O envelhecimento da população mundial tem sido descrito como uma realidade que vem marcando o mundo nos séculos XX e XXI. Tendo o Brasil um dos processos de envelhecimento mais agudos entre os países mais populosos.
Essas características vêm ocorrendo de forma rápida, em um contexto de importantes desigualdades regionais e sociais, sem o amparo adequado no sistema de saúde e políticas públicas, acumulando incapacidades, perda da autonomia e na qualidade de vida 1.
Assim, a mensuração do grau de saúde na população idosa não pode ser mais medida apenas, pela presença ou não de doenças, novos indicadores de saúde são necessários para a construção de índices de saúde confiantes, pautados em medidas de caráter multidimensional 2.
Os inquéritos realizados para coleta de dados antropométricos em populações idosas, associados à monitorização do estado de saúde deste segmento, mostram a necessidade de uma especial atenção aos critérios de seleção na escolha de amostras, levando em consideração a heterogeneidade dos idosos e da alta prevalência de condições crônicas que podem afetar seu estado de saúde.
Não recomendando o uso de indicadores de referência universal, mas, a construção pautada naqueles que descrevam padrões específicos de cada grupo, em detrimento de classificação etária e que monitorem as alterações decorrentes do envelhecimento. Adequando as estratégias voltadas para a promoção da saúde à realidade da população e que acompanhem as alterações decorrentes do avanço da idade 3.
Sendo o objetivo desse estudo, verificar a confiabilidade de indicadores antropométricos e fisiológicos para o desenvolvimento de um índice de saúde para indivíduos idosos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo quantitativo de corte transversal, onde a amostra foi composta por 63 idosos de ambos os sexos participantes do Projeto Movimenta Cruz das Almas, como parte do Programa de Saúde da Família (PSF), atendidos pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos bairros: São Judas Tadeu, Alberto Passos, Areal e Susana, da cidade de Cruz das Almas, Bahia.
Amostra com idade igual ou superior a 60 anos, que aceitaram participar do estudo, após serem informados sobre os objetivos e seus procedimentos, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) seguindo as normas referentes à pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil e a aprovação por Comitê de Ética.
Sendo 58 indivíduos do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Característica de disparidade entre os sexos, comum à população estudada levando-se em consideração fatores: epidemiológicos - prevalência aumentada em consequência da presença de fatores de risco, doenças crônicas e consequentes morbi-mortalidade nos idosos do sexo masculino além de hábitos de vida, relutância aos cuidados com a saúde, como enfatizado no posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia4.
Os dados foram coletados em dois dias, por mesmo avaliador e mantendo as mesmas condições de horário e local, bem como características das vestimentas utilizadas.
A avaliação antropométrica seguiu normas padronizadas 5: peso corporal (kg), aferição realizada através de uma balança eletrônica Filizola (Indústrias Filizola SA, São Paulo - SP, Brasil) da linha Personal Line 2000 tipo plataforma. A estatura (m) aferida com estadiômetro Caprice Sanny® (American Medical do Brasil, BR) com medida máxima de 2,10 m. Estando o idoso descalço e com mínimo de roupa 6, utilizando para análise a média de três mensurações (peso corporal e altura).
Para medida das circunferências da cintura, abdômen e quadril foi utilizada fita métrica metálica com trava, marca Sanny® (American Medical do Brasil, BR), estando o sujeito em pé, após expiração completa, com definição de medida de 0,1 cm.
Em artigo de revisão, sobre os métodos de análise da composição corporal, Monteiro e Fernandes Filho 7 creditam a grande aceitação desses métodos à facilidade na obtenção dos dados em grandes populações e a relação custo benefício.
Para o IMC foi utilizada a equação: IMC=peso (kg) /altura(m2), sendo considerado normal IMC entre 18,5 a 24,9, sobrepeso IMC entre 25 a 29,9, obeso IMC entre 30 a 34,9, extremamente obeso IMC entre 35 a 39,9 e obesidade mórbida IMC maior ou igual a 40. E a razão das circunferências cintura-quadril determinada pela divisão da circunferência da cintura pela circunferência do quadril.
A facilidade na obtenção de dados de peso e estatura bem como sua correlação positiva com morbidade e mortalidade, justifica a utilização do IMC em estudos epidemiológicos e na prática clínica em saúde pública, desde que se usem pontos de corte específicos para a idade, especialmente se associados a outras medidas antropométricas que expressem a composição e a distribuição da gordura corporal 8,9.
A aferição da pressão arterial (PA) ocorreu por meio do método auscultatório utilizando-se de esfigmomanômetro anaeróide da marca Missouri Indústria e Comércio Ltda., com braçadeiras e estetoscópio (Rappaport Techline), seguindo as recomendações da V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial 10.
Na análise dos dados foi utilizado o programa estatístico “Statistical Package for Social Sciences - SPSS" for Windows v. 20.0, 11.
Inicialmente apresentados pelas medidas de tendência central e dispersão. E, pela realização da análise de cluster através do procedimento fatorial, para a sumarização das variáveis de acordo com a faixa etária. Classificando os indivíduos (casos) em grupos homogêneos denominados conglomerados. Onde os grupos criados pela análise de cluster são semelhantes entre si (dentro do cluster a variância é mínima) e diferentes de outros clusters (entre clusters a variância é máxima) 12.
Após, realizada a análise de correlação de Spearman para apurar a intensidade da associação entre duas variáveis métricas. E o Teste de Kruskal-Wallis, considerando que nesse estudo existiu a necessidade de mensurar os escores em nível ordinal 13.
RESULTADOS
A amostra (n=63) apresentou uma média de idade de 64,29±4,55 anos. Levando-se em consideração a classificação etária proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), para um melhor entendimento, estudo e planejamento de estratégias de saúde para essa população, onde divide os idosos em pré-idoso (entre 60 e 64 anos), idosos jovens (entre 65 e 69 anos), os idosos de média idade (70 e 74 anos) e os idosos de idade avançada (com mais de 75 anos) 14.
Configurando um maior número de idosos no grupo de pré-idosos (61,90 %), seguido pelos idosos jovens (26,37 %), os de média idade (10,47 %) e por último, os idosos de idade avançada (1,26 %). Sendo todas as demais variáveis apresentadas na Tabela 1.
IMC=índice de massa corporal; CQ=cintura-quadril; PAS=pressão arterial sistólica; PAD=pressão arterial diastólica (p=0.05).
Os resultados da análise de cluster foram consolidados após a realização de quatro etapas: coleta de dados, referentes à elaboração do banco de dados das variáveis antropométricas e fisiológicas coletadas.
Redução de dimensão, realizada através da análise fatorial, ponderando todo o conjunto das variáveis, de acordo com sua variância, dando-se maior ênfase àquelas que descreveram uma variação ≥ 80 % entre o primeiro e segundo componentes, representando-as por meio de uma nova combinação linear das variáveis originais onde os resultados finais demonstraram que os índices 1 e 2 representavam 88,45 % da variação total.
O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) 15 foi utilizado para identificar a proporção da variância dos dados considerada comum a todas as variáveis, atribuído a um fator comum.
E o teste de esfericidade de Bartlett, que testa se a matriz de correlação é uma matriz identidade, o que indicaria que não há correlação entre os dados. Dessa forma, procura-se para um nível de significância assumido em 5 % 15.
Os indicadores mostraram-se adequados para a aplicação de análise fatorial (KMO >0,5) e Bartlett, resultando na permanência de seis das 12 variáveis pesquisadas (Tabela 2).
Terceira-Definição de três grupos (Grupo 1 n=16; Grupo 2 n=24 e Grupo 3 n=23) relacionados ao comportamento das variáveis em cada um dos agrupamentos propostos 16.
E a última etapa, a classificação, através das análises de cluster, para cada grupo etário. Os valores apresentados referem-se aos pontos médios (centroides) (Tabela 3) padronizados das variáveis em cada agrupamento obtido.
DISCUSSÃO
Os resultados relacionados às variáveis pesquisadas demonstraram que o padrão antropométrico e de composição corporal seguem a tendência de outros estudos onde o valor médio são maiores em mulheres idosas que no grupo masculino 17,18.
Coletivamente, esses estudos indicam que as informações coletadas só devem ser utilizadas como padrão de referência para população específica como preconizado pela OMS com escolhas estratificadas de amostra e gênero 19,20.
Como identificado no estudo, o grupo 1, caracterizado pelas variáveis: circunferências do abdômen, quadril e cintura, incluiu 25,40 % do total de sujeitos da amostra. Diferente do grupo 2, que abrangeu 38,10% dos elementos da amostra. E o grupo 3 (variável - PAD) que incluiu 36,51 % da amostra.
Uma relação importante foi encontrada em pesquisa que tinha o objetivo de comparar o IMC com indicadores antropométricos de adiposidade em idosos, e consideraram a centralização da gordura corporal como melhor indicativo de complicações em idosos. Descrevem que as mudanças relacionadas com o acúmulo da gordura visceral ou subcutânea associadas ao processo de envelhecimento podem ser afetadas tanto pela quantidade inicial de tecido adiposo como pelo aumento da massa corporal 21.
Em estudo, Kuczmarsk 22 analisando a distribuição de gordura em mulheres de diferentes grupos etários por meio de tomografia computadorizada, mostrou que o envelhecimento leva a redistribuição e internalização da gordura abdominal. Caracterizando progressiva redução da área muscular do braço com a idade e aumento da centralização da gordura nessa população.
Em sua maioria os idosos foram agrupados na faixa de idade de 60 - 64 anos nos três grupos (Tabela 4), porém o grupo 2 (“massa corporal”) teve o maior número de classificados como “pré-idosos” (n=16), os grupos 1 (“circunferências”) e 3 (“pressão arterial”) tiveram maiores, e iguais números de classificados como idosos jovens. E os classificados como idosos de média idade, tiveram um maior agrupamento no grupo 3.
PES=peso (kg), ALT=altura (m), CIN=circunferência de cintura (cm), ABD=circunferência de abdômen (cm), QUA=circunferência de quadril (cm),
IMC=índice de massa corporal (kg/m2), RCQ=relação cintura x quadril, PAS=pressão arterial sistólica (mmhg) e PAD=pressão arterial diastólica (mmhg).
Os grupos classificados como “pré-idosos”, apresentaram maiores valores médios padronizados para as variáveis antropométricas que predizem aumento da gordura corporal, geral (IMC) e central (Relação cintura x quadril) e fisiológico (PAD) 23.
Na determinação do grau de correlação das variáveis estudadas, a Correlação de Spearman (p=0,0188), mostrou uma correlação estatisticamente significativa, e no teste de Kruskal-Wallis (p=0,0018), altamente significativa, considerando o valor de H=15.0230.
PES=peso (kg), ALT=altura (m), CIN=circunferência de cintura (cm), ABD=circunferência de abdômen (cm), QUA=circunferência de quadril (cm), IMC=índice de massa corporal (kg/m2), RCQ=relação cintura x quadril, PAS=pressão arterial sistólica (mmhg) e PAD=pressão arterial diastólica (mmhg).
De acordo com os resultados obtidos, o procedimento estatístico análise de cluster, parece ser viável para ser utilizado na construção e validação de índices de saúde em idosos. Onde os resultados apontam para a eficiência e a confiabilidade na utilização de variáveis antropométricas e fisiológicas no processo de classificação de indicadores para a construção de índices de saúde.
Em específico, o Índice de Massa Corporal e a Relação Cintura x Quadril, mostraram estreita relação com os indicadores descritos pela literatura como mais eficazes na avaliação de fatores de risco e índices de mortalidade para a população estudada, assim como a variável fisiológica, pressão arterial diastólica.
O grupo caracterizado pela faixa etária de pré-idosos (60-64 anos) apresentou maior risco. Suscitando a necessidade de novos estudos com maior número de variáveis envolvidas (relacionadas à condição de saúde) e da população estudada (em sua característica e número). Onde os resultados deste estudo, não podem ser estendidos a populações que apresentem características diferentes