As Unidades de Pronto Atendimento (UPAS) são estruturas não hospitalares do sistema público de saúde brasileiro que servem para o atendimento às urgências de baixa e média complexidade e funcionam como unidades intermediárias entre a atenção primária à saúde e a rede hospitalar. Elas funcionam de forma a oferecerem facilidade e rapidez na assistência à saúde em casos de urgência 1.
Entretanto, pelo fato de oferecerem atendimento médico ininterrupto, muitas vezes as UPAS são consideradas pelos usuários como um serviço de maior resolutividade quando comparados aos prestados pela Atenção Primária à Saúde (APS) e, consequentemente, utilizados como alternativa de acesso à assistência à saúde, mesmo quando as queixas não são de caráter de urgência 2,3.
Estudos apontam que a prevalência do uso inadequado nos serviços de urgência varia mundialmente entre 20 a 40%, e ocorre mais frequentemente no período diurno. As principais variáveis associadas ao uso inadequado deste serviço são a dificuldade de acesso aos cuidados primários de saúde, o tempo de espera, o curto horário de funcionamento nos serviços de atenção primária e, principalmente, a ausência de vínculo com o serviço de atenção básica e médico regular 3.
A resolução deste problema não parece ser simples. Em estudo de revisão sistemática, realizada no Brasil por Bittencourt e Hortale 4 sobre a efetividade de intervenções para solucionar a superlotação de Serviços de Emergência Hospitalar (SEH), os autores encontraram 47 tipos de intervenções para esta finalidade, sendo 34 voltadas às mudanças no desempenho organizacional e caracterizadas por implantação de unidades de observação dos usuários internados e aqueles aguardando diagnóstico ou estabilização clínica; implantação de serviços de enfermagem dedicados à admissão, alta e transferência do usuário; aumento da equipe de enfermagem ou implantação do núcleo de enfermagem; instituição de protocolos com indicadores de saturação operacional do SEH e implantação de Unidades de Pronto Atendimento.
Outro estudo de revisão, realizado por Althaus et al.5 sobre o mesmo tema em departamentos de urgência hospitalar, concluiu que intervenções baseadas em gestão de casos (case management), definida como uma abordagem integrada entre hospital e a comunidade, e os serviços prestados por uma equipe multidisciplinar composta por enfermeiras, agentes sociais e médicos, tiveram maior efetividade na diminuição do uso destes serviços. Para isso, as tarefas de coordenação eram alocadas para um gerente de caso, que guiava o usuário durante o processo de atendimento e planos de cuidado individual e a interlocução para a prestação do devido apoio social pela comunidade. O locus da intervenção, em geral, não se limitou ao hospital e, muitas vezes, estendeu-se para a comunidade por meio de ações voltadas à assistência na obtenção de moradia adequada e auxílio financeiro, articulação com os prestadores de cuidados médicos, encaminhamento para serviços de suporte ao abuso de substâncias químicas.
Desta forma, apesar de a literatura apresentar alguns estudos que avaliaram os motivos relatados pelos usuários para a busca por atendimento em serviços de emergência, estes foram majoritariamente realizados em hospitais, e verificou-se a escassez de estudos que avaliaram estes aspectos em estruturas de média complexidade como as UPAS 2,6.
O presente estudo teve como objetivo investigar as motivações de usuários classificados com necessidades de atendimento não urgentes (NU) em duas UPAS situadas em um município de médio porte do Estado de São Paulo, a fim de propiciar aos gestores e pesquisadores subsídios que contribuam para a melhor compreensão deste fenômeno.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado em duas UPAS do sistema de saúde do município de Piracicaba, Estado de São Paulo, Brasil. Em 2012, o município contava com quatro UPAS, sendo que duas delas possuíam o sistema de acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco (ACR). A pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde - protocolo n° 29229 e pelo Comitê de Ética da FOP/Unicamp, protocolo n° 054/2012, seguindo as exigências do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde para pesquisas em seres humanos.
A população do estudo foi constituída por usuários maiores de 18 anos de idade, de ambos os sexos, que procuraram as duas UPAS do município com ACR no período entre julho a dezembro de 2012, e foram classificados de acordo com o critério de risco no processo de acolhimento na recepção. Foram excluídos do estudo aqueles que não residiam em Piracicaba e aqueles que não atenderam aos critérios de inclusão acima descritos.
Os usuários que adentraram as UPAS foram qualificados pelo acolhimento com classificação de risco baseado no sistema de triagem Manchester, o qual identifica o estado de saúde do indivíduo em quatro níveis de gravidade, por meio das cores: vermelho (emergente); amarelo (urgente); verde (pouco urgente) e azul (não urgente). Assim, as cores verde e azul correspondem aos casos de pouca ou não urgência de atendimento 1. Após a classificação de risco e a consulta médica, os usuários foram convidados pela pesquisadora a participarem da pesquisa. Foi realizada entrevista com aqueles que tinham condições de responder, caso contrário, foi realizada entrevista com o acompanhante.
Para o presente estudo, utilizaram-se as respostas de uma subamostra de 417 usuários classificados pelos profissionais das UPAS como "não urgentes", provenientes de um estudo anterior que entrevistou um total de 756 usuários urgentes e não urgentes nas UPAS 2.
Os dados foram coletados por meio de um roteiro semiestruturado aplicado pela pesquisadora principal em forma de entrevista, contendo a seguinte questão norteadora: Qual motivo levou o(a) Sr.(a) a consultar o serviço de urgência e não a unidade de saúde mais próxima da sua casa?
Para análise dos dados qualitativos empregou-se a técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática, segundo a trajetória proposta por Gomes 7.
Inicialmente, visando obter um contato aprofundado com os dados coletados, foi realizada a leitura compreensiva e exaustiva das respostas decorrentes da questão norteadora. Nesta etapa, observou-se o conjunto do material a fim de apreender suas particularidades e elaborar pressupostos iniciais que posteriormente foram aplicados na análise dos dados. Neste momento, também foram determinadas as formas de classificação inicial e os conceitos teóricos que nortearam a análise.
A etapa seguinte compreendeu a análise temática propriamente dita, que foi realizada por meio da distribuição dos trechos escolhidos na fase anterior e da identificação das ideias explícitas e implícitas. Posteriormente à identificação de tais ideias, foi realizado o reagrupamento das partes dos textos por temas, seguido da redação por temas, visando contemplar os sentidos dos textos e sua articulação com o(s) conceito(s) teórico(s) que orientaram a análise. Por fim, foi feita a articulação de diálogos entre a fundamentação teórica, as respostas e seus contextos, o objetivo da pergunta norteadora e as ideias presentes nas respostas dos usuários das UPAS investigadas.
Destaca-se que a questão norteadora foi desenvolvida a partir de estudos nacionais e internacionais que investigaram o mesmo tema 8-10. A fase pré-teste foi realizada com 20 voluntários a fim de verificar a clareza das perguntas, visando a identificação e a eliminação de possíveis problemas com a estruturação, ordem e vocábulo das questões, para facilitar a aplicação do instrumento.
RESULTADOS
Dentre os motivos para a busca de atendimento nas UPAS, foram detectadas seis categorias principais: falta de infraestrutura da unidade de saúde mais próximo; percepção de dor e sintomas de emergência; proximidade casa/trabalho; demora de agendamento e atendimento na APS; qualidade do atendimento na UPA; hábito de frequentar o serviço. Tais categorias foram agrupadas em quatro eixos temáticos referentes: a) percepção de urgência; b) comodidade; c) dificuldade de acesso; d) qualidade do serviço.
Referente ao primeiro eixo temático (percepção de urgência) foi constatado que apenas alguns respondentes foram motivados a buscar atendimento na UPA em função da dor, e outros indivíduos, embora tenham justificado sua presença na UPA argumentando que sua situação era de emergência, não relataram nem porque chegaram a esta conclusão: "Por causa da dor". (NU 094, masculino, 57 anos). "Porque meu caso é de urgência". (NU 444, masculino, 50 anos).
O segundo eixo temático encontrado (comodidade) apresenta algumas nuances, sendo que as primeiras delas se relacionam à rapidez para agendar consulta e passar por ela, bem como a preferência pelo atendimento na UPA pela sua proximidade de localização da casa/trabalho dos usuários. Alguns trechos ilustram esses motivos:
"Porque no pronto socorro é mais rápido o atendimento".
(NU 060, feminino, 45 anos). "Porque no posto tem que agendar, não atende na hora". (NU 033, masculino, 24 anos)."É mais perto da minha casa". (NU 044, masculino, 20 anos).
No eixo temático "dificuldade de acesso" à APS foi relatado como "barreiras" de acesso: o horário restrito do funcionamento das unidades de atenção primária e a falta de disponibilidade das consultas médicas, bem como a demora que o usuário enfrenta entre o agendamento da consulta e a data em que ela será realizada. Estas situações podem ser ilustradas pelos trechos abaixo citados. "Porque no posto tem que agendar consulta, eu trabalho, não tenho como marcar". (NU 012, feminino, 20 anos)."Porque demora agendar consulta". (NU 063, feminino, 22 anos)."Porque na UPA resolve melhor, no posto eles enrolam muito e tem de esperar a consulta" (NU 008, feminino, 69 anos).
Ainda neste eixo, percebe-se que uma parte dos pacientes não apresentou motivo algum que justificasse sua ida ao serviço de urgência, sendo que vários usuários não responderam, e um deles declarou o hábito de frequentar o serviço: "Não sei, venho sempre aqui" (NU 040, feminino, 18 anos).
A falta de médico também aparece como fator motivador importante neste terceiro eixo temático: "Porque não tem médico no posto de saúde e, quando tem, demora até quatro meses pra conseguir consulta" (NU 013, feminino, 63 anos). "Porque não tem médico no posto de saúde, está de licença maternidade, só atende uma vez por semana, 12 consultas e não faz encaixe" (NU 223, feminino, 49 anos).
Ainda referente ao eixo "dificuldade de acesso", observam-se os relatos da falta de medicação imediata que os usuários julgam ser necessária na APS e só encontram na UPA, justificando deste modo a preferência pela busca da atenção médica de urgência/emergência. Além da medicação imediata, os usuários relatam a falta de equipamentos (exemplo: RX) e de condutas/ suprimentos (exemplo: aplicação de soro) na APS, motivos que na visão desses indivíduos representam a "falta de infraestrutura" destes serviços. Estas ideias remetem à noção de "falta de infraestrutura" na APS, e é explícita nos trechos que seguem: "Porque no posto não medicam na hora". (NU 161, masculino, 48 anos). "Porque no pronto socorro tem medicação na hora e resolvem logo". (NU 212, feminino, 70 anos).
"Porque no posto não tem remédio pra aplicar na hora". (NU 228, feminino, 23 anos).
O quarto eixo temático (qualidade do serviço) refere-se à preferência dos usuários pela UPA em função da percepção do melhor atendimento oferecido nestas unidades. É possível observar estas considerações nos extratos que seguem: "Porque aqui atende mais rápido e os médicos são mais atenciosos". (NU 302, feminino, 21 anos). "Porque lá não sou bem atendida como sou aqui". (NU 355, feminino, 58 anos). "Porque o atendimento é melhor, tem mais pessoas qualificadas" (NU 445, masculino, 22 anos).
DISCUSSÃO
O presente estudo buscou compreender os motivos apontados pelos usuários das UPAS para procurarem tais serviços por motivos não urgentes. Para tal, utilizou-se do método qualitativo que proporcionou a emersão de diferentes categorias explicativas para o fenômeno.
Sobre a percepção de urgência (1° eixo temático), verifica-se que os relatos manifestados nesta pesquisa se aproximam dos resultados encontrados por Stein 11, nos quais o autor afirma a existência de uma parcela de usuários motivados a procurar atendimento emergencial pela dor ou por sintomas considerados por eles como situações emergenciais como, por exemplo, dor abdominal, dor de cabeça, dor nas costas entre outros motivos. No entanto, o mesmo autor relata que após a avaliação médica na UPA foi verificado que apenas 15% dos usuários foram classificados como "emergência" e 46% foram identificados como casos de "urgência". Assim, tanto no estudo de Stein quanto na presente pesquisa nota-se que a percepção de emergência da população se mostrou diferente da percepção dos profissionais de saúde da UPA.
Segundo o autor, esta discrepância entre as percepções de urgência e emergência ressalta a necessidade da oferta de uma estratégia de recepção qualificada e eficiente no que tange aos casos que não podem esperar. E ainda, também se faz necessária a orientação da população sobre o discernimento das situações em que de fato tal população deve buscar atendimento emergencial e sobre as implicações da procura pelo atendimento na UPA quando o caso não é realmente urgente 3.
No estudo de Melo e Silva 12, realizado em Belo Horizonte, Brasil, os autores afirmam que as equipes de saúde da família devem estar aptas a diagnosticar os sinais de gravidade de um paciente, prestando atendimento adequado inicial e encaminhamento responsável que inclui desde o contato com o serviço de urgência até o ponto em que todo o suporte necessário seja oferecido, com acesso garantido na rede referência e contrarreferência.
Com relação à comodidade (2° eixo temático), sabe-se que os usuários não urgentes consideram ser "mais fácil e mais rápido" o acesso aos serviços de saúde ofertados pela UPA do que o acesso destes serviços oferecidos nas unidades de APS. Neste sentido, há algumas publicações que citam a facilidade de acesso como fator determinante na escolha da busca de atendimento em serviços de saúde 13,14. Sendo assim, observou-se que os usuários quando se sentiram em situação de urgência, encontraram na UPA a solução "mais rápida e fácil" para sua condição.
Outra nuance observada no eixo temático "comodidade" está ligada às noções de rapidez e facilidades de acesso, na medida em que se reconhece a UPA como unidade de saúde mais próxima da casa ou do trabalho do usuário. Assim, percebe-se que a localização é um forte motivo que influencia a escolha mais fácil por parte dos usuários, e, no caso da presente pesquisa, impulsionou a busca direta do atendimento na UPA. Esta situação foi citada em publicações anteriores que ressaltaram a influência da maior distância geográfica do serviço de APS como motivo favorável à procura de serviços médicos mais próximos, no caso, a UPA 3,15.
Destaca-se ficar claro para os autores do presente artigo que o critério "distância da APS-UPA", quando usados exclusivamente como motivo da busca de atendimento médico, relacionou-se com a noção de comodidade (2° eixo temático). No entanto, a mesma distância associada a outros fatores caracterizou o terceiro eixo temático, denominado "dificuldade de acesso".
No terceiro eixo temático (dificuldade de acesso), os usuários consideraram que o agendamento de consulta é demorado nas unidades de APS e por este motivo decidiram buscar assistência no serviço de urgência. O estudo publicado por Souza et al.13 corrobora os achados da presente pesquisa, pois, cita ter constatado que as maiores justificativas da procura dos serviços de urgência foram a indisponibilidade de vaga nas agendas das Unidades Básicas de Saúde para consultas médicas e a demora no agendamento.
Segundo Carret 3, as dificuldades de acesso aos cuidados primários de saúde é um tema que vem sendo estudado há mais de cinco décadas e caracteriza-se por um problema comum em vários países. O autor cita que muitas vezes estas dificuldades representam uma barreira que leva os usuários a buscarem os serviços de urgência em casos considerados não urgentes, como foi verificado no presente artigo.
No estudo realizado por Afilalo 16, no Canadá, todos os 1.783 pacientes atendidos em uma unidade de emergência médica foram questionados sobre os motivos que os levaram a buscar diretamente o pronto atendimento, sem antes ter procurado pelo serviço de APS. As principais dificuldades apresentadas foram: questões referentes à acessibilidade a partir de relatos de pacientes (população economicamente ativa) que buscaram o serviço de APS e eles estavam fechados nos horários de procura; encaminhamento nos casos que é necessário referenciar para especialidade; a familiaridade com o serviço de emergência por utilizá-lo como porta de entrada; a necessidade: percepção de emergência; a confiança está relacionada à insatisfação com atendimento na APS. Os autores também relataram que uma parte dos pacientes não apresentou motivo algum que justificasse sua ida ao serviço de urgência, e essa situação também foi constatada na presente pesquisa.
Outra questão manifestada no terceiro eixo temático foi a falta de médico na APS. Esta constatação apresentou-se como forte motivo para a busca de cuidados de saúde na UPA. Scochi etal.17 publicaram achados semelhantes ao pesquisarem o conhecimento e a utilização dos usuários de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Maringá, PR, Brasil. No estudo dos autores, a maior parte dos usuários relatou a procura da UPA com a finalidade de agendar uma consulta médica. Além disso, o mesmo estudo cita que a falta de médicos nas unidades de APS foi apontada pelos usuários da UPA como principal recurso ausente naquelas unidades. O cenário encontrado na presente pesquisa se assemelha aos relatos deste estudo 17 e sugere que ainda existe no Brasil o predomínio do modelo assistencial biomédico onde o atendimento de saúde está centrado no médico 18.
Além dessa focalização na figura do médico, há que se considerar a existência de um real déficit no número desses profissionais no SUS, o que tem sido desafiador para a APS. Segundo dados do Ministério da Saúde, havia, em 2012, uma defasagem de 54 mil postos de trabalho de médicos no Brasil. Embora esse estudo não tenha pesquisado a realidade específica do município de Piracicaba, acredita-se, pelo exposto pelos entrevistados, que tal defasagem também fosse observada no município 19.
Neste mesmo eixo, manifestou-se o debate da falta de medicação imediata julgada pelos usuários como necessidade da APS, porém, só encontrada na UPA, fundamentando, deste modo, a preferência pela busca da atenção médica de urgência/emergência. Esta ideia remete à noção de "falta de infraestrutura" na APS, bem como a falta de equipamentos e de condutas suprimentos na APS, motivos que na visão dos respondentes representam a "falta de infraestrutura" destes serviços.
Stein 9 relatou achados semelhantes aos supracitados, pois identificou que as principais motivações para a procura de cuidados oferecidos na UPA eram os maiores recursos disponíveis para resolução de problemas imediatos e o atendimento rápido (sem consulta marcada), enquanto as unidades básicas apresentam uma imagem aos usuários de que habitualmente estavam fechados ou não tinham resolutividade.
A discussão sobre acesso à APS induz a uma reflexão sobre a Estratégia de Saúde da Família enquanto modelo reorientador da atenção primária à saúde no Brasil, já que a mesma, ao organizar-se segundo o princípio da territorialização e adscrição da clientela, deveria estar mais próxima da população a fim de estabelecer com essas pessoas vínculo e responsabilização. Apesar da significativa expansão da Estratégia no país, bem como sua relevância no município estudado, o processo de trabalho nesses locais deveria ser foco de maior atenção por parte dos gestores, já que parte expressiva dos usuários relatou dificuldade para acessar a APS.
Um conjunto de iniciativas do Departamento de Atenção Básica para cuidar da população no ambiente onde vive tem sido desenvolvido a fim de se enfrentar esse problema e, efetivamente, viabilizar o acesso à APS para os usuários. Trata-se de vários programas articulados, dentre os quais está a estratégia de saúde da família 20.
Contudo, a despeito de se ampliar a implantação de Unidades, há que se atentar para os desafios que colocam em risco sua resolutividade como, por exemplo, a integração entre APS e unidades de urgência e emergência.
Nesse sentido, a constituição e implantação no Brasil das redes de atenção às urgências e emergências, cuja finalidade é ampliar e qualificar o acesso humanizado e integral aos usuários em situação de urgência/emergência nos serviços de saúde, de forma ágil e oportuna - tem como um de seus componentes principais a Atenção primária: Unidades Básicas de Saúde, conferindo a esse componente o objetivo de ampliar o acesso, fortalecer o vínculo e responsabilização e o primeiro cuidado às urgências e emergências, em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento a outros pontos de atenção, quando necessário, com a implantação de acolhimento com avaliação de riscos e vulnerabilidades 21.
A qualidade do serviço (4° eixo temático) abordou a escolha dos usuários pela UPA em função da percepção de um melhor atendimento entregue nestas unidades. Esta visão, manifestada pelos respondentes, pode ter sido influenciada por experiências pregressas percebidas como negativas que foram vivenciadas no âmbito da APS ou problemas de acesso 22.
Por outro lado, tal visão também pode ser decorrente das práticas e processos implantados nas UPA como consequência do investimento de recursos e esforços oriundos das Rede de Atenção às Urgências (RAU) 21 já que são diretrizes das redes citadas, principalmente: a humanização do atendimento, o modelo de caráter multiprofissional, o compartilhado por trabalho em equipe, instituídos por meio de práticas clínicas cuidadoras e baseados na gestão de linhas de cuidado 21. Tais diretrizes trazem melhorias aos serviços com consequente aumento da satisfaço dos usuários.
A agilidade no atendimento nos serviços de urgência é um dos aspectos mais relevantes na avaliação da qualidade desses serviços, já que os usuários que utilizam o serviço consideram o seu problema suficientemente grave. Dessa forma, esperam ser atendidos o mais rapidamente possível de forma a resolver seu problema com qualidade. Essa justificativa é corroborada em outros estudos que avaliaram a percepção dos usuários sobre qualidade dos serviços de urgência 22-24.
Para os entrevistados no presente estudo, a qualidade do cuidado está fortemente calcada nas atitudes dos profissionais. Por isso, o desempenho relacional dos profissionais de saúde e principalmente dos médicos é um dos aspectos mais importantes para avaliar em qualquer serviço de saúde.
Os achados do presente estudo evidenciam problemas decorrentes da utilização inadequada dos serviços de saúde em Unidade de Pronto Atendimento nos casos não urgentes e de superutilização. Percebe-se que o uso inadequado destas unidades pode ser desencadeado por vários fatores, tais como a baixa resolutividade da atenção primária, a desarticulação entre os níveis de assistência, a insuficiência estrutural, gerencial e funcional dos serviços. Portanto, é fundamental a identificação do perfil destes usuários para que os gestores realizem o planejamento das ações em saúde, buscando a qualificação das práticas profissionais, bem como a participação popular nas políticas de saúde ♣