A dor na coluna vertebral em adultos tem grande impacto econômico e social. Nos Estados Unidos a dor na coluna é a principal queixa na busca de atendimento ambulatorial e representa um gasto de cerca de 15 milhões de dólares ao ano, sendo a principal causa de incapacidade e afastamentos por invalidez 1-2.
A literatura relata que presença de dor na coluna durante a adolescência está fortemente relacionada com dor na coluna e dor generalizada na vida adulta 3-4. Não obstante, evidências sugerem que a ocorrência de dor na coluna varia entre 10,1 e 54,0 % na população adolescente 5-7.
Além disso, estudos relatam que cerca de 30 % dos escolares com dor na coluna se abstiveram de participar da educação física, de esportes e ausentaram-se das aulas, mostrando assim que o impacto da dor na coluna é um problema importante, que engloba diferentes aspectos da vida dos adolescentes, trazendo prejuízos na capacidade funcional e redução na qualidade de vida destes indivíduos 2-3.
A adolescência é o período mais oportuno para implementação de atividades relacionadas a orientações e correções posturais, tendo em vista que a estrutura óssea da coluna vertebral é mais suscetível a lesões oriundas de sobrecarga e estrese musculoesquelético e é menos rígida que na vida adulta 8. Desta forma, é necessário melhorar a compreensão dos fatores de risco associados à dor na coluna vertebral entre os adolescentes para que seja possível evitar o aumento da prevalência deste distúrbio musculoesquelético posteriormente na vida adulta 4.
Neste sentido, diferentes pesquisas têm buscado identificar os fatores de risco associados à presença de dor na coluna, tais como gênero feminino 3,7, faixa etária avançada na adolescência 3, cor da pele 9, excesso de peso corporal 4, prática de atividade física 7 e peso da mochila escolar 10.
Contudo, a maioria das pesquisas nacionais e internacionais sobre dor nas costas utilizam como desfecho a presença de dor lombar, sem levar em consideração as outras regiões da coluna vertebral. Sendo assim, visando ampliar o conhecimento acerca do tema, esta pesquisa foi realizada visando investigar a prevalência de dor na coluna vertebral e fatores associados em escolares do ensino público do extremo sul do Brasil.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal, realizado com adolescentes matriculados na rede municipal de ensino da cidade do Rio Grande/RS, extremo Sul do Brasil. As escolas que participaram da pesquisa foram selecionadas a partir de uma lista de instituições públicas de ensino fundamental que tinham vínculo com projetos da Universidade Federal do Rio Grande e que estavam distribuídas em diferentes bairros do município.
O tamanho da amostra foi calculado utilizando como parâmetros uma prevalência de dor nas costas de 30 %, erro alfa de 5 % e uma margem de erro de 4 %, o que totalizou 504 escolares 4. Ao acrescentarmos 10 % para perdas, o total da amostra foi 554 escolares. Para o estudo de associação considerou-se um poder estatístico de 80 %, um erro alfa de 5 %, um risco relativo maior ou igual a 1,45 e uma prevalência entre os não-expostos (variável excesso de peso na mochila) de 28 %, totalizando 474 escolares. Assim, acrescentando-se 10 % para perdas e 15 % para controle de fatores de confusão foi identificada a necessidade de uma amostra total de 599 escolares.
Os escolares entre 10 e 17 anos foram sorteados a partir da lista de chamada de cada turma entre o 5º e 9º ano, guardando-se a proporcionalidade em relação ao número total de adolescentes matriculados e ao número de turmas existentes em cada escola.
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário estruturado e padronizado por três entrevistadores devidamente treinados, os quais foram aplicados entre os meses de maio e junho de 2014.
Para avaliação da presença de dor na coluna vertebral, utilizou-se o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO). As questões sobre dor na coluna vertebral foram as seguintes: "Você, a qualquer momento durante os últimos sete dias, teve problemas (como dor, desconforto ou dormência) nas seguintes áreas do seu corpo" 1. Cervical; 2. Dorsal, e; 3. Lombar. A localização destas áreas anatômicas foi demonstrada por uma ilustração do corpo humano com as referidas regiões demarcadas. Considerou-se como desfecho da pesquisa resposta positiva a no mínimo uma das regiões investigadas.
As variáveis independentes analisadas foram: gênero (masculino e feminino); idade (10 a 13 anos e 14 a 17 anos); cor da pele (branco e preto/pardo); IMC/idade obtido por meio dos dados sobre peso, altura, data de nascimento e gênero (eutrófico, sobrepeso e obeso); prática de educação física na escola; prática de atividade física no lazer, aferida por meio do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) (fisicamente ativos adolescentes que referiram realizar de 300 minutos semanais de prática de atividade física no lazer); peso da mochila escolar coletado por meio da pesagem das mochilas no dia de aplicação do questionário (adequado peso da mochila < ou igual a 10 % do peso corporal, e excesso de peso da mochila escolar >10 %) e modo de transporte da mochila (categorizado em alças/costas e mãos/braços). Além disso, foi investigada a presença de dor nas três regiões da coluna vertebral durante e após a caminhada de forma dicotômica (sim/não).
Para a análise ajustada, as variáveis independentes foram organizadas seguindo modelo hierárquico como segue: 1º nível - Características demográficas; 2º nível - Determinantes biológicos (situação nutricional); 3º nível - Fatores associados à escola (modo de transporte do material escolar e adequação do peso da mochila escolar); estilos de vida (realização de atividade física na escola e prática de atividade física no lazer).
Utilizou-se o programa EpiData 3.1 para formação do banco e para a análise o software STATA 10.0 para análise dos dados. Inicialmente foi verificada a distribuição de frequência das variáveis. A magnitude da associação entre dor nas costas e as variáveis independentes foi estimada pelo cálculo da razão de prevalência bruta e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança (95 %) pelo método da regressão de Poisson com estimativas de variância robusta. Em cada nível, foram ajustadas entre si e para as variáveis de níveis superiores, por meio de seleção para trás, considerando um valor de p<0,20 para inclusão das variáveis durante a análise ajustada, nível a nível. As variáveis estatisticamente associadas ao desfecho com valor de p<0,05 foram consideradas significativas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS-FURG), sob número 174/2013, respeitando a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os pais e/ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os escolares participaram de forma voluntária.
RESULTADOS
Dos 650 adolescentes convidados a participar da pesquisa, 619 (95,2 %) responderam positivamente ao convite e foram entrevistados. Destes, 59 % eram do gênero feminino, com idade média de 12,8 anos (DP±1,62), 66,9 % eram de cor branca e a maioria (63,3 %) tinha IMC considerado eutrófico (Tabela 1).
A média do peso da mochila (peso absoluto) foi de 3,38 kg (DP±1,39) e a proporção do peso da mochila em relação ao peso do adolescente foi de 7,0 % (DP±3,48). A maioria dos adolescentes (96,8 %) carregava sua mochila pelas alças/costas.
Entre os adolescentes investigados, 92,7 % participavam da educação física escolar. Destes, 55,4 % realizavam a atividade uma vez/semana, e 37,3 % duas vezes ou mais/semana. Dos adolescentes avaliados, 33,8 % realizavam mais de 300 minutos/semana de atividade física no lazer.
Um total de 45,2 % (n=280) dos adolescentes relatou dor em pelo menos uma das regiões investigadas. Destes, 64,6 % [181] apresentavam dor em uma região, 27,1 % [76] em duas regiões e 8,3 % [23] nas três regiões estudadas. Do conjunto de adolescentes participantes da pesquisa, a prevalência de dor na região cervical foi 23,3 %, dorsal 26,2 % e na lombar 15,5 %.
Entre as meninas as prevalências de dor nas regiões cervical e dorsal são significativamente maiores quando comparadas aos meninos (p<0,001), conforme observado na Tabela 2. Quando avaliado o número de segmentos da coluna acometidos por dor, verificou-se que as adolescentes apresentaram frequência significativamente maior (p<0,01) de dor em um ou dois segmentos da coluna concomitantemente, quando comparado aos meninos.
A Tabela 2 também mostra a distribuição da dor na coluna em uma, duas ou três regiões, conforme a idade. Verifica-se maior ocorrência do desfecho em uma ou duas regiões da coluna concomitantemente, em escolares entre 14-17 anos de idade (p=0,02), contudo esta associação não se manteve ao analisarmos as regiões da coluna vertebral separadamente.
A Tabela 3 mostra que a prevalência de dor em pelo menos um dos segmentos da coluna vertebral é maior entre as adolescentes tanto durante a caminha com a mochila escolar (p<0,01) quanto após a caminhada (p<0,01). Da mesma forma, a ocorrência de dor nas regiões cervical e dorsal durante a caminhada com a mochila escolar é mais frequente no gênero feminino (Tabela 3). As meninas também referem significativamente maior dor na região dorsal (p<0,003) após a caminhada com a mochila escolar.
A análise bivariada mostrou associação significativa do desfecho entre o gênero feminino (p<0,01; RP: 1,45), faixa etária entre 14-17 anos (p<0,01; RP:1,27) e cor da pele branca (p=0,03; RP:1,21).
Na análise multivariada estas mesmas variáveis mantiveram-se associadas a dor nas costas. Observa-se que o gênero feminino apresentou uma probabilidade 43,0% maior (p<0,01; RP:1,43) de ocorrência de dor na coluna vertebral. A faixa etária entre 14-17 anos (p=0,02; RP:1,22) e cor da pele preta/parda (p=0,04; RP:1,20) também se mostraram significativamente associadas ao desfecho. As demais variáveis analisadas não apresentaram associação com o desfecho estudado (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O presente estudo evidenciou uma alta prevalência de dor na coluna vertebral em adolescentes no período escolar (45,2 %), corroborando com as taxas descritas pela literatura 5-7. Além disso, observou-se que 27,1 % dos adolescentes apresentavam dor em mais de uma das regiões da coluna vertebral. Pesquisas relatam que a presença de dor musculoesquelética em duas ou mais regiões está associado ao aumento do risco de cronicidade da dor 3,11, diminuição da capacidade funcional 12 e redução da qualidade de vida dos indivíduos 13.
Ao serem avaliadas as regiões de forma separada, obseva-se uma maior ocorrência de dor na região dorsal (26,2 %). Reforçando esse resultado, Briggs et al.14 em sua revisão sistemática verificou uma prevalência de dor na região dorsal de cerca de 20,0 % em adolescentes. Estudos ressaltam a necessidade de pesquisas com enfoque nesta região das costas, tendo em vista que a coluna dorsal tem recebido menos atenção em termos de investigação clínica e epidemiológica, quando comparada às demais regiões, e que ela pode ser igualmente incapacitante 14-16.
Assim como neste estudo, diferentes pesquisas têm relatado maior prevalência de dor musculoesquelética na coluna vertebral em adolescentes do gênero feminino 3-4. Este fato pode ser explicado pelas características do sistema endógeno de modulação da dor, que contribuem para maior sensibilidade e maior prevalência de diversas condições dolorosas no gênero feminino. Além disso, características fisiológicas, como alterações hormonais induzidas pela puberdade; anatomofuncionais, tais como menor adaptação ao esforço físico e articulações mais vulneráveis; e características sociais, como maior liberdade para exposição de sentimentos pelas mulheres também podem contribuir para um maior relato de dor entre as meninas 6,16-17.
Quanto à relação entre a idade e o desfecho, nossos resultados indicam aumento estatisticamente significativo da prevalência de dor na coluna com o aumento da idade, estando de acordo com a literatura 4,18. Estudo polonês, com características metodológicas semelhantes à presente pesquisa, realizado com 1089 adolescentes, também encontrou maior prevalência de dor na coluna entre os adolescentes na faixa etária mais avançada 19.
A literatura afirma que a presença de dor na coluna vertebral na adolescência é preditora de problemas musculoesqueléticos na coluna vertebral na vida adulta 20. Esta associação pode ser justificada pelo maior tempo de exposição a sobrecarga na coluna vertebral, a que os adolescentes com mais idade são submetidos. Sobrecarga esta oriunda do peso das mochilas escolares e da permanência por longos períodos na posição sentada de forma inadequada 17,21.
A variável cor da pele mostrou-se associada ao desfecho tanto na análise bivariada, quanto na multivariada. Poucas pesquisas sobre dor na coluna vertebral em adolescentes verificam a influência da cor da pele sobre este desfecho. Segundo artigo de revisão realizado por Jeffries et al.22 somente um estudo considerou a etnia na avaliação de fatores de risco para a dor musculoesquelética em adolescentes, e encontrou uma prevalência estatisticamente maior entre os indivíduos de cor preta. Onofrio et al.9, ao investigar dor lombar entre adolescentes brasileiros também encontrou maior prevalência entre os indivíduos de cor da pele não branca, corroborando com o identificado neste estudo. Acredita-se que este resultado pode ser influenciado por condições econômicas, estando os pretos/pardos entre os mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico, com menor acesso a serviços de saúde, e por isso mais suscetíveis a dor na coluna vertebral 9.
Nesta pesquisa foi encontrada associação estatisticamente significativa entre o desfecho e as variáveis peso da mochila escolar e modo de transporte da mesma. Contudo, é interessante salientar que o peso médio da mochila foi semelhante ao o relatado em estudos anteriores, e que presença de dor durante e após a caminhada com a mochila mostrou-se estatisticamente mais frequente entre o gênero feminino 23-24. Estudo realizado por Hong et al.25 relata que a marcha com a mochila gera uma inclinação do tronco para frente para evitar o desequilíbrio e estabilizar o centro de gravidade, o que gera desvios posturais e um aumento na tensão dos músculos extensores da coluna, que pode levar a desconforto e a dor muscular nesta região.
Acredita-se que seja necessário rever os limites de peso da mochila instituídos atualmente, levando em consideração a variabilidade das características antropométricas individuais, as dimensões corporais e a capacidade física dos adolescentes. Neste sentido, reitera-se a sugestão de Dianat et al.10, que apresenta proposta como o estabelecimento de diretrizes específicas de gênero para o transporte de mochilas, ao invés de usar um único limite de peso.
Esta pesquisa também não encontrou associação significativa entre a prática de atividade física no lazer e de educação física na escola, e a presença de dor na coluna vertebra. Estudos têm sugerido que a prática de atividade física é um fator de risco para este tipo de dor, justificado pela exigência física exacerbada e os traumas oriundos desta prática 26-27. Pesquisa realizada por Saes et al.7 relata prevalência significativamente maior de desconforto musculoesquelético em escolares praticantes de esportes de competição. Acredita-se que o resultado encontrado nesta pesquisa se deve a não investigação do tipo de atividade de lazer, a frequência e intensidade de cada uma delas, assim como da prática de esportes de competição, demonstrando uma limitação do estudo.
Na presente pesquisa não foi observada associação entre excesso de peso corporal e o desfecho pesquisado. Os dados da literatura sobre o esta associação são limitados, havendo controvérsia sobre a correlação entre excesso de peso corporal e dor na coluna vertebral. Alguns autores têm mostrado esta associação relacionada ao aumento da pressão sobre as articulações durante a sustentação de peso, enquanto outros não encontraram nenhuma correlação entre estas variáveis (4,7, 28-29).
Dentre as limitações do estudo destacamos o delineamento. Por ser uma pesquisa transversal, há a possibilidade de causalidade reversa, e, portanto, estudos longitudinais são recomendados. Outra limitação é que os adolescentes entrevistados são de escolas públicas, o que limita extrapolar estes resultados para aqueles estudantes de escolas privadas. Considera-se necessário avaliar a dor na coluna vertebral também nesta população, uma vez que sabe-se que adolescentes oriundos de famílias com maior poder aquisitivo tendem a ter um peso médio do material carregado na mochila escolar maior, quando comparado com escolares de baixa renda 30.
Também há necessidade de investigar modelos mais complexos de associação ao desfecho, considerando inclusive características sociais maternas (escolaridade), psicológicas e características da dor referida pelos adolescentes.
Em suma, os resultados encontrados mostram a necessidade de desenvolvimento de ações com os adolescentes que enfoquem a promoção e prevenção de hábitos saudáveis quanto à coluna vertebral. Para tanto, é preciso que se lance mão de estratégias educativas que contribuam para a tomada de consciência pelos adolescentes quanto à necessidade de manter as suas estruturas musculoesqueléticas íntegras para que possam suportar a sobrecarga das atividades diárias, prevenindo a perpetuação deste tipo de desconforto para a vida adulta.