Introdução
O avanço tecnológico no setor saúde tornou imperativo que a ciência buscasse métodos diagnósticos cada vez mais sensíveis e precisos. Assim, surgiu a especialidade denominada medicina diagnóstica (MD), a qual é considerada como um conglomerado de especialidades direcionadas à realização de exames complementares, que contribuem em toda a cadeia de saúde: prevenção, diagnóstico, prognóstico e acompanhamento terapêutico 1,2.
A atuação da enfermagem em MD ocorre na fase que compreende, principalmente, a assistência e o preparo do usuário para a realização de exames específicos de imagem e métodos gráficos e a coleta de amostras biológicas, objetivando a qualidade do exame, da assistência prestada e a segurança do paciente.
A qualidade no setor saúde pode ser considerada como a razão entre o nível de eficácia do serviço e a expectativa do usuário, que vem sendo almejada pelas instituições que se preocupam em garantir um ambiente seguro para o exercício profissional e, consequentemente, com o mínimo risco aos usuários 3,4.
Nessa direção, cabe aos gestores a avaliação contínua da qualidade, por meio de instrumentos que a propiciem. No entanto, dadas a escassez de estudos que enfoquem a avaliação da qualidade e a segurança da assistência de enfermagem em MD, bem como a inexistência de escalas ou instrumentos disponíveis e validados para esse fim, constatou-se a necessidade de elaborar um instrumento que permita essa avaliação, sob a perspectiva da equipe de enfermagem e que, consequentemente, contribua na gestão dos serviços de MD.
Considera-se relevante obter dados referentes à percepção da equipe de enfermagem a respeito da qualidade da assistência prestada, uma vez que os resultados, em grande parte, dependem do compromisso e do comprometimento desses profissionais, o que justifica este estudo.
Para a elaboração de um instrumento de avaliação, deve ser considerado o preceito do rigor metodológico por meio de etapas e procedimentos precisos e bem definidos 5,6. Outrossim, o pesquisador deve estar ciente de que os fenômenos nos quais está interessado em estudar devem ser traduzidos em conceitos que possam ser medidos, observados ou registrados 7,8.
O processo de validação de um instrumento pode ser entendido como um procedimento metodológico de avaliação da capacidade desse instrumento em medir, com precisão, um dado fenômeno 7,8.
Por conseguinte, este estudo objetivou descrever as etapas e os critérios empregados na construção e na validação de um instrumento para a avaliação da qualidade e da segurança da assistência de enfermagem em MD, por meio da análise de conteúdo e da análise de consistência interna.
Materiais e método
Pesquisa metodológica com foco na elaboração e na validação de um instrumento de avaliação, cujo projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da própria instituição onde o estudo foi realizado, mediante o Parecer 006/2010. Trata-se de instituição privada de MD, na qual trabalhavam 38 enfermeiros e 372 auxiliares e técnicos de enfermagem em 21 unidades de atendimento, sendo 19 no Estado de São Paulo (Brasil).
O referencial metodológico utilizado foi baseado em Pasquali, que descreveu as etapas necessárias para elaboração e validação de um instrumento de medida escalar, divididos em três grandes polos: teórico, empírico e analítico 9.
O polo teórico enfoca a teoria que deve fundamentar o construto para o qual se quer desenvolver um instrumento e a operacionalização do construto em itens; o polo empírico é composto pelas etapas e as técnicas de aplicação do instrumento, bem como pela coleta de informações para proceder à avaliação psicométrica do instrumento; no polo analítico, destacam-se as análises estatísticas dos dados coletados para a validação do instrumento 5,9.
Polo teórico
Esta etapa objetiva a construção e a validação do conteúdo do instrumento. Nesse sentido, a construção teórica foi pautada na revisão da literatura nacional e internacional sobre os temas: qualidade assistencial e MD; na experiência profissional da pesquisadora em MD e no referencial teórico de Donabedian, que amplia a abrangência do conceito de qualidade para além do plano individual, e propicia a avaliação da interação entre o comportamento individual e os componentes de estrutura, processo e resultado 10,11.
Assim, foram elaboradas 45 proposições com atributos positivos e negativos, distribuídas equitativamente nas dimensões de estrutura, processo e resultado, sob a forma de um instrumento de medida escalar tipo Likert, com cinco graus de escolha: discordo totalmente, discordo parcialmente, nem concordo, nem discordo, concordo parcialmente e concordo totalmente. Tomouse o cuidado de adequar a linguagem com os termos específicos utilizados na instituição na qual o instrumento seria aplicado após o processo de validação.
A escala de Likert é concebida para permitir que os sujeitos respondam com graus variados de satisfação a cada item, estabelecendo respostas graduadas para cada afirmação, com vistas a medir percepções e atitudes 8,12.
As proposições relacionadas à dimensão de estrutura abordaram os recursos físicos, materiais, quadro de pessoal de enfermagem e infraestrutura; as proposições vinculadas à dimensão de processo diziam respeito ao conjunto de atividades desenvolvidas pela equipe de enfermagem, o que inclui relacionamento interpessoal e capacitação profissional; as proposições a que se referiam à dimensão de resultado trataram das características desejáveis do serviço, o resultado da assistência, a satisfação do profissional e do usuário.
Após a construção, o instrumento foi analisado para validação de conteúdo por meio do julgamento de nove juízes, dentre eles três professores doutores, dois mestres e quatro especialistas em enfermagem com reconhecida experiência nos assuntos relacionados à avaliação da qualidade nos serviços de saúde, à metodologia empregada ou à temática de MD. Essa etapa ocorreu nos meses de março e abril de 2010.
Cada proposição foi avaliada pelos juízes considerando como parâmetros a relevância, a pertinência, a clareza e a sensibilidade, tendo como opção sim e não para cada um dos parâmetros e um espaço destinado para sugestão e adequação. A escala empregada também foi avaliada quanto a ser efetiva, exequível e suficiente.
Polo empírico
O objetivo desta etapa é possibilitar a análise estatística de consistência interna ou homogeneidade e, assim, proporcionar confiabilidade ao instrumento de medida após a validação de conteúdo realizada. Nesse sentido, o instrumento foi aplicado durante os meses de maio e junho de 2010; os participantes foram esclarecidos acerca dos objetivos desta pesquisa e sobre o sigilo das informações. Aos que aceitaram participar, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para a coleta de dados, a população foi constituída por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem atuantes nas unidades de atendimento do Estado de São Paulo, e excluídos aqueles com cargos gerenciais e de consultoria, em gozo de férias e licenças e, ainda, aqueles contratados há menos de seis meses. Assim, o questionário foi respondido por 203 participantes, dentre os 217 elegíveis.
Com a finalidade de assegurar a compreensão, identificar possíveis falhas e, caso necessário, proceder às adequações, foi realizado um pré-teste do instrumento piloto com um grupo de onze participantes, escolhidos aleatoriamente, composto por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Esses participantes foram excluídos da população do estudo.
Polo analítico
Com vistas à análise e à validação estatística da consistência interna do instrumento, foco desta etapa metodológica, as respostas dos 203 participantes foram inseridas e armazenadas em planilha eletrônica Excel®. Posteriormente, por meio do software Stata 10.0, esses dados foram analisados e correlacionados para a determinação do coeficiente do teste de Alpha de Cronbach, o qual tem por finalidade estimar a confiabilidade do instrumento, a partir da correlação entre respostas do questionário por meio da análise do perfil das respostas obtidas 13. Quanto mais elevadas forem as covariâncias ou correlações entre os itens, ou seja, quanto mais próximo a um, maior a homogeneidade dos itens e a consistência com que medem a mesma dimensão ou construto teórico 13,14.
Resultados
Na validação de conteúdo, os nove juízes analisaram as 45 proposições distribuídas equitativamente nas dimensões de estrutura, processo e resultado descritas no modelo donabediano de avaliação da qualidade em serviços de saúde, considerando individualmente para cada proposição os quesitos de relevância, pertinência, clareza e sensibilidade.
Após o retorno de todos os instrumentos de validação pelos juízes, procedeu-se à análise dos pareceres, para a qual foi definido o critério de 80% de concordância para cada quesito, em cada uma das proposições, conforme referencial metodológico utilizado 5,6.
A Tabela 1 apresenta a análise resultante dos pareceres dos juízes em cada uma das dimensões avaliativas, totalizando 135 análises para cada uma das dimensões.
As sugestões propostas pelos juízes no quesito clareza foram analisadas e acatadas. Dessa forma, em virtude das pequenas alterações sugeridas e realizadas, não foi necessário o retorno do instrumento aos juízes. Assim, o instrumento foi constituído de duas partes, sendo a primeira designada para os dados sociodemográficos e a segunda composta pelas proposições validadas pelos juízes, descritas no Quadro 1.
Todos os questionários do pré-teste foram devolvidos e não houve necessidade de realizar alterações devido à compreensão dos participantes.
Na etapa de validação estatística do instrumento, foi realizada a análise da consistência interna por meio do teste de Alpha de Cronbach, cujo resultado individual das proposições variou entre 0,890 e 0,902, obtendo-se o valor total do instrumento de 0,90.
Discussão
Para garantir que esse instrumento estivesse adequado ao objeto de estudo, foi necessário assegurar o rigor metodológico nas etapas de construção e validação, por meio de ações bem definidas, descritas por Pasquali 5,9.
A validação de um instrumento medida demonstra qualidade e confiabilidade para a sua utilização. Na etapa de validação do conteúdo, a escolha dos juízes deve ocorrer de modo criterioso, pois cabe a eles analisar e julgar cada um dos itens quanto à adequação e à representação do construto 5.
A validação pelos juízes é fundamental, na medida em que busca um consenso e considera que o instrumento possui validade de conteúdo quando os itens que o constituem são representativos do universo teórico que ele pretende representar 5,6.
Considera-se adequado um número mínimo de seis juízes para essa tarefa e a concordância de pelo menos 80% desses juízes pode servir como critério de decisão sobre a adequação do item a que teoricamente se refere 5,6. Nesse sentido, as 45 proposições distribuídas nas dimensões de estrutura, processo e resultado avaliadas pelos nove juízes alcançaram níveis satisfatórios relacionados a relevância, pertinência, clareza e sensibilidade, o que demonstrou conteúdo adequado ao objeto do estudo.
Apenas no item clareza foi apontado necessidade de alterações semânticas, cujas propostas sugeridas pelos juízes foram analisadas e acatadas.
A etapa de validação de conteúdo pelos juízes finaliza o polo teórico da construção de um instrumento de medida, o que permite realizar o polo empírico que consiste em coletar informação válida e submetê-la às análises estatísticas no polo analítico 5,9.
Assim, após a aplicação do instrumento na população do estudo, os dados foram analisados estatisticamente e submetidos à análise de consistência interna com o Alpha de Cronbach, cujo resultado pode variar de 0 a 1, e quanto mais próximo de 1 melhor é a confiabilidade do instrumento. De modo geral, são adotados como valores de confiabilidade escores acima de 0,70 14,15.
Neste estudo, o Alpha de Cronbach total encontrado foi de 0,90, o que confere ao instrumento bom nível de consistência interna e permite que as proposições avaliem de forma homogênea a percepção da qualidade da assistência de enfermagem em MD.
Conclusão
O presente artigo descreveu os procedimentos referentes à construção e à validação do instrumento de coleta de dados acerca da qualidade e da segurança da assistência de enfermagem em serviços de MD, baseado no modelo avaliativo donabediano, que contempla as dimensões de estrutura, processo e resultado.
A validação do instrumento pode ser considerada adequada, tendo em vista o processo de seleção dos seus itens, a criteriosa análise e as sugestões dos juízes que compuseram a validação de conteúdo, tal como a avaliação de consistência interna.
Assegura-se, assim, que o instrumento esteja situado dentro da abordagem teórica referente à qualidade do cuidado de enfermagem em MD, e a sua utilização contribuirá com o diagnóstico situacional e com a identificação dos fatores que interferem nessa assistência, mediante as dimensões avaliativas de estrutura, processo e resultado, além de fornecer subsídios para a intervenção e a reorganização dos processos de trabalho assistenciais e gerenciais da enfermagem nessa área específica de atuação da equipe de enfermagem.