O ENVELHECIMENTO da população é uma realidade atual e crescente. Estima-se que o número de idosos dobrará entre os anos de 2000 e 2050, e passa a representar 22 % da população mundial (OMS, 2014). Projeções indicam que, em 2025, o Brasil deve tornar-se o sexto país com maior número de idosos do mundo (Ministério da Saúde, 2014). Dentre as diversas consequências, o envelhecimento também está relacionado ao aumento das doenças crônicas, as quais podem interferir na independência do idoso (Loureiro, Fernandes, Nóbrega, & Rodrigues, 2014). Por isso, muitos desses idosos irão precisar da assistência de um cuidador em algum momento de suas vidas (Freire Neto & Moreira, 2016; Santos & Pavarini, 2012).
De acordo com o Ministério do Trabalho (2019), na Classificação Brasileira de Ocupações, o cuidador de idosos é definido como a pessoa que cuida de idosos "a partir de objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida". No caso dos idosos brasileiros, essa assistência é oferecida majoritariamente em ambientes domésticos, como as próprias residências ou a de seus filhos, e é realizada por cuidadores familiares (Freire Neto & Moreira, 2016). Estes, por sua vez, são majori-tariamente mulheres, de meia idade e com baixa escolaridade, e que, muitas vezes, assumem essa função sem qualquer planejamento prévio, tendo que abdicar de sua rotina anterior e expor-se a uma maior probabilidade de conflitos familiares e sentimentos negativos (Duarte, D'Elboux, & Berzins, 2016; Vieira & Fialho, 2010).
Dentre tais sentimentos, destaca-se a percepção de estresse ocasionado pela oferta de cuidado, também denominado de sobrecarga ou burden (Luzardo, Gorini, & Silva, 2006). A percepção de sobrecarga é um sentimento individual, mensurado a partir do julgamento pessoal de como cada pessoa analisa os impactos do cuidar em sua vida (Sequeira, 2010; Zarit, 2002). Potencializando a importância de atentar-se para a análise da sobrecarga dos cuidadores, estudiosos observaram que o burden pode ter consequências prejudiciais de ordem física, psíquica e emocional (Chiao, Wu, & Hsiao, 2015; Seima & Lenardt, 2011; Tay et al., 2016; Tomomitsu, Perracini, & Neri, 2013). Por causar esgotamentos emocional e físico significativos, pesquisadores encontraram dados indicando a associação entre a presença de sobrecarga e quadros de depressão (Chiao et al., 2015; Neri, 2014; Camargo, 2010). Pinquart e Sõrensen (2003) ressaltaram que, quando comparados a familiares não cuidadores, os membros familiares que assumem os cuidados do idoso apresentam uma pontuação mais alta para depressão. Essa sobrecarga percebida também está relacionada à percepção de qualidade de vida desses indivíduos: quanto maior essa sobrecarga, menor é a qualidade de vida relatada por eles (Dawood, 2016; Pinto et al., 2009; Tay et al., 2016). Pinto et al. (2009) ainda ressaltaram que esse impacto na qualidade de vida interfere na qualidade do cuidado prestado ao idoso dependente. Por essa razão, ao se pensar na saúde do cuidador de forma sistêmica, é imprescindível avaliar o burden frente à tarefa de cuidar de um idoso dependente (Gratão et al., 2013; Pinto, 2016; Pinto & Barham, 2014; Tay et al., 2016).
Os dados provenientes de avaliações de sobrecarga no contexto de cuidar de um idoso dependente possibilitam aferir a percepção dos cuidadores quanto ao papel assumido e ao contexto em que está inserido, o que permite que sejam elaboradas intervenções coerentes com as reais necessidades dessa população (Ferreira, Queluz, Ximenes, Isaac, & Barham, 2017; Taub, Andreoli, & Bertolucci, 2004; Tay et al., 2016; Zarit, Anthony, & Boutselis, 1987), como, por exemplo, se a percepção de sobrecarga relaciona-se mais aos aspectos subjetivos, objetivos ou a ambos. O Inventário de Sobrecarga de Zarit (Zarit Caregiver Burden Interview, ZBI) é a escala mais utilizada internacionalmente para avaliar sobrecarga (Sequeira, 2010). Este instrumento tem como principal objetivo avaliar a percepção de sobrecarga de cuidadores de familiares idosos, com foco sobre a percepção do cuidador a respeito de como a atividade exercida por ele impacta na sua vida pessoal, social, financeira, e na sua saúde física e mental. Ou seja, a ZBI é uma escala que atende ao perfil da maioria dos cuidadores brasileiros, visto que eles normalmente são familiares do idoso a quem assistem (Freire Neto & Moreira, 2016). Isso a torna um instrumento altamente relevante para o contexto de cuidar de um idoso dependente no Brasil.
A ZBI foi desenvolvida nos Estados Unidos por Zarit, Reever e Bach-Peterson em 1980, originalmente com 29 itens, e, posteriormente, reduzido a 22 pelos pesquisadores Zarit, Orr e Zarit em 1985 (Bédard et al., 2001). Os itens devem ser respondidos pelo próprio cuidador a partir de uma escala do tipo Likert de 5 pontos, variando de 0 a 4, e avaliar o quanto cada sentença o representa em realidade ou intensidade (Branger, O'Connell, & Morgan, 2016). Ademais, em 1987, Zarit et al. (1987) mediram a confiabilidade do instrumento em 184 cuidadores familiares de idosos dependentes. A consistência interna aferida na população americana foi de .89.
No Brasil, Scazufca (2002) realizou um estudo de tradução e validação da ZBI com 82 cuidadores de idosos, com idade média de 67.5 anos e maioria do sexo feminino (74.4 %), com diagnóstico de depressão, sendo que, como critério de inclusão, tais cuidadores deveriam ter idade igual ou maior que 60 anos. A tradução e uso da ZBI no Brasil foi concedida por um dos autores da escala original. Dessa forma, Scazufca (2002) realizou a tradução da versão original da ZBI (versão em língua inglesa para português do Brasil) e dois pesquisadores independentes fizeram a retro tradução. A avaliação da validade semântica e de conteúdo foi avaliada por pesquisadores da área, de forma que o produto desse processo foi a versão da ZBI traduzida para a língua portuguesa do Brasil. Além disso, foi medida a consistência interna da versão brasileira da ZBI, com bons resultados encontrados (α=.87) (Scazufca, 2002).
Em um estudo posterior de validação, Taub et al. (2004) realizaram um estudo com 50 cuidadores familiares, cujos idosos cuidados foram diagnosticados com demência. Os cuidadores que participaram do estudo eram na maioria casados (78 %), mulheres (82 %), com idades entre 23 e 81 anos (M=56 anos) e uma escolaridade média de 11 anos. A partir do método de teste-reteste, os resultados demonstraram que a versão brasileira apresentou boa confiabilidade interna, com um coeficiente de .88 (α=.77 na primeira aplicação, e α=.80 na segunda). Apesar de serem estudos clássicos sobre a validação da ZBI no contexto brasileiro, é possível identificar algumas limitações (AERA, APA, & NMCE, 2014) nos estudos de Scazufca (2002) e de Taub et al. (2004): (a) usaram uma amostra pequena, (b) não testaram a estrutura fatorial do instrumento para a população brasileira de cuidadores de idosos familiares e (c) são estudos realizados há mais de 10 anos.
Em relação à validação da ZBI para falantes da língua portuguesa, Sequeira (2010) realizou um estudo com 184 cuidadores portugueses informais, cujos idosos cuidados apresentavam dependência física e/ou mental. O objetivo do estudo de Sequeira (2010) foi adaptar e validar a ZBI para a população portuguesa de cuidadores. Os resultados demonstraram uma boa consistência interna global para o instrumento (α=.93). Em relação à sua estrutura, foram encontrados quatro fatores, todos com bons índices de consistência interna, a saber: Impacto da Prestação de Cuidados (α =.93), Relação Interpessoal (α=.83), Expectativas com o Cuidar (α=.67) e Percepção de Auto Eficácia (α=.80). Nota-se que os resultados de Sequeira (2010) são frequentemente utilizados como parâmetro para avaliações com cuidadores brasileiros, apesar de não ser uma prática recomendada (AERA et al., 2014). Uma possível justificativa é que o idioma dos cuidadores de ambos os países é o mesmo. Porém, salienta-se que existem diferenças culturais entre cuidadores brasileiros e portugueses que comprometem a generalização de uma estrutura fatorial de um país para outro, sem realizar, por exemplo, uma análise fatorial confirmatória. Isso justifica novos estudos com a zbi, de forma que possa avaliar sua estrutura fatorial no contexto brasileiro. Ainda considerando o contexto português, apesar de não ser um trabalho de validação da ZBI, Pereira e Carvalho (2012) verificaram uma correlação de .38 (p<.001) entre a sobrecarga e a depressão (medida por meio do Inventário de Depressão de Beck) de cuidadores de idosos portugueses com dependência funcional, o que poderia indicar uma evidência de validade da ZBI, quando considerada sua relação com outras variáveis.
No contexto brasileiro, Bianchi, Flesch, Alves, Batistoni e Neri (2016), realizaram um estudo de validação da ZBI com uma amostra de 121 cuidadores que também eram idosos, com idade média de 70.5 anos (DP=7.20), em que testaram a estrutura fatorial do instrumento por meio de uma análise fatorial exploratória. As autoras encontraram três fatores: Tensões Referentes ao Papel (α=.83), Tensões Intrapsíquicas (α=.72) e Competências e Expectativas (a=.72). Apesar de as evidências de precisão e validade já encontradas por Bianchi et al. (2016), nota-se a importância de estudos adicionais para que a ZBI possa ser utilizada com maior confiabilidade no contexto brasileiro. Assim, prosseguir com essas investigações faz-se necessário devido: (a) ao número pequeno de participantes no estudo de Bianchi et al. (2016) (apenas cinco participantes por item na escala); (b) a importância de realizar uma análise confirmatória com uma segunda amostra independente; e (c) ao fato de o único estudo brasileiro que verificou a estrutura fatorial da ZBI ter sido realizado em uma amostra na qual todos os participantes tinham idade maior ou igual a 60 anos. No que se refere às evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis da ZBI, Bianchi et al. (2016) encontraram correlações entre a percepção de sobrecarga e depressão (r=.46; p=.001), maior demanda de cuidado (r=.20; p=.02) e uso de estratégias de enfrentamento disfuncionais (r=.44; p=.001). No entanto, mesmo com esses resultados, é importante avaliar as evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis em uma população com faixa etária extensa de cuidadores de idosos.
Diante disso, no presente estudo, optou-se por ampliar a faixa etária dos cuidadores, o número de cuidadores respondentes para que apresentasse pelo menos 10 participantes por item (AERA et al., 2014) e realizar um estudo também com medidas de depressão e qualidade de vida, por serem cons-trutos correlacionados na literatura (Bianchi et al., 2016; Chiao et al., 2015; Tay et al., 2016).
Como constatado pelos achados das pesquisas descritas, a ZBI tem apresentado resultados positivos no que diz respeito às evidências de validade com cuidadores de língua portuguesa, de forma geral, e, especificamente, para cuidadores brasileiros. É ainda um instrumento que carece de mais estudos de validade, principalmente no que diz respeito à ampliação de suas evidências de validade em uma amostra maior e com uma faixa etária mais ampla. Dado o exposto, o principal objetivo deste estudo é dar continuidade ao processo de validação da Zarit Caregiver Burden Interview para o contexto brasileiro. Quanto aos objetivos específicos, o estudo visou aos seguintes aspectos: (a) investigar as evidências de validade interna, em relação à estrutura interna e confiabilidade do instrumento (Estudo 1 -estrutura fatorial e confiabilidade interna) e (b) investigar as evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis (Estudo 2 -relação com qualidade de vida e depressão). Na análise da estrutura fatorial, foram testados três modelos: um unifatorial, outro com três fatores e, por fim, um com quatro fatores (Bianchi et al., 2016; Scazufca, 2002; Sequeira, 2010). Como hipótese inicial, esperava-se que a ZBI apresentasse uma estrutura de três fatores, uma vez que essa foi a estrutura encontrada no estudo exploratório realizado em uma amostra brasileira, e confirma os achados de Bianchi et al. (2016), além de bons índices de confiabilidade. Paralelamente, esperava-se também que o construto sobrecarga fosse correlacionado positivamente a medidas de depressão e negativamente a qualidade de vida (Bianchi et al., 2016; Chiao et al., 2015; Tay et al., 2016).
Método
Estudo 1
Participantes. Participaram deste estudo 285 cuidadores de idosos familiares, com idade média de 52.5 anos (DP =13.9), variando entre 18 e 87 anos. Em média, eles exerciam essa tarefa há cinco anos (DP=4.4), sendo 252 (88.8 %) do sexo feminino e 32 (11.2 %) do sexo masculino. Dentre eles, a maioria eram filhos (67.3 %), seguido de cônjuges (12.6 %), netos (8.4 %), noras ou genros (5.3 %), irmãos (3.9 %), outros (1.8 %) e sobrinhos (0.7 %). No que diz respeito ao estado civil, a maioria era casada (55 %), seguido de solteiros (26 %), separados (13 %) e viúvos (6 %). Na amostra coletada, 23 eram provenientes de municípios de pequeno porte (Itapira, estado de São Paulo [sp] ou São Lourenço, Minas Gerais [MG]), 209 eram provenientes de cidades de médio porte (São Carlos, Limeira ou Rio Claro, SP) e 53 de duas cidades de grande porte (Campinas ou São Paulo, -SP). Do total, 266 eram provenientes do estado de São Paulo e 19 do estado de Minas Gerais. A maioria apresentou ensino superior completo (34.4 %), seguido de ensino médio completo (25.3 %), 4a série do ensino fundamental (18.6 %), fundamental completo (13.3 %) e analfabeto ou até a 3a série do fundamental (8.4 %). É indicado, para estudos de validação de instrumentos que envolvam análise fatorial, uma amostra mínima de participantes estipulada a partir da multiplicação do número de itens por cinco (por exemplo, a amostra mínima para realizar a análise fatorial confirmatória deveria ser de 110 participantes -5x22 itens); no entanto, quanto mais respondentes para cada item, mais robusta torna-se a avaliação (AERA et al., 2014; Marôco, 2014). No presente estudo, foram 12.9 respondentes por item.
Os cuidadores foram recrutados através do Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) das cidades de São Carlos e de Campinas, da Unidade Saúde Escola da Universidade Federal de São Carlos e da indicação de outros participantes ou de pessoas conhecidas das pesquisadoras, nas cidades do estado de São Paulo (São Paulo, Limeira, Rio Claro e Itapira). Em Minas Gerais, os cuidadores foram recrutados nas Unidades Básicas de Saúde e no Hospital do município. Como critério de inclusão, os participantes teriam de ser maiores de 18 anos e familiares dos idosos dos quais cuidavam. Cuidadores formais ou pagos foram excluídos da amostra. A coleta de dados foi realizada nas residências dos cuidadores ou em lugares escolhidos por eles, a fim de garantir o sigilo necessário.
Instrumentos.
Características sociodemográficas. Um questionário foi elaborado para verificar as características sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade e estado civil) dos participantes, visando descrever a amostra obtida.
Zarit Burden Inteview (ZBI). O nível de sobrecarga dos familiares cuidadores de idosos foi medido por meio da ZBI, adaptada para uso no Brasil por Taub et al. (2004). A escala é composta de 22 questões. As alternativas de resposta para cada item são: nunca (0 pontos), raramente (1 ponto), algumas vezes (2 pontos), muito frequentemente (3 pontos) ou sempre (4 pontos). A pontuação total pode variar entre 0 e 88 pontos. A consistência interna para a versão brasileira do instrumento foi de α=.87 (Scazufca, 2002).
Procedimento de coleta de dados. Inicialmente, estabeleceu-se um contato com representantes da Secretaria de Saúde das cidades participantes do estudo e, em seguida, com os serviços de saúde oferecidos pelas cidades onde os participantes foram recrutados. Os cuidadores que se enquadraram dentro dos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa. Após a obtenção da autorização e da aprovação do comitê de ética, foi agendado um horário para a aplicação dos instrumentos, de modo a garantir sigilo e privacidade. Ao encontrar cada participante, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido em voz alta, sanadas eventuais dúvidas e, em seguida, realizada a aplicação dos instrumentos. As coletas foram feitas individualmente e os participantes puderam escolher se preferiam que o aplicador lesse os itens em voz alta (no caso de cuidadores com baixa escolaridade, por exemplo) ou se eles mesmos leriam e responderiam aos instrumentos.
Procedimento de análise de dados. Para verificar a distribuição dos escores para cada instrumento, foram calculados a média, o desvio padrão, os valores mínimos e máximos, além de indicadores de curtose e assimetria para cada variável. Tendo em vista que a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas individuais, não houve problemas relacionados a dados omissos. Todas as variáveis apresentaram uma distribuição normal, segundo a inspeção do número de modas, valores de curtose (-2 < x < 2) e assimetria (-1 < x < 1) e do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (Dancey & Reidy, 2013; Marôco, 2014; Pasquali, 2015). Assim, para confirmar a estrutura da ZBI, além de medir sua consistência interna, foram realizadas análises fatoriais confirmatórias e o cálculo do alfa de Cronbach no programa MPlus 7. Os índices de ajuste considerados foram: Comparative Fit Index (CFI≥.90), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA, ≤.08 com intervalo de confiança de 90%), a significância estatística do teste de Qui-quadrado (p≤.05) e o Qui-quadrado dividido pelo grau de liberdade (x2/gl<3) (Hu & Bentler, 1999).
Estudo 2
Participantes. Participaram do estudo 205 dos cuidadores de idosos familiares provenientes da amostra maior do primeiro estudo, sendo 180 do sexo feminino e 25 do sexo masculino, com idade média de 51 anos (DP=14), variando entre 18 e 87 anos. Em média, eles exerciam essa tarefa há cinco anos (DP=4.7). No que diz respeito ao estado civil, a maioria era casada ou estava em união estável (51.2 %), seguido de solteiros (28.8 %), separados (13.2 %) e viúvos (6.8 %). A maior parte deles tinha ensino superior completo (37.1 %), seguido de ensino médio completo (25.9 %), ensino fundamental incompleto (17.6 %), ensino fundamental completo (10.1 %) e analfabeto ou até a 3a série (9.3 %). Nesta amostra, a maioria era de filhos (67.4 %), seguido de cônjuges (12.6 %), netos (8.4 %), noras/genros (5.3 %), irmãos (3.9 %), sobrinhos (0.7 %) e outros (1.7 %).
Instrumentos.
Características sociodemográficas. Descrito no Estudo 1.
Zarit Burden Interview (ZBI). Descrito no Estudo 1.
Inventário de Depressão de Beck (BDI).
O Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory -de Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979) é aplicado para detectar sintomas e nível de depressão. Trata-se de uma escala de autorrelato, composta de 21 itens, sendo que cada um tem quatro afirmações graduadas de menor (0 pontos) a maior (3 pontos) severidade de sintomas depressivos. O BDI é formado por três fatores: Autodepreciação (α=.76), Cognição-Afeto (α=.77) e Somática (α=.66). Escores entre 0 e 11 pontos indicam ausência de depressão; entre 12 e 19, indicam depressão leve; entre 20 e 35, depressão moderada; e acima de 36 pontos indicam depressão grave. No estudo de referência para o português, o inventário apresentou consistência interna de a=.81 (Cunha, 2011; Gorenstein & Andrade, 1998).
Escala de Qualidade de Vida (Qdv-DA). A escala foi validada para uso no Brasil por Novelli (2006) e é um instrumento que pode ser usado para analisar a percepção de qualidade de vida por parte de cuidadores de idosos, por meio de uma linguagem simples e que pode ser entendido também por idosos com doença de Alzheimer leve a moderada. O instrumento é composto de 13 itens (e.g., saúde, casamento, moradia, etc.), quantificados em uma escala de quatro pontos, com a pontuação 1 atribuída à qualificação ruim e a pontuação 4, excelente. A pontuação total varia entre 13 e 52, com pontuações mais altas indicando maior qualidade de vida. A versão brasileira dessa escala é unidimensional e tem uma boa consistência interna, avaliada por meio do Alfa de Cronbach (α=.86).
Procedimento de coleta de dados. Foi utilizado o mesmo procedimento descrito no Estudo 1.
Procedimento de análise de dados. Para verificar possíveis correlações entre as variáveis, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, uma vez que as variáveis apresentaram distribuição normal de escores. Para o presente estudo, a magnitude das correlações foi classificada em: fraca (<.30), moderada (.30 a .59), forte (.60 a .99) ou perfeita (1; Levin & Fox, 2004). Os dados de correlação foram analisados com o software spss Statistics 20.
Procedimentos éticos. A coleta de dados, de ambos os estudos, foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (Parecer N° 144.507/2012). Todos os participantes receberam informações acerca dos objetivos da pesquisa, das atividades a serem desenvolvidas e de seus direitos, antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A identidade dos participantes foi mantida em sigilo.
Resultados
Estudo 1
Estrutura interna e confiabilidade do instrumento. Na Tabela 1, é apresentada a comparação entre os diferentes modelos propostos para a Zarit Burden Interview que foram calculados por meio da análise fatorial confirmatória. Foram comparados os modelos: (a) unifatorial de Scazufca (2002), (b) três fatores de Bianchi et al. (2016) e (c) quatro fatores de Sequeira (2010). De acordo com os resultados observados na Tabela 1, percebe-se que todos os modelos apresentaram um valor de X2 significativo; além disso, o modelo que mostrou um valor de X2lgl mais adequado foi o modelo de três fatores. No que diz respeito ao CFI, os mais adequados foram os modelos de três e quatro fatores, ambos apresentaram um valor maior que .90, considerado satisfatório dentro da teoria clássica dos itens (Hu & Bentler, 1999). Com relação ao valor do rmsea, os modelos de três e quatro fatores mostraram-se mais adequados também (Hu & Bentler, 1999). Após comparar os três modelos e levar em consideração os índices de ajustes, o modelo que se mostrou mais adequado foi o de três fatores.
Tendo em vista que o modelo de três fatores foi o que se mostrou mais adequado, foram calculados, a partir da análise dos índices de ajustamento, os valores de confiabilidade e as cargas fatoriais dentro deste modelo. Os resultados são apresentados na Tabela 2.
Todos os valores de cargas fatoriais maiores que .30 foram considerados aceitáveis (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005). Para o fator de Tensões Referentes ao Papel, a=.87, para o fator de Tensões Intrapsíquica, α=.78 e para o fator de Competências e Expectativas, α=.65. A consistência interna geral foi de α=.88. Todos os valores são considerados de confiabilidade adequados (Marocô, 2014).
Estudo 2
Evidências de validade de construto do tipo convergente. Por meio do coeficiente de correlação de Pearson, foi calculado o índice das correlações entre os fatores da Zarit Burden Interview com os demais instrumentos, a saber, BDI e QdV-DA. Os resultados são apresentados na Tabela 3.
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3, percebe-se que todos os construtos relacionaram-se, sendo que os escores de qualidade de vida correlacionaram-se negativamente aos escores de sobrecarga, e os escores de depressão correlacionaram-se positivamente aos escores de sobrecarga. A maioria das correlações foi de magnitude moderada, com a de maior magnitude para depressão total e sobrecarga total (r=.52), e a de menor magnitude entre o Fator Tensões Referentes ao Papel da ZBI e o Fator Autodepreciação do BDI (r=.18).
Discussão
O objetivo deste estudo foi dar continuidade ao processo de validação da ZBI para o contexto brasileiro. Aqui, foram investigadas evidências de validade interna em relação à estrutura e con-fiabilidade do instrumento e a evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis (qualidade de vida e depressão). Diante disso, percebe-se que a melhor estrutura encontrada foi a de três fatores, e que, tanto a confiabilidade total aferida pelo coeficiente Alfa de Cronbach, como para cada fator, foi considerada adequada (Hu & Bentler, 1999), sendo esta a mesma estrutura indicada no estudo de Bianchi et al. (2016). O resultado está de acordo com a hipótese levantada para o estudo, e mostrou que a estrutura fatorial da ZBI para cuidadores de idosos que também são idosos pode ser generalizada para cuidadores de uma faixa etária mais ampla. O fato de a estrutura fatorial confirmada nos dois estudos ser a mesma é coerente, uma vez que ambas as amostras captam a realidade atual dos cuidadores de idosos brasileiros. Apesar de a amostra de Bianchi et al. (2016) ser composta apenas de cuidadores idosos, nota-se que a média de idade dos cuidadores no Estudo 1 também é alta, de 52.5 anos (DP=13.9), o que pode ter contribuído para a mesma estrutura interna, nas duas amostras, e está de acordo com o perfil sociodemográfico de cuidadores brasileiros, que é de pessoas de meia idade, familiares e maioria do sexo feminino (Gratão et al., 2013). Além disso, a estrutura encontrada envolve três fontes gerais de estresse: (a) restrições e privações, (b) situações interpessoais desagradáveis e (c) falta de recursos, o que é coerente com os conceitos teóricos do Zarit (2002).
No que se refere às evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis apresentadas no Estudo 2, observa-se que todas as correlações verificadas corroboraram a hipótese levantada neste estudo. Verificaram-se correlações negativas entre os escores na ZBI e o indicador de qualidade de vida, e correlações positivas entre os escores na ZBI e os escores de depressão (Bianchi et al., 2016; Tay et al., 2016). As magnitudes das correlações variaram de fracas a moderadas, com apenas um fator da ZBI (Competências e Expectativas) e um fator do bdi (Autodepreciação) apresentando correlações fracas, ao relacionar as medidas de qualidade de vida e depressão aos fatores de sobrecarga, respectivamente. Essas correlações, estatisticamente significativas entre os construtos, estão dentro do esperado, uma vez que pessoas que apresentam sobrecarga em alguma área da sua vida tendem a apresentar sintomas de depressão e baixa qualidade de vida (Bianchi et al., 2016). Por outro lado, pode haver outras variáveis intervenientes nessa relação, como, por exemplo, resiliência do cuidador, percepção de apoio social, entre outras (Cerquera Córdoba & Pabón Poches, 2016), o que justificaria o fato de grande parte das correlações serem de magnitude fraca. Faz-se necessário ressaltar que, após a coleta de dados, a versão do BDI usada para este estudo foi alterada, tendo sido publicada uma nova versão. No entanto, neste estudo, o bdi não foi usado para classificar os participantes em deprimidos e não deprimidos, e sim para avaliar se escores mais altos de sobrecarga relacionavam-se a escores mais altos de sintomas depressivos. Possivelmente, as evidências obtidas teriam sido ainda mais fortes, caso a nova versão do bdi tivesse sido usada.
Cuidar de um idoso exige esforços físicos e socioemocionais, além de recursos financeiros. Para a maior parte dos cuidadores, essas demandas reduzem oportunidades até mesmo para autocuidados, resultando em índices de pior saúde física e socioemocional (Tomomitsu et al., 2013). Essas são as marcas de um contexto de vida que envolve estresse crônico. Por se tratar de uma situação de demandas altas e constantes, também existe menor disponibilidade de tempo e dinheiro para os cuidadores se envolverem em atividades, tais como passeios com familiares e amigos, atividades de lazer, investimentos na própria moradia, entre outras (Pinto, Barham, & Del Prette, 2016). Portanto, ao mesmo tempo em que a saúde física e emocional do cuidador tende a diminuir conforme aumenta a sobrecarga, as oportunidades para participar de atividades que propiciam percepções de qualidade de vida também diminuem.
A respeito da relação entre sobrecarga e depressão, os resultados encontrados neste estudo estão de acordo com os encontrados por Pereira e Carvalho (2012), realizado com cuidadores portugueses. Ou seja, apesar de diferenças na composição das amostras, em ambos os estudos, as correlações entre sobrecarga e depressão foram positivas e moderadas. Entretanto, essa relação parece ser mais forte entre os cuidadores brasileiros do que entre os cuidadores portugueses (r=.52 e r=.38, respectivamente). Em termos de avaliação dos construtos, a diferença pode estar ligada à precisão com a qual as diferentes versões do ZBI aferem a sobrecarga nas duas populações, ou até mesmo por questões culturais; por exemplo, cuidadores brasileiros podem ter mais facilidade de relatar suas dificuldades do que cuidadores portugueses, devido ao que é socialmente aceito em cada cultura. Uma vez que a correlação entre esses construtos já foi evidenciada em outros estudos e ambos os trabalhos citados avaliaram a depressão por meio do Inventário de Beck, a questão cultural pode ser uma hipótese para justificar a diferença verificada. Uma vez que essa e outras hipóteses explicativas para a diferença ainda precisam ser testadas, é importante que uma maior atenção seja dada a essa população no Brasil (Bianchi et al., 2016; Neri, 2014; Pinto & Barham, 2014; Pinto, 2016). No Brasil, o número de idosos dependentes aumentou abruptamente, de forma que existe um contexto de pouca familiaridade com as suas necessidades, além de poucos serviços públicos para idosos ou seus cuidadores (Freire Neto & Moreira, 2016).
Além disso, neste estudo, também foram encontradas correlações significativas e negativas entre sobrecarga e qualidade de vida, o que indica que uma maior percepção de sobrecarga afeta também a qualidade de vida dos cuidadores, resultado também corroborado na literatura (Chiao et al., 2015; Tay et al., 2016). Estudiosos apontam que cuidar de um idoso dependente pode afetar negativamente a percepção dos cuidadores sobre sua saúde global, uma vez que exercer essa tarefa pode contribuir para cansaço físico (Pereira & Carvalho, 2012), falta de tempo para autocuidados e atividades de lazer, insônia, entre outras possibilidades que podem interferir nas atividades que o cuidador costumava realizar (Ferreira, Alexandre, & Lemos, 2011), afetando diretamente sua percepção de qualidade de vida. Ou seja, esse conjunto de alterações pode mediar o efeito que a sobrecarga tem sobre a qualidade de vida dos cuidadores.
Além de representar mais uma evidência de validade para a versão brasileira da ZBI, identificar correlações como as indicadas anteriormente reforçam a necessidade de elaboração de políticas públicas e programas de intervenção cujo objetivo seja contribuir para a saúde mental e bem-estar dos cuidadores de modo geral. Revisões da literatura nacional e internacional sobre o tema têm indicado a possibilidade de intervenções desta natureza contribuírem para a diminuição do sentimento de sobrecarga por parte dos cuidadores, podendo também beneficiar, consequentemente, seu bem-estar e saúde mental, de forma global (Lopes & Cachioni, 2012; Marim, Silva, Taminato, & Barbosa, 2013; Santos, Souza, Brasil, & Dourado, 2011; Tay et al., 2016).
A validação e posterior utilização de instrumentos de medida desenvolvidos e usados em outros contextos culturais são muito importantes para o aprimoramento acadêmico e social. Quando um mesmo instrumento de medida é utilizado para avaliar grupos diferentes, é possível fazer comparações fiéis entre esses grupos (Laros, 2012). Dessa forma, quando versões diferentes de um mesmo instrumento de avaliação são utilizadas, as comparações também tornam-se viáveis, o que contribui, por exemplo, para a avaliação da viabilidade de se replicar um projeto de intervenção em outro contexto cultural. Assim, a validação da ZBI para o contexto brasileiro poderá incentivar o desenvolvimento desta área de estudos no Brasil, já que se trata de uma escala utilizada internacionalmente.
Nota-se, entretanto, que estudos internacionais de validação da ZBI têm apresentado variações em relação à estrutura fatorial verificada para cada versão dela, sendo que as estruturas mais comumente relatadas são de dois e três fatores, conforme apontam Chattat et al. (2011) e Siegert, Jackson, Tennant e Turner-Stokes (2010); mas também já foram identificadas outras estruturas, como a de cinco fatores da versão italiana da ZBI (Chattat et al., 2011). Cabe salientar que esses resultados são provenientes de diferentes análises estatísticas (confirmatórias e exploratórias), realizadas em amostras com especificidades distintas, o que pode resultar em uma configuração diferente dos fatores. Assim, apesar de todas as versões serem derivadas de uma mesma escala, são necessárias considerações em relação à estrutura fatorial de cada versão, quando feitas comparações intercul-turais ou entre diferentes grupos de respondentes. Outra possibilidade em estudos de validação que envolvem análise fatorial confirmatória é realizar ajustes no modelo encontrado; porém, no presente estudo e seguindo as recomendações da AERA et al. (2014), optou-se pela comparação entre os modelos sem realizar ajustes para verificar qual deles, efetivamente, se encaixaria no contexto brasileiro, apresentando os melhores índices. Diante do exposto, percebe-se que um instrumento psicometricamente validado para uso no contexto específico em que será realizada uma intervenção é fundamental, por exemplo, para avaliar, com precisão e eficácia, programas de intervenção. Nesse sentido, a validação da ZBI para o Brasil se mostra uma ferramenta importante para subsidiar e avaliar programas de intervenção cujo objetivo principal seja reduzir o nível de sobrecarga de cuidadores familiares de idosos brasileiros (Barham, Pinto, Andrade, Lorenzini, & Ferreira, 2015; Ferreira & Barham, 2016; Ferreira et al., 2017).
Conclusões
Os resultados do presente estudo somam-se a outros que indicam o potencial do Inventário de Sobrecarga de Zarit (Zarit Caregiver Burden Interview -[ZBI]) para ser utilizado em diferentes contextos culturais, como o brasileiro e o português (Bianchi et al., 2016; Scazufca, 2002; Sequeira, 2010; Taub et al., 2004). Quanto ao processo de validação da ZBI para cuidadores de idosos brasileiros, já existem evidências na literatura sobre a validade de sua estrutura interna (Scazufca, 2002; Taub et al., 2004) na população geral de cuidadores e em uma amostra de cuidadores idosos (Bianchi et al., 2016). Esta investigação amplia a gama de evidências de validade desse instrumento no Brasil, além de confirmar a estrutura fatorial de Bianchi et al. (2016) e a relação com outros construtos já conhecidos, considerando uma amostra maior de cuidadores de idosos familiares na qual a única restrição, em termos de faixa etária, era ser maior de 18 anos.
No entanto, após a adaptação transcultural de uma medida para outro contexto, ainda é preciso que sejam verificados diferentes tipos de evidências de validade para que o instrumento possa ser utilizado com segurança na cultura brasileira (Chan, 2014; International Test Commission, 2017; Nunes & Primi, 2010), além da nececessidade de normatização para a população. Nesse sentido, é importante a realização de novos estudos com o objetivo de ampliar a gama de evidências de validade da ZBI para uso com cuidadores de idosos brasileiros, como, por exemplo, evidências da validade baseadas no processo de resposta ou testagem de modelos teóricos, para verificar como a sobrecarga relaciona-se a outras variáveis e, futuramente, normatizar o seu uso para o Brasil. Para a ampla utilização do instrumento no contexto brasileiro, também seria relevante que os resultados fossem confirmados em uma amostra ainda maior e mais representativa de toda a população brasileira, para além dos estados de São Paulo e Minas Gerais.