Services on Demand
Journal
Article
Indicators
- Cited by SciELO
- Access statistics
Related links
- Cited by Google
- Similars in SciELO
- Similars in Google
Share
Revista Latinoamericana de Bioética
Print version ISSN 1657-4702
rev.latinoam.bioet. vol.16 no.1 Bogotá Jan./June 2016
https://doi.org/10.18359/rlbi.1465
ARTÍCULO DE REFLEXIÓN
DOI: http://dx.doi.org/10.18359/rlbi.1465
ATENÇÃO BIOÉTICA À VULNERABILIDADE DOS AUTISTAS: A ODONTOLOGIA NA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA*
ATENCIÓN BIOÉTICA DE LA VULNERABILIDAD DE LOS AUTISTAS: LA ODONTOLOGIA EN LA ESTRATEGIA DE SALUD DE LA FAMILIA
BIOETHICS FOCUS TO AUTISTICS VULNERABILITY: THE DENTAL CARE IN FAMILY HEALTH STRATEGIES
Lais David Amaral**
Talita Fabiano de Carvalho***
Ana Cristina Barreto Bezerra****
* Artículo de Reflexión.
** Doutoranda do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) da Universidade de Brasília (UnB); especialista em Odontologia em Saúde Coletiva pela Universidade de Brasília (UnB). AE 04 Lotes E/F 904 C-Guará II-DF, Brasil. Cep: 71070654 +55(61)98757001 lais.davidamaral@gmail.com.
*** Mestranda do Programa de Gerenciamento e Gestão em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil.
**** Mestre e PhD em Odontologia pela USP, pós doutorado pela School od Dentistry, University os Michigan, USA. Professora Adjunta pela Universidade de Brasília (UnB).
Fecha de recepción: 16 de julio de 2015
Fecha de evaluación: 12 de agosto de 2015
Fecha de aceptación: 26 de octubre de 2015
Disponible en línea: 15 de diciembre de 2015
Cómo citar: David Amaral, L., Fabiano de Carvalho, T. y Barreto Bezerra, A. C. (2016). Atenção bioética à vulnerabilidade dos autistas: a odontologia na estratégia da saúde da família. Revista Latinoamericana de Bioética, 16(1), 220-233. DOI: http://dx.doi.org/10.18359/rlbi.1465
RESUMO
O objetivo deste artigo é descrever e discutir a abordagem e intervenção odontológicas em autistas, assim como a participação da família e dos profissionais de saúde bucal neste contexto. Acredita-se que os princípios de atenção básica podem ser aplicados em autistas e sugere-se um protocolo de atenção odontológica ao autista, orientado às práticas nos serviços públicos de saúde. Assim, sendo necessários novos questionamentos orientados a elevar a qualidade da atenção ao paciente autista pela odontologia, especialmente no Sistema Único de Saúde e particularmente na Estratégia Saúde da Família, no atendimento desta população vulnerável, em um enfoque bioético.
Palabras chave: autismo; odontologia; saúde bucal coletiva; populações vulneráveis, bioética.
RESUMEN
El objetivo de este artículo es describir y discutir el enfoque y la intervención odontológica en autistas, así como la participación de la familia y de los profesionales de la salud oral en este contexto. Se cree que los principios de atención básica de la salud oral pueden ser aplicados en autistas y se sugiere un protocolo de atención odontológica al autista, dirigido a la práctica en los servicios de salud pública. Por tanto, son necesarios nuevos cuestionamientos enfocados a elevar la calidad de la atención odontológica al paciente autista, sobre todo en el Sistema Único de Salud y particularmente en la Estrategia de Salud de la Familia, en la atención de esta población vulnerable, con un enfoque bioético.
Palabras clave: autismo, odontología, salud oral colectiva, poblaciones vulnerables, bioética.
ABSTRACT
The aim of this article is to describe and discuss the dental approach and intervention in autistics, as the engagement of the family and oral health professionals in this subject. It is believed that the principles of basic attention may be applied in autistics and a protocol of autistics dental care is suggested, directed to practice in public health services. Thus the need of new questionings in order to increase the quality of the dentistry attention to the autistic patient, especially in the Unified Health System and particularly in the Family Health Strategy, in the attendance of this vulnerable population with a bioethics focus.
Keywords: autism, dentistry, oral health, vulnerable populations, bioethics.
INTRODUÇÃO
A redução das disparidades socioeconômicas e medidas de saúde pública dirigidas aos grupos vulneráveis permanecem como um desafio para todos os que formulam e executam as políticas públicas no Brasil. Se levarmos em consideração os pacientes com deficiência, um dos grupos mais vulneráveis às doenças, estes podem fazer parte desta polarização, evidenciando a importância dos estudos de prevalência dentária e programas preventivos direcionados.
Situações que podem sujeitar um indivíduo ao não acesso mínimo de dignidade, bem como a serviços sociais básicos e a negação da possibilidade de viver a cidadania e ter garantia de direitos, são uma série de vulnerabilidades.
O termo "Vulnerabilidade" pode ser interpretado como a possibilidade de ser ferido. Tratando-se de Bioética se discutem três sentidos: 1) a vulnerabilidade como condição humana universal; 2) a vulnerabilidade como característica particular de pessoas; e, 3) a vulnerabilidade como princípio ético internacional, a qual eleva a vulnerabilidade ao princípio de Direitos Humanos que visa garantir o respeito pela dignidade humana nas situações em relação às quais a autonomia e o consentimento manifestam-se insuficientes.
A vulnerabilidade se apresenta como um problema social contemporâneo, uma vez que gera temores com a perda do presente e dos anseios futuros. Os indivíduos vulneráveis nos contextos biomédicos são incapazes de proteger seus próprios interesses por causa de doenças, debilidade, doenças mentais, imaturidade, incapacidade cognitiva, desvantagens socioeconômicas (pobreza, encarceramento, ilegalidade, etc.), além, claro, do caso da vulnerabilidade dos animais não humanos.
O Autismo é um transtorno que está presente desde o nascimento e se manifesta antes dos trinta meses de idade, na qual existe deficiência nas respostas aos estímulos visuais, auditivos, fala ausente ou deficiente e é caracterizado por comportamento emocional e social alterados, bem como déficit cognitivo. Definida como uma patologia precoce da primeira infância que se caracteriza por um isolamento extremo do indivíduo que o torna incapaz de estabelecer relações interpessoais comuns com as pessoas e situações.
Os dados da literatura levantados durante o estudo, quanto às características odontológicas autistas são raros e controversos. Cirurgiões dentistas que trabalham na atenção básica, especificamente na Estratégia da Saúde da Família-ESF devem estar familiarizados com as manifestações estomatológicas em indivíduos com algum tipo de deficiência, bem como seus recursos associados, para que possam fornecer o mais alto nível de atenção com os mesmos.
Todo dentista está tecnicamente apto a atender o paciente autista e, diante dele tem obrigação de buscar informação.
A diferença está na sua atitude, dedicação, interesse, carinho e, acima de tudo vontade.
Encontrar as possibilidades mais indicadas de intervenção nestes pacientes deve ser uma busca constante de todos os que trabalham com o autismo, visando atendimentos mais efetivos e ações menos desgastantes e estressantes aos autistas e seus familiares. Sendo assim, foi realizada uma aproximação às formas de abordagem odontológica desenvolvidas em 31 alunos autistas da rede de ensino público do Município de São José do Rio Preto, formulando-se como proposta uma abordagem mais eficaz, efetiva e atualizada, bem como o acesso a saúde de qualidade e garantia de direitos.
Este estudo foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, tendo a autorização expressa da Escola Municipal "Maria Lúcia de Oliveira" e da direção da Rede Municipal de Ensino, resultando em uma defesa de dissertação de mestrado na Universidade de Brasília - UnB, aprovada por uma banca examinadora.
A Odontologia e o Autismo
O transtorno do espectro autista é um termo comumente utilizado para descrever vários transtornos de desenvolvimento em que o indivíduo apresenta diferenças substanciais na natureza do seu desenvolvimento social. Sua etiologia é ainda desconhecida, mas possíveis fatores podem contribuir para o desenvolvimento do autismo, tais como genéticos, infecções, erros de metabolismo, intoxicação por chumbo e síndrome do alcoolismo fetal. Sabe-se que quanto mais cedo à patologia for diagnosticada, mais cedo o autista poderá ser ajudado através de intervenções de tratamento. Cada um dos sintomas do autismo é classificado numa gama de leve a grave. Cada autista apresenta a comunicação e os padrões de comportamento social de forma individual. A comunicação e os problemas de comportamento representam os desafios mais significativos na realização dos cuidados bucais.
Em relação à saúde bucal, segundo o Manual do Programa Nacional de Assistência Odontológica Integrada ao Paciente Especial, os autistas apresentam alta prevalência de cárie e doença periodontal, provavelmente pela dieta cariogênica e dificuldades na higiene bucal, comuns em pacientes especiais. Entretanto, os aspectos bucais dos portadores de autismo não diferem muito dos apresentados por pacientes considerados normais, apresentando principalmente, higiene bucal inadequada. Nestes pacientes são achados altos índices de placa, explicados pelas dificuldades na realização de higiene bucal, por apresentarem alterações de coordenação e pouca cooperação para a realização destas tarefas.
O "medo" e os "traumas" serão sempre uma questão frequente em qualquer intervenção odontológica, presente nos tratamentos de adultos e crianças, com ou sem necessidades específicas. O que, portanto, sempre irá exigir dos cirurgiões dentistas habilidades que irão além de suas capacidades técnicas. A observação das angústias e medos dos pacientes influenciará diretamente em qualquer atendimento e não poderá ser ignorada. No entanto, quando envolve um paciente com necessidades especiais (sejam quais forem) esta atenção e esta sensibilidade se faz mais evidente para o acolhimento mais eminente do paciente.
As técnicas e as abordagens de condicionamento em portadores de transtornos mentais incluem o padrão mais frequente para os atendimentos (principalmente a sedação) e o atendimento diferencial, que inclui o acolhimento, o envolvimento familiar, o condicionamento comportamental e o suporte psicológico.
A saúde bucal do autista está na interdependência de cuidados primários e orientação quanto à promoção de saúde desde a mais tenra idade, levando-se em consideração o contexto em que o paciente está inserido.
O indivíduo autista é um dos mais susceptíveis a cárie dentária e doença periodontal devido à dificuldade de controle de placa bacteriana por meio da escovação, ao uso de medicação que causa xerostomia, a hiperplasia gengival, a hipotonia muscular, a preferência por alimentação pastosa e açucarada, ao hábito de guardar alimentos na boca e a inacessibilidade a serviços odontológicos especializados. Desta forma, os autistas são pacientes com grande quantidade de problemas odontológicos e contam com pouca colaboração para resolvê-los por parte dos serviços de saúde bucal.
O tratamento odontológico do paciente autista deve ter curta duração e de forma organizada. A comunicação com o paciente deve ser feita através de comandos claros e objetivos, com reforços positivos ou negativos. O agendamento deve ser realizado de preferência no mesmo dia e horário da semana e com o mesmo profissional. O cirurgião-dentista deve estar voltado para os procedimentos de tratamento, bem como controle mecânico da placa bacteriana e o condicionamento do paciente, motivação e orientações frequentes aos cuidadores em relação à higiene bucal, dieta alimentar e comportamento de auto-injúria.
O desenvolvimento de boas relações entre profissional e paciente reduz a ansiedade e melhora a compreensão. O profissional utilizando os pontos fortes do paciente autista ao invés de pontuar suas fraquezas, pode aumentar o controle da situação. Muitos pacientes autistas apresentam pouca coordenação motora e podem não ser capazes de executar tarefas básicas realizadas pelos profissionais de saúde bucal, mesmo quando dão o melhor de si.
O envolvimento familiar, no tocante a higiene bucal domiciliar, é de fundamental importância para o sucesso do tratamento.
As ações de saúde bucal no universo familiar podem constituir-se num importante instrumento de articulação com a assistência odontológica na busca da identificação dos grupos de maior risco social ou das famílias e cidadãos excluídos do acesso aos serviços.
Segundo Roncalli a assistência com base no domicílio, introduz uma nova lógica assistencial que rompe com a prática histórica da odontologia, essencialmente focada no alívio da dor e no trabalho dentro das quatro paredes do consultório.
A Odontologia na Estratégia da Saúde da Família e o compromisso bioético com o Autista
Segundo o Ministério da Saúde, a Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde.
Entre as tarefas desenvolvidas pelo Cirurgião Dentista (CD) da Estratégia da Saúde da Família, está a realização da atenção integral em saúde bucal (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) individual e coletiva a todas as famílias, a indivíduos e a grupos específicos, de acordo com planejamento local, com resolubilidade; encaminhar e orientar aos usuários, quando for necessário, a outros níveis de assistência, mantendo sua responsabilização pelo acompanhamento do usuário e o segmento do tratamento.
A atenção odontológica do paciente autista, e com outras necessidades especiais, deve incluir visitas domiciliares, condicionamento deste paciente ao ambiente do consultório odontológico, familiarização com a equipe de saúde bucal e também aproximação entre o Cirurgião Dentista e a família do paciente.
Este plano de ações pode envolver visitas agendadas ao consultório odontológico a fim de que o paciente sinta-se ambientado, se familiarize com os equipamentos e os materiais e conheça odores, sabores, cores e ruídos.
Em saúde bucal, particularmente, a assistência aos pacientes com necessidades especiais-PNE's-é insignificante, necessitando- se, imediata e definitivamente, da implementação de estratégias que possibilitem o acesso ao atendimento clínico odontológico adequado, dentro de uma proposta de atenção integral, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos usuários PNE's.
As pessoas com deficiência devem ter oportunidades iguais de participação em todos os atendimentos e atividades dos serviços de saúde. Suas necessidades básicas são comuns, como: vacinação, consultas, pré-natal, planejamento familiar, puericultura e saúde bucal.
É importante que a equipe de saúde bucal, na sua atuação, identifique as pessoas com deficiência e as suas características, de maneira que possibilite realizar um planejamento e direcionamento das ações.
Atualmente ainda observa-se a dificuldade para o atendimento destes pacientes devido à escassez de serviços especializados, à falta de profissionais treinados para a absorção da demanda existente, sendo estes fatores associados às dificuldades intrínsecas no atendimento odontológico deste grupo.
Fazer a diferença na saúde bucal de uma pessoa autista pode trazer pequenos benefícios no início, mas a determinação do profissional, dos familiares e do próprio paciente, pode trazer resultados muito positivos e de valores inestimáveis.
O profissional de saúde bucal que trata pacientes autistas deve ter a mente e o coração abertos, trabalhar com habilidades emocionais e não somente com habilidades intelectuais e clínicas. A capacidade de chegar perto do paciente, tanto física quanto emocionalmente e a capacidade de deixar para trás somente o raciocínio e as técnicas para a realização de procedimentos odontológicos, usando o instinto e a criatividade, são importantes para o sucesso deste trabalho.
Quanto mais focada na prevenção for a atenção odontológica ao autista (apesar das dificuldades de colocá-la em prática), mais benéfico há para o paciente e também para os cuidadores/ familiares, criando assim ambientes familiares menos angustiantes e pacientes colaboradores.
O atendimento odontológico destes pacientes envolve procedimentos preventivos e curativos em relação aos problemas básicos encontrados. O que diferencia o atendimento desses pacientes é o controle do comportamento durante as consultas, o que é extremamente difícil, considerando as suas principais limitações e o comportamento atípico.
Referente às técnicas de manejo comunicativo e comportamental o Cirurgião Dentista deve procurar conhecer as peculiaridades do paciente. É necessário que o profissional esteja preparado, além de se adequar às rápidas mudanças, nas necessidades do paciente. É importante elogiar verbalmente (reforço positivo) e imediatamente após da conclusão de cada etapa do encontro terapêutico e, quando for possível, oferecer uma recompensa ao final de cada sessão.
É relevante dizer, que o profissional de saúde que faz parte do corpo clínico do atendimento público (seja ele médico, enfermeiro, dentista, agente de saúde, entre outros) deve voltar sua atenção, seu preparo e a organização do seu tempo para um atendimento ético, de qualidade, efetivo e por que não, até mesmo diferenciado aos autistas, permitindo inseri-los de fato em ações preventivas que visam à qualidade de vida real para esses sujeitos e seus familiares, promovendo assim, atenção primária em saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O objetivo do estudo foi analisar o comportamento de profissionais de saúde e familiares na abordagem e intervenção odontológica em alunos de uma escola municipal que atende a 42 autistas, assim como a participação de cuidadores/ familiares e dos profissionais de saúde bucal, responsáveis por estes pacientes neste contexto.
Foi realizada uma pesquisa quantitativa e qualitativa com aplicação de questionários para os diferentes participantes da pesquisa, de cunho exploratório. Segundo Minayo a principal fonte de dados utilizada no método qualitativo é a realidade social do sujeito e o conjunto de representações, crenças, valores, significados, interações, hábitos e atitudes, que fazem parte de sua vida e que estão relacionadas ao fenômeno a ser investigado.
Foram examinados e acompanhados, durante o período do ano letivo de 2012, 31 dos 42 alunos que foram atendidos pela escola, de ambos os sexos, com idades entre 5 a 44 anos. Quatorze destes alunos receberam atenção básica odontológica durante o período da pesquisa.
A situação odontológica destes 31 alunos incluiu os seguintes aspectos: exame extrabucal, da mucosa oral e periodonto, verificação da presença de manchas de esmalte e dentina, condições dos dentes, necessidades protéticas e ortodônticas. Também foram entrevistados 31 pais (cuidadores/ familiares) respectivos aos alunos participantes da pesquisa.
Com relação aos resultados da situação de saúde bucal observados nos alunos da Escola do Autista e acompanhando a sequência do exame realizado no sistema estomatológico dos 31 alunos, a situação de condições extrabucais encontradas, mostrou que coincidentemente 29,03% não apresentaram nenhuma alteração nas condições extrabucais ou apresentaram dois tipos diferentes de alteração. Entre os examinados 19,35% apresentaram uma alteração extrabucal, 12,9% apresentaram 3 tipos de lesões e apenas 9,68% apresentaram 4 ou mais tipos de alteração extrabucal.
Deve-se enfatizar que 45% dos examinados apresentaram assimetria facial de desenvolvimento, seguidos por ataxia (32,25%) e hábitos de roer unhas (29%).
Orique, que realizou um estudo no mesmo local desta pesquisa, encontrou números similares, sugerindo que as alterações extrabucais aqui descritas, estão relacionadas a comportamentos de auto-injúria e alterações do crescimento facial, além disso, características de síndromes relacionadas ao autismo, podendo aparecer, segundo Medina em até 70 % dos casos, no decorrer da vida dos alunos participantes da pesquisa.
Houve um resultado relevante na frequência das alterações de periodonto, (P~0,0000), sendo que gengivite generalizada (31,12%), cálculo localizado (28,89%) e gengivite localizada (20%) foram as alterações mais encontradas.
Observa-se que a grande maioria destes problemas estão localizados na gengiva e/ou reborbo alveolar, que apontam para um resultado estatisticamente relevante (P~0,0000) e que mostra as consequências nestes autistas da higiene bucal ineficiente, o uso de medicamentos controlados e de dietas ricas em carboidratos, que provocam mais alterações periodontais relacionadas à gengivite e periodontite.
Esses resultados chamam a atenção para a necessidade de um reforço positivo para com os cuidadores/familiares no sentido da orientação, informação e capacitação no cuidado em higiene bucal, que pode elevar a qualidade de saúde bucal nesta população.
Com relação à situação da cárie dentária, os alunos autistas apresentaram uma média de CPO-D de 6,92%, sendo que o maior componente encontrado foi de dentes restaurados sem cárie, fruto da atenção que vem sendo prestada aos alunos da Escola do Autista por instituições ligadas ao atendimento de pacientes com necessidades especiais (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais-APAE e Ambulatório Médico de Especialidades - AME), além de Unidades Básicas de Saúde Pública.
Dentro das necessidades observadas aponta-se para uma tendência do tratamento preventivo, vista a relevância estatística dos dados (P~0,0000), bem como pela necessidade iminente de limitar o mais precocemente possível os problemas de cárie dentária e doença periodontal encontrados, seguido da necessidade de restaurações (em 17 sujeitos) e outros.
Foi possível concluir a atenção integral clínica odontológica em 14 dos participantes da Escola do Autista, além de ter realizado, em todos eles, atividades promocionais, preventivas específicas e de acompanhamento emergencial. A captação destes alunos foi realizada através de visita domiciliar e acompanhamento de ações coletivas realizadas dentro do ambiente escolar.
Foi possível verificar a excelente colaboração dos alunos e cuidadores/familiares com o tratamento odontológico, considerando as dificuldades de sua condição de saúde. A maioria mostrou agrado e satisfação na abordagem integral do processo odontológico, especialmente por parte dos cuidadores/familiares que expressaram sua satisfação com o comportamento técnico e afetivo dos autores deste estudo, sendo que chamou atenção para eles o enfoque integral, no próprio contexto social, para atender às necessidades de saúde bucal destes pacientes especiais.
Doze (38,71%) dos cuidadores/familiares expressaram ser o principal motivo da primeira visita do seu filho ao consultório odontológico; a dor, seguido da realização de exame bucal, respondida por sete (22,58%). Seis (19,35%) manifestaram que a primeira visita foi com o objetivo de realizar atividades preventivas, dois (6,45%) por mau hálito e dois por dentes cariados ou quebrados.
Quando são perguntados especificamente sobre a realização de higiene bucal, sendo esta uma das necessidades mais eminentes para garantir a saúde bucal, 30 cuidadores/familiares (96,77%) manifestaram realizar limpeza com uso de escova dentária, alguns deles agregaram o uso do fio dental, bochechos com produtos fluoretados e unicamente 2 manifestaram fazer a higiene bucal com uso de pano úmido, 1 deles agregando- lhe o uso de creme dental. Quanto à frequência da realização desta higiene bucal, 12 cuidadores/familiares (38,71%) disseram fazê-lo 2 vezes ao dia; 10 (32,26%) o fazem apenas 1 vez ao dia e 9 (29,03%) disseram realizar a higiene bucal 3 vezes ao dia. Resulta importante anotar sobre o momento da higiene bucal, que 26 dos cuidadores/ familiares (83,87%) realizavam esta atividade ao acordar, 17 antes de dormir, 6 após o almoço, 2 após o jantar e 3 após as refeições. 7 (22,58%) cuidadores/ familiares relataram realizar a higiene bucal no momento do banho de seus filhos e afirmaram que havia boa aceitação da escovação neste momento.
A informação mais importante advém de que 29 dos cuidadores/familiares (93,54%) relataram que eles próprios realizam a limpeza bucal nos autistas. Apenas 5 manifestaram que o Cirurgião Dentista também realiza esta atividade durante as consultas odontológicas, sendo que 2 deles relataram que o próprio aluno realizava sozinho a higiene bucal. Faz-se importante o estímulo à aprendizagem correta por parte dos cuidadores/ familiares, de técnicas adequadas de higiene bucal, pois devido a sua permanência mais próxima ao autista, os mesmos podem modificar satisfatoriamente a qualidade de vida destes sujeitos. Para isso é imprescindível que o os cirurgiões dentistas modifiquem sua conduta e passem a realizar atividades de promoção e educação em saúde bucal durante as consultas individuais e visitas domiciliares, destinadas ou não a pacientes autistas.
Quando perguntados sobre o que esperam que o autista receba durante a atenção odontológica como atividade fundamental para os sujeitos, os cuidadores/ familiares responderam com diversas ações que, para eles, teriam significado na melhor saúde bucal de seus filhos.
Cabe ressaltar que 27 (87,1%) dos cuidadores/ familiares manifestaram esperar receber carinho por parte da equipe de saúde bucal, seguido de atenção, acolhimento e cuidado especial para com eles.
Com relação à dieta, há uma preferência por alimentos pastosos como arroz com caldinho de feijão, pães e bolachas amolecidos no leite, verduras bem cozidas e algumas vezes amassadas. Notou-se também que entre os 31 cuidadores/ familiares, poucos responderam o consumo de frutas como parte da dieta alimentar dos autistas.
Fazendo parte do trabalho de condicionamento do autista, realizado no consultório, o Cirurgião Dentista pode ir até a sua casa, conhecer um pouco de sua intimidade e seus hábitos diários, aproximar-se do paciente e de sua família e aos poucos, propor novos hábitos na rotina desta família.
Nos casos em que o CD não está apto ou não tem a estrutura necessária para tratar os dentes do paciente autista em seu próprio consultório, é interessante que ele acompanhe o paciente junto com o familiar, à consulta no local de referência, já que este profissional tem a confiança do paciente autista e de sua família. A sua presença poderá tranquilizar ou minimizar o nervosismo do paciente durante o procedimento, mesmo que seja realizado por outro CD.
A manutenção/continuidade de um tratamento odontológico é importante em qualquer atendimento clínico. Quando realizamos um tratamento, seja qual for, em um paciente considerado normal, a manutenção muitas vezes, vem agregada a evolução positiva daquele paciente. Agora, tratando-se do paciente autista a manutenção é fundamental. O CD deve-se preparar para dar sequência ao que já foi realizado anteriormente e deve saber que a resposta a esta manutenção será diferente daquela de um paciente sem necessidades especiais.
É muito importante compreender a complexidade de um quadro de autismo, que muitas vezes não irá evoluir ao ponto de realizar, por exemplo, uma escovação com todas as especificidades necessárias, mas se estiver realizando uma escovação, já é um avanço que deve ser considerado e valorizado, pois é de fato uma evolução e é benéfico.
Lidar com as limitações do paciente e também com as próprias expectativas é importante para a manutenção do tratamento e para manter ao paciente, à família e aos profissionais motivados e envolvidos.
O Cirurgião Dentista, envolvido em atender as necessidades de sua comunidade, irá buscar, através de sua própria experiência, estratégias e ações que lhe permitirão a realização deste trabalho.
Observando todas as dificuldades que já foram apontadas sobre a saúde e higiene bucal do paciente autista, tendo em conta também que as ações da equipe da Estratégia da Saúde da Família incluem o trabalho de visitas domiciliares, sugere- se que toda a equipe de saúde bucal, incluindo o Cirurgião Dentista, elabore um plano de ações para promover a saúde bucal destes pacientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a revisão da literatura dos últimos dez anos em relação aos princípios técnico-clínicos e sociais da abordagem integral de pacientes autistas, pode considerar-se "possível e desejável" uma aproximação ética, social, psicológica e de saúde bucal à promoção, prevenção, diagnóstico precoce, limitação do dano e reabilitação da saúde bucal de autistas.
Os achados desta pesquisa apontam para uma necessidade de diagnóstico precoce de autismo em crianças, já que o estudo observou que os cuidadores/familiares notam comportamentos diferentes nestas crianças antes dos dois anos de idade, entretanto o diagnóstico do autismo acontece após esta idade.
A abordagem social e familiar permite conhecer as determinações do processo de saúde-doença do autista no próprio contexto social, especificar as principais características epidemiológicas e necessidades de saúde bucal.
Os princípios da prática odontológica podem ser aplicados, desde a atenção básica na Estratégia de Saúde da Família até adequadas referências e contra referências para clínicas especializadas de acompanhamento da saúde bucal, no próprio contexto social da moradia do autista, desenvolvendo uma atenção integral a estes pacientes.
É possível acompanhar a história biopsicossocial das condições em que se desenvolve o autista, para permitir uma melhor inclusão social dos mesmos desde que, seja utilizada uma boa competência técnico-clínica, vontade de ser solidário no processo e seguir os preceitos definidos para a atenção básica da população brasileira, como uma sociedade total.
É possível assim, captar diferenças sobre satisfação no processo clínico social empregado na realização dessas atividades e realizar trabalho solidário com as famílias em todo o processo de abordagem clínico-psico-social.
O atendimento e o acompanhamento de pacientes com necessidades especiais é uma realidade e uma constante nos serviços públicos de saúde. Cabe aos profissionais buscar novas metodologias para realizar o atendimento de forma mais adequada possível.
A melhor compreensão do processo de abordagem técnica e maior comunicação profissional-paciente-família parecem necessitar de maior pesquisa científica, para demonstrar os reais e objetivos efeitos da prática profissional odontológica diferenciada, bem como o alcance da satisfação dos pacientes e seus cuidadores/familiares num enfoque integral.
Para definir o conceito de vulnerabilidade alguns estudiosos utilizaram interpretações como fragilidade, desfavor, desproteção, desamparo e abandono. Cabe pontuar a suscetibilidade (social, física e emocional) de cada um para tal propensão.
A aplicabilidade dos Princípios Doutrinários do SUS requer a realização da atenção integral em saúde bucal (promoção, proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico precoce, limitação dos danos, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) individual e coletivamente a todas as famílias, indivíduos e grupos específicos, de acordo com o planejamento local e com resolubilidade.
Assim, faz-se necessário a criação de um protocolo de atenção odontológica ao paciente autista que descreve as etapas de condicionamento e humanização com esta população.
O olhar bioético sobre esses aspectos contribui para a construção de políticas públicas mais dignas, igualitárias e acessíveis, que poderão proporcionar melhores condições de vida a estas populações.
REFERÊNCIAS
1. Alves EGR. (2005). Atendimento Odontológico a autistas. Recuperado el 3 de junio de 2010, de http://www.guiaodonto.com.br/ver_artigo.asp?codigo=228 [ Links ]
2. Amara, L.D. (2013). Comportamento de Profissionais de Saúde e Familiares na Abordagem Integral das necessidades da saúde Bucal de Autistas em São José do Rio Preto [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília. [ Links ]
3. Amaral, L.D. y Portillo, J.A.C. Mendes, S.C.T. (2011). Estratégias de Acolhimento e Condicionamento do Paciente Autista na Saúde Bucal Coletiva. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, 105-114. [ Links ]
4. Braff, M.H. y Nealon, L. (1979). Sedation of the autistic patient for dental procedures. ASDC Journal of Dentistry for Children, 46(5), 404-407. [ Links ]
5. Brasil, Ministério da Saúde. (1992). Manual do Programa Nacional de Assistência Odontológica Integrada ao Paciente Especial. Brasília: autor. [ Links ]
6. Brasil, Ministério da Saúde. (2002). Saúde Bucal no Programa Saúde na Família - Equipes de Saúde Bucal. Brasília: autor. [ Links ]
7. Corrêa, M.S.N.P., Corrêa, J.P.N.P. y Corrêa, F.N.P. (2007). Aspectos Clínicos e Psicológicos de Pacientes com Necessidades Especiais Relevantes na Conduta Odontológica. En A. S. Haddad (Ed.), Odontologia para Pacientes Especiais (p. 23). São Paulo: Santos. [ Links ]
8. Campos, C.C. y Haddad, A.S. (2007). Transtornos de comportamento e tratamento odontológico. En A. S. Haddad (Ed.), Odontologia para pacientes com necessidades especiais (pp. 229-239). São Paulo: Santos. [ Links ]
9. Campos, C.C., Frazão, B.B., Saddi, G.L., Morais, L.A et al. (2009). Manual prático para o atendimento odontológico de pacientes com necessidades especiais. Goiânia: Universidade Federal de Goiás. [ Links ]
10. De Palma, A.M. y Raposa, K.A. (2010). Building Bridges: dental care for patients with autism. Recuperado el 7 de junio de 2011, de http://www.ineedce.com/coursereview.aspx?url=2037%2FPDF%2F1103cei_aut.pdf-sc-14486 [ Links ]
11. Enlow, D.H. (1975). Handbook of Facial Growth. Philadelphia: Saunders. [ Links ]
12. Fombone, E. (2002). Epidemiological trends in rates of autism. Molecular Psychiatry, 7(Suppl 2), S4-6. [ Links ]
13. Garrafa, V. y Portillo, J.A.C. (Org.) (2006). Pesquisas de bioética no Brasil de hoje. São Paulo: Gaia. [ Links ]
14. Garrafa, V. y Prado, M.M. (2001). Mudanças na Declaração de Helsinki: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social. Cadernos de Saúde Pública, 17(6), 1489-1496. [ Links ]
15. Grusven, M.F.V. y Cardoso, E.B.T. (1995). Atendimento odontológico em pacientes especiais. Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas, 49(5), 364-9. [ Links ]
16. Katz, C.R.T., Vieira, A., Menezes, J.M.L.P y Colares, V. (2009). Abordagem psicológica do paciente autista durante o atendimento odontológico. Odontologia Clínico-Científica, 8(2), 115-121. [ Links ]
17. Klein, U. y Nowak, A.J. (1999). Characteristics of patients with Autistic Disorder (AD) presenting for dental treatment: a survey and chart review. Special Care Dentistry, 19(5), 200-207. [ Links ]
18. Marega, T. y Aiello, A.L.R. (2005). Autismo e tratamento odontológico: algumas considerações. Revista Íbero-americana de Odontopediatria & Odontologia de Bebê, 8(42), 150-157. [ Links ]
19. Medina, A.C., Sogbe, A. y Gomez, R.M. (2003). Factitial oral lesions in an autistic pediatric patient. International Journal of Paediatric Dentistry, 13(2), 7-130. [ Links ]
20. Minayo, M.C.S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade (26ª ed). Rio de Janeiro: Vozes. [ Links ]
21. Nagendra, J. y Jayachandra, S. (2012). Autism spectrum disorders: dental treatment consideration. Journal of International Dental and Medical Research, 5(2), 118-121. [ Links ]
22. Negri, N. (s. f.). La vulnerabilità sociale. Recuperado el 13 de agosto de 2013, de http://economia.unipv.it/pagp/pagine_personali/afuma/didattica/sem_capitalismo_cognitivo/Materiale%20Didattico/La%20vulnerabilita%20sociale%20-%20N.%20Negri%20%28Rampazi%29.pdf [ Links ]
23. Oriqui, M.S.Y. (2006). Avaliação Clínica das Condições de Saúde Bucal de Pacientes Autistas [dissertação]. São José do Rio Preto, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. [ Links ]
24. Organização Mundial da Saúde, CID 10. (1994). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID 10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
25. Patrão Neves M. C. (2007). Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. En C. P. Barchifontaine, E. L. C. Zoboli (Orgs). Bioética, vulnerabilidade e saúde (pp. 29-45). Aparecida: Ideias e Letras. [ Links ]
26. Pereira, A.C. et al. (Orgs) (2003). Odontologia em Saúde Coletiva. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
27. Roncalli, A.G. (2000). Organização da demanda em serviços públicos de saúde bucal: universalidade, equidade e integralidade em saúde bucal coletiva (Tese). Araçatuba: Universidade Estadual Paulista. [ Links ]
28. Savioli, C., Campos, V.F. y Santos, M.T.B.R. (2005). Prevalência de cárie em pacientes autistas. ROPE: Revista internacional deodonto-psicologia e odontologia para pacientes especiais, 1(1), 80-84. [ Links ]