A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência sexual como atos, tentativa ou investidas sexuais indesejadas, podendo ocorrer uso de coação, sendo praticados por qualquer pessoa e em qualquer contexto. Inclui atos como penetração forçada, e assédios sexuais: atos e investidas, na forma de coerções e de pagamento ou favorecimento sexual nas relações hierárquicas. Esta forma de violência é apresentada como uma das mais graves expressões da iniquidade de gênero, visto que atinge, em sua maioria meninas e mulheres 1.
Em âmbito mundial, a OMS estima que a violência sexual atinja 12 milhões de pessoas a cada ano. Porém, essa estatística representa ser menor do que a realidade da sua dimensão, considerando que muitos casos acontecem nos contextos intrafamiliares (incesto, o estupro e, em especial, o sexo forçado por parceiros íntimos) não chegando ao conhecimento público 2. Estudo sobre violência sexual contra as mulheres cometida por parceiro íntimo, encontrou prevalências desta forma de violência ao longo da vida oscilando entre 6 % no Japão e 58,6 % na Etiópia 3.
Em estudo multicêntrico, com mulheres entre 15 e 19 anos, Decker 4, analisou a prevalência de violência sexual em cinco grandes cidades de diferentes países. Os coeficientes desta forma de violência foram maiores em todos os locais para atos cometidos por parceiros íntimos quando comparados a não parceiros, variando de 1,8 % e 1,0 % em Shangai (China) a 18,3 % e 9,1 % em Johannesburg (África do Sul), respectivamente.
No Brasil, revela-se que 11,9 % dos casos de violência contra a mulher são do tipo sexual. A prevalência foi maior entre as adolescentes (12 a 17 anos), sendo de 24,3 %, enquanto nas mulheres jovens (18 a 29 anos) de 6,2 %, e nas adultas (30 a 59 anos) 4,3 %. Em relação ao local da violência há predominância do espaço doméstico, representando 71,9 % dos casos 5.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2015 ocorreram 45 460 casos de estupro no Brasil, em média 125 casos por dia, havendo um declínio de 10 % em relação aos casos relatados no ano anterior 6. Em estudo 7 realizado em Campinas-SP, identificou-se mulheres que sofreram violência sexual e receberam atendimento hospitalar. Destas, 52,6 % eram adultas e 47,4 % adolescentes, 69,2 % delas tiveram como agressor um desconhecido e 61,5 % realizaram boletim de ocorrência.
Verifica-se que mulheres que sofreram violência física ou sexual por seus parceiros apresentam mais problemas de saúde. Elas têm 16 % mais chance de gerar recém-nascidos de baixo peso, as possibilidades de aborto são duplicadas, há quase o dobro de probabilidade de depressão e 1,5 vezes mais possibilidade de se infectarem pelo HIV, em comparação com mulheres que não sofreram estes tipos de violências 1.
A violência sexual é, portanto, um problema social, de segurança e saúde pública, que traz impactos na saúde dos indivíduos e nas relações sociais, expressa nas lesões físicas e psicológicas decorrentes. Torna-se uma demanda expressiva e frequente aos serviços de saúde, vista a intensificação e gravidade das violências, trazendo custos financeiros e humanos 8-9.
Considerando a magnitude da violência sexual presente na sociedade, nas relações de gênero e com significativos impactos à saúde, estudos que apontam prevalência e os fatores associados ao tema são de grande importância para dar visibilidade a este agravo e subsidiar políticas públicas que contemplem a diminuição e enfrentamento deste tipo de violência contra as mulheres. Neste sentido, esta revisão sistemática tem como objetivo identificar na literatura a prevalência e fatores associados à violência sexual contra as mulheres adolescentes e adultas.
METODOLOGIA
Esta revisão sistemática foi realizada de acordo com as diretrizes delineadas pelo Check List do prisma (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analisis - Prospective Register of Systematic Reviews).
Critério de elegibilidade
Estudos de base populacional realizados no Brasil ou internacionalmente, que mensuraram a prevalência de violência sexual contra a mulher e seus fatores associados foram considerados elegíveis para essa revisão. Foram consideradas mulheres, conforme Política Nacional de Atenção Integral Saúde da Mulher 10, aquelas com mais de 10 anos de idade.
Os critérios de exclusão foram referentes aos artigos que: investigaram violência sexual contra crianças, homens, ou grupos populacionais específicos (mulheres albergadas, mulheres com hiv, profissionais do sexo e militares); investigaram a violência sexual em regiões de conflito; analisaram apenas as notificações de violências. Artigos de revisão de literatura, cartas, artigos de opinião, relatos de experiência, estudos de caso, capítulos de livros e apresentações de congressos também foram excluídos.
Esses critérios buscaram assegurar que somente os estudos representativos da população em geral fossem incluídos, para representar com maior precisão a taxa de prevalência e os fatores associados à violência sexual contra a mulher. O recorte temporal foram os últimos cinco anos, a fim de compilar informações atualizadas da literatura e, não houve restrições sobre idioma de publicação.
Estratégia de busca
As pesquisas bibliográficas foram feitas nas bases de dados Pubmed/ Medline, Lilacs e Scíelo em outubro e novembro de 2016. Na estratégia de busca foram utilizados os seguintes descritores e palavras-chave: "sex offenses", "rape", "estupro", "sexual harassment" "delitos sexuais", "sexual violence", "violência sexual", "prevalence". As listas de referência dos artigos selecionados foram revisadas, além da realização de buscas manuais, para identificação de outros artigos potencialmente elegíveis.
Seleção dos estudos e extração dos dados
A seleção foi conduzida por dois revisores independentemente. As referências duplicadas foram excluídas por meio do programa gerenciador de referências EndNote Web (Thomson Reuters).
A seleção dos estudos foi realizada em duas etapas, a partir dos critérios de elegibilidade: na primeira, avaliou-se os títulos e resumos e na segunda, os textos na íntegra. Nos casos de discordância sobre a elegibilidade dos estudos, foi consultado um expert em violência para definição.
As informações dos artigos foram extraídas e compiladas em planilhas eletrônicas, onde foram registradas as características gerais dos artigos, informações de prevalência e fatores associados à violência sexual contra a mulher.
Análise dos dados
Os estudos selecionados foram analisados de forma descritiva e agrupados de acordo com os seguintes eixos: autores, ano de publicação, país de origem, fonte das informações, tipo de estudo, tamanho da amostra, faixa etária das participantes (Tabela 1); instrumento de mensuração da violência, período recordatório, prevalência da violência sexual e seus respectivos intervalos de confiança com 95 % (IC 95 %) (Tabela 2); tipo de análise estatística realizada e fatores associados encontrados (Tabela 3).
* Questionário WHO - Questionário do estudo multipaíses desenvolvido pelo Organização Mundial de Saúde: Multi-Country Study on Women's Health and Domestic Violence; ** CTS - Conflict Tactics Scale; *** ND - Não disponível no estudo
RESULTADOS
A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados Lilacs, SciELO e Pubmed/Medline, totalizando 3 002 artigos, destes foram excluídos 2 825 artigos após a leitura de título e resumo, por não atenderem os critérios de inclusão ou serem duplicados entre as bases. Dentre os 177 artigos restantes, 162 foram excluídos após a leitura completa, restando ao final desse processo, 15 artigos que se constituíram enquanto objeto desse estudo (Figura 1).
Foram encontrados 15 estudos de base populacional que tratam de prevalência e fatores associados da vs contra as mulheres. A seguir, relatam-se as características gerais destes artigos, trazidas de diferentes realidades socioculturais, com utilização de diferentes instrumentos.
O maior número de publicações ocorreu no ano de 2014, visto o quantitativo encontrado para esta revisão (n=7). Em 2011, 2012 e 2015 houve duas publicações em cada ano, e em 2013 e 2016, uma a cada ano. Em relação aos locais de publicação, evidencia-se que a Ásia (n=5) tem maior número de artigos, sendo dois deles no Nepal. Em seguida predominaram estudos europeus (n=4), africanos (n=3), dos Estados Unidos (EUA) (n=2), e um estudo latino americano representado pelo Brasil. Referente ao tipo de estudo, predominou a abordagem transversal, conduzido em 15 dos artigos objeto do estudo.
O tamanho da amostra dos estudos varia entre 126 11 e 115 030 mulheres 12. Dentre as mulheres adultas e adolescentes investigadas, a faixa etária predominantemente foi de 15-49 anos (n=5). Foram dez os estudos que incluíram adolescentes, sendo que um deles analisou exclusivamente as idades de 15 e 16 anos 13. Cinco contemplam a participação apenas de mulheres adultas, enquanto outros três têm como único critério de faixa etária mulheres acima de 18 anos.
Prevalência de violência sexual
No continente africano encontraram-se as maiores taxas de prevalência, sendo 36 % na República Democrática do Congo. Os menores coeficientes foram encontrados nos países europeus, sendo 1 % na Alemanha no relacionamento atual e 3 % na Ucrânia ao longo da vida, ambos entre parceiros íntimos.
A prevalência de VS apresentou grande variação entre os países, sendo os menores coeficientes nos EUA, 1,6 % e 3,5 % nos últimos 12 meses 12,14. No estudo brasileiro, a prevalência foi de 4,1 % de VS contra mulheres ao longo da vida, enquanto no Zimbabue chama atenção o alto índice 92 % no relacionamento atual 11,15.
Nos EUA, houve dois estudos que identificaram coeficientes de 19,3 % (IC 95 %: 17,9-20,8) para VS sofrida durante a vida e 1,6 % (IC 95 %: 1,1-2,2) no último ano 14. Enquanto no estudo de Black 12 encontrou-se que 3,5 % das mulheres sofreram VS nos 12 meses anteriores (IC 95 %: 3,2-3,7). Na Grã-Bretanha, Macdowall 16, traz a taxa de 9,8 % (IC 95 %: 9-10,5 %) para mulheres que sofreram VS a partir dos 13 anos de idade.
Os estudos também dão visibilidade às VS sofridas pelas mulheres na adolescência. Como exemplo, em Madrid na Espanha, Castaneda 13 analisaram jovens de 15 e 16 anos e encontraram prevalência de 5,3 % (IC 95 %: 4,1-6,5). Na Grã-Bretanha, Macdowall 16, em estudo com mulheres entre 16 e 74 anos, encontrou prevalências de violência sexual entre mulheres de 25 a 34 anos de 9,7 % (IC 95 %: 8,511,2) e entre 35 e 44 anos de 12,5 % (IC 95 %: 10,5-14,7). Mensurando que, em comparação com as adolescentes, há maior número de casos entre adultas na Europa.
No Nepal 17, pesquisaram jovens de 15 a 24 anos, encontrando prevalências de 46 % de violência sexual cometida pelo marido, em algum momento da vida e 31 % nos 12 meses anteriores. Para as adolescentes, entre 15 e 17 anos, a ocorrência de VS foi superior, sendo 51,9 % na vida e 45,6 % nos últimos 12 meses. Destaca-se a VS entre as adolescentes que as adultas no Nepal, apresentando decréscimo com o aumento da idade. Por outro lado, em estudo na Índia, que investigou mulheres adultas (>18 anos), a prevalência de VS por parceiro íntimo foi de 4,6 % essa proporção bastante inferior quando comparada aos demais estudos desse continente.
Os casos de violência contra a mulher nas regiões urbana e rural na Nigéria são comparados por Ajah 18, onde 6,4 % das mulheres da área rural e 4,3 % da área urbana sofreram VS ao longo da vida.
Nos estudos objeto dessa análise, foram utilizados diferentes instrumentos de mensuração, com predominância de questionários próprios (n=9), seguidos pelo uso do questionário World Health Organization (WHO) (n=4) e do Conflict Tatics Scale (CTS) (n=2). As diferenças metodológicas na forma de identificação da VS contribuem para a variação entre as taxas de prevalência encontradas. As prevalências de violência sexual contra mulheres estão descritas na Tabela 2.
Fatores associados à violência sexual
A baixa escolaridade destacou-se dentre os fatores socioe-conômicos, trazida por Mukanangana 11 onde 95 % das mulheres que sofreram violência sexual por parte de estranhos possuíam nível primário, enquanto Mishra 19 relacionaram ao analfabetismo e a mulher ser do lar, ter baixa escolaridade e baixa renda 12,20,21.
Mulheres de idade mais jovem estavam mais propensas a sofrerem VS por parte do marido, bem como as com maridos mais velhos (mais de 35 anos) 17, Para Black 12, as mulheres jovens (18-24 anos) foram mais expostas à violência sexual.
Em relação à religião, as muçulmanas estavam mais propensas a VS por parte dos parceiros íntimos. Aquelas cujos maridos tiveram parceiras sexuais casuais ou mais de uma esposa e mulheres sem filhos foram fatores de risco significativos para sofrer VS do parceiro íntimo. Cor de pele e etnia das mulheres foi abordada nos dois estudos estadunidenses, sendo as negras e não-hispânicas com maior chance de sofrer violência sexual 12,14.
O uso de álcool foi o mais frequente dentre os comportamentos relacionados à saúde (n=5), seguido do uso de outras drogas (n=3) e tabaco (n=1). A maioria dos estudos (n=4) remete o uso de álcool pela mulher como fator associado à VS, porém Barrett 22 encontrou associação do uso de álcool pelo parceiro à violência sexual contra a parceira.
O fator de saúde mental esteve associado à VS 16, com relatos de sintomas de estresse pós-traumático, de angústia psicológica e trauma psicológico 11,23. No estudo brasileiro, apresenta-se a relação de episódios mistos de mania e depressão, além da depressão e risco para suicídio em mulheres que sofreram violência sexual 15. Ainda, o medo que a mulher sente do companheiro foi um fator associado à VS, no Nepal 24.
Os fatores de saúde sexual e saúde reprodutiva associados à VS, foram: infecções sexualmente transmissíveis (ISTS), gestações indesejadas, abortos ilegais, perda da libido, sangramento vaginal, irritação vaginal, infecção do trato urinário e dor pélvica 11,23. Atribui-se também às mulheres que tiveram suas primeiras experiências sexuais antes dos 16 anos, experiências homossexuais, e gestações e abortos antes dos 18 anos a relação com as VS vividas 16. Em oposição, não houve associação entre os casos de VS por parceiros íntimos às interrupções de gestação em Bangladesh 25.
Ainda, condutas sexuais de risco (primeiras relações sexuais antes dos 15 anos, não ter usado preservativo na última relação, mais de três parcerias nos últimos seis meses), consumo excessivo de álcool, distúrbios alimentares e autopercepção de saúde ruim foram associados à VS, no estudo realizado somente com adolescentes na Espanha 13. Os fatores associados às violências sexuais sofridas pelas mulheres são descritos e detalhados na Tabela 3.
DISCUSSÃO
A violência sexual em países da África e Ásia apresenta-se nas pesquisas com maiores prevalências que na Europa, EUA e Brasil. Aqueles países representam heranças de iniquidades sociais e consequentemente iniquidades de gênero, as quais são legitimadas pela religião. Mukanan-gana 11, afirma que os determinantes socioeconómicos, socioculturais e religião irão condicionar uma cultura do silêncio em relação às violências de gênero.
As violências de gênero estão expressas das mais diversas maneiras nos estudos, visto que mulheres sofrem diferentes formas de violência sexual cotidiana, não se resumindo à relação sexual/penetração forçada, que embora seja a mais grave forma da VS, não é a única. São também manifestações de VS os toques indesejados, insinuações, comentários constrangedores, exposição à/em materiais pornográficos, sem consentimento, causando ofensa às liberdades humana e sexual, aos seus direitos sexuais e reprodutivos 12,14,16,26.
As prevalências de VS cometida por parceiro íntimo foram maiores quando comparada a agressores conhecidos e desconhecidos. Embora a violência sexual, enquanto violência de gênero ocorra no âmbito de toda a sociedade, na maior parte das vezes, ela se expressa nos ambientes privados 27-28. Demonstra-se que, apesar da relação de confiança suposta nos relacionamentos conjugais, muitas das vezes, estes se tornam espaços violentos, dos quais por vários motivos (dependências econômicas, afetiva, cuidado com os filhos, coerções, constrangimentos, falta de apoio, etc.) as mulheres não conseguem desligar-se 29.
O contexto sociocultural de Bangladesh 25, os aspectos culturais do medo e vergonha, dificultam que as mulheres falem sobre as violências cometidas pelo parceiro. Esta invisibilidade da violência doméstica é vista também no Paquistão 20 e na Índia 19. Neste sentido, Minayo 30 aborda que a violência é uma agressão intencional, sendo utilizada como instrumento de reafirmação de relações de poder, de uma dominação de quem agride e de uma suposta submissão e subordinação de quem é agredido.
Os estudos incluindo as adolescentes são predominantes, porém apenas um aborda somente esta faixa etária, explorando a vs sofrida no relacionamento íntimo. A centralidade dos estudos incluídos na faixa etária de 15-49 anos, contribui para que se dê mais visibilidade à prevalência a vs ocorrida no relacionamento íntimo. Porém, entre as adolescentes mais jovens (10-15 anos), a VS cometida por familiares ou estranhos ocorre com maior frequência, sendo esta subpesquisada nos estudos de base populacional mais recentes.
Na Ásia, a prevalência de VS perpetrada pelo parceiro entre adolescentes foi maior que nas adultas, já na Europa ocorreu o oposto. Uma possível análise para esse fato, remete a questões culturais relativas ao casamento. No Nepal, a média da idade da mulher ao casar é de 17 anos, sendo que 70 % destes casamentos são arranjados 17. Do contrário, na Europa, onde as mulheres em geral se casam na idade adulta, é observado que as VS pelo parceiro apresentam maior número entre adultas do que entre adolescentes 13,16. É preciso, no entanto, observar que a VS é uma violência de gênero, e como tal, expõe múltiplas desigualdades, podendo inclusive invisibilizar este agravo, de acordo com o contexto social 31.
Nos estudos encontrados, entre os fatores associados às VS sofridas pelas mulheres, estão os sociodemográficos, como a idade, a escolaridade e o emprego. O fato das mulheres terem acesso ao estudo e emprego, são fatores de enfrentamento e proteção às violências de gênero, sendo 60 % menor a chance de sofrerem violência sexual nesses casos 17. Dalal 24 reforçam a necessidade de que políticas sejam implementadas possibilitando quebrar barreiras de gênero, priorizando a educação para as mulheres. A maior autonomia também é trazida por demais autores 11,16,19 como fator de proteção para a VS. A própria negociação conjunta de contraceptivos é um indicador de autonomia das mulheres no relacionamento íntimo, confirmando o empoderamento como fator de proteção da violência, além da liberdade para o cuidado da própria saúde 24.
As condições de saúde física e mental são fatores importantes a considerar, visto que se manifestam, sobretudo como impactos das violências sofridas. O uso de álcool e outras drogas podem trazer consequências danosas à saúde das mulheres tanto em relação à VS quanto aos seus impactos diretos 13,16,21. As mortes destas mulheres e repercussão aos seus entes, ou suas lesões físicas, psicológicas, como depressão e risco de suicídio, são expressões que marcam as violências de gênero 15-16,23.
Nesta revisão, encontrou-se associação entre comportamentos sexuais e VS 13,16,17. A inserção na vida sexual de forma prematura e forçada, possibilitou maiores exposições a comportamentos considerados de risco, tais como o não uso de preservativo e até os múltiplos parceiros. Entre as adolescentes, o comportamento sexual de risco na forma do não uso de preservativo na última relação, além do número de três parcerias ou mais, nos últimos seis meses, pode condicionar VS 13. É relevante destacar, que tais comportamentos de risco, podem ser adotados ou impostos, os quais irão refletir na sexualidade da mulher, se lhe será permitido vivê-la com autonomia ou não.
A exposição às ISTS, gestações indesejadas (com possíveis abortos inseguros), lesões ginecológicas, sangramentos, infecções e dores, limitam, se não bloqueiam, a vivência sexual saudável destas mulheres. As dificuldades em buscarem apoio são destacadas em estudo no Zim-bábue. Este estudo chama a atenção para a discrepância importante nos relatos das mulheres sobre as violências graves sofridas, em comparação às violências perpetradas relatadas pelos homens 11.
Em consonância com tais achados, pesquisa com casais em Uganda, demonstrou haver uma relação muito próxima entre violência por parceiro íntimo e HIV, associando a VS com comportamentos sexuais de risco. Destaca-se que a exposição dos homens a múltiplas parcerias, parcerias extraconjugais em maior escala que as mulheres com as quais mantêm relacionamento conjugal, as expõem a risco de VS e também ao HIV. Compreende-se que a autonomia da mulher é ferida, visto que relacionamentos extraconjugais são autorizados ao homem e condenados socialmente às mulheres 26.
No Paquistão 20, também se relacionam as altas prevalências de violência a pouca autonomia e voz das mulheres. É autorizado pela família e sociedade ao homem violentar e à mulher, submeter-se. Revelam-se os papéis de gênero atribuídos, naturalizados e legitimados, de controle e poder por parte do homem. No Nepal 17, destaca-se que a VS entre as mulheres jovens casadas é comum, embora os determinantes sejam complexos e cíclicos, como a questão da religião muçulmana.
Entre as limitações encontradas nesta revisão, cita-se que há poucos estudos de base populacional, que limita a percepção das prevalências de VS no mundo. A concentração em estudos transversais limita o estabelecimento de relações causais entre a VS e os fatores associados. O tipo de estudo mais adotado, estudo transversal, expressa que os fomentos às pesquisas quanto às violências de gênero em geral são baixos, dificultando a sua continuidade ou pesquisas de grande porte que a mensurem a médio e longo prazo. A diversidade metodológica entre os estudos, nos quais a VS é mensurada por diferentes instrumentos, ou tipo de agressor (parceiro íntimo, todos os agressores) também é um fator limitador. Chama a atenção a escassez de produções latino-americanas, limitando-se à produção brasileira, deixando de evidenciar as violências de gênero, presentes em nosso continente.
Compreendendo a importância da discussão do tema da VS, da sua contribuição para as políticas públicas, estas devem incluir os cuidados em saúde necessários às mulheres em situação de violência, e os serviços, devem estar preparados para tal. As lesões físicas, impactos na saúde mental, saúde sexual e saúde reprodutiva fazem parte do cotidiano dessas mulheres exigindo esforços que contemplem as suas reais necessidades. Certamente, isto passa pela educação e promoção da saúde em relação ao auto-cuidado e cuidado com o outro.
Ressalta-se que uma vida sem violência sexual contra as mulheres passa por uma formação social embasada em direitos humanos, transversalidade de gênero e pelo empo-deramento das mulheres diante das iniquidades e relações de violência, enquanto busca da equidade de gênero