Introdução
Os triglicerídeos são um dos componentes gordurosos do sangue e sua elevação pode causar, em humanos, obesidade, doenças cardiovasculares, esteatose hepática, pancreatite, entre outros (1). A prática de exercícios é responsável pela diminuição da gordura armazenada no organismo e dos compostos lipídicos séricos, aumentando a massa magra e a expectativa de vida do indivíduo, equilibrando a quantidade de energia ingerida e utilizada (2,3,4). Os substratos energéticos utilizados durante o repouso e o exercício físico são os carboidratos e os lipídeos. A contribuição de cada substrato para a manutenção da demanda de energia durante a atividade física é determinada pela intensidade e duração do esforço, treinamento, disponibilidade, estado nutricional e ação hormonal (5). A lipólise aumenta com o esforço físico, o qual resulta em um aumento significativo no número e na atividade das mitocôndrias do tecido muscular, resultando também em um aumento na oxidação dos ácidos graxos livres (6).
Além de induzir processos biológicos com efeitos positivos, o exercício físico quando ultrapassa os limites fisiológicos pode levar a produção de radicais livres ou espécies reativas de oxigênio (EROs), os quais geram consequências prejudiciais ao organismo (7). De acordo com Moffarts et al. (8), uma das principais ações deletérias dos EROs é a lesão tecidual, tais como a oxidação das membranas lipídicas. Esse estresse oxidativo contribui para acelerar o processo de fadiga e lesão na fibra muscular, gerando intolerância ao exercício e diminuição de desempenho atlético. Cavalos submetidos a altas velocidades podem desenvolver níveis elevados de estresse metabólico dependendo da intensidade e duração do esforço muscular. A adenosina trifosfato e fosfato de creatina, rapidamente são consumidos levando a produção de energia por vias glicolíticas e/ou oxidativas (9). Buscar o melhor desempenho e bem-estar dos animais durante as competições de resistência é essencial para promover e manter agradável o esporte eqüestre que muito se desenvolve em toda parte do mundo (10).
Para prevenir o surgimento do estresse oxidativo proveniente do exercício, sugere-se a utilização de suplementação dietética com substancias antioxidante, tendo como objetivo neutralizar a produção dos EROs (11). O principal antioxidante biológico associado ao estresse oxidativo é a vitamina “E”, também conhecida como sua forma ativa alfa-tocoferol (12). É encontrada em todas as membranas celulares, porém sua maior quantidade está na membrana mitocondrial interna onde se localiza o sistema de transporte de elétrons (13). Esta possui homólogos que realizam muitas atividades biológicas, e é um antioxidante lipossolúvel no organismo (14). Na sua estrutura há uma cadeia lateral hidrofóbica que protege as membranas celulares contra o dano oxidativo (15). Sua função é prevenir a peroxidação lipídica fazendo a captura de radicais peroxila, além de agir na prevenção da oxidação de compostos lipídicos, e também é essencial para o funcionamento adequado das membranas celulares (16). Os lipídios quando oxidados, não são metabolizados normalmente, acumulando-se e gerando patologias no sistema cardiovascular (17).
O exercício físico induz uma maior captura de triglicerídeos e colesterol ao diminuir a concentração da enzima triacilglicerol lipase hepática, cuja função é hidrolisar estes compostos quando conjugados numa sub-fração da HDL (lipoproteína de alta densidade), a HDL2, que ao ser liberada para o fígado, torna-se mais densa e transforma-se em HDL3 (18). Dessa maneira, com uma maior permanência da HDL2 na circulação sanguínea, a captura dos triglicerídeos é constantemente realizada, diminuindo assim sua concentração sérica (19). Para efetuar essas funções, a HDL necessita do seu conteúdo antioxidante, a qual faz parte o alfa-tocoferol (20). Considerando esta hipótese, a vitamina “E” poderia reduzir o acúmulo de triglicerídeos no sangue, o que beneficiaria a saúde do animal.
Este estudo foi realizado com o objetivo de testar a hipótese que a prática de exercício de longa duração em esteira e a suplementação com vitamina “E”, diminuem as concentrações séricas de triglicerídeos em equinos.
Materiales e métodos
O trabalho foi realizado sob a aprovação do comitê de ética com o protocolo n°128/2009 CEUA/ UNESP - Botucatu.
Utilizou-se 10 equinos inteiros e machos, sendo cinco da raça Puro Sangue Árabe e cinco da raça Crioula, mantidos em piquetes do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Botucatu, sob as mesmas condições de manejo alimentar e sanitário. Os animais estavam sem treinamento físico por mais de um ano, com idade variando de oito a dez anos, e peso médio de 372,1 ± 32,9 kg, foram considerados hígidos mediante exame hematológico e bioquímico sérico.
Os equinos foram submetidos a um teste padrão de exercício progressivo em esteira de alta velocidade (Mustang 2200 AG, Kagra, Suíça) inclinada a 6%, da qual a velocidade é elevada gradualmente, com o protocolo de exercício proposto por Watanabe et al. (21). Utilizou-se a máscara de análise de trocas gasosas e dados ventilatórios (Metavet, Cortex, Alemanha), para se extrair a carga de trabalho para cada equino, com base no consumo máximo de oxigênio (VO2máx) (21), sendo o valor médio dos animais de 110,4 ± 20,4 mL/kg/min, sempre às nove horas da manhã.
Após 14 dias do teste progressivo, os equinos foram submetidos ao teste de baixa intensidade e longa duração (TLD1). O teste, considerado de exercício predominantemente aeróbico (concentração de lactato inferior a 4mmol/L), foi realizado com a esteira inclinada a 6%, à velocidade de 35% do VO2máx de cada animal pelo período de 60 min (22), correspondendo a uma velocidade média de 2,3 ± 0,5 m/s.
A suplementação da vitamina E (dl-alfa-tocoferol) dos animais teve início logo após o teste TLD1, na dose de 1.000 UI/animal (23), por meio de cápsulas gelatinosas (E-tabs 1000 UI, Sigma Pharma, Hortolândia, Brasil) misturadas a raspas de rapadura, por via oral, diariamente e sem interrupção até o final do experimento. Após 59 dias do início da suplementação, os equinos realizaram o segundo teste (TLD2) com o mesmo protocolo de TLD1. A temperatura e a umidade relativa do ar do salão do Centro de Medicina Esportiva Equina da Unesp de Botucatu, onde os testes foram realizados, variou de 17,0 a 20,6ºC e 66 a 81%, respectivamente.
As coletas de sangue foram realizadas antes do teste (M0), imediatamente após o exercício (PE) e nos tempos 6h, 12h, 48h, 72h e 96h subsequentes, sendo armazenadas em tubos contendo ativador da coagulação para obtenção de soro e foram imediatamente separados e congelados a -80ºC até serem processadas.
Foi então, realizado a dosagem dos triglicerídeos séricos por meio de kit comercial (Bioclin, teste enzimático) em analisador bioquímico semi-automático, da marca Mindray, modelo BA-88A, no laboratório de patologia clinica localizado no campus Boa Vista da Universidade Vila Velha.
Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias de cada característica comparadas pelo teste de Tukey em 5% de probabilidade, sendo utilizado o programa Genes.
Resultados e discussões
Na primeira fase do experimento, sem suplementação com o antioxidante, o valor médio de triglicerídeos dos equinos antes de serem submetidos ao exercício em esteira (M0) encontra-se dentro do intervalo de normalidade (5,3 a 54,0 mg/dL) (24). Já os equinos suplementados apresentaram um valor basal discretamente acima do valor máximo considerado normal e significativamente maior do que os animais não suplementados, devido a vitamina E ser lipossolúvel.
Notou-se que em TDL1, no momento PE, a concentração sérica de triglicerídeos teve um aumento significativo (p<0,05) (Tabela 1). No estudo de Orozco et al. (25), cujos animais foram submetidos a treinamento a campo e testes em esteira, sendo realizado coletas de sangue antes e após o exercício, obteve-se o mesmo comportamento imediatamente após o esforço físico. O mesmo foi observado no estudo de Coelho et al. (26), no qual os cavalos realizaram marcha cadenciada a campo durante quarenta minutos e no de Brunner et al. (27) que acompanharam animais que foram submetidos a exercício extenuante. Mesmo com estes resultados, o aumento nas concentrações de triglicerídeos não ultrapassou o valor normal considerado para a espécie (24). Este aumento de triglicérides imediatamente após a atividade ocorre devido a um bloqueio na ação da insulina e ao efeito hiperglicemiante gerado pelas catecolaminas e cortisol circulantes, gerando um balanço energético negativo, havendo lipólise e mobilização de outras fontes energéticas (28), para que ocorra uma produção de energia eficiente, levando a manutenção adequada dos esforços musculares (29).
Ainda nesta primeira fase, após 6 horas da realização da atividade, obteve-se a menor média, provavelmente devido a diminuição da concentração sérica de vitamina E, sendo considerado diferente significativamente de todos os outros momentos dosados, mas permanecendo dentro do intervalo de normalidade (24). Observou-se uma elevação progressiva nos valores de triglicerídeos a partir do momento 12h até 96h, sendo este último a maior média encontrada. Hyyppä (30) cita que nas horas pós-exercício, a normalização das concentrações de lipídeos é lenta, decorrente ao retorno da liberação de insulina na circulação sanguínea, levando a inibição da lipólise, o que pode explicar os níveis elevados de triglicerídeos após 24 horas até o momento 96h depois da realização do teste.
Com a suplementação da vitamina “E” (TLD2) a concentração de triglicérides obteve o mesmo comportamento que TDL1. Houve um aumento significativo (p<0,05) no momento PE no qual atingiu o valor máximo e ultrapassou ao intervalo de normalidade, citado por Robinson (24). Em seguida houve diminuição dos valores nos momentos 6h e 12h, e a partir de 24h elevou-se gradativamente nos momentos subsequentes até atingir um valor próximo ao inicial (figura 1).
De acordo com os resultados analisados, podemos considerar que a resposta do organismo dos animais com ou sem a suplementação, apresentou comportamento semelhantes, visto que em ambos os casos: a resposta no momento PE é maior que o M0, tendo uma diminuição no momento subsequente, com um período de manutenção de valores e retornando aos níveis iniciais. Todos os momentos dosados em TDL2 obtiveram valores de triglicerídeos maiores que TDL1, porém pode-se sugerir que neste protocolo de exercício a ação da vitamina nos triglicerídeos ocorreu apenas até 6 horas, pois a partir deste momento não observou-se diferença estatística entre TDL1 e TDL2.
Outros estudos também não encontraram resultados positivos para o uso da vitamina, como o de Meagher et al. (31), que analisaram o efeito da vitamina “E” na peroxidação lipídica em seres humanos saudáveis. Realizaram a suplementação durante oito semanas em 30 indivíduos separados em seis grupos de cinco, sendo o primeiro placebo e os subsequentes consumindo 200, 400, 800, 1200 e 2000 UI/d da vitamina. Os grupos suplementados não obtiveram diferença do grupo placebo, sem apresentar efeito adicional do antioxidante na cadeia de peroxidação lipídica, questionando assim o efeito da vitamina “E” na diminuição dos triglicerídeos. Já Williams et al. (12) utilizaram cavalos que praticam enduro para avaliar a ação da vitamina “E” na peroxidação lipídica e no estresse oxidativo, e verificou que a suplementação não obteve benefícios significativos.
M0 | PE | 6h | 12h | 24h | 48h | 72h | 96h | |
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S/Vit E | 23,05 B bc | 52,20 B a | 15,45 B c | 29,80 A abc | 44,85 A ab | 52,15A a | 40,60 B abc | 55,09 A a |
C/Vit E | 56,15 A bc | 94,95 A a | 37,55 A bc | 34,55 A c | 34,91 A c | 57,30 A bc | 62,41 A b | 62,14 A b |
CV (%) | 41,09 | 32,67 | 31,53 | 37,41 | 46,43 | 45,44 | 35,55 | 34,55 |
Médias seguidas da mesma letra maiúscula na vertical e minúscula na horizontal, não diferem entre si a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey.
M0 = triglicerídeos no repouso; PE = triglicerídeos imediatamente após o exercício; 6, 12, 24, 48, 72, 96 h = triglicerídeos em horas após o exercício.
Fonte: self made