INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um déficit neurológico ocasionado por uma lesão aguda no cérebro (Sacco et al., 2013), sendo causa de 27 % das internações mundiais (Mozaffarian et al., 2016), além de ser a terceira causa de morte na população em geral (World Health Organization [WHO], 2014). No Brasil, embora o número de mortes em decorrência da doença tenha diminuído 35 % nos últimos anos, as doenças cardiovasculares -grupo que inclui o AVC- ainda são a maior causa de internações e mortes, sendo responsável pelo surgimento de um número considerável de deficiências em longo prazo (Brasil, 2015).
O período pós-AVC, que vai desde o acometimento da doença e reabilitação até a convivência com a cronicidade da doença, é intenso, pois embora haja a chance de algum retorno funcional (Stinear, 2010), muitas vítimas de AVC são compelidas a conviverem com a cronicidade das limitações adquiridas com a doença. A perda da autonomia ocasionada pelas sequelas do AVC gera grande impacto na vida da vítima pós-AVC, a exemplo das alterações na dinâmica familiar ocasionadas pela necessidade dos membros da família vir a desempenhar dos novos papéis (Northcott, Moss, Harrison, & Hilari, 2016).
Além disso, o impacto financeiro ocasionado pelo alto custo do tratamento e o afastamento ocupacional da vítima também contribuem para a crise familiar que tende ocorrer no período de reabilitação da doença (Menezes, Mota, Santos, & Frota, 2010).
Essas modificações ocorrem de modo rápido e inesperado na vida do vitimizado, o que torna possível afirmar que o AVC é um episódio estressor que demanda o uso recursos cognitivos ou comportamentais para gerir a carga estressora (Donnellan, Hevey, & Hickey, 2006). Tais recursos são conhecidos no âmbito da Psicologia da Saúde como estratégias de enfrentamento, um mecanismo adaptativo decorrente de um processo avaliativo do indivíduo e que busca manejar os efeitos estressores de um evento que excede os recursos pessoais de ajustamento às adversidades (Lazarus & Folkman, 1984)
Segundo o modelo transacional do enfrentamento proposto por Lazarus e Folkman (1984), a ativação de uma estratégia de enfrentamento em detrimento da outra depende de uma série de avaliações feitas pelos indivíduos. Em consequência, essas estratégias podem levar a um desfecho positivo ou negativo a depender do contexto em que ela está sendo usada e dos recursos disponíveis por cada pessoa (Lazarus, 2006). Pode-se inferir que o uso de estratégias disfuncionais pode acarretar a piora no quadro de saúde geral e o aparecimento de problemas psicológicos, a exemplo dos quadros depressivos e ansiosos (Nijsse et al., 2015). No caso do AVC, conhecer a forma que a pessoa enfrenta a doença e estimular o uso de estratégias funcionais pode acarretar uma aceleração do processo de reabilitação e em longo prazo promover melhoria na qualidade de vida, mesmo diante das limitações que podem ocorrer após o AVC (Taylor, Todman, & Broomfield, 2011).
O modelo transacional de enfrentamento classifica as estratégias de enfrentamento em dois grandes blocos: foco na emoção e foco no problema (Gellman & Turner, 2013). As estratégias com foco na emoção buscam reduzir os efeitos emocionais ocasionados pelo estressor e as estratégias com foco no problema agem diretamente sobre o evento buscando modifica-lo (Lazarus & Folkman, 1984). Desses dois grandes tipos se subdividem os vários tipos de estratégias que podem ser utilizados, a exemplo do suporte social, religiosidade, ressignificação da vida, dentre outros (Dasuqkhi, Sirajuddin, Sahri, & Khalid, 2013; Lazarus, & Folkman, 1984).
Identificar os tipos de estratégia mais utilizados e como elas atuam no evento estressor é o foco de muitas pesquisas nos contextos de saúde e doença (Guido, Fernanda, Pitthan, & Umann, 2011; Sarenmalm, Browall, Persson, & Gaston-johansson, 2011). Em relação ao enfrentamento do AVC, dentre os poucos trabalhos encontrados, a exemplo das pesquisas de Kuluski, Dow, Locock, Lyons e Lasserson (2014) e Visser et al. (2016), viu-se que eles procuram mapear as principais estratégias utilizadas pelas pessoas vítimas de AVC em relação ao tempo de acometimento da doença. Isso revela que ainda há a necessidade de estudos que identifiquem como as estratégias de enfrentamento interferem no processo de reabilitação e quais delas podem ser mais ou menos eficazes para o manejo do estresse.
Não foi encontrado no Brasil, até o mês de Março de 2019, nas bases de dados nacionais, nenhum estudo que buscou fazer interface do enfrentamento com o AVC, o que pode ser considerado uma lacuna, pois o uso de determinadas estratégias de enfrentamento tende a interferir no processo de saúde-doença de modo a diminuir ou aumentar a carga estressora (Wong, Wong, & Scott, 2006). Além disso, o uso de um enfrentamento, quando positivo, pode estimular a procura pela forma de tratamento mais adequada, bem como minimizar conflitos familiares decorrentes da crise ocasionada pela doença (Gonçalves & Ferreira, 2015).
Dado o exposto, a presente investigação objetivou descrever e analisar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelas pessoas após o AVC, bem como identificar de que forma o uso de tais estratégias afetam de maneira positiva ou negativa na adaptação no período pós-AVC.
MÉTODO
Tipo de Desenho
O presente trabalho é uma pesquisa descritiva do tipo exploratória (Hochman, Nahas, Oliveira Filho, & Ferreira, 2005).
Participantes
Participaram 23 pessoas vítimas de AVC, sendo 12 homens e 11 mulheres, contatadas por meio da estratégia de conveniência nas cidades de Aracaju e Lagarto, ambas situadas em Sergipe (Brasil). A indicação e o primeiro contato com os participantes foram mediados por solicitações de indicação de pessoas conhecidas que tenham sofrido um AVC, clínicas de reabilitação particular e clínicas escolas das universidades.
Todos os participantes tiveram o AVC (20 Isquêmicos e 3 Hemorrágicos) há pelo menos seis meses, ou seja, encontram-se no período crônico da doença (Duncam et al., 2012). Eles também se enquadravam nos seguintes critérios de inclusão amostral: pessoas entre 18 a 65 anos e com limitações compatíveis com até o grau quatro de funcionalidade na escala modificada de Rankin, o que significa que a pessoa não deveria ter sequelas que comprometam gravemente a fala e a cognição (Brito et al., 2013). Quatorze (60,9 %) participantes foram classificados como grau 1 na escala Rankin, o que equivale a uma pessoa com sequelas mínimas, ou seja, capaz de realizar todas as atividades habituais; quatro pessoas (14,4 %) possuíam grau 2 na escala de funcionalidade, ou seja, são pessoas que embora não consigam desempenhar as atividades com o mesmo desempenho de antes, não requerem assistência de um cuidador; duas pessoas (8,7 %) tinham grau 3 de funcionalidade que coincide com uma incapacidade moderada e uma dificuldade acentuada na caminhada e três pessoas (13 %) foram classificadas com o grau 4 de funcionalidade, ou seja, possuíam sequelas bastante limitantes, requerendo, assim cuidados constantes por parte de terceiros.
Em relação à escolaridade, 34,8 % (n = 8) dos participantes possuíam o ensino fundamental, 30,4 % (n = 7) o ensino médio e 34,8 % (n = 8) o ensino superior. Quanto à religião 78,2 % (n = 18) professam a religião católica, 60,8 % (n=14) alegaram ter algum tipo de relacionamento estável e 56,5 % (n=13) relatam estar afastados do trabalho.
Instrumentos
Utilizou-se um questionário sociodemográfico para caracterização do perfil amostral, nele estavam contidas informações pessoais do participante [idade (em anos), composição familiar (parentesco das pessoas que moram na mesma residência, quantidade de pessoas em casa) profissão, se recebe benefício ou não, média de renda familiar e individual e informações sobre a doença (tipo, tempo de convivência com a doença, tratamentos realizados e que estão em curso)].
Além disto, foi aplicado um roteiro de entrevista aberto, baseado em quatro eixos temáticos: 1) evento do AVC, diagnóstico e sequelas; 2) Impacto familiar e social; 3) Impacto laboral e financeiro e 4) Expectativa para o futuro. Os eixos foram pensados e elaborados de forma a identificarem as estratégias de enfrentamento focadas para o problema e emoção, conforme o modelo transacional de enfrentamento proposto por Lazarus e Folkman (1984). As perguntas evoluíram no sentido de captar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos participantes durante os períodos agudo e crônico da doença, além de captar mudanças da vida diária durante o curso do AVC e a forma como as dificuldades eram enfrentadas.
Procedimentos
Os participantes foram contatados por telefone ou presencialmente, compondo uma amostra por conveniência. A coleta de dados ocorreu no local indicado pelos próprios participantes, em geral, em suas residências. Todos eles declararam sua concordância com os termos da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo teve a aprovação do Comitê de Ética da Universidade (omissão para avaliação) (CAAE omissão para avaliação). O áudio das entrevistas foi gravado com a autorização dos mesmos e transcrito na íntegra, compondo um corpus único para análise.
Análises de dados
As entrevistas foram transcritas em sua totalidade e analisadas com base em um único corpus contendo os quatro eixos assinalados acima. Utilizou-se o programa Interface de R pour les analyses Multidimensionalles de textes et de Questionaires (IRAMUTEQ), que possibilita a realização de análises estatísticas de dados textuais. Para este estudo, o método da Classificação Hierárquica Descendente (CDH) foi o tipo de análise escolhido. A CDH é um método proposto por Reinert na década de 1990 e que possibilita a obtenção de classes geradoras de sentido, através da repartição das palavras com base em sua frequência e uma posterior análise fatorial (Camargo & Justo, 2013).
Foi realizada também a análise de contraste, ou seja, a comparação entre as estratégias de enfrentamento encontradas através da CDH e as variáreis de caracterização utilizadas na linha de comando. Os aspectos investigados foram: sexo (masculino ou feminino), idade (18 a 35 anos ou de 36 a 65), tipo do AVC (isquêmico ou hemorrágico), presença de relacionamento (sim ou não), filhos (sim ou não), religião (católica, protestante ou ateu), ocupação (trabalhando, afastado do trabalho/aposentado ou do lar) e escala de funcionalidade de Ranking (sem incapacidade limitante, incapacidade leve, incapacidade grave ou incapacidade moderadamente grave). Apenas os contrastes significativos foram mostrados nos resultados apresentados a seguir.
RESULTADOS
O corpus analisado teve 23 UCI (entrevistas) e foi repartido em 552 segmentos de texto e 20.412 palavras, com a frequência média de 3,4 palavras por resposta. O dendrograma gerado de acordo com a semelhança dos segmentos de texto (Figura 1) apresentou três categorias representando os tipos de enfrentamento, sendo elas foco no problema (38,3 % dos segmentos de texto), foco na emoção (25,7 %) e suporte social (35,9 %). Tais classes foram subdividas em 8 categorias, em que cada uma delas representou uma estratégia de enfrentamento. As palavras mais frequentes em cada classe estão listadas no dendrograma constante na Figura 1. Foram selecionadas para apresentação somente as principais evocações (nível de significância menor que 0,001).
Categoria 1: Foco no problema (38,3 %)
O tipo de enfrentamento mais mencionado pelas pessoas com AVC foi o foco no problema (38,3 %), ou seja, o enfrentamento que busca incidir diretamente no foco do estresse, na intenção de modificá-lo. A ativação de estratégias com foco no problema denotou todo o esforço no sentido de modificar as sequelas limitantes e conviver com a doença, seja com relação a adaptação às limitações, seja com relação as consequências financeiras que o AVC traz. Assim, três estratégias de enfrentamento focadas no problema foram detectadas, a saber: classe 1 - Busca pela reabilitação (40 % dos segmentos de palavras); classe 2 - Superação das sequelas (29,7 %) e classe 3 - Reorganização financeira (31,3 %). Tais classes representaram as estratégias pelas quais o enfrentamento foco no problema foi mobilizado para lidar com o evento estressor.
A classe 1, chamada de Busca pela reabilitação, foi a classe mais representativa da categoria, com 40 % dos segmentos de texto. As evocações mais comuns foram: medicar (χ2 = 141,9), internar (χ2 = 40,45), AVC (χ2 = 31,78), fisioterapia (χ2 = 30,67), dizer (χ2 = 24,72), morrer (χ2 = 20,19), mandar (χ2 = 19,31), fosse (χ2 = 17,24) e tarde (χ2 = 17,84). Com base nas palavras e principais segmentos, notou-se que esta classe aborda o uso de uma estratégia de enfrentamento focada na recuperação da funcionalidade por meio do investimento no tratamento (internação, medicação e fisioterapia). O conteúdo referente a essa estratégia pode ser visto nas seguintes falas: “[...] Fiquei muito tempo internado, muito tempo lá aceitando os remédios, fazendo fisioterapia [...]” [Participante (P) 7] e “[...] Disse ao médico que se eu ia ter que me tratar para pode viver mais alguns dias, era isso que iria fazer. Fiquei internado e me tratei [...]” (P2).
O segundo tipo de estratégia foi nomeado como Superação das sequelas, com 29,7 % dos segmentos da categoria. As palavras mais representativas foram: conseguir conseguir (χ2 = 78,48), voltar (χ2 = 77,39), mês (χ2 = 39,88), normal (χ2 = 34,68), falar (χ2 = 32,82), caminhar (χ2 = 32,54), sala (χ2 = 31,31), esquerdo (χ2 = 31,31), escrever (χ2 = 31,31) e perna (χ2 = 29,83). O foco principal desta classe é, então, a busca pela recuperação de movimentos e volta às atividades funcionais, como pode ser visto nos trechos: “[...] Hoje eu estou tendo uma recuperação funcional, consigo caminhar aqui com minhas muletas e mesmo ainda sem trabalhar, tenho fé em Deus que um dia possa voltar[...]” (P6) e “[...] A licença acaba meio desse ano e espero estar pronta daqui para lá para voltar para as minhas funções [...]” (P22).
Na análise dos contrastes, viu-se que a Classe 2 foi mais presente dentre os participantes que possuíam pontuação entre 1 ou 2 na escala de Ranking, o que significa que aqueles que não tinham uma incapacidade impeditiva de realizar a maioria das atividades da vida diária e não necessitam de um acompanhamento constante de um cuidador foram os que mais se remeteram a esse tipo de enfrentamento no seu cotidiano pós-AVC.
A terceira classe, chamada de Reorganização financeira, revela a necessidade de mobilizar esforços no sentido de lidar com o aumento das despesas causado pela doença, o que é agravado pelo afastamento do trabalho após o AVC. Com 31,3 % dos segmentos da categoria, esta classe teve as seguintes palavras como as mais significativas: dinheiro (χ2 = 112,62), INSS (χ2 = 74,65), receber (χ2 = 73,95), aposentar (χ2 = 73,95), financeiro (χ2 = 63,99), ganhar (χ2 = 51,93), comprar (χ2 = 51,93), pagar (χ2 = 51,79), remédios (χ2 = 45,35) e gasto (χ2 = 40,45). Pode-se dizer que esta Classe pode ser representada pela seguinte fala: “[...] Só não chegamos a passar fome porque meu filho mais velho pagava as contas, além disso eu pagava tudo com o meu dinheiro e hoje não [...]” (P6). Assim, os resultados mostram que as vítimas perceberam a necessidade de reorganizar-se financeiramente. Tal demanda foi gerada em meio ao afastamento do trabalho para dedicar-se a recuperação funcional e suspensão salarial após 15 dias longe das atividades trabalhistas. Adicionalmente há um maior gasto em decorrência dos remédios, fisioterapia e constantes viagens para quem mora em outra cidade, entre outras despesas.
A análise de contraste mostrou que a variável idade inferior a 60 anos foi a mais comum dentre aqueles que se reportaram às repercussões financeiras como algo relativo ao período pós-AVC. O conteúdo desse contraste pode ser visto nos discursos dos participantes 2 e 10: “[...] Eu completei a idade da aposentadoria agora. Agora eu completei 60 anos, mas já me aposentei faz cinco anos que faço mais nada, que só estou em casa encostado pelo INSS e eu não queria isso [...]” (P02) e “[...] É tanto que eu não consegui me aposentar de verdade e sim receber o auxílio doença pelo INSS. Meus filhos tiveram que entrar na justiça para que eu recebesse o dinheiro [...]” (P10).
Categoria 2: Foco na emoção (25,7 %)
Da categoria Foco na Emoção derivaram duas estratégias de enfrentamento: Classe 4 - Fé para enfrentar a culpa (37,0 % dos segmentos da classe) e Classe 5 - Regulação emocional (63,0 %). A Classe 4 (Fé para enfrentar a culpa) abarcou 37 % dos fragmentos da categoria e teve as seguintes palavras como as mais significativas: culpa (χ2 = 49,46), aprender (χ2 = 41,86), novo (χ2 = 40,27), limitações (χ2 = 38,23), medo (χ2 = 38,22), fé (χ2 = 31,51), conviver (χ2 = 29,05), manco (χ2 = 28,61), episódio (χ2 = 28,61) e vivo (χ2 = 22, 96). Assim, os vitimizados pelo AVC trouxeram um conteúdo em relação a culpa que sentem em virtude dos hábitos anteriores ao AVC, tais como sedentarismo e alimentação gordurosa.
Evidenciou-se também o uso da religiosidade e da fé para aprender a conviver com as limitações e até mesmo como atenuante do medo que se tem da ocorrência de um novo episódio de AVC. As falas dos participantes 7 e 15 tipificam o uso de tal estratégia: “[...] Eu tenho fé que isso não vai acontecer de novo e eu me cuido por causa disso [...]” (P7) e “[...] Eu tirei uma força de dentro de mim que eu nunca pensei que existia, tomei todos os remédios, fiz todas as sessões de fisioterapia. Tudo na garra e na fé que eu não sabia que eu tinha até eu precisar [...]” (P15).
A análise de contraste mostrou que o uso desta estratégia é mais comum entre mulheres do que em homens. A escolaridade também foi um contraste significativo, visto que todas as pessoas que fizeram o uso desta estratégia de enfrentamento tiveram ao menos o nível médio completo.
A estratégia Regulação Emocional foi a mais expressiva da categoria Foco na Emoção, com 63,0 % dos trechos. As palavras mais evidentes foram: pessoa (χ2 = 34,0), terminar (χ2 = 31,47), pensar (χ2 = 28,98), achar (χ2 = 28,98), ruim (χ2 = 24,6), piorar (χ2 = 20,89), ocorrer (χ2 = 20,89), ver (χ2 = 17,99), muito (χ2 = 16,84) e tentar (χ2 = 15,98). Esta Classe evidenciou um possível esforço cognitivo que consistia em fazer uma interpretação pessoal que alterasse a carga emocional a respeito do período de tratamento, sequelas e alteração da rotina em virtude da doença. Isso pode ser constatado a partir da fala dos participantes 2 e 21: “[...] Na hora que o médico me disse que eu tinha tido um AVC, eu pensei que se fosse um problema que dependesse de muito dinheiro eu não iria ter [...]” (P2) e “[...] Eu pensava que iria ficar assim para sempre [...]” (P21). Como contraste, viu-se que 73 % dos segmentos de texto pertenciam a pessoas que possuíam escolaridade que variava entre o analfabetismo funcional até o ensino fundamental completo. É possível dizer que esta classe mostra a tentativa que é feita no sentido de compreender, equilibrar e decidir quais emoções a vítima do AVC está sentindo, quais delas são funcionais e quais convêm para o ajustamento à doença.
Categoria 3: Suporte Social (35,9 %)
A segunda maior categoria de acordo com o número de segmentos repartido pelo corpus foi a de Suporte social, que está diretamente relacionado com a relação que as vítimas de AVC possuem com as pessoas em volta, sobretudo no período agudo da doença. Derivaram três estratégias de enfrentamento da Categoria Suporte Social: Classe 6 - Reconhecimento da importância do apoio comunitário (47,4 % dos segmentos); Classe 7 - Ressignificação da vida laboral (27,0 %) e Classe 8 - Busca pelo suporte familiar (25,6 %).
A classe 6 foi a mais representativa da categoria, com quase metade dos segmentos. As palavras mais evidentes foram: amigo (χ2 = 86,59), relacionamento (χ2 = 53,65), divertir (χ2 = 48,58), igreja (χ2 = 43,54), presente (χ2 = 39,68), família (χ2 = 37,14), gosto (χ2 = 30,10), estão (χ2 = 38,39), orgulho (χ2 = 24,64) e irmãos (χ2 = 23,75). Esta classe mostrou a percepção dos participantes acerca suporte comunitário, tal como a presença dos relacionamentos e a diversão trazida pelos eventos e encontros da igreja, por exemplo. Tal percepção pode ser visto pelos seguintes segmentos obtidos a partir da fala de dois participantes: “[...] Além de meus filhos só posso contar mesmo com o apoio da igreja que as vezes vem aqui orar por mim [...]” (P18) e “[...]Quase nem falava com meus pais antes e a doença serviu para me mostrar que meus amigos e minha família são tudo que eu tenho e só com eles que eu consigo ser verdadeiro [...]” (P23).
A classe 7 representou o uso da estratégia Ressignificação da vida laboral (27,0 %) e teve as seguintes palavras como as mais significantes: passo (χ2 = 46,69), trabalho (χ2 = 38,45), metade (χ2 = 27,8%), vigilante (χ2 = 27,8%), dia (χ2 = 21,29), contar (χ2 = 18,9), casa (χ2 = 18,67), tirar (χ2 = 18,68), cabeça (χ2 = 17,64) e morar (χ2 = 14,88). Esta classe falou das mudanças na vida diária ocasionada pelo afastamento do trabalho e o esforço que foi feito em relação à adaptação aos novos papeis desempenhados na família, amigos ou até mesmo no ambiente de trabalho. Isto pode ser visto nos seguintes trechos: “[...] tudo mudou e eu de uma pessoa ativa hoje eu passo meus dias observando a minha sorveteria e as pessoas que trabalharem para mim [...]” (P20) e “[...] Meu dia a dia hoje é muito diferente. Sei que não posso trabalhar, então passo meus dias ajeitando minha malhada e o quintal da minha casa [...] (P2).
Não se detectou um contraste com relação ao sexo e nem com relação à religião. Todos os participantes que utilizaram tal estratégia estavam afastados do trabalho em virtude de suas limitações, sendo que estas variavam entre a ausência de sequelas limitantes à total incapacidade de fazer as atividades da vida diária sem o auxílio de um cuidador (pontuação de 1 a 4 na escala de funcionalidade de Ranking).
A Busca pelo suporte familiar (Classe 8)
englobou 25,6 % dos segmentos do texto, perfazendo a classe menos abrangente da categoria. As palavras que representam a classe são: filho (χ2 = 48,44), correr (χ2 = 42,18), agora (χ2 = 30,23), antes (χ2 = 27,11), criar (χ2 = 20,75), viver (χ2 = 17,05), marido (χ2 = 16,61), cuidado (χ2 = 14,70), plano de saúde (χ2 = 14,57) e ajudar (χ2 = 14,32). Esse conteúdo veio mostrar a percepção que os participantes possuem a respeito do apoio prestado pelos familiares tanto a nível afetivo quanto no instrumental. Os segmentos que representativos da classe foram: “[...] Eu tenho a felicidade de ter os meus filhos que me acompanham nas consultas, Graças a Deus [...]” (P2) e “[...] Meus filhos passaram a andar mais por aqui e também teve o plano de saúde que eles se juntaram para me dar e hoje pagam para mim e a mãe [...]”(P4). Observou-se que as pessoas que mais usaram essa estratégia estavam aposentadas ou afastadas do trabalho em virtude AVC possuíam algum tipo de relacionamento estável e tiveram pelo menos um filho (contrastes significativos: ocupação, relacionamento e presença de filhos).
DISCUSSÃO
Os resultados possibilitaram desvelar as principais estratégias de enfrentamento utilizadas pelos adultos vitimizados por AVC, sendo assim, os resultados foram classificados em três categorias, na qual, a primeira buscou condensar falas dos sujeitos relacionadas ao enfrentamento com foco no problema, ou seja, nesta categoria foram elencadas aquelas estratégias que são voltadas diretamente a resolução ou modificação do quadro estressor (Lazarus, & Folkman, 1984), a exemplo das sequelas ou até mesmo o ato de procurar um auxílio médico. Nesse sentido, foi avaliado quais as sequelas existentes (hemiparesia, afasia, perda de visão, perda da coordenação motora fina, etc.) e o que foi feito para atenuá-las ou modificá-las, visto que nem todas são reversíveis e demanda algum ajuste cotidiano. Como as sequelas não desaparecem de imediato, possivelmente esta estratégia foi utilizada ao longo do tempo, sendo que a forma de lidar com as limitações deixadas pela doença pode ser modificada ao longo do curso da mesma. Isto é decorrente do processo de avaliação e reavaliação que pode ser moderada pelo histórico da doença, pelas sequelas e por aspectos psicológicos como crenças, valores, autoestima e autoeficácia (Kim, Park, & Peterson, 2011).
Dado semelhante foi encontrado pelas pesquisas de Iglesias-rey et al. (2013) e Lima, Valença e Reis (2016) que, com amostras de pessoas com sequelas limitantes do AVC, obtiveram maior evidencia da ativação de estratégias de enfrentamento com foco no problema do que com foco na emoção. Visser et al., (2016) pontuou que o uso desse tipo de estratégia por vítimas de AVC tem uma denotação de funcionalidade, pois ela tende a melhorar a qualidade de vida e diminuir a ocorrência de fuga/esquiva em até seis meses após a doença. Pode-se perceber que a ativação desta estratégia não se tratou de uma escolha pessoal, visto que o AVC tem um caráter repentino. Mas, da congruência entre necessidade do tratamento e o empenho pessoal em alcançar o melhor resultado da reabilitação. Pode-se dizer, então, que estes pacientes sentem-se compelidos a colaborarem para o tratamento e a reabilitação, sendo otimistas com relação ao futuro (Morgenstern et al., 2011). Possivelmente, a percepção de si mesmo como alguém funcional e a esperança de retorno à funcionalidade completa pode ter contribuído para essa mobilização (Costa, Silva, & Rocha, 2011).
Diferentemente das estratégias com foco no problema, aquelas com foco na emoção não buscam a modificação do quadro estressor e sim lidar com as emoções e sentimentos decorrentes do AVC (Lazarus & Folkman, 1984). A importância do uso destas está na necessidade de regular as emoções frente a alguns estressores inevitáveis (reabilitação), de duração indeterminada (reversão das sequelas) e/ou que exijam diversas alterações do cotidiano e aspectos psicológicos da vida, tal a modificação das atividades da vida diária e da dinâmica familiar (Feigin et al., 2014). Este processo de gestão emocional é visto por Gross (2013) como fundamental para a adaptação em contextos estressores, pois as emoções auxiliam na escolha de respostas de enfrentamento adaptativas mediante dificuldades.
De modo geral as estratégias voltadas para emoção buscaram lidar com os conteúdos associados à culpa, na qual, os sujeitos percebiam a doença como um castigo, ou até mesmo assumiram a inteira responsabilidade pela mesma. Esta interpretação tem muito haver com forma na qual a doença é percebido pelo enfermo, misturando conteúdos de revolta, crenças disfuncionais e fatalismo (Girardon-perlini, Hoffmann, Piccoli, & Bertoldo, 2007). Ressalta-se, ainda, que o conteúdo de autoculpa faz parte de uma das principais distorções cognitivas que as vítimas de AVC podem ter. Estas queixas incluem dificuldade de concentração, ideação de desesperança, de culpa e de inutilidade (Terroni, Mattos, Sobreiro, Guajardo, & Fráguas, 2008). Para isso, verificou-se o uso de estratégias com caráter religioso como uma forma positiva de atenuar sentimentos de culpa em doentes (Omu, Al-Obaidi, & Reynolds, 2014). Isto possivelmente ocorreu porque estratégias desse tipo trazem esperança na recuperação e auxiliam na regulação emocional para que estratégias com foco no problema possam ser empreendidas (Brito, Seidl, & Costa-Neto, 2016).
A terceira categoria, o Suporte Social, pode estar inserida tanto na categoria de Foco no Problema como no Foco na emoção, a depender do contexto em que este é utilizado (Lazarus, & Folkman, 1984). Durante o curso do AVC, a presença do Suporte Social destaca-se em virtude da diminuição repentina da funcionalidade, fazendo com que a vítima passe de uma pessoa autônoma à dependente de outras pessoas, principalmente seus familiares. Por causa disso, convém salientar que o uso desta estratégia refere-se à percepção das vítimas acerca do apoio que lhe é prestado. Aceitar a si mesmo como dependente de cuidados e enxergar esses como um gesto de companheirismo e de atenção é o que faz esta estratégia ser positiva (Silva, Vila, Ribeiro, & Vandenbergue, 2016). Do contrário, a crença que é um fardo e que atrapalha o cotidiano familiar pode ter uma conotação negativa acarretando consequências psicológicas (Volz, Möbus, Letsch, & Werheid, 2016).
Considera-se como Suporte Comunitário o apoio oferecido ou percebido por instituições (igrejas, trabalho, centros e/ou associações) e amigos de maneira geral (Bulgarelli, Pinto, Mestriner, & Mestriner Junior, 2011). Nos quadros de doenças como o AVC, a percepção positiva acerca desse tipo de Suporte torna-se importante porque o AVC acarreta um sério impacto familiar, podendo resultar em uma interrupção parcial ou total do convívio social em virtude das sequelas, sendo elas temporárias ou não (Clark & Smith, 1999; Northcott et al., 2016). O isolamento social, ao longo do tempo, pode levar a depressão e este é um dos fatores mais associados aos anos de vida perdidos em função da doença (Addo et al., 2012).
A ressignificação da vida laboral, apresentada neste tópico, mostrou-se então como importante não só no sentido de adaptar-se ao afastamento trabalhista e sim como uma possibilidade de adaptar seu trabalho as suas limitações específicas. Neste sentido, o estudo de Wolfenden e Grace (2009), relatam que comportamentos associados ao uso desta estratégia incluem a ressignificação do que vem a ser o trabalho na vida das vítimas, a busca por educação para mudança de profissão, informações acerca da adaptação laboral para suas necessidades e diminuição ou alteração da carga trabalhista. Em todos os pontos de vista, a ressignificação laboral teve conotação positiva.
Em suma, com as três categorias foi possível observar que o enfrentamento das vítimas de AVC é voltado tanto para a modificação do quadro clínico quanto ao caráter emocional da mesma. Assim, quando nota-se a possibilidade de reversão de sequelas, o sujeito, possivelmente, irá lançar mão de estratégias com esta finalidade. Por outro lado, a certeza quanto a cronicidade das sequelas leva o sujeito ao uso de estratégias voltadas a regulação emocional. Tem-se o Suporte Social como uma estratégia que perpassa entre as de foco no problema e na emoção e que está presente em todo o processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As três categorias analisadas possibilitaram compreender que as estratégias de enfrentamento convergem em direção a três propósitos: 1. O ajustamento mediante as sequelas físicas e psicológicas, 2. Acreditar na progressão funcional durante o longo período de reabilitação e 3. Lidar com as modificações da vida quando nos casos em que não é possível haver um retorno funcional completo. Além disso, foi possível notar que as estratégias de enfrentamento mostradas nos resultados tiveram uma denotação positiva, o que nos leva a crer que elas atuam beneficamente no processo de adaptativo.
O conteúdo das entrevistas permitiu que fossem evocadas as estratégias que foram usadas tanto no período de descoberta da doença quanto a longo prazo, visto que a amostra era composta de pessoas no período crônico do AVC. Tornou-se possível perceber que a ativação de algumas estratégias são funcionais a longo prazo, a exemplo das estratégias Lidando com as sequelas e Regulação emocional, que foram usadas durante todo o curso da doença. Observou-se, também, que o uso das estratégias de enfrentamento foram mais comuns entre sujeitos com a funcionalidade pouco comprometida, o que pode estar relacionada com a esperança da recuperação funcional completa.
O presente estudo, no entanto, comporta algumas limitações. O grupo de pessoas estudado tinham diferenças significativas quanto ao status socioeconômico, idade e com relação a tempo de acometimento da doença. O tamanho amostral também poderia ser maior, o que não foi possível visto a dificuldade de encontrar pessoas cujas limitações não fossem impeditivas de se comunicar por meio da fala ou que compreendessem a proposta da pesquisa apresentada. Isto ocorreu em virtude do caráter convencional da amostra, que incluiu pessoas tanto de uma amostra domiciliar, quanto de clínicas públicas e particulares. Sugere-se que esta seja replicada em uma amostra mais homogênea e com uma amostra de maior amplitude para que se possam fazer comparações entre estratégias de enfrentamento e variáveis como tipo do AVC ou tempo de acometimento da doença.