O design, por sua natureza transdisciplinar, tende a adotar um enfoque holístico quanto ao modo de facilitar e proporcionar a melhor solução possível para as partes envolvidas. Uma abordagem gerenciada pelo design amplia as possibilidades de criar e executar projetos capazes de demonstrar resultados tangíveis, que agreguem valor, sejam inclusivos, de máximo benefício para todos os envolvidos, e que contribuam positivamente para o futuro (sem qualquer impacto negativo, como danos ambientais ou desagregação comunitária) (Best, 2012)
Introdução
Em 1900, 10% da população mundial vivia em cidades; em 2007, 50% da população vivia em cidades (Gehl, 2015). Conforme as Nações Unidas (United Nations, 2014), até 2050, aproximadamente 66% da população viverá em áreas urbanas. Esta taxa sem precedentes de crescimento urbano cria urgência para encontrar formas inteligentes de gerenciar estes complexos desafios (Nam e Pardo, 2011; Rizzo, Deserti e Cobanli, 2015).
As cidades, novas ou existentes, precisarão de mudanças cruciais em seus planejamentos urbanos e em suas prioridades, com vistas a um desenvolvimento de cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. Destaca-se maior preocupação com as necessidades das pessoas que vivem e utilizam as cidades e um reforço na função social do espaço da cidade como local de encontro, contribuindo para a sustentabilidade social e para uma sociedade democrática e aberta (Gehl, 2015).
Neste contexto, a inovação social surge como uma possibilidade de mudanças nas práticas sociais. A inovação compreendida como o resultado do conhecimento aplicado a necessidades sociais, por meio da participação e da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral (Bignetti, 2011).
O design, por sua natureza transdisciplinar, tende a adotar um enfoque holístico quanto ao modo de facilitar e proporcionar a melhor solução possível para as partes envolvidas. Uma abordagem gerenciada pelo design amplia as possibilidades de criar e executar projetos capazes de demonstrar resultados tangíveis, que agreguem valor, sejam inclusivos, de máximo benefício para todos os envolvidos, e que contribuam positivamente para o futuro (sem qualquer impacto negativo, como danos ambientais ou desagregação comunitária) (Best, 2012).
Mediante o panorama apresentado propõe-se o seguinte problema de pesquisa: como o design pode contribuir nas inovações sociais visando a concepção e a construção de Cidades Humanas Inteligentes (CHIs)?
Desta forma, esta pesquisa tem como objetivo analisar a atuação do designer como um ator social de articulação estratégica e desenvolvimento de projetos em inovações sociais visando a concepção e construção de CHIs.
Cidades Humanas Inteligentes (CHIs)
Uma cidade inteligente (CI) é aquela que investe em seu capital humano, social e tradicional (transporte), e em modernas infraestruturas de comunicação (TICs), visando um crescimento económico sustentável e uma elevada qualidade de vida, com um prudente gerenciamento dos recursos naturais, por meio de uma governança participativa (Caragliu, del Bo e Nijkamp, 2009).
Conforme Nam e Pardo (2011), os fatores centrais para uma iniciativa de cidade inteligente bem-suce-dida consistem em alinhar as dimensões tecnológica, humana e institucional. Uma cidade inteligente integra infraestruturas e serviços mediados por tecnologia, aprendizado social, para fortalecer a infraestrutu-ra humana e governança, para melhoria institucional e engajamento dos cidadãos. Neste contexto, os fatores humanos estão no mesmo nível dos demais fatores. Entretanto, a cidade tem em suas pessoas o seu recurso crucial (Landry, 2000). Assim, surge um novo campo de estudo: as CHIs, posicionando a dimensão humana no centro do conceito, sem prejudicar os papéis da infraestrutura, economia e sustentabilidade propostos por Nam e Pardo (2011).
A partir de um estudo com setenta cidades europeias, desenvolvido pela Universidade de Tecnologia de Viena, foram identificadas as principais dimensões necessárias para o desenvolvimento de uma cidade humana inteligente (Figura 1): economia, pessoas, governança, mobilidade, meio ambiente e estilo de vida (Giffinger, et al., 2007). À medida que o conceito foi transposto para países emergentes, um novo campo de estudo foi adicionado: inclusão social, visando abordar a pobreza nas cidades, assim como os problemas associados ao rápido crescimento e expansão geográfica.
O conceito de CHIs propõe o uso de tecnologias como um facilitador para conectar e engajar governos e cidadãos, visando reconstruir, recriar e motivar comunidades urbanas, estimulando e apoiando suas atividades de colaboração, o que leva a um aumento geral do bem-estar social.
Ressignificação de espaços públicos
O espaço público é visto como todo e qualquer local de uso e posse dos cidadãos. Tem como característica fundamental servir de ponto de encontro e relações interpessoais na cidade. Ademais, é caracterizado como local democrático, ao facilitar o convívio e intercâmbio entre os diversos grupos que compõem a sociedade urbana, não importando as diferenciações impostas pela comunidade (Arroyo, 2007). Estes espaços, por suas características sociais, podem gerar apropriação e identidade, desde que haja uma construção participativa dos espaços de convivência (Ramírez-Rosete, Arana-Somuhano e Guevara-Romero, 2019). Dentre os espaços que conformam o espaço público, há variadas tipologias e funções, sendo elas: ruas, avenidas, calçadas, assim como, jardins, praças e parques (Alomá, 2013).
A forma como a estrutura de um espaço público urbano é planejada e mantida influencia não só o olhar dos cidadãos como determina todo funcionamento da cidade. Isto porque as pessoas tendem a se afastar de lugares que não estimulem seu uso, fazendo com que haja um desequilíbrio de uso em horários e lugares cada vez mais esquecidos, inseguros, propícios à violência e criminalização ou invadidos e mal utilizados (Gehl, 2015).
Os espaços públicos desempenham, assim, papel fundamental no cenário de recuperação urbana, visto que, à medida que são requalificados, zonas antes esquecidas têm seus conflitos extintos e passam a atrair mais pessoas e recursos, resultando na criação de locais destinados à prática da cidadania e democracia (Gehl, 2015), e na criação do sentido de comunidade, uma vez que deve proporcionar espaços de socialização formais e informais (Talen, 1999).
Inovação social
As inovações sociais são definidas como novas ideias (produtos, serviços e modelos) que atendem simultaneamente às necessidades sociais (mais efetivamente do que as alternativas) e criam novas relações ou colaborações sociais (BEPA, 2010). Atualmente, a inovação social chega como um agente de mudança em potencial em todo o sistema sociotécnico (Manzini, 2017).
Para uma compreensão adequada da inovação social, alguns aspectos devem ser considerados (Howaldt e Schwarz, 2010; Mulgan, et al., 2007):
O significado particular do papel de um coordenador em transmitir as diferentes inovações de grupos pertinentes de atores; visto que este enfoque enfatiza o papel crítico desenvolvido pelos "conectores" (empreendedores e instituições) que unem pessoas, ideias, recursos e poder.
Interdisciplinaridade, heterogeneidade, recursivi-dade e reflexividade do processo criativo.
Uma maior inclusão dos usuários/cidadãos nos processos de codesign, fundamentados na "influência social" e na "política pública"; visto que a inovação social deixa como resultante novas relações sociais entre indivíduos e grupos anteriormente separados.
Uma perspectiva sistêmica sobre inovação no sentido de "sistemas nacionais de inovação", com pesquisa, desenvolvimento, produção e marketing sendo simultaneamente otimizados em um processo interativo.
A inovação social é parte integrante do conceito de CHIs. A construção ou transformação de qualquer aglomeração urbana em uma cidade mais inteligente deve começar pela premissa de estar integrada aos desejos, interesses e necessidades dos cidadãos - atuais e potenciais (Rizzo, Marsh e Molinari, 2013).
Designer como agente de integração no desenvolvimento de CHIs
O design é caracterizado pelo olhar para o mundo da perspectiva projetual. O design é tanto um substantivo (um resultado) quanto um verbo (uma ativi-dade). O "resultado" de um projeto de design pode ser conferido em produtos e serviços. A "atividade" de design consiste em um processo de resolução de problemas centrado no usuário (Best, 2012).
Na atual fase histórica, caracterizada pela intensa inovação científica, tecnológica e industrial, o papel do design consiste em alargar seu escopo de modo a englobar mais áreas, utilizando sua abordagem centrada em pessoas para transpor as tradicionais fronteiras funcionais (Best, 2012; Bonsiepe, 2012). Frente aos complexos desafios do séc. 21, os designers podem exercer importantes papéis:
Designer como visualizador do intangível: o designer deve ser capaz de visualizar sistemas, relacionamentos, emoções, experiências e redes;
Designer como navegador da complexidade: designers precisam entender a teoria da complexidade para ajudar os outros a entender e gerenciar a complexidade e a ambiguidade;
Designer como mediador entre os diversos atores envolvidos;
Designer como coordenador de exploração: deve empregar a técnica da exploração visando maximizar a criatividade nos estágios iniciais de um projeto (Borja de Mozota, 2010).
O design é um terreno fértil - dos mais dinâmicos -, e visa a inovação social em CHIs. No processo de co-design voltado à mudança social, o designer articula a integração entre comunidade, objetivos de projeto, ambiente e serviço prestado à população, fomentando plataformas de planejamento e gestão estratégica de projetos com objetivos socioambientais que colaboram para o desenvolvimento e manutenção de CHIs.
Metodologia
Sob o aspecto metodológico, esta pesquisa se caracteriza por sua natureza teórico-aplicada, com abordagem qualitativa. Explorou a temática sobre a contribuição do design para o desenvolvimento de CHIs. Confirmou seu ineditismo por meio de uma revisão de literatura integrativa, conforme Cooper (1989), em que 1) a partir da identificação da temática e objeto de estudo, 2) foram definidos critérios para inclusão ou exclusão, texto completo, área temática etc. para, então, 3) organizar os estudos selecionados por sua relação com as temáticas de CIs, design, inovação social e sustentabilidade, que, por sua vez, permitiram 4) realizar uma análise sintética integrativa dos resultados. As pesquisas foram realizadas nas bases de dados Web of Science (WOS) e Scopus, a partir do algoritmo contendo as palavras-chave design ou designer, inovação social ou sustentabilidade e cidades inteligentes. Foram obtidos mais de 1.500 resultados; após a aplicação de filtros, restaram 146 trabalhos para leitura de título e resumo, tendo sido pré-selecionados 15 trabalhos para leitura completa pela similaridade em algumas das temáticas abordadas nesta pesquisa. Porém, destes, apenas 2 trabalhos abordavam CIs e Design, um deles com inovação social, porém nenhum com temática análoga ao trabalho desenvolvido, em que o designer busca contribuir num processo de CI, em uma área pública, num processo de inovação social e com o uso de ferramentas de design para organização do processo.
Como método de condução foi adotado estudo de caso associado à observação-participante. O estudo de caso contribuiu para o conhecimento dos fenómenos individuais, grupais, organizacionais, sociais, políticos e relacionados, procurando entender os fenómenos sociais complexos, por meio de fontes de evidência como observação direta dos eventos e entrevistas com os envolvidos e observação-participan-te, pela imersão dos pesquisadores no contexto de pesquisa (Yin, 2010).
Como instrumentos e técnicas de coleta e organização dos dados, utilizou-se: anotações da observação em campo; entrevista estruturada, na qual as perguntas foram formuladas e respondidas oralmente a partir de um roteiro (Marconi e Lakatos, 2011); nuvem de palavras, Nuvem de palavras (word cloud) é um gráfico digital que mostra o grau de frequência das palavras em um texto (A Rede Educa, 2015); brainstorm, técnica para gerar novas ideias ou projetos explorando a capacidade criativa de indivíduos/grupos na busca por soluções de problemas (Pazmino, 2015); mapas mentais, diagrama que armazena, organiza e prioriza informações, usando palavras/imagens-cha-ve, que desencadeiam lembranças, reflexões e ideias (Buzan, 2009); e a ferramenta Design Conectivo, em uso experimental como pesquisa de doutorado, que identifica, mensura, representa e avalia o nível de interação em sistemas, aprofundando o nível de entendimento sobre as interações, incluindo aspectos sociais e humanos (Silva, 2018).
O estudo de caso explorou como o designer pode atuar num processo participativo em busca da viabilização de um projeto voltado para a ressignificação de espaços públicos abandonados. O caso é o Projeto Inova Verde (PIV): ressignificação de espaços, coordenado pelo NAS Design da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no período de 2017 até início de 2019. Um projeto de extensão universitária, com dois bolsistas de graduação envolvidos nas ativida-des de implementação, sendo um deles com foco em design gráfico (comunicação) e outro em design de produto (desenvolvimento de produtos). Teve como colaboradores no desenvolvimento, conceituação e implementação a equipe de pesquisadores do NAS Design e a comunidade acadêmica voluntária. Contribuíram com o desenvolvimento do projeto uma pesquisa de doutorado e dois Projetos de Conclusão de Curso - PCCs. A pesquisa doutoral abordou de forma experimental a aplicação da ferramenta Design Conectivo (Silva, 2018) e os PCCs realizaram o desenvolvimento de mobiliário (Victoria, 2017) e a identidade visual do projeto (Souza, 2017).
O NAS Design, coordenador do projeto, é um laboratório acadêmico do Departamento de Expressão Gráfica da UFSC em Florianópolis, Brasil. O Núcleo é certificado pela instituição no diretório dos grupos de pesquisa do Brasil (CNPQ) e também é filiado à Rede DESIS Internacional.[2]
A UFSC é uma instituição de ensino superior pública brasileira, com sede em Florianópolis. Considerada, pela Times Higher Education, uma das cinco melhores universidades brasileiras - entre 800 instituições mundiais - e a 12â melhor universidade na América Latina (UFSC, 2019a; UFSC, 2019b).
Florianópolis é uma cidade de 500 mil habitantes, capital do estado de Santa Catarina. Considerada a terceira cidade brasileira entre 5.565 com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). É a capital de estado brasileira com melhor qualidade de vida e maior taxa de alfabetização. Sua economia baseia-se nos setores de tecnologia, turismo, serviços e construção civil. Em 2019, ficou na sétima colocação geral no ranking Connected Smart Cities, que aponta o potencial de desenvolvimento dos municípios, destacando-se em tecnologia, saúde e empreendedorismo. Desde 2014, por meio do Programa Municipal de Agricultura Urbana, Florianópolis estimulou a criação de mais de 100 hortas urbanas em parques, escolas, postos de saúde e hospitais (PMF, s.d.; PNUD, s.d.; IBGE, s.d.; Urban Systems, s.d.).
Resultados
Nos resultados encontrados a partir da revisão de bibliografia sobre as temáticas deste trabalho (design, inovação social, sustentabilidade e cidades inteligentes), após a aplicação dos filtros, entre as 147 publicações pesquisadas, apontou-se uma diversidade de estudos relacionados às CIs, tais como: tecnologia da informação e comunicação para transporte sustentável ou para desenvolvimento urbano sustentável; cidades e distritos inteligentes por meio de IOT; sistema colaborativo de apoio à decisão; qualidade de experiência; consumo e gestão de energia; tecnologia para desenvolvimento de casas inteligentes, energia verde e água autónoma; governança inteligente e participação pública no planejamento de CIs; plano político integrado para eco-cidades e territórios ecológicos; cidades reconstruídas após desastres; revisão de literatura sobre tecnologias usadas em cidades inteligentes e sobre as cidades mais inteligentes do futuro. Destes estudos, dois foram selecionados por possuírem maior aderência às temáticas estudadas. Um deles aborda o equilíbrio da relação entre espaços urbanos cheios e vazios: os edifícios de um lado e os espaços externos abertos do outro, a fim de direcionar políticas e intervenções para localizar, dimensionar e projetar corretamente os espaços verdes, em relação ao consumo de energia, conforto ambiental e efeitos positivos na redução de CO2 e no microclima urbano. O segundo trata da integração de design centrado no usuário, inovação social, dispositivos portáteis e sensores, no papel de influenciar as escolhas das pes-soas e os seus padrões de consumo; e apresenta dois trabalhos em andamento que investigam, projetam e desenvolvem ferramentas para avaliar o comportamento positivo das pessoas e recompensar boas escolhas no domínio da mobilidade e logística urbanas e energia para eco-casas, engajando-as em um ambiente colaborativo de melhoria da cidade. Assim como o Projeto Inova Verde, estes trabalhos têm o objetivo de realizar alguma interveniência na cidade a fim de gerar resultados que colaborem para uma CI.
Projeto Inova Verde (PIV)
O PIV se caracteriza por uma associação de conceitos como os de: design, sustentabilidade, sistémico, comunitário, colaborativo e bem-estar. Tem como objetivo a transformação de espaços abandonados, mal utilizados ou com desvio de finalidade, em ambientes ressignificados. Privilegia o fator humano, para que as pessoas se apropriem dos espaços em desuso não apenas pela sua utilização (como cultivo), mas também como espaço de integração social e bem-estar. Por meio de soluções de design, procura proporcionar conforto e criar ambientes de socialização, educação, relaxamento e vivências colaborativas. Neste processo, o designer atua como um agente de integração entre as pessoas (comunidade) e o projeto, para viabilização e transformação do ambiente de forma participativa e colaborativa.
Os conceitos do PIV (Figura 2) permeiam um ambiente de busca por conexões, funcionalidade, transformação, eficiência, estética e realização, derivando em elementos básicos para a ressignificação de um es paço como: design, recursos, comunidade e o espaço, propriamente dito. O design atua como um agente de projetação, por meio de projetos, produtos e serviços que transformam o espaço, utilizando recursos e intermediando as relações entre comunidade, espaço e recursos. O espaço é o ambiente onde busca-se transformação, com foco no bem-estar da comunidade impactada e utilizando-se do design para atingir este objetivo. Os recursos são de origem material, pessoal e/ ou monetária, que possibilitam o desenvolvimento de produtos e serviços, numa relação de ensino-aprendi-zagem com a comunidade, transformando o espaço em um ambiente acessível aos públicos do entorno. A comunidade, numa relação de colaboração e num processo de ensino-aprendizagem com o espaço, com recursos para implementação de soluções, busca a sustentabilidade e a subsistência do espaço transformado (ressignificado). De fora para dentro, têm-se elementos tangíveis - como espaço, design, recurso e comunidade - se convertendo em elementos intangíveis, como sustentabilidade, bem-estar, projetação e acessibilidade. Na linha intermediária entre o tangível e o intangível, tem-se os produtos e serviços, projetos, colaboração e educação.
O PIV teve uma identidade visual desenvolvida (Figura 2), como PCC em Design Gráfico, por um estudante de graduação participante do PIV (Souza, 2017). Esta identidade objetiva a comunicação simbólica de princípios e valores do projeto e colabora para informar sobre a existência dele, seus objetivos e valores, além de dar suporte para a formação da rede de colaboração e sua manutenção. O design da identidade atua como uma interface de comunicação entre o projeto e a comunidade.
O espaço transformado localiza-se no Campus Universitário Central da UFSC, junto ao Bloco A do Centro de Comunicação e Expressão, sob responsabilidade de implementação do grupo de pesquisa do NAS Design. Os principais objetivos do NAS Design no projeto foram: apoiar o desenvolvimento sustentável local, estimular a criação de uma cultura de design sustentado e gerar soluções tangíveis de design para suprir demandas sociais. Sendo que o PIV encon-tra-se na convergência destes objetivos. Além disso, busca alinhar este projeto aos objetivos dos projetos municipais de desenvolvimento de hortas urbanas e aos objetivos da cidade, enquanto CI, que possui virtudes nas áreas de Tecnologia e Inovação, Saúde, Educação, Empreendedorismo e Governança, fomentada por iniciativas e projetos, assim como o evento anual Fórum Smart City Floripa, que em 2020 busca soluções para mobilidade urbana, economia criativa, tecnologias limpas e gestão pública. Alinhado a isso, horta do PIV colabora para transformar aquela área urbana pública em um espaço de cultivo e bem-estar por meio de um processo colaborativo com a comunidade, pela apropriação do espaço como seu, na busca por uma CHI.
PIV: conceituação, desenvolvimento e implementação
Para conhecer o público potencial frequentador do espaço ressignificado, a fim de realizar a conceituação e desenvolvimento da horta do PIV, realizou-se entrevistas guiadas por um roteiro. As pessoas consultadas circulavam nas proximidades do espaço destinado à horta, num total de 50 pessoas. A pesquisa buscou entender o perfil do público e sua percepção sobre as possibilidades de uma horta pública. Foi elaborado um questionário com seis itens, questionando o tipo de vínculo (estudante: 74%; professor: 10%; servidor: 12%; comunidade: 4%), o tempo de permanência na universidade (até 2 horas: 6%; de 2 a 4 horas: 22%; de 4 a 6 horas: 16%; mais de 6 horas: 56%), a faixa etária (até 20 anos: 20%; de 20 a 40 anos: 56%; de 40 a 60 anos: 24%; mais de 60 anos: 0) e a experiência com cultivo (sim: 76%; não: 24%). Além disso, solicitava que expressassem palavras e conceitos (de 10 a 20) que considerassem ter relação com horta. A entrevista foi elaborada pela equipe de designers do NAS Design, que conduziu o processo de aquisição destas informações.
A partir das palavras levantadas pelos pesquisados, foram desenvolvidas nuvens de palavras que destacam as palavras mais citadas pelos transeuntes segundo o seu perfil de vínculo com a universidade: estudantes, professores, servidores e membros da comunidade.
As principais percepções dos estudantes sobre horta foram: terra, verde, planta, água e orgânico. Na visão dos servidores, os elementos foram: terra, tomate, água e alface. Na percepção dos professores foram: qualidade, prazer e saúde, enfatizando conceitos de qualidade de vida. As palavras mais citadas pela comunidade foram: alimento, saúde, salada, tempero, clima, minhoca, sol e terapia, uma opinião diversificada. Uma outra nuvem de palavras foi desenvolvida a partir da opinião de todo o público da amostra da pesquisa. Nesta, os destaques de significados de horta foram: terra, verde, água, orgânico, natureza, saudável, verduras, fruta, adubo, comida e semente.
A partir dos dados da pesquisa e das nuvens de palavras, percebeu-se que o público potencial tem tempo, conhecimento e interesse em transformar, utilizar e cuidar do espaço destinado à horta, tanto para ativi-dades de cultivo como de bem-estar.
Para gerar ideias de possíveis soluções e inovações no projeto da horta, a equipe de projeto do NAS Design chamou pessoas da comunidade académica da UFSC (estudantes, professores, servidores e frequentadores do campus) a participarem de um brainstorm coletivo onde estavam presentes os designers da equipe de projeto da horta (2 estudantes de graduação, 1 estudante de doutorado e o coordenador do projeto) e os colaboradores do projeto (integrantes do NAS Design e colaboradores do PIV pertencentes à comunidade académica). O brainstorm foi realizado a partir do conhecimento do público que frequentaria, assim como dos ideais do projeto, como um espaço de cultivo e bem-estar. As principais ideias elucidadas pelo grupo foram: 1) Ambiente funcional; 2) Horta; 3) Educação ambiental: adultos, jovens e crianças; 4) Espaço de bem-estar; 5) Plantio e cultivo; 6) Sustentabilidade; 7) Coletividade; 8) Resolução de problemas (cheiro) e destaque de virtudes do terreno; 9) Acessibilidade; 10) Projetos associados à horta acontecendo no ambiente; 11) Aplicativo para a horta; 12) Design do ambiente; 13) Banco de semente; 14) A casa do voluntários inserida no sistema da horta; e 15) Hotel de plantas.
A ferramenta mapa mental foi utilizada com o objetivo de levantar os principais conceitos, necessidades e potencialidades da horta urbana pública do PIV. Eles foram desenvolvidos pela equipe de projeto e por alguns colaboradores voluntários do PIV, de forma individual, para que cada um pudesse expressar sua opinião sem influência do grupo. O resultado apresentou conceitos e potencialidades da horta, bem como as necessidades para sua viabilização. Os principais elementos destacados foram: produção, convivência, descanso, alimentação, transformação, colaboração, acessibilidade, comunicação, bem-estar, inclusão, educação, sustentabilidade, qualidade de vida, necessidade e motivação. Um mapa mental foi elaborado a partir dos mapas individuais, com foco nas principais potencialidades do espaço da horta. Este mapa evidenciou que o projeto da horta busca associar um processo colaborativo e sustentável para transformação do espaço público urbano, sob a abordagem do design, que seja replicável e integrado à comunidade.
Para analisar as informações coletadas na entrevista, no brainstorm, nos mapas mentais e na elaboração das nuvens de palavras, estas foram integradas na ferramenta Design Conectivo (DC) para atribuir o nível de prioridade ou interação desejável para cada elemento ou conceito identificado, sendo realizada por uma designer como parte de sua pesquisa de doutorado. A ferramenta foi aplicada com a estratégia de entender "quais os requisitos devem ser levados em conta para implementação do projeto de uma horta para ressignificação de espaço, localizada no CCE-UFSC, na cidade de Florianópolis?" (Silva, 2018).
A DC organizou as informações em dois níveis hierárquicos. De maneira resumida: (primeiro nível de informação), que mostra as prioridades de cada conceito ou elemento no desenvolvimento da horta. Quando menor o número (mais próximo ao centro), maior a prioridade (1: muito alta, 2: alta, 3: média, 4: baixa e 5: mínima). Tem-se que os usuários tinham nível 2 de prioridade, apesar de terem sido identificados vários tipos de possíveis usuários, nem todos teriam prioridade 1, como crianças e idosos, por serem um público que frequenta pouco o espaço da universidade. Os materiais, as necessidades, o cultivo e os benefícios teriam prioridade 1, pois sem eles não é possível implementar e manter o projeto. Os artefatos, a comunicação e os conceitos também tinham nível de prioridade 2, pois nem todos os elementos e conceitos planejados são imprescindíveis ao funcionamento da horta. Os espaços e a educação teriam prioridade 3 (média), pois havia elementos e ações que eram secundários na implementação da horta.
A implementação do projeto da horta sucedeu conforme as prioridades pré-definidas, pelo perfil e opinião do público identificado e por nível de necessidade para funcionamento. Foi conduzida por designers da equipe de projeto do NAS Design e executada coletivamente por alunos, servidores e professores da UFSC, bem como integrantes do NAS Design e da comunidade (Figura 4) de forma colaborativa.
A implementação dos requisitos identificados como desejáveis para o projeto da horta seguiu algumas fases: delimitação do espaço, planejamento da distribuição e funcionalidade do espaço, projeto de arte-fatos, limpeza, melhoria do terreno, articulação para coleta de resíduos e doações como matéria-prima para os elementos estruturantes do projeto da horta (terra, composto orgânico, madeira, vergalhões de ferro, resíduos de poda de árvores, minhocário, entre outros), projeto e desenvolvimento de artefatos, instalação das soluções, produção de mudas, plantio e produção, cuidados com as plantas e manutenção do espaço (Figura 4).
Na implementação da horta foram desenvolvidos quatro canteiros em madeira, realizada a limpeza no terreno, o plantio e o cultivo de hortaliças, temperos, ervas aromáticas, ervas medicinais, frutas e legumes. Foram desenvolvidos mobiliários como bancos e vasos para usos interno e externo (Figura 4), com reaproveitamento de metal e de madeira de podas de árvores e, também, com cimento. O mobiliário proporcionou ao espaço outras funções além de cultivo, aumentando o tempo de permanência no local, por meio de acomodação para contemplação, estudos, relaxamento e bem-estar.
No PIV há elementos não implementados como: mobiliário (mesas) e espaço de relaxamento (rede ou futon). Para dar autonomia ao projeto, a rede de colaboração vem sendo fortalecida, por meio do uso de redes sociais e das comunicações veiculadas pelo PIV, com adesão de professores, servidores, alunos e membros da comunidade em geral. Atualmente, a horta praticamente não necessita do NAS Design para sua manutenção, tendo sido apropriada pela comunidade.
Discussão
O PIV busca em sua essência a ressignificação de espaços, neste caso, o desenvolvimento de uma horta num espaço público pouco utilizado que recebia resíduos de festas que acontecem nas proximidades e de outras origens desconhecidas. O espaço em questão estava descuidado, com desvio de sua funcionalidade e com pouca atratividade. Almejava-se aumentar o número de pessoas que fizessem proveito e frequentassem o local, na busca por sua transformação. Sa-be-se que cidades convidativas devem ter um espaço público cuidadosamente projetado para sustentar os processos que reforçam a vida urbana, de forma acessível, atraente e democrática para todos os grupos da sociedade. O planejamento urbano deve concentrar e inspirar a vida nas novas áreas urbanas (Gehl, 2015). Um aumento na qualidade do ambiente externo estimula principalmente as atividades opcionais e as ati-vidades sociais. Um aumento de atividades é, portanto, um convite a um aumento das atividades sociais.
Espaços públicos como jardinagem libertária e hortas comunitárias, criados e mantidos por moradores, melhoram a qualidade de vida da cidade e do tecido social (Manzini, 2017), transformando os espaços públicos e contribuindo no desenvolvimento de CHIs. Alguns projetos identificados na revisão de literatura integrativa são de longo alcance, enquanto que outros são como o Inova Verde, um microplanejamento que colabora com macroprojetos para a CHI. Percebeu-se no PIV que houve interesse por parte da comunidade no projeto da horta, trazendo colaboradores voluntários que contribuem com o plantio e com os cuidados, mesmo sem uma formalização como voluntário do projeto. O espaço foi transformado e está em processo de ampliação de sua rede de colaboração, aumentando o empoderamento da comunidade para a apropriação do espaço como seu para uso e manutenção. Por meio de uma abordagem com foco na inovação social adotada no projeto, tem-se uma ferramenta para uma visão alternativa do desenvolvimento urbano, focada na satisfação de necessidades humanas (e empoderamento) através da inovação nas relações no seio da vizinhança e da governança comunitária (Moulaert, et al., 2005). Um dos recursos mais importantes nas inovações sociais são certamente os recursos humanos, ou seja, a colaboração e cooperação das pessoas, pois sem elas nada aconteceria (Berlato, 2019). O projeto foi concebido sob a perspectiva de cultivo, uso comum, bem-estar, estética, funcionalidade, buscando os aspectos sociais como primordiais em seu desenvolvimento, o que melhora não apenas o espaço em si, mas também transforma a percepção daquele local, ampliando sua utilização.
Desta forma, faz uma relação direta com os conceitos de CHIs, pois busca atuar com as pessoas, melhorar o estilo de vida por meio do bem-estar, busca a transformação do ambiente para sua melhoria e sustentabilidade, procura a inclusão social no espaço público e procura formalizar o projeto da horta na governança pública da instituição universitária do local onde está localizada, bem como formalizar a sua própria (Figura 5).
A relação do PIV com a comunidade, de projetar uma horta com e para as pessoas que vão utilizá-la, vai de encontro aos conceitos, conforme Costa e Oliveira (2017), de que as CHIs permitem que os cidadãos criem, de forma colaborativa, soluções para os seus desejos, interesses e necessidades, despertando um sentimento de pertencimento e identidade, levando a uma sociedade melhor e mais feliz.
O ambiente universitário é propício ao surgimento desta iniciativa. A universidade é um polo de conhecimento, pesquisa e desenvolvimento propício à emergência de soluções inovadoras para os diversos âmbitos, incluindo o social - a inovação social em um projeto de horta pública, que proporcione o desenvolvimento de CHIs. O ambiente da horta não teve foco apenas no cultivo de alimentos, modelo já conhecido, como deu espaço também para que este ambiente fosse um local de maiores possibilidades sociais.
O design e o designer neste contexto atuaram como mediadores entre a necessidade da comunidade e a solução, organizando o processo e orientando para as possibilidades. Um projeto deste modelo possui alta complexidade e diferentes possibilidades de resolução. Por isso, os especialistas em design partem de uma abordagem centrada no usuário, que focaliza não apenas indivíduos isolados mas comunidades inteiras. Passando, posteriormente, para processos de codesign, que envolvem todos os interessados na busca da solução técnica e na construção de seu significado, a fim de que faça sentido para todos os envolvidos. Os processos de codesign são caracterizados por serem: altamente dinâmicos; com atividades criativas e proativas, sendo o papel do designer um mediador entre diferentes interesses e um facilitador de ideias; e com atividades complexas de design que demandam ferramentas específicas para visualização e prototipa-gem de ideias. O papel de especialistas em design é accionar e apoiar esses processos abertos de codesign, usando o seu conhecimento de design para conceber e aprimorar iniciativas de design claras e focalizadas. Desta forma, o designer pode assumir novos papéis, atuando como um facilitador dos processos de inovação, como um ativista que desencadeia novos processos de inovação, como um estrategista que conecta redes de projetos, e como um promotor cultural, antecipando reflexões críticas e novas propostas de inovação disruptivas na sociedade. Neste processo, a atividade de design deverá ser capaz de empode-rar indivíduos, comunidades, instituições e empresas para a invenção e aprimoramento de novas maneiras de ser e fazer as coisas (Manzini, 2017).
Conclusões
O designer no contexto do PIV e na horta atuou como elemento de integração entre as diferentes frentes de desenvolvimento e implementação do projeto. Realizou a comunicação do projeto, por meio de sua identidade e de todos os meios e suportes por onde ela se comunica. Entende as necessidades da comunidade e busca desenvolver o projeto integrando todas estas necessidades, contando com o suporte de todos os envolvidos. O designer foi um facilitador do processo de concepção e implementação por meio de sua competência em projeto de alta complexidade, o que envolve aspectos de diversos âmbitos, buscando soluções centradas no ser humano. Com este olhar, conclui-se que o designer é um agente que pode contribuir para o desenvolvimento de CHIs.
Os instrumentos e ferramentas adotados para condução da pesquisa, coleta e organização de dados levantaram informações para viabilização e implementação de uma horta com conceitos projetuais aliados aos conceitos almejados pelos usuários. Colaborou para sua organização e desenvolvimento, com vistas à transformação de um espaço público que necessitava de novas perspectivas, por meio de sua renovação, o que colabora para o desenvolvimento de uma cidade humana inteligente.
A partir dos resultados da revisão de literatura concluiu-se que há uma ênfase nos estudos em desenvolvimento de tecnologia da informação e comunicação a fim de colaborar para melhoria do desempenho de uma cidade ou resolver um problema que ela apresente. Poucos estudos sobre design e inovação social contribuem, de fato, para o desenvolvimento de CHIs. Percebe-se aqui possibilidades de estudos e pesquisas na área de design e inovação social e sua contribuição para o desenvolvimento de CHIs.