, 2017) já foram incluídos em alguma análise e em apenas dois estudos encontrados na revisão bibliográfica.
Apesar da utilização de dados abertos pelo mundo, há indícios de que os programas de DGA não beneficiaram por completo a população, mas stakeholders limitados, como analistas de dados, desenvolvedores e indivíduos capazes de contratar tais serviços (Peled, 2013). O cenário parece indicar que a estrutura e a organização dos portais de DGA pelo mundo não são adequadas para apoiar a transparência na prestação de contas, mas servem apenas como repositórios de dados (Lourenço, 2015). Além disso, a sofisticação dos portais de DGA existentes e suas funções diferem, o que reflete a falta de harmonização e a necessidade de padrões de qualidade (Machova & Lnenicka, 2017). Sabe-se, assim, que os portais eletrónicos de DGA podem fazer melhor uso de suas plataformas para alcançar maior engajamento e participação do usuário (Zhu & Freeman, 2019).
Ademais, reunir apenas uma grande quantidade de dados não é suficiente para afirmar que a adoção ao movimento de DGA seja bem-sucedido. É necessário fornecer mecanismos para facilitar aos usuários a encontrar os dados necessários (Lourenço, 2015). Portanto, uma das dimensões que um portal eletrónico de DGA precisa apresentar é denominada "visibilidade dos dados", compreendida como a facilidade com que o usuário encontra determinado conjunto de dados. Com base nisso, esta pesquisa tem como objetivo analisar a visibilidade dos dados nos portais ele-trónicos de DGA dos governos federais dos países da América Latina.
Para o cumprimento do objetivo, esta pesquisa está estruturada em quatro seções, além desta introdução. A seção seguinte aborda os principais conceitos e princípios sobre DGA e visibilidade, estudos que orientaram o tema e avaliações já desenvolvidas sob diferentes dimensões em DGA. Na seção de procedimentos metodológicos, são descritos o método de coleta de dados, os critérios considerados para avaliar a visibilidade e a composição da amostra de pesquisa. Após isso, são apresentados os resultados e a discussão; em seguida, a conclusão da pesquisa.
Referencial teórico
Dados governamentais abertos
A partir da adoção de programas de governo eletrónico, foi desenvolvido um novo modelo de governar, chamado "governo aberto" (Albano & Reinhard, 2015). Esse novo modelo busca estabelecer uma moderna cooperação entre políticos, administração pública, indústria e cidadãos. Assim, promovem-se transparência, democracia, participação (Bauer & Kaltenböck, 2012), inovação, eficiência e eficácia (Albano & Reinhard, 2015). Com o intuito de garantir compromissos concretos dos governos para a promoção de transparência, o combate à corrupção e o aproveitamento de novas tecnologias para o fortalecimento da governança, oito países criaram, em 2011, a Open Government Partnership, após assinarem uma declaração em que firmaram tais compromissos. Desse modo, espera-se que a administração esteja mais propensa à abertura, inclusive com a participação de países em desenvolvimento, o que torna a iniciativa multilateral e abre caminho para a democratização da esfera pública (Kassen, 2014).
Nesse sentido, o acesso livre a dados e informações é um dos aspectos essenciais do governo aberto, que deve permitir seu uso de maneira gratuita. Ou seja, DGA é um domínio crucial desse modelo (Bauer & Kaltenböck, 2012), compreendido como uma intersecção dos conjuntos dados abertos e dados governamentais, representando um valioso recurso (Kucera & Chlapek, 2014).
ID | Princípio | Descrição |
---|---|---|
1 | Completo | Todos os dados públicos que não estão sujeitos a limitações de privacidade devem estar disponíveis. |
2 | Primário | Os dados devem ser publicados com o melhor nível de granularidade, assim como coletados na fonte. |
3 | Oportuno | Os dados devem ser disponibilizados o mais rápido possível. |
4 | Acessível | Os dados devem estar disponíveis para usuários com diversos propósitos. |
5 | Processamento facilitado | Os dados devem estar disponíveis em formatos que possam ser processados por máquina para que o usuário possa utilizá-los de forma automatizada. |
6 | Não discriminatório | Qualquer pessoa deve poder acessar os dados, sem requerimento de registros. |
7 | Não proprietário | Nenhuma entidade deve ter controle exclusivo sobre os dados. |
8 | Licença livre | Os dados não devem estar sujeitos a nenhuma regulamentação de direitos autorais, patentes, marcas ou segredos comerciais. |
9 | Permanente | Os dados devem ser permanentemente publicados. |
10 | Sem custo | Não deve haver custos para o usuário acessar os dados. |
Fonte: Bauer e Kaltenböck (2012).
Tendo em vista a adoção de diversos países por um programa de governo aberto e disponibilização de dados, os órgãos governamentais têm buscado desenvolver plataformas de dados abertos que suportem milhares de conjuntos de dados, atendendo a vários critérios (Martin et al, 2016). Alguns desses critérios foram definidos como dire-trizes no que tange à publicação de DGA, conhecidos como princípios de dados governamentais abertos. A tabela 1 apresenta os dez princípios de DGA, dos quais os oitos primeiros desenvolvidos em 2007, na Califórnia, por 30 ati-vistas do movimento de governo aberto, e os dois últimos, em 2010, pela Sunlight Foundation, uma organização sem fins lucrativos que pratica advocacy em governo aberto (Sunlight Foundation, 2014).
A publicação dos dados seguindo esses princípios não é condição obrigatória, mas eles são amplamente considerados pela comunidade de DGA (Bauer & Kaltenböck, 2012) e são uma forma de tornar os dados mais acessíveis e reutilizáveis por qualquer usuário (Kucera & Chlapek, 2014). Além dos dez princípios (tabela 1), há outras formas de guiar os agentes públicos para uma boa publicação dos dados, como o Open Quality Standards - uma lista com 72 itens que busca verificar o uso de boas práticas relacionadas a dados abertos (Opquast, 2011).
Com isso, o objetivo a ser alcançado com a publicação dos dados é superar as limitações de acesso às informações para que os dados possam ser facilmente encontrados, acessados, entendidos e utilizados de acordo com a necessidade de cada indivíduo (Germano et al, 2016). Assim, possibilitam benefícios no campo social, económico e operacional, como transparência, participação, engajamento, confiança no governo, inovação, desenvolvimento de novos produtos, estímulo à competitividade, otimização de processos e melhoria das políticas públicas (Janssen et al, 2012).
Os países que deram origem a esse movimento, buscando alcançar esse objetivo e os benefícios provenientes com a publicação dos dados, foram a Austrália, a Nova Zelândia e alguns países da Europa e da América do Norte (Bauer & Kaltenbõck, 2012). Atualmente, os países em desenvolvimento já possuem forte envolvimento com a publicação de DGA, como é o caso dos países da América Latina. Por conta da emergente adoção dos países à publicação de DGA, diversas análises das iniciativas de DGA, dos próprios dados e dos portais eletrónicos que os disponibilizam foram adotadas no campo científico.
Avaliações em dados governamentais abertos
Além de apresentar boas práticas e diretrizes gerais em dados abertos, como ocorrem com os princípios e com o checklist Open Quality Standards, pode-se mensurar, sob diferentes perspectivas, sua disponibilização. Nesse sentido, o Open Data Barometer (ODB), desenvolvido pela World Wide Foundation, tem como objetivo descobrir a verdadeira prevalência e o impacto das iniciativas de dados abertos no mundo, analisando tendências globais e fornecendo dados comparativos sobre governos e regiões ao utilizar uma combinação de dados contextuais, avaliações técnicas e indicadores secundários (World Wide Web Foundation, 2019). O ODB é dividido em três dimensões: prontidão, implementação e impacto. Cada uma delas gera um escore, de 0 a 100, para cada país avaliado, e aquele com maior média aritmética simples dos três escores é considerado o mais bem colocado no ranking (World Wide Web Foundation, 2019).
Outro método adotado para mensurar DGA é denominado "Global Open Data Index" (Godi), uma referência global anual para DGA, gerida pela Open Knowledge Network, que visa medir a abertura dos governos (Open Knowledge Network, 2019). O método é dividido em abertura legal, técnica e prática dos dados, medidas por meio de questões que correspondem à licença dos dados, ao formato, ao download em massa, à atualização, à gratuidade, à localização, à coleta, à usabilidade, ao acesso e às características gerais (Open Knowledge Network, 2019). Cada um desses critérios é verificado em diferentes conjuntos de dados, como orçamento do governo, estatísticas nacionais, qualidade do ar, qualidade da água, gastos do governo, entre outros. Por fim, é gerado um ranking com base em um escore percentual (Open Knowledge Network, 2019).
No cenário acadêmico, diferentes pesquisas foram desenvolvidas com o propósito de analisar como os governos têm lançado mão da vertente de dados governamentais para um governo aberto. Três objetos de análise têm sido abordados na literatura: as políticas de DGA, os próprios dados e os portais eletrónicos de DGA. Uma avaliação das políticas de DGA refere-se à qualidade do conteúdo dos instrumentos de políticas de dados abertos publicados, como detalhes sobre como promover engajamento do cidadão e alcançar a inovação (Chatfield & Reddick, 2017). Avaliar os dados significa verificar a presença de características no principal conteúdo disponibilizado em DGA, enquanto avaliar os portais eletrónicos constitui em verificar características no principal produto tangível no qual as políticas para governo aberto são materializadas (Arquero Avilés & Marco Cuenca, 2014).
Para cada um dos objetos de análise, diferentes dimensões são abordadas, como intensidade das políticas de DGA por meio de engajamento, inovação e eficiência (Chatfield & Reddick, 2017), semântica dos dados (Petychakis et al, 2014), qualidade dos dados (Lin & Yang, 2014; Martin et al, 2016; Wang et al, 2018), usabilidade do portal (Gill & Corbett, 2017; Machova et al, 2018; Martin et al, 2016), acessibilidade (Gill & Corbett, 2017; Sisto et al, 2018; Wang et al, 2018), visibilidade (Lourenço et al, 2013; Sisto et al, 2018), entre outros. A figura 2 apresenta um esquema de como têm sido realizadas as análises em DGA.
Apesar de ser possível distinguir as dimensões de acordo com cada objeto de análise, as pesquisas científicas não abordam essa distinção com unanimidade. Os artigos científicos que realizaram alguma avaliação ou medição de um ou mais portais, políticas ou dados em DGA contam com pesquisas que abordam iguais critérios como pertencentes a diferentes dimensões ou, ainda, diferentes critérios pertencendo a iguais dimensões. Essas lacunas podem ser explicadas pelo recente tema, que surgiu em 2009 (Veljkovic et al, 2014), e pela recente e emergente preocupação em realizar análises e avaliações nessa área. Os primeiros artigos científicos que propuseram alguma análise das iniciativas, dados ou portais eletrónicos em DGA foram publicados apenas em 2013 e 2014.
Outro reflexo disso se dá na baixa quantidade de pesquisas científicas que tenham incluído portais eletrónicos de países da América Latina na amostra. Em pesquisa desenvolvida por Machova e Lnenicka (2017) com o intuito de examinar e comparar a qualidade de portais de DGA, incluindo 67 portais eletrónicos de governos federais de diferentes países, adotaram-se como dimensões de interesse a qualidade dos dados e a qualidade da plataforma. Esta, segundo os autores, divide-se em qualidade técnica, disponibilidade e participação. Na análise, atribuiu-se um escore para cada um dos países com base no seu desempenho nas três dimensões. Comparando apenas os países da América Latina, pelo método adotado por Machova e Lnenicka (2017), o portal do Paraguai foi o que apresentou melhor desempenho, seguido do Chile, do Brasil, do Uruguai, da Colómbia, de El Salvador, da Costa Rica e do México.
AlRushaid e Saudagar (2016), em uma amostra composta por seis países, incluíram o portal de dados abertos e os próprios dados do governo federal da Colómbia como objetos de análise. Os autores analisaram dimensões de transparência, participação, colaboração, engajamento e condições gerais. Para mensurar a transparência, foram consideradas características dos portais referentes a dados que sejam processáveis por máquina, disponíveis em massa e atualizados (AlRushaid & Saudagar, 2016). A participação foi analisada por meio das mídias sociais do governo; colaboração pela disponibilidade de API (Application Programming Interface); e engajamento pelas aplicações móveis já realizadas com os dados disponíveis (AlRushaid & Saudagar, 2016). As condições gerais buscaram verificar aspectos do formato dos dados, gratuidade, licença livre, entre outros (AlRushaid & Saudagar, 2016). Adotando esse método, o portal eletrónico de DGA do governo federal da Colómbia obteve desempenho inferior aos portais de Taiwan, Reino Unido e Dinamarca, e melhor desempenho que os portais da Finlândia e da Arábia Saudita.
Outras avaliações em DGA que consideram portais eletró-nicos de países da América Latina como parte da amostra são o ODB e Godi. O primeiro inclui 30 portais no total, dos quais dez são de países latino-americanos. Considerando apenas estes, o de melhor desempenho foi o México, seguido por Uruguai, Colómbia, Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Costa Rica, Panamá e Guatemala (World Wide Web Foundation, 2017). Em contrapartida, o Global Open Data Index inclui 94 locais na análise e considera 15 países da América Latina. Desses 15, o Brasil é o melhor colocado no ranking, atrás do México, da Colómbia, da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai, de El Salvador, da Bolívia, do Peru, da Guatemala, da República Dominicana, do Panamá, da Costa Rica e da Venezuela (Open Knowledge Network, 2017).
Ressalta-se, no entanto, que as pesquisas mencionadas utilizaram métodos diferentes e consideraram distintas dimensões de análise. Dessa forma, justificam-se as diferentes posições dos países de acordo com as pesquisas. Apesar disso, nas pesquisas que consideram países da América Latina como parte da amostra, em nenhuma foi utilizada a dimensão visibilidade em DGA. Assim, este estudo pode ser corroborado, ou não, com outras pesquisas.
Visibilidade em dados governamentais abertos
A visibilidade em DGA é uma condição para que não haja barreiras para que o usuário possa encontrar o dado desejado. Uma informação ou um dado visível deve ser encontrado com relativa facilidade (Michener & Bersch, 2013). Assim, a visibilidade reflete preocupações com a facilidade de encontrar e identificar a informação desejada (Jorge et al., 2012). Portanto, se os dados são publicados, mas é difícil de encontrá-los, então é como se eles não existissem (Lourenço, 2013).
A disponibilização de dados por meio de um portal de governo aberto é, por si só, uma maneira de aumentar o acesso dos cidadãos aos dados (Lourenço, 2015). O quarto princípio de dados abertos aborda a relevância da acessibilidade dos dados ao definir que é importante que estes estejam disponíveis para a mais ampla gama de usuários com diversos propósitos. Assim, não deve haver barreiras que impeçam ou prejudiquem o seu acesso (Lourenço, 2015).
A visibilidade em DGA se distingue em externa e interna. A visibilidade dos dados externa significa que eles devem ser referenciados pelos mecanismos de pesquisa de internet mais usados, enquanto a visibilidade interna corresponde à procura por um determinado conjunto de dados com relação a uma organização específica no site dessa instituição (Lourenço, 2013). Normalmente, os portais ele-trónicos de DGA possuem visibilidade externa, porém não necessariamente oferecem recursos para ajudar os usuários a encontrar um conjunto de dados específico (Lourenço, 2015). Ou seja, em diversos portais de DGA, não há visibilidade interna (Lourenço, 2015).
Algumas pesquisas foram desenvolvidas com o intuito de explorar tais recursos de portais eletrónicos, que facilitam com que o usuário de um website encontre a informação ou o conteúdo - em portais de DGA tratado como o dado - desejado. Com base nessas pesquisas, foi desenvolvido um conjunto de critérios para serem verificados nos portais eletrónicos de DGA dos governos federais dos países da América Latina. Em pesquisas como as de Wang et al. (2018), Martin et al. (2016), Lourenço et al. (2013) e Sisto et al. (2018), buscou-se analisar a visibilidade em DGA. Contudo, assim como para diversas dimensões em DGA, não há absoluto consenso em quais critérios compõem a visibilidade e quais não compõem.
Wang et al. (2018) e Martin et al. (2016) preocuparam-se em analisar a visibilidade externa de portais de DGA, verificando o número de links externos de um portal ele-trónico, e se o link do portal está visível em uma busca do Google pelo nome do órgão ou se está disponível na página principal desse órgão. Contudo, para Wang et al. (2018), a visibilidade do portal está contida em uma dimensão chamada "quantidade de dados"; enquanto Martin et al. (2016) consideraram a visibilidade como parte da dimensão usabilidade. Lourenço et al. (2013), em contrapartida, adotaram uma análise baseada na visibilidade externa e interna, incluindo-as na dimensão transparência. Os autores analisaram a visibilidade externa de forma semelhante a Martin et al. (2016), verificando se há um link na página principal de determinado órgão.
A visibilidade interna foi analisada por Lourenço et al. (2013), averiguando se o portal eletrónico possui um campo de busca e se existe um mapa do site. Sisto et al. (2018) tomaram a visibilidade como dimensão independente e analisaram a visibilidade interna no portal eletrónico, examinando se o portal dispõe de um dashboard e visualização online do conjunto de dados, entre outros critérios.
Em nenhuma dessas pesquisas, algum país da América Latina compós a amostra. Sisto et al. (2018) analisaram portais eletrónicos de municípios da Itália e da Espanha; Lourenço et al. (2013), de municípios da Itália e Portugal; Martin et al. (2016) analisaram portais de dados abertos de saúde pública do governo federal, estadual e municipal dos Estados Unidos, e Wang et al. (2018), de províncias da China.
Procedimentos metodológicos
Para a operacionalização da pesquisa, organizou-se a distribuição de itens para avaliar visibilidade em portais de DGA em cinco etapas: abrir o portal, navegar, realizar a busca, visualizar os dados e buscar por dados relacionados. Essas são etapas consideradas como aquelas que os usuários percorrem na busca de algum dado. A figura 3 as ilustra.
Assim, considerando o conceito de visibilidade interna, este foi tomado como dimensão única na análise de portais de DGA. Com essa restrição, para que um portal possua visibilidade interna, foi definido que ele deve corresponder adequadamente às cinco etapas que um usuário percorre para obter um dado de interesse, devendo apresentar características que:
não prejudiquem o usuário no momento de abrir o portal, ou seja, que não façam com que o usuário desista dos dados apenas no momento do contato inicial com a plataforma;
tornem a navegação do usuário fácil, de modo que ele possa se localizar na plataforma;
facilitem a busca do usuário pelo dado de interesse, após já ter passado pelas duas primeiras etapas;
facilitem a visualização de um dado que o usuário julga ser pertinente, após já tê-lo encontrado com a busca efetuada na etapa anterior;
sugiram a busca por outros dados que possam estar relacionados com aquele pesquisado nas etapas anteriores, para dar opções que possam ser do interesse do usuário e não o façam repetir o processo de busca.
Com base nisso, foi desenvolvido um conjunto com 14 critérios (tabela 2), fundamentados na literatura, que correspondem à variável visibilidade interna dos dados em portais de DGA, divididos com base nas etapas consideradas que os indivíduos percorrem para encontrar algum conjunto de dados de interesse.
ID | Etapas | Critério | Baseado em |
---|---|---|---|
1 | Abrir o portal | O portal pode ser visualizado em outra língua. | Alexopoulos et al, 2018 |
2 | O portal é compatível com os navegadores Google Chrome, Internet Explorer e Mozilla Firefox. | Dos autores | |
3 | O portal possui versão móvel. | Dos autores | |
4 | Navegar pelo portal | Um mapa do site está disponível. | Henriksson et al, 2007; Jorge et al, 2012; Lourenço, 2013 |
5 | A barra de navegação é mostrada de forma clara e consistente em todas as páginas. | Hasan & Abuelrub, 2011; Henriksson et al, 2007; Kamesh et al, 2018 | |
6 | Palavras aparentemente clicáveis são de fato clicáveis. | Henriksson et al, 2007; Tezza et al, 2018 | |
7 | Os dados são separados por rótulos. | Lourenço, 2015; Opquast, 2011; Zuiderwijk et al, 2012 | |
8 | Buscar os dados | Todas as páginas possuem um campo de busca. | Bello et al., 2016; Jorge et al., 2012; Lourenço, 2013; Tezza et al, 2018 |
9 | Ao digitar uma pesquisa no campo de busca, o buscador vai dando sugestões. | Tezza et al, 2018 | |
10 | O sistema de busca é flexível quanto aos termos utilizados pelo usuário, ou seja, caso o usuário insira algum termo com grafia errada, o sistema efetua a busca e sugere a correção. | Tezza et al, 2018 | |
11 | Há uma ferramenta de busca avançada. | Zhu & Freeman, 2019 | |
12 | Visualizar os dados | É possível visualizar os dados sem realizar o download. | Dawes et al., 2016; Graves & Hendler, 2014 |
13 | Há um dashboard online. | Alexopoulos et al., 2018; Bello et al., 2016; Dawes et al., 2016; Sisto et al, 2018 | |
14 | Refazer a busca | O portal apresenta dados relacionados na página de um conjunto de dados específicos. | Tezza et al, 2018 |
Fonte: elaboração própria.
Para analisar a presença dos critérios nos portais de dados abertos dos governos federais dos países da América Latina, foram identificados quais países possuem um portal eletrónico de DGA. A verificação foi realizada com base no conceito de visibilidade externa do portal, em que os portais devem ser referenciados pelos mecanismos de pesquisa de internet mais usados (Lourenço, 2013). Dessa forma, foi realizada uma busca no Google, em 5 de julho de 2019, com os termos "datos abiertos + nome de cada país", a fim de verificar se cada um dos países disponibiliza um portal de DGA. A tabela 3 sintetiza os resultados obtidos.
País | Link do portal de DGA |
Argentina | https://datos.gob.ar/ |
Bolívia | https://datos.gob.bo/ |
Brasil | http://dados.gov.br/ |
Chile | https://datos.gob.cl/ |
Colómbia | https://datos.gov.co/ |
Costa Rica | http://datosabiertos.presidencia.go.cr/home |
Cuba | Não encontrado |
El Salvador | https://datos.gob.sv/ |
Equador | http://datosabiertos.gob.ec/ |
Guatemala | http://datos.gob.gt/ |
Haiti | Não encontrado |
Honduras | Não encontrado |
México | https://datos.gob.mx/ |
Nicarágua | Não encontrado |
Panamá | https://datosabiertos.gob.pa/ |
Paraguai | https://datos.gov.py/ |
Peru | https://datosabiertos.gob.pe/ |
República Dominicana | https://datos.gob.do/ |
Uruguai | https://catalogodatos.gub.uy/ |
Venezuela | Página não carregou |
Fonte: elaboração própria.
Dos 20 países da América Latina, em quatro não foram encontrados portais de DGA do governo federal e, em um deles - Venezuela -, foi encontrado um portal, porém a página não carregou. Assim, 15 países compuseram a amostra a ser analisada com base no instrumento desenvolvido (tabela 2). Para cada um desses países, o portal de DGA foi aberto, a fim de verificar o cumprimento de cada um dos critérios abordados, de modo que o cumprimento póde ser inexistente, parcial ou total. Esta etapa foi realizada por um pesquisador no dia 5 de julho de 2019. Seguiu-se ordem alfabética dos países para a análise. Os resultados foram registrados no software Excel.
A descrição dos critérios é discutida na próxima seção, assim como os resultados encontrados com sua aplicação.
Resultados e discussões
Cumprimento dos critérios
A tabela 4 apresenta a quantidade de portais eletrónicos que cumpriram com cada um dos 14 critérios de acordo com o tipo de cumprimento: inexistente, caso o portal não tenha apresentado nada da característica que o critério aborda; parcial, caso o portal cumpra com alguma característica que o critério aborda; e completo, caso o portal cumpra integralmente com as características que compõem o critério.
O primeiro critério analisado mostrou-se ser um dos mais difíceis de ser cumprido pelos portais eletrónicos, apesar de sua relevância. Ao abrir um portal eletrónico de DGA, um dos empecilhos para que o usuário encontre o dado desejado é o idioma do site. A partir de uma perspectiva funcional em DGA, Alexopoulos et al. (2018) analisaram portais de DGA, considerando a disponibilidade de interfaces em diferentes línguas como uma das características que pertencem à visibilidade em DGA. Com isso, mesmo que o usuário do portal esteja interessado em buscar algum conjunto de dados de determinado órgão que não pertence ao seu país de origem, a língua nativa não deveria ser um empecilho para encontrar o dado desejado. Dos portais analisados, apenas três deles - portal de DGA do governo federal da Colómbia, Paraguai e Uruguai - dispõem desse recurso. No entanto, o portal uruguaio não faz a mudança de idioma em todo o website, alterando apenas algumas informações, sendo considerado como critério parcialmente cumprido.
Ainda com relação à etapa de abrir o portal, considerase que barreiras referentes ao navegador e dispositivo utilizado pelo usuário podem prejudicar a busca pelo dado de interesse. Dessa maneira, ao abrir o portal, caso ele não seja adequado para o navegador web utilizado e/ou para o dispositivo que o usuário estiver utilizando, há um prejuízo na busca dos dados que compromete a visibilidade. Em pesquisa realizada pela Market Share Reports, os três navegadores de internet mais utilizados, em versão desktop/laptop, são Google Chrome, Internet Explorer e Mozilla Firefox (Market Share Report, 2019).
Considerando o uso de dispositivos móveis, a adoção de smartphones é consistentemente forte em toda a América Latina e deve acelerar nos principais mercados, como Argentina, Brasil, Chile, Colómbia e Peru (GSMA Mobile for Development Foundation, 2018). Espera-se que mais 189 milhões de conexões de smartphones sejam adicionadas em toda a região até 2025, aumentando a taxa de adoção para 78% (GSMA Mobile for Development Foundation, 2018).
Os portais eletrónicos de DGA da América Latina têm acompanhado esse cenário, tendo em vista que todos são compatíveis com os três navegadores web analisados, representando informações e dados da mesma maneira independente do navegador, sem distorções para visualização, prejuízo de recursos ou empecilhos semelhantes. Além disso, todos os portais possuem uma versão mobile para a navegação por smartphone, o que facilita a busca dos usuários pelos dados e acompanha o cenário mundial de utilização de dispositivos móveis.
Após o usuário abrir o portal, considerando que haja interesse em permanecer nele, a etapa posterior é a navegação pelo website. Dos portais de DGA analisados, apenas o do governo federal brasileiro dispõe de um mapa do site para o usuário. Para Lourenço (2013), caso algum conjunto de dados em um portal seja disponibilizado sem qualquer link para ele, sem qualquer referência em um menu ou mapa do site e sem ser mencionado em um mecanismo de pesquisa, então pode ser considerado que esse conjunto de dados não é efetivamente divulgado. Por conta disso (de apenas um dos 15 portais analisados possuir um mapa do site para facilitar a navegação do usuário), é considerado um resultado insatisfatório no que se refere ao desempenho dos portais da América Latina em visibilidade. Esperava-se, portanto, que mais portais cumprissem com esse critério, tendo em vista a abordagem da literatura em DGA sobre o tema.
Apesar disso, os outros critérios referentes à navegação pelo website foram cumpridos pela maioria dos portais analisados. Assim, reflete-se a essencialidade de o portal dispor de alguns recursos para o usuário. Com base nisso, não apenas no contexto de portais eletrónicos de DGA, a facilidade de navegação para procura do dado ou informação que o usuário deseja deve ser um atributo de preocupação. Tezza et al. (2018) avaliaram a qualidade de websites de e-commerce. Para eles, a apresentação de uma palavra ou frase transmite uma informação de funcionalidade que orienta e informa o usuário na interface do site. Desse modo, palavras aparentemente clicáveis devem de fato ser clicáveis, o que auxilia o usuário no site para o fim desejado. Ao clicar em uma palavra e ir a uma nova página, os menus devem ser adequados e devem estar disponíveis em cada página para facilitar a navegação no site. Um usuário pode saber a página atual em que está navegando a partir do título de navegação (Hasan & Abuelrub, 2011).
ID | Critério | Quantidade de portais por cumprimento | Países que cumprem | Países que cumprem com o critério | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Inexistente | Parcial | Completo | parcialmente com o critério | |||
1 | O portal pode ser visualizado em outra língua. | 12 | 1 | 2 | Uruguai | Colómbia, Paraguai |
2 | O portal é compatível com os navegadores Google Chrome, Internet Explorer e Mozilla Firefox. | 0 | 0 | 15 | - | Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, |
0 | 0 | 15 | - | Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai | ||
3 | O portal possui versão mobile. | 0 | 0 | 15 | - | Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai |
4 | Um mapa do site está disponível. | 14 | 0 | 11 | . | Brasil |
5 | A barra de navegação é mostrada de forma clara e consistente em todas as páginas. | 2 | 2 | 11 | Argentina, Panamá | Bolívia, Brasil, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai |
6 | Palavras aparentemente clicáveis são de fato clicáveis. | 0 | 0 | 15 | - | Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai |
7 | Os dados são separados por rótulos. | 0 | 0 | 15 | - | Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai |
8 | Todas as páginas possuem um campo de busca. | 0 | 3 | 12 | Argentina, Costa Rica, Guatemala | Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, El Salvador, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai |
9 | Ao digitar uma pesquisa no campo de busca, o buscador vai dando sugestões. | 6 | 8 | 1 | Bolívia, Brasil, Costa Rica, Equador, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Uruguai | Colómbia |
10 | O sistema de busca é flexível quanto aos termos utilizados pelo usuário, ou seja, caso o usuário insira algum termo com grafia errada, o sistema efetua a busca e sugere a correção. | 13 | 0 | 2 | - | Colómbia, Costa Rica |
11 | Há uma ferramenta de busca avançada. | 0 | 15 | 0 | Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colómbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai | - |
12 | É possível visualizar os dados sem realizar o download. | 5 | 11 | 9 | Costa Rica | Argentina, Bolívia, Colómbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru |
13 | Há um dashboard online. | 5 | 1 | 9 | Costa Rica | Argentina, Bolívia, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru |
14 | O portal apresenta dados relacionados na página de um conjunto de dados específicos. | 15 | 0 | 0 | - | - |
Fonte: elaboração própria.
Apenas nos portais dos governos federais da Costa Rica e de El Salvador, a barra de navegação não é mostrada de forma clara e consistente em todas as páginas. Nos portais argentino e panamenho, o critério é parcialmente cumprido e, em todos os outros, há cumprimento total. No primeiro, ao abrir um conjunto de dados, o portal sinaliza em qual parte do website o usuário está, porém não apresenta o caminho percorrido até a página. No portal panamenho, a barra de navegação é mostrada ao usuário apenas em algumas páginas do portal. Em todos os portais, palavras aparentemente clicáveis (como palavras sublinhadas em cor azul) são, de fato, clicáveis, o que mostra que este não é um fator de dificuldade para a navegação do website pelo usuário.
O último critério analisado correspondente à navegação do usuário pelo portal também foi cumprido por todos os países. Zuiderwijk et al. (2012) ainda indicam a dificuldade de procurar e navegar no portal por falta de índice ou de outros meios para garantir a busca fácil dos dados por parte do usuário. Para isso, o portal deve fornecer etiquetas, temas, grupos ou palavras-chave, os quais podem ser usados para associar conjuntos de dados relacionados, de modo a que o usuário encontre o dado desejado com mais facilidade (Lourenço, 2015). Todos os portais de DGA dos governos federais da América Latina fornecem ao usuário dados separados por rótulos, o que facilita a busca pelo dado.
A próxima etapa, após o usuário abrir o portal e navegar, é a busca pelos dados. Em todos os portais analisados, há disponível um campo de busca para o usuário inserir termos que remetam ao dado de interesse. Contudo, em três portais - Argentina, Costa Rica e Guatemala -, o campo de busca não está presente em todas as páginas do site. Assim, para realizar a busca, o usuário precisa estar em alguma página específica do portal. O cumprimento do critério, total ou parcial, por todos os países analisados, condiz com as sugestões da literatura para promover maior visibilidade em dados abertos. Diversas pesquisas consideram que disponibilizar uma ferramenta de busca local é um mecanismo que promove visibilidade em DGA (Bello et al, 2016; Jorge et al, 2012; Lourenço, 2013), tendo em vista que o conjunto de dados que o usuário deseja obter pode ser encontrado mais facilmente com a utilização de um campo de busca.
Contudo, além disso, Tezza et al. (2018) citam que é necessário que o usuário interaja com o sistema efetuando sua busca por informações. Para isso, ao digitar uma palavra para a pesquisa no campo de busca, é indicado que o buscador forneça sugestões. Somado a isso, para os autores, o sistema de busca deve ser flexível quanto aos termos utilizados pelo usuário, ou seja, caso o usuário insira algum termo com grafia errada, o sistema de busca deve sugerir correção.
Mesmo com tais recomendações na literatura, alguns portais analisados não fornecem sugestões para o usuário no campo de busca e a maioria não é flexível com relação aos termos pesquisados. Dos portais analisados, nove apresentam sugestões para o usuário no campo de busca da plataforma. No entanto, em oito deles, as sugestões do campo são baseadas nas pesquisas já realizadas pelo usuário, e não em possíveis conjuntos de dados que o próprio portal sugere. Apenas no portal de dados abertos do governo federal da Colómbia, as sugestões são realizadas pela própria plataforma, independentemente de pesquisas recentes no navegador utilizado. Quando analisado se o sistema de busca é flexível, ou seja, se o sistema apresenta os resultados mesmo com a grafia errada no termo de busca, o cenário piorou: apenas dois portais de DGA, do governo federal da Colómbia e do Chile, dispõem de tal recurso.
Ainda sobre o campo de busca, Zhu e Freeman (2019) salientam que, para o portal ter um bom desempenho de acesso aos dados, ele deve ter uma capacidade avançada de pesquisa, por exemplo, o campo de busca deve oferecer busca por lógica booleana, filtragem e classificação dos resultados. Com a análise, verificou-se o cumprimento desse critério por todos os portais, no entanto nenhum portal o cumpriu completamente. Todos eles possuem opção de filtro da busca e classificação do conjunto de dados, mas em nenhum foi possível realizar a busca utilizando operadores de lógica booleana.
Considerando que o usuário percorreu as etapas de abrir o portal, navegar e buscar os dados, é necessário, para verificar se o dado encontrado é o desejado, visualizálo. Por conta disso, a quarta etapa considerada foi a visualização dos dados. Ao entrevistar usuários de portais de DGA, Graves e Hendler (2014) verificaram que muitos dos entrevistados consideram as ferramentas mais fáceis de usar por meio de um navegador web, ao invés de aplicativos de desktop. Corroborando, Dawes et al. (2016) abordaram a possibilidade de visualizar os dados sem realizar o download e sim utilizando formas adicionais de visualização, como mapas ou gráficos, como características que fazem parte da visibilidade em DGA. Portanto, além de encontrar o possível conjunto de dados que o usuário deseja, compreende-se a necessidade de fornecer elementos para que eles possam ser facilmente visualizados.
Em detrimento disso, foi verificado se o portal permite que o usuário visualize os dados sem realizar o download e se há um dashboard online para visualizar os dados em tabelas ou mapas, por exemplo. Dos 15 portais analisados, em dez o usuário não precisa fazer o download do dado para visualizá-lo e há um dashboard disponível. Os portais de DGA dos governos federais do Brasil, do Chile, do México, da República Dominicana e do Uruguai não fornecem esses recursos para o usuário. O portal da Costa Rica foi o único que cumpriu parcialmente o critério de visualização online e da presença de um dashboard, tendo em vista que, para alguns conjuntos de dados, há esse recurso disponível e, para outros, não.
Por fim, após o usuário encontrar um conjunto de dados e visualizá-los, caso haja o interesse em buscar novos dados que se relacionem com os encontrados, haverá uma nova etapa para refazer a busca. Para Tezza et al. (2018), após os usuários encontrarem as informações, os websites devem fornecer uma lista de informações relacionadas àquela procurada. No contexto de DGA, considera-se relevante que os portais apresentem conjuntos de dados relacionados ao encontrado, dentro da própria página do conjunto. Analogamente, no comércio eletrónico, tem sido vista a prática de apresentar produtos relacionados no final da página de um produto específico. Em portais de dados abertos, contudo, esse não parece ser um recurso difundido. Em nenhum dos 15 portais analisados. há dados relacionados dentro da página de um conjunto de dados específico, caracterizando o único critério que não foi cumprido por portal eletrónico algum.
Desempenho dos países
Com base no que foi apresentado, após a coleta dos dados, conforme procedimento descrito, o portal eletró-nico que apresentou melhor desempenho, tomando como análise a quantidade de critérios completa e parcialmente cumpridos, foi o do governo federal da Colómbia (figura 4). O portal apresentou o cumprimento total de dez critérios, parcial de um critério e três sem cumprimento.
Tomando a Colómbia como benchmarking no critério visibilidade em DGA, pode-se resgatar sua história relacionada à transparência pública e ao governo aberto. A Constituição Política da Colómbia, no artigo 74, afirma que todas as pessoas têm o direito de acessar documentos públicos, exceto nos casos estabelecidos por lei. Dessa maneira, os dados abertos fornecem uma ferramenta que permite aos cidadãos acessar todos os tipos de informações emitidas pelo governo (Rojas et al., 2014). Da mesma forma, no Arquivo Geral de Leis de 2000, todas as pessoas têm o direito de consultar documentos dos registros públicos, desde que não sejam confidenciais de acordo com a Constituição ou a legislação (Rojas et al., 2014).
Além disso, a Colómbia foi um dos primeiros países a promulgar uma ampla lei de liberdade de informação. A lei foi promulgada em 1985, muito antes de a maioria das democracias estabelecer essas medidas e foi substancialmente reforçada por emendas em 2011 e, novamente, em 2014 (Nascimiento-Silva & Kerr-Pinheiro, 2019). Na Colómbia, a estratégia de governo aberto permite que os cidadãos tenham acesso a grande parte das informações produzidas por diferentes entidades (Matamoros et al., 2018). Graças à Lei 1712, de 2014, conhecida como "Lei da transparência", as entidades são obrigadas a realizar a abertura (Matamoros et al, 2018). Dado o papel ativo nesse assunto, desde 2013, o país tem sido um dos países com maior crescimento no campo de dados abertos (Matamoros et al, 2018). O desempenho do país em visibilidade em DGA corrobora esse crescimento.
Apesar do alto desempenho em visibilidade do portal colombiano, em questões como a participação da sociedade civil, o uso aberto de dados e o suporte à inovação, é necessário mais desenvolvimento (Said-Hung et al, 2019). Isso mostra um contexto social que requer uma perspectiva nacional que investigue o nível de conhecimento e o uso de dados abertos pelos cidadãos colombianos, além de identificar os fatores que influenciam o emprego desses dados no nível do cidadão (Said-Hung et al, 2019). Nesse sentido, o uso de dados abertos, ainda que disponibilizados em um portal com desempenho superior aos demais em visibilidade, parece ser utilizado por uma quantidade baixa de cidadãos colombianos (Said-Hung et al, 2019).
As legislações do Chile, de 2008, e do Brasil, de 2011, são as mais recentes e se beneficiaram do exemplo colombiano, bem como de outros países. O México e o Brasil oferecem abordagens legais inovadoras para governos nacionais organizadas pelo governo federal, com acesso a leis de informações apoiadas por garantias constitucionais e aplicáveis aos governos estaduais e municipais, bem como a ministérios e agências federais (Nascimiento-Silva & Kerr-Pinheiro, 2019). Contudo, esperava-se que esses países tivessem melhor desempenho em termos de visibilidade nos seus respectivos portais de DGA. Isso pela representatividade que os dois países possuem na América Latina e robustas legislações.
A Lei Federal sobre Transparência e Acesso à Informação Pública do México, promulgada em 2002, foi considerada modelo para a legislação sobre transparência e acesso à informação (Nascimiento-Silva & Kerr-Pinheiro, 2019). Ela incluiu recursos próprios suficientes e uma autoridade autónoma para o Instituto Nacional de Acesso à Informação, fundado para monitorar a aplicação da lei (Nascimiento-Silva & Kerr-Pinheiro, 2019). Assim como o México, as leis vigentes que garantem o acesso à informação no Chile, no Brasil e no Uruguai foram muito detalhadas e possuem maior alcance, com aplicabilidade digital e legal em todos os níveis do governo (Nascimiento-Silva & Kerr-Pinheiro, 2019).
Dessa maneira, verifica-se que, mesmo países com robustez legal, não necessariamente possuem alta visibilidade em seus portais é necessário investir em padrões com mais qualidade, ofertando uma plataforma em que o usuário encontre o conjunto de dados desejado com mais facilidade.
Conclusões
Desenvolveu-se um conjunto de critérios que se referem à visibilidade em DGA e analisou-se seu cumprimento nos portais eletrónicos de DGA dos governos federais dos países da América Latina. Com base nisso, em geral, os portais analisados não mostraram barreiras no acesso ao portal quando analisados aspectos relacionados ao navegador e ao dispositivo utilizado pelo usuário. Apesar disso, os portais de DGA dos governos federais da América Latina precisam desenvolver plataformas que permitam com que usuários de outros países possam compreender o conteúdo do portal para que não deixem de buscar o dado desejado por se depararem, no primeiro momento, com uma plataforma exclusivamente desenvolvida na língua nativa do país.
Com relação à navegação nos portais e à disponibilização de um mapa do site, somente o governo federal brasileiro dispõe desse recurso. Considera-se um resultado negativo no que se refere ao desempenho dos portais. Os outros critérios de análise relacionados a essa etapa foram cumpridos pela maioria dos portais, o que representa critérios bem-abordados nos portais de dados abertos da América Latina, assim como na literatura. A etapa em que o usuário realiza a busca pelos dados não se mostrou satisfatória. Apesar de todos disponibilizarem um campo de busca e a maioria disponibilizá-lo em todas as páginas do portal, não há interatividade e flexibilidade do campo de busca pela maior parte das plataformas. Em contrapartida, visualizar os dados após encontrá-los não é visto como um empecilho nos portais analisados, mas sugerir um conjunto de dados relacionados àqueles já encontrados inicialmente é uma característica que precisa ser disponibilizada, tendo em vista a importância de integrar conjuntos de dados e facilitar a busca do usuário.
Apesar de ter sido analisada uma variável específica em DGA - visibilidade -, esperava-se que os resultados fossem semelhantes aos que a literatura e os métodos Godi e ODB apresentam ao tomar outras variáveis de análise. O desempenho dos portais se mostrou diferente do esperado. Desse modo, ficou clara a distinção de desempenho que os portais podem apresentar ao mudar a variável de análise, não havendo uma evidente relação. Contudo, a análise limita-se a ter sido realizada apenas qualitativamente. Por essa razão, atribuir pontuação aos portais com base em modelos de probabilidade, abordando uma amostra de pesquisa maior, técnicas estatísticas mais robustas e diferentes variáveis de análise são sugestões para trabalhos futuros.
Ainda, verificaram-se a relevância desta pesquisa e sua contribuição por ter sido explorada uma variável em uma amostra pouco abordada na literatura, apesar de seu envolvimento em iniciativas de DGA. Por ser um tema emergente, há um vasto campo científico para ser aprimorado, a fim de consolidar critérios e variáveis pertencentes a análises em portais de DGA. Por essa razão, ter utilizado critérios de avaliações de portais eletrónicos de comércio eletrónico - tema mais difundido na literatura - mostrou-se uma técnica apropriada para dar robustez no posicionamento dos portais e na discussão qualitativa. Contudo, esta pesquisa limitou-se a incluir critérios com base em levantamento bibliográfico, não incluindo, diretamente, o ponto de vista do usuário na definição dos critérios. Assim, para trabalhos futuros, sugere-se que sejam realizados levantamentos com usuários de portais de DGA para incluir novos critérios ou mesmo aprimorar os já desenvolvidos.
A contribuição para o campo da esfera pública, ao ter desenvolvido esta pesquisa, pode ser vista na construção critérios objetivos com base em uma variável definida na literatura científica e na exploração de portais latinoamericanos. Dessa maneira, agentes públicos podem aprimorar seus portais eletrónicos de DGA com o objetivo de promover maior visibilidade, ao dispor de uma análise objetiva e fundamentada. Com isso, pode-se dar mais transparência e engajamento do cidadão na elaboração de políticas públicas, promovendo a coprodução e tornando o governo mais responsivo.