O preservativo masculino é um recurso disponível para homens e mulheres que oferta dupla funcionalidade, impedindo a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo a AIDS 1. Grande parte das estratégias de intervenção do mundo inteiro partem da ideia de que o controle e prevenção destas doenças devem angariar-se sobre uso corrente e adequado desta medida de proteção 2.
Todavia, ainda é comum a rejeição do seu uso em quaisquer dos gêneros 1. Nos últimos cem anos, ao mesmo tempo em que os contraceptivos atingiram popularidade, seguidos por uma campanha global de planejamento familiar de grande dimensão, a prática do sexo desprotegido e sua comunicação com as infecções adquiridas sexualmente continua premente, caracterizando as epidemias globais de HIV e outras DST não superadas 3.
Apenas a partir das últimas décadas, tem se registrado preocupação com a realização de estudos no cenário mundial e nacional que tratem das vulnerabilidades às doenças sexualmente transmissíveis, em vista do surto epidêmico de casos de AIDS nos meados dos anos 1990, configurando tendência notável na Austrália, França, Inglaterra, Estados Unidos, América Latina, Chile, Argentina e Brasil 4.
Até então, no país, os inquéritos produzidos acerca do uso do preservativo estavam associados majoritariamente as medidas de contracepção e apenas em 1998, firmou-se convênio com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) para a realização da pesquisa “Comportamento Sexual da População Brasileira e Percepções do HIV/AIDS”, caracterizada como o primeiro estudo para a coleta de informações sobre a prevalência do uso de preservativo e seus diferenciais sociodemográficos para a população brasileira urbana de ambos os sexos, entre 16 e 65 anos, estudo que se estendeu pelos anos de 2003 e 2004 4.
Portanto, de maneira análoga a outros países, as informações sobre o uso de preservativo na população brasileira são ainda limitadas. Em nível internacional, ainda, os estudos realizados dispõem sobre o comportamento de grupos e/ou classes específicas, como adolescentes, jovens mulheres em idade reprodutiva, indivíduos portadores de HIV/AIDS e/ou vulneráveis e profissionais do sexo. Desta forma, limita a orientação e elaboração de políticas e planos de ação que contemplem eficazmente a promoção do uso do preservativo entre a população em geral 5. Portanto, infere-se a necessidade de estudos que conheçam a realidade da adesão ao uso da camisinha e fatores interferentes neste público.
Baseado nesta situação, o estudo objetivou investigar os elementos socioeconômicos, demográficos e culturais que interferem na adesão à camisinha em população aberta.
MÉTODOS
Realizou-se estudo transversal, com abordagem quantitativa, através de inquérito domiciliar de natureza explicativa, no município de Caraúbas, mesorregião Oeste Potiguar.
A amostra do estudo foi composta por 3 482 indivíduos. Os critérios de inclusão adotados foram: a. Ser residente do município de Caráubas; b. Possuir 18 anos ou mais; c. Não apresentar comprometimento cognitivo e físico que pudessem limitar a expressão. O critério de exclusão aplicado foi não haver respondentes no domicílio no momento da abordagem.
Foi utilizado questionário composto por questões com múltiplas escolhas em formato Likert, o qual foi realizado no próprio domicílio por agentes comunitários de saúde, abordando um indivíduo por domicílio, na zona rural e urbana do município.
Realizou-se estatística descritiva, seguida da univariada e bivariada, através do teste do qui-quadrado, considerando as associações que apresentaram nível de significância de p<0,05.
A proposta de projeto foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN), em 28 de fevereiro de 2013, sob o CAAE nº 07857612.8.0000.5292.
RESULTADOS
A média de idade dos participantes da pesquisa foi de 43 anos, com mediana de 41 anos. Destes, 84 % são do sexo feminino. Da amostra total, 55,3 % residem na zona urbana e 51,7 % vivem com um companheiro. Na avaliação do grau de escolaridade, os dados mais expressivos apontam para os valores de 37,2 %, representando aqueles que possuem 1º grau menor incompleto ou completo e 6,6%, correspondente ao grupo que declarou 3º grau incompleto ou completo. Quanto à condição profissional, as atuações mais registradas remeteram a agricultor, indicado por 27,7 %; dona de casa, com 25,8 %; e à condição de aposentado (a), um grupo correspondente a 20,8 %, sendo imperioso atentar para o fato de que apenas 6,5 % dos entrevistados atuam como servidores públicos. Sobre as condições econômicas, os relatos indicaram que 52,0 % dos participantes da pesquisa sobrevivem com menos de 1 (um) salário mínimo.
No questionamento acerca da adesão ao preservativo masculino, 82,2 % revelou não ter feito uso da camisinha na última relação sexual, sendo que os principais motivos levantados remeteram-se ao uso de outro método contraceptivo, indicado por 41,0 % e conhecer o parceiro, com representação de 28,1 % da amostra (Tabela 01). Dos participantes que afirmaram o uso de camisinha na última relação sexual, as principais justificativas demonstradas foram a prevenção contra DST, correspondente a 42,6 % e para impedir uma gravidez, respectivo a 35,7 % (Tabela 1).
Constatou-se associação estatística (p<0,05) entre a variável dependente uso da camisinha na última relação e as variáveis grupo etário, sexo, estado civil, nível de escolaridade e renda (Tabela 2).
DISCUSSÃO
A relação entre grupo etário e uso do preservativo na última relação demonstrou relevância estatística, revelando maior adoção do preservativo nas relações sexuais por parte das faixas etárias mais precoces 1. Entretanto, há que se atentar, ainda, para os índices alarmantes do desuso do preservativo em todos os gradientes etários, até mesmo nos mais jovens.
Alguns estudos relatam considerações acerca desta ligação entre menor idade e uso da camisinha nas relações. Experiências com programas sobre educação sexual e gênero nas escolas retratam mudanças de comportamento genéricas entre mulheres e companheiros mais jovens, denotando o impacto da inclusão de estratégias que fortificam o trabalho com as novas gerações no sentido de despertar práticas preventivas, competências para negociação, normatizações de pares e questões de gênero que considerem o empoderamento dos sujeitos 6. Acrescente-se, ainda, o privilégio atribuído aos grupos mais jovens quanto à distribuição de preservativos pelo Ministério da Saúde (MS), tornando-os mais acessíveis às últimas gerações 2. Desta forma, acredita-se na possibilidade de transformação comportamental que se pode implantar nos sujeitos de maior idade, semelhante aos de menor idade 6.
Nas faixas etárias mais adultas, a subutilização do preservativo pode estar associada, por exemplo, com a conquista de uma relação estável que, tendenciosamente, cresce com a idade, agregando-lhe riscos iminente 7.
A comparação entre os grupos etários levanta, ainda, outras questões. Observando-se uma notável mudança de comportamento nos homens que deram início à vida sexual na época de advento da AIDS quando comparados às gerações antecessoras, pode-se depreender a relação entre a crescente epidemia que intercala os 35 a 39 anos a partir de 1993, comprovando maior comprometimento da proteção sexual dos mais novos 8. Na terceira idade, mais especificamente, a não adesão ao preservativo é preocupante, como mostrado neste estudo. Conforme expresso, o idoso apresenta dificuldades na adaptação ao preservativo, considerando-se um reflexo do fato de que o início de sua vida sexual se deu em uma temporalidade na qual ainda não existia a camisinha, o que lhe confere menor habilidade do que a do adulto jovem e lentidão no momento do manuseio, o que pode interferir no momento da intimidade e, consequentemente, influenciá-lo a dispensar o uso 9.
Neste estudo, inferiu-se relevância estatística entre uso do preservativo e sexo, de maneira que os homens declararam-se mais adeptos do que as mulheres 10, embora não seja uma diferença muito representativa, achados semelhantes em outras pesquisas 7,11. Esta tendência do maior compromisso do homem revela uma preocupação com a anticoncepção própria da última década no Brasil 12.
Esta diferença no uso de preservativo por parte das mulheres torna-se mais grave pela desvantagem biológica enfrentada por estas diante da infecção pelo HIV 13, além da vulnerabilidade recaída sobre estas pela força reduzida na tomada de decisões sobre as ferramentas de prevenção nas relações sexuais, implicando em uma dificuldade iminente nas intervenções que rodeiam a prática do sexo seguro na população em geral 7. Neste contexto, as escolhas que envolvem as relações sexuais e sua proteção são de competência masculina e, como consequência, as mulheres ficam subordinadas às possibilidades injustas de negociação 5, o que suscita a ideia de permanência do conservadorismo quanto à comunicação sexual entre homens e mulheres 14, de forma que a decisão final parte destes primeiros 15.
A inferência entre viver com um companheiro e o uso reduzido da camisinha na última relação apresentou relevância estatística neste estudo, concordante com outros autores 7,16,17, representando o impacto que a concepção de uma união estável apresenta na adoção do preservativo, de forma que este é condicionado à confiabilidade nas condutas do parceiro e descartado em situações de relacionamentos que incluam afetividade sentimental 1,7.
No caso dos homens, os relatos apontam que a introdução do preservativo na relação conjugal agrega discursos como a provocação de desconfiança nas esposas 1,17, gerando complicações em um convívio tido como saudável e levantando questionamentos sobre a existência de relacionamentos que excedem o casamento, o que restringe o uso do condom a situações específicas ou provisórias 1.
No público feminino, a baixa adesão ao preservativo nas relações sexuais parte da percepção prejudicada mediante a possibilidade de aquisição do HIV, calcada na crença de que o amor feminino dispende abnegação e aceitação e na concepção de que é própria do homem uma natureza sexual incontrolável, sendo compreensível o envolvimento deste com qualquer tipo de relacionamento, mesmo o extraconjugal 10. Desta maneira, mesmo diante do reconhecimento das atitudes suspeitas dos próprios parceiros, um grupo de mulheres não demonstra preocupação efetiva com os comportamentos sexuais que preconizam a prevenção e transmissão do HIV 10 e, aquelas que o fazem, aderem ao preservativo mediante a justificativa de infidelidade do parceiro 17. Em outras condições, ainda, a confiança depositada sobre o parceiro promove a crença de que o mesmo, diante do receio quanto à contaminação pela AIDS, não se arriscaria a se envolver em um relacionamento que não fosse o matrimonial, o que resulta na redução da adoção do preservativo pelas mulheres 17.
Conclui-se, portanto, que a percepção de confiança, compromisso e integridade moral agregada à ideia de casamento estabelece-se como um desafio a ser enfrentado frente ao uso do preservativo, englobando questões legais e religiosas como a crença da transmissão de DST em condições que incluem situações imorais e ilegítimas judicialmente e impedem a execução de condutas saudáveis pelas divergências surgidas durante o processo decisório que permeia as questões sexuais 18.
Na análise do impacto exercido pelo maior grau de escolaridade no uso do preservativo, obteve-se associação positiva, tal como em estudos semelhantes 4,6,16, embora mereça atenção os níveis ainda muito reduzidos da adoção do preservativo mesmo por grupos com maior nível de instrução.
Estudo revela que a escolaridade maior no grupo feminino garante a efetividade da discussão nas decisões que envolvem as medidas contraceptivas, equilibrando os índices de fecundidade pelo conhecimento adequado dos métodos de contracepção e sua utilização, além da quantidade de filhos desejada e conquistada. Logo, a educação da mulher atua na mediação das relações de gênero, atribuindo voz à mulher e despertando a aceitação do homem à discussão sobre o assunto 12.
A relação entre renda mensal e uso da camisinha na última relação também alcançou relevância estatística. Estudos demonstraram que o nível socioeconômico exerce impacto substancial na adoção do preservativo 6,12, indicando que o seu uso pode ser influenciado situação de pobreza, além de determinantes estruturais sociais, como infraestrutura de saúde, qualidade de habitação, escolaridade, acesso à saúde, atenção em saúde sexual e reprodutiva frágil e fraca oferta do preservativo em instituições de saúde 19. Contudo, este estudo demonstrou relação contrária, ao passo com que os estratos mais abastados revelaram menor percentual de uso do preservativo, o que possivelmente pode ser explicado por um acesso maior a contraceptivos variados e a substituição da camisinha por outros métodos alternativos, o que se torna grave quando condicionado à troca de um método de dupla finalidade por um destinado apenas a impedir a possibilidade de gravidez.
Ao investigar os motivos registrados para o não uso da camisinha na última relação sexual, este estudo, assim como outros, apontou o uso de outros contraceptivos como uma barreira à conjugação do preservativo masculino nas relações 7 e a confiança depositada no parceiro tido como um fator de segurança para o não emprego deste recurso nas relações 5,16,20.
Nos relacionamentos os quais é presente a escolha por métodos contraceptivos, o preservativo masculino parece perder espaço diante da pílula, que se instala como o método mais frequente entre mulheres jovens adultas e nos indivíduos que têm um parceiro estável, ascendendo de acordo com a elevação da idade, de maneira que, embora se identifique reconhecimento sobre DST pelos sujeitos, ainda deparamo-nos com uma aproximação frágil com as formas de transmissão, agravada pela redução da percepção diante das experiências individuais, mesmo quando se compreende o risco existente 7. Além do mais, estabelece-se uma relação pelos sujeitos entre a proposta de preservativo em uma relação onde já se adota outro método contraceptivo como uma situação geradora de desconfiança ou suspeita de infidelidade, gerando mal estar e/ou estranhamento no casal 15.
As justificativas observadas na literatura referenciam também o conhecimento depositado sobre os parceiros. Cultua-se uma crença de que o preservativo não é necessário nos relacionamentos que envolvem parceiros primários, uma vez que estes são classificados como seguros 14. Portanto, o grau de intimidade conquistado entre os parceiros atua como indicador da adoção do condom nas relações, sendo influenciado por elementos como o envolvimento afetivo e a monogamia, acreditando-se que não há razão real de proteção contra a DST quando se possui apenas um parceiro e se atribui confiança a este 17. Consequentemente, a visão formada a respeito da estabilidade da relação, a ideia de fidelidade, a entrega à relação e a confiança comprometem a percepção de risco de contaminação por via sexual 7.
Outros estudos, ainda, discutem a situação de conhecer o parceiro com uma interpretação divergente. Segundo esta concepção, o tempo de vida da relação não ocupa o centro da problemática, principalmente em situações onde os parceiros se conheceram há um período ínfimo de tempo e se basearam em instrumentos de avaliação como a aparência física e a simpatia e/ou alegria, elementos associados à saúde, para determinar o grau de confiabilidade no parceiro. Até mesmo variáveis como lugar de ocupação comum, convívio escolar, jeito de andar, presença de secreção na roupa íntima, toque nas genitais e higiene íntima até um contato pessoal mais estreito podem agir como escala de medição da confiança para a prática do sexo desprotegido com este ou outro sujeito 21.
Na justificativa para o uso do preservativo na última relação sexual, a principal questão levantada referência a prevenção contra DST. Pesquisas adversas, contudo, retratam a maior preocupação com a adoção da camisinha para fins contraceptivos 1,17, o que compromete a proteção quanto à contaminação por via sexual, nos casos em que se opta por meios de controle da natalidade nas relações, principalmente quando a mulher não pode utilizar o anticoncepcional oral 17, embora, em locais como o Estado de São Paulo o uso para a prevenção da AIDS tenha crescido 8.
Na análise e delimitação dos fatores que influenciam as práticas sexuais desprotegidas, urge uma preocupação justa quanto ao perfil dos sujeitos que declararam comportamentos vulneráveis à contaminação por DST, proveniente da percepção de que, mesmo os grupos que apresentaram índices maiores de uso do preservativo masculino, ainda assim representam uma adesão pouco significante a esta prática.
Desta forma, há que se fortalecer as estratégias que viabilizem a consolidação de práticas de educação sexual formalizada, ampliando o acesso à informação para grupos indistintos, empregando meios que disponibilizem o deparo facilitado dos sujeitos com as fontes promovedoras de esclarecimentos mais afinados sobre a temática e sensibilizem os indivíduos a práticas saudáveis.
Nos relacionamentos, torna-se imperioso que se supere as concepções tradicionais que mantém as hierarquias de gênero e poder nas uniões, as quais atribuem a permissividade do abandono do condom e bloqueiam o espaço para negociação. Deve-se partir da ideia de que o diálogo entre os parceiros deve privilegiar o bem-estar do casal, a partilha das responsabilidades quanto às medidas de proteção e a consideração da escolha do uso do preservativo, sendo esta não uma contestação ao comportamento do parceiro, mas uma proposta de afetividade à relação.
Infere-se, portanto, que a factibilidade da adesão ao condom transcorre por condições que necessitam de medidas de política individuais e coletivas mais eficazes, expandindo os serviços prestados pelo setor saúde quanto à popularização da camisinha enquanto alternativa para o sexo saudável e/ou seguro.