Introdução
O diabetes mellitus (DM) configura-se como uma doença de alta prevalência e que tem emergido em proporções epidêmicas nos últimos anos 1. Assim, apresenta grande impacto econômico e social para as famílias das pessoas que têm essa doença.
Apesar da gravidade do DM1, não existem medidas de prevenção para evitar o seu surgimento, e sua incidência vem crescendo ao longo dos anos 2. No Reino Unido, o DM1 é a terceira doença crônica mais comum na infância e, nos últimos 20 anos, sua incidência dobrou. No Brasil, a incidência estimada é de 7,6 por 100000 indivíduos menores de 15 anos, o que corresponde a 30900 crianças diagnosticadas 1-3. É notório o impacto da doença na sociedade devido ao número crescente de pessoas acometidas, de mortes prematuras, da presença de incapacitação e de complicações decorrentes da doença e dos elevados custos em seu controle e tratamento 4.
Estimam-se que há cinco milhões de pessoas com DM no Brasil. Destas, cerca de 300 mil possuem essa patologia e são menores de 15 anos 5. O ambiente onde as crianças e os adolescentes com DM estão inseridos remetem à reflexão de como as atividades humanas provocam mudanças no comportamento e no ecossistema. O ambiente é um fator que afeta o indivíduo, a família e a comunidade, e o ecossistema é uma teia de relações entre o ambiente e tudo que habita esse determinado espaço 6.
Nesse sentido, o ambiente e as pessoas com quem a criança ou o adolescente com DM interage exercem forte influência na aquisição ou não de hábitos saudáveis de vida. Crianças têm dificuldade de identificar os sintomas do DM, de realizar o autocuidado, essas e outras situações de cronicidade apresentam imposições de acompanhamento contínuo do tratamento. Na fase da adolescência, essas dificuldades se tornam mais evidentes por estarem concomitantes às transformações físicas e emocionais 7.
A criança ou o adolescente com DM deve ser cuidada como um ser humano integral (que se considerem seus aspectos biológico, social, psicológico e espiritual), que se inter-relaciona com o ambiente no qual se encontra, o que possibilita o equilíbrio e a sustentabilidade de todos os elementos participantes dessa totalidade, além de contribuir para o enfrentamento das questões relacionadas ao manejo do DM. Esses indivíduos passam a conviver em diferentes espaços, com limitações e restrições em suas atividades diárias que podem levar a dificuldades para o ingresso em determinados ambientes.
Na escola, ambiente que a criança frequenta diariamente, pode apresentar situações embaraçosas como a ida seguida ao sanitário durante as aulas ou quanto à prática de atividades físicas. Tais fatos acabam constrangendo a criança ou o adolescente no convívio social e limitando suas possibilidades de se inter-relacionar com os demais 8.
Essas restrições influenciam no potencial de independência da criança ou do adolescente com DM e, em consequência, interferem na realização de atividades da vida diária e na forma de se relacionar com as pessoas à sua volta 9. Assim, é importante que a família conheça a respeito do DM e compartilhe com a criança ou o adolescente esses conhecimentos, a fim de auxiliar a sua adaptação na sociedade e contribuir para o bem-estar e a saúde dela. Nesse contexto, pensar num ambiente familiar saudável é conceber sua família explorando as possibilidades que o espaço lhe oferece para enfrentar o DM na sua complexidade.
Cuidar por meio de uma perspectiva socioambiental pode contribuir para a independência dos indivíduos envolvidos. Nesse sentido, o ambiente onde as pessoas se encontram exerce, de forma dinâmica e constante, influências mútuas entre os elementos que o formam, suscita modos de viver com características próprias que possibilitam o desencadeamento de uma melhor ou pior qualidade de vida 10.
Assim, ratifica-se a importância deste estudo, pois ele aborda o cuidado familiar à criança ou ao adolescente com DM em diferentes contextos/ambientes e preenche algumas lacunas existentes na literatura a respeito da temática. Além disso, repercute diretamente na convivência familiar e no fazer dos enfermeiros, de modo a subsidiar e melhorar a atuação desses profissionais de saúde. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo conhecer os diferentes contextos de cuidado familiar à criança ou ao adolescente com DM.
Materiais e método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório, descritivo e explicativo que teve como referencial metodológico a Grounded Theory (GT). A pesquisa foi desenvolvida no Centro Integrado de Diabetes (CID) de um Hospital Universitário no sul do Brasil e na Associação de Pais de Crianças ou Adolescentes com DM em Tortosa, na Espanha.
Participaram oito familiares de crianças ou adolescentes com DM que consultavam no CID (Brasil) e seis familiares que frequentavam a Associação de Pais de Crianças ou Adolescentes com DM em Tortosa (Espanha), totalizando 14 familiares. Foram estabelecidos como critérios de inclusão para a escolha dos participantes: ser o principal familiar cuidador da criança ou do adolescente com DM, acompanhá-la no CID ou na Associação de Pais de Tortosa. Foram excluídos familiares acompanhantes das crianças ou dos adolescentes que lhes prestavam cuidados apenas eventualmente. Foram divididos em quatro grupos amostrais. O número de participantes e de grupos amostrais foi determinado pelo processo de amostragem teórica, como recomenda a GT. O primeiro grupo foi composto por três famílias de crianças com DM que frequentavam o CID, assim identificadas para este estudo: F1, F2 e F3. O segundo foi composto por cinco famílias de adolescentes com DM que consultavam no CID: F4, F5, F6, F7 e F8. O terceiro grupo amostral foi composto por quatro famílias de adolescentes com DM que fazem parte da Associação de Pais de Crianças ou Adolescentes com DM em Tortosa: F9, F10, F11 e F12. O quarto grupo amostral foi composto por duas famílias de crianças com DM que fazem parte da mesma associação: F13 e F14.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas realizadas entre os meses de março a junho de 2015 no Brasil e nos meses de setembro a novembro de 2015 na Espanha. Para a interpretação deles, as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra.
As entrevistas foram utilizadas para investigar o significado construído pelas famílias acerca do cuidado socioambiental que prestam à criança ou ao adolescente com DM, em vista das interações que ocorrem no interior delas. A análise dos dados foi realizada concomitante à sua coleta, de forma comparativa e constante, seguindo os passos: codificação aberta, axial e seletiva, e posterior formulação da teoria 11-14.
Na codificação aberta, os dados foram examinados linha a linha, recortando-se as unidades de análise 12. Em seguida, foram diferenciadas e refinadas as categorias resultantes. Essa é uma fase de codificação que explicita um nível analítico mais elevado, que emerge os temas salientes e, mais analiticamente, as categorias que são extraídas dos dados relacionando-as 12 14.
A terceira etapa é conceituada como codificação teórica ou seletiva; busca a core category 14, em que se desenvolve o nível máximo de abstração conceitual. Para a elaboração do nível conceitual e, consequentemente, a elaboração da teoria, será considerado o processo de Glaser (1978), que recomenda a utilização de famílias de códigos na codificação teórica no intuito de agrupá-los e torná-los mais práticos e fidedignos ao estabelecer a teoria 11.
Foi realizada a validação das categorias e suas relações entre elas, além disso a validação destas com o tema central desta pesquisa. O modelo construído foi submetido a duas famílias de forma individual, às quais foram apresentadas as categorias formuladas até se chegar ao tema central. Foram escolhidas duas famílias com características semelhantes às dos das participantes dos grupos amostrais: F15 e F16. Apresentaram-se, para cada família, um resumo do estudo, os seus objetivos e o método de coleta e de análise, com o intuito que compreendessem como foram construídas as categorias, os diagramas e os quadros, e como se chegou ao modelo teórico. Foram ouvidas atentamente as colocações, no sentido de confirmarem ou não o modelo elaborado, chegando a um consenso. Partindo-se dessa validação, foram feitas algumas alterações no modelo, com o propósito de dar-lhe maior clareza e validá-lo.
Todos os preceitos éticos da Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional da Saúde do Ministério da Saúde, que trata dos aspectos éticos para a realização de pesquisas que envolvam seres humanos 15, foram levados em consideração. O projeto foi encaminhado e submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com parecer favorável sob o n.º 15/2015, CAAE 40608814.7.0000.5324. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participar do estudo, e foram informados que poderiam desistir da participação em qualquer momento.
Resultados
A pesquisa teve como participantes 14 familiares de criança ou adolescente com DM: 12 mães, 1 pai e 1 avó. Em relação aos filhos dos colaboradores, a maioria deles era adolescente, apenas 5 eram crianças; destas apenas 1 fazia uso de bomba subcutânea de insulina. A seguir, apresentam-se as categorias temáticas do estudo.
Cuidando da criança ou do adolescente no domicílio
O domicílio apresentou-se como o principal contexto de cuidado. As famílias relataram que a criança ou o adolescente com DM prefere permanecer a maior parte do tempo em casa, onde recebe vigilância constante e seu cuidado é planejado.
“Ele fica em casa, pois a gente observa ele melhor. Às vezes, ele vai para a casa da minha irmã, mas preferimos que fique em casa, onde temos tudo para cuidar melhor.” (F5)
“Ele não é muito de sair, porque em casa temos tudo que precisamos para manter a glicemia dele bem.” (F4)
Ainda referiram que preferem que as crianças ou os adolescentes recebam seus amigos em casa devido à comodidade e ao medo de que comam o que não podem e, assim, apresentem problemas de saúde.
“Ele convida alguns amigos para irem lá em casa[...] Ele não vai para casa de ninguém. [...]. Temos medo de que na casa dos outros coma tudo o que não pode. Se der uma hiperglicemia já viu.” (F7)
“Quando nós descobrimos, eu não deixei mais ela ir para a casa das amiguinhas. Eu ficava com medo, pois como iriam saber identificar que ela não estava bem? Tinha que fazer a insulina, complicado.” (F3)
Recebendo o cuidado na escola
As famílias relataram receber apoio da escola para o cuidado da criança ou do adolescente com DM nesse ambiente.
“Na escola, eles me ajudam bastante. Quando precisam, me ligam para avisar o que houve com ela.” (F6)
“A escola sabe o que ela tem e entra em contato. Eles me apoiam e ajudam.” (F3)
As famílias informaram a escola sobre o diagnóstico da criança ou do adolescente apresentando um documento sobre a patologia. Dessa forma, todos na escola são bem-informados, controlam e documentam tudo em relação ao cuidado.
“Levei um papel informando que ela tem DM. Eu deixei meu telefone, levei os papéis mostrando para a diretora da escola o que ela tinha e como cuidar.” (F5)
“Lá na zona rural, lá a escola se desconfiassem que ele não estava bem, elas só me davam uma chamadinha, todos da escola sabiam.” (F7)
“[...] lá no colégio todos sabem que ele tem este problema.” (F4)
“Eles são muito informados, e te repassam, é tudo controlado e documentado, anotam na agenda qualquer coisa, realizam exame, tem uma monitora que ajuda no cuidado. A escola está ciente de tudo.” (F13)
Algumas famílias referiram que, na escola, deveria haver uma monitora que supervisionasse a criança ou o adolescente e, quando necessário, chamasse os pais ou os avós para resolverem problemas relacionados ao DM.
“Eu penso que precisava ter alguém só para cuidar das crianças com o DM, para ajudar a monitorar, a supervisionar. A escola teria que ter alguém que se responsabilizasse, mas não temos aqui isso.” (F3)
As famílias informaram os professores e a diretoria sobre a necessidade de conhecer os sinais e os sintomas da doença, como lidar com as alterações da glicemia e sobre a possibilidade de ter um aluno com DM em sala de aula. Relataram que, em algumas escolas, há um cuidador que auxilia os professores o(a) professor(a) na sala para cuidar de crianças com DM.
“Os professores precisam saber que não têm problema ter um aluno com DM na aula. Só precisam estar atentos e conhecerem os sintomas, saber como lidar com a glicemia, quando esta está alterada.” (F9)
“Na escola tem um cuidador que ajuda a professora, na sala de aula. [...] eles são muito informados, é tudo muito controlado e documentado.” (F13)
Familiares cuidadores da Espanha referiram que existe uma profissional enfermeira educadora que trabalha na pediatria do hospital e, no início de cada ano letivo, ministra cursos para os professores das escolas da cidade sobre DM.
“Aqui na Associação temos uma educadora-enfermeira, que todo início de ano letivo, realiza um encontro só para os professores para que estes saibam como lidar com um aluno com DM na aula, conhecer os sintomas e o que fazer. Como lidar com a glicemia alterada e tudo mais. Levam bonecos para poder pinçar e mostrar o teste de glicemia.” (F9)
“No colégio, há mais uns quatro ou cinco colegas que têm DM, e a enfermeira e a médica foram lá e explicaram como atuar nos casos. Ensinaram os professores. Eles sabem se a criança pede para comer, é porque tem que comer na hora.” (F12)
A família tem medo que o(a) professor(a) se descuide e a criança ou o adolescente passe mal na escola.
“Tu ficas preocupada às vezes quando ela vai para o colégio, pois pode acontecer alguma coisa com ela, e não tem quem cuide lá.” (F3)
“[...] mas o fato de que, no ano que vem, ele tem que ir para escola, já fico angustiada. Tem várias crianças, e o professor pode se descuidar e não perceber, e algo acontecer com ele.” (F2)
As famílias referiram que a criança ou o adolescente com DM é conhecida e cuidada por todos na escola -professores, merendeira e demais colegas- e que, caso a criança ingira alguma alimentação que não possa, a família é rapidamente avisada pela escola.
“Qualquer problema eles olham; se ela está comendo alguma coisa, eles ligam, eles falam, nos orientam, todos cuidam dela. A alimentação da escola também mudou para ela poder comer.” (F6)
“E, no colégio, chegando, eu encontrei o diretor, o tutor e a psicóloga infantil da escola, e todos sabiam da doença dele.” (F10)
Cuidando da criança e do adolescente na comunidade
A família refere que recebia auxílio no cuidado com a criança ou adolescente quando residia na zona rural, mas que não tinha mais condições de ficar morando lá por causa da distância da residência com os serviços de saúde. Assim, mudaram-se para a cidade para poder cuidar melhor do seu filho.
“Todos me ajudavam lá na ilha, mas tive que me mudar, não tinha mais condições de ficar morando lá por causa dele. Demorava muito para chegar até a cidade. Faz uns três anos que me mudei, que estou na cidade.” (F7)
Outra família refere que não há nenhum problema em se deslocar com a criança e que é possível conviver na comunidade e realizar o cuidado nela.
“Levo uma vida normal, não há nenhum problema. Vamos a todos os lugares, a festas de aniversários, a todos os lugares. Só preciso levar um lanchinho e os aparatos.” (F14)
Recebendo cuidado nos serviços de saúde
A família procura criar vínculos com os serviços de saúde para o atendimento à criança e ao adolescente com DM. Os participantes desta pesquisa referiram que, nesses locais, encontram apoio e acolhimento.
“Continuo indo no posto de saúde. Sou muito bem recebida. Todos já nos conhecem lá.” (F1)
“Pego a insulina dela no posto. É onde temos vínculo e recebemos apoio.” (F4)
A família procura atendimento na Atenção Básica de Saúde para realizar consulta com o médico, solicitação e aquisição dos aparatos necessários para o cuidado e, ainda, para a realização de exames de rotina.
“Esses tempos a glicose queria subir. O postinho perto de casa estava em obras, então levamos em outro posto de saúde.” (F4)
“Não, só no posto de saúde que a levamos. É bom, não tenho muito que reclamar.” (F6)
A família também é usuária de serviços privados onde faz consultas que encaminharão para a realização de exames e para receber atendimento com médico endocrinologista.
“Nós levamos o resultado na assistência privada. Meu ex-marido falou assim: ‘- Vamos fazer um exame nela que, de repente, é alguma coisa.’ Na época, tinha o convênio e nós fizemos. Ter esse convênio nos possibilitou o diagnóstico rápido e o acesso ao especialista.” (F5)
“A gente conseguiu umas consultas para ele pelo convênio com outro profissional endocrinologista.” (F2)
A família relata que recebe atendimento médico especializado somente do médico, e não de outros profissionais da saúde. Já outras relataram procurar especialistas (endocrinologista, oftalmologista, dentista) e levar a criança ou o adolescente a essas consultas especializadas mensalmente, além de realizar avaliação periódica dos pés.
“Eu levava na médica pediatra e depois no endocrinologista que atende aqui.” (F1)
“Cada um mês, um mês e meio, vão às consultas com o médico endocrinologista, e levam em todos os especialistas e fazem todos os exames. E é muito bom, pois há um controle de oftalmologista, tem controle de dentista, tem controle dos pés, de tudo.” (F13)
As famílias referiram fazer consulta médica semanalmente quando a doença foi diagnosticada e, logo depois, apenas uma vez por mês. Tendo a estabilização do quadro clínico, a consulta passa a ser trimestral.
“No início íamos uma vez por semana, e depois íamos uma vez por mês e agora a cada três meses.” (F12)
“Íamos uma vez por semana depois passou para uma vez por mês agora é a cada três meses a consulta.” (F1)
A família procura ser atendida por uma instituição pública; na Espanha, é a Associação de Pais de Crianças e Adolescentes com DM.
“É uma instituição pública de pais que têm filhos diabéticos, onde presta ajuda aos outros pais que têm filhos com DM, uns ajudam os outros.” (F9)
Recebendo cuidado no hospital
A família refere ser bem-atendida no ambiente hospitalar, pois realizavam um cuidado com qualidade e atenção.
“A enfermeira do hospital foi bem atenciosa e me ensinou a aplicar a insulina. Ela que me disse que eu precisava fazer para cuidar dela. Não tenho muito do que reclamar.” (F6)
“O hospital foi muito bom. Atenderam meu filho muito bem, tinha uma enfermeira que sabia de tudo.” (F10)
Discussão
Após receber o diagnóstico de DM da criança e do adolescente, a família passa a cuidá-la em diferentes contextos, pois cada ambiente de convivência exige formas diversas de cuidados. A família precisa conhecer os diferentes ambientes para que a criança ou o adolescente possa adquirir habilidades e competências para transitar por eles de forma que possa garantir seu cuidado de forma competente.
Os diferentes contextos de (con)vivência da criança e do adolescente com DM precisam estar preparados para recebê-la. O DM, seus sinais e sintomas, e formas de mantê-los dentro da normalidade precisam ser conhecidos por todos e em cada um deles são necessárias pessoas com conhecimentos, habilidades e competências para o cuidado. O domicílio, a escola, a comunidade e os serviços de saúde foram citados pela família como ambientes em que precisam ser cuidadas.
Verificou-se que o domicílio sinaliza ser o principal ambiente de cuidado à criança e ao adolescente com DM. Esse ambiente pode ser cercado por sinais e símbolos interpretados pela família que suscitem nela reações, conforme os significados atribuídos a essa experiência. O ambiente domiciliar é o primeiro espaço de convivência social da criança. Nele, são construídos suas referências, conceitos e valores que traçarão sua personalidade e determinarão sua forma de atuação nas diferentes etapas da vida 16.
Quando se associa o DM com a infância, é indispensável a presença de um cuidador para aprender a lidar com sintomas, procedimentos terapêuticos e habilidades para o aprendizado do controle metabólico 17. Um estudo que objetivava conhecer as percepções dos familiares sobre as situações de vulnerabilidade e seus componentes, relacionadas com o ambiente ecológico de crianças e adolescentes que convivem com doenças crônicas, mostrou que o familiar passa por um momento de ajustamento ao novo fato, de maneira única, uma vez que cada um tem histórias de vida e experiências diferentes. Assim, mães jovens e imaturas amadurecem rapidamente, mobilizam forças, coragem e superação interiores, pois são o cerne da rede social, sustentáculos da vida dessas crianças ou adolescentes 18-21.
Boa parte do tempo das crianças é transcorrida em interações familiares no domicílio, o que reforça a necessidade de compreender a influência familiar no desenvolvimento infanto-juvenil 19. Além da importância da família na socialização e na adaptação das crianças ou dos adolescentes com DM, a família também é a responsável por sua inserção nos diversos espaços que coabitam. A comunidade também faz parte do ambiente em que a criança ou o adolescente transita e deve incentivá-la, juntamente com a família, a se movimentar, a brincar e a se relacionar com outras pessoas. Envolver a família e as relações existentes com os demais membros que compõem essa rede poderá firmar laços e vínculos no gerenciamento desse cuidado 20-21.
Ao receber o cuidado na escola, a criança ou o adolescente mostrou que esse espaço é de extrema importância e relevância, e que nele há a socialização e a convivência com pessoas que estão habilitadas a passar seus ensinamentos. Tendo em vista que a escola é um ambiente no qual a criança ou o adolescente passa grande parte do seu tempo, é importante que os profissionais da educação estejam aptos a proporcionar-lhes essa atenção; para isso, é preciso capacitação no que diz respeito à doença para que a criança e o adolescente possam se sentir seguros. A escola deveria ser um ambiente estimulador, onde há mediação de condições que favoreçam a realização do autocuidado 22.
Nesse sentido, é necessário informar a escola acerca do diagnóstico da criança ou do adolescente para, assim, ter o seu apoio. Embora o professor possa verificar as mudanças no modo de agir e na aparência da criança ou do adolescente com DM, é preciso que esteja apto a tomar a decisão certa sobre que atitude ter diante dessas situações 8.
Existe uma necessidade de que as escolas apresentem recursos, humanos e materiais, compatíveis com as condições de aprendizagem da criança e do adolescente. Para isso ser possível, os professores precisam apresentar uma formação adequada; além de deter o conhecimento específico da sua área de atuação, deveriam apresentar, no mínimo, conhecimentos gerais sobre a saúde dos escolares 8.
É fundamental saber compreender e identificar as necessidades dos escolares com DM, pois, dessa maneira, todos passariam a cuidá-los nesse ambiente. Esse é um passo importante para que se alcance um planejamento intersetorial, já que o conhecimento das especificidades do aluno por parte de todos os que atuam nesse ambiente contribuiria para uma melhor atenção à sua singularidade 23.
Recebendo cuidado nos serviços de saúde mostrou que a família busca assistência na Atenção Básica de Saúde, no hospital, em serviços de saúde privados e especializados, sendo atendida no CID no Brasil e tendo acolhimento de instituições públicas de pais de filhos diabéticos na Espanha. A informação adequada e compreensível contribui diretamente para o fortalecimento da família nesse momento angustiante 4. Torna-se necessária a compreensão do significado de ser adolescente e criança e viver com uma doença crônica como o diabetes, pois, somente quando houver a compreensão desses sentimentos, a equipe de enfermagem conseguirá oferecer uma assistência com melhor eficácia, que atue em diferentes esferas de atendimento 7.
Os problemas no serviço público de saúde, vivenciados pelo familiar ao buscar a assistência médica para a criança ou o adolescente, levam à procura por atendimento em serviços privados, o que eleva ainda mais os gastos com consultas médicas. Em estudo realizado sobre a doença e os sentimentos das mães de adolescentes que possuem o DM, evidenciou-se que os aspectos socioeconômicos e a assistência recebida pelo sistema de saúde influenciam diretamente na maneira de conviver com a doença e de seguir o tratamento 24.
Os profissionais de saúde podem contribuir no sentido de ajudar os familiares a manterem o equilíbrio, integrando o cuidado com práticas educativas, uma vez que o recebimento de informações sobre a doença contribui para o desenvolvimento de um círculo de confiança entre os envolvidos.
O uso do referencial metodológico GT propiciou a importância de colocar-se no lugar das famílias que vivenciam a situação de cronicidade em seus filhos; além disso, possibilitou um entendimento singular das percepções dos familiares cuidadores nesse contexto.
Conclusões
A criança ou o adolescente com DM é cuidada em diferentes contextos: no domicílio, na escola, na comunidade e nos serviços de saúde. O domicílio surge como principal ambiente onde a família vivencia o cuidado. No contexto escolar, constatou-se que professores e funcionários precisam aprender formas diferenciadas de manejar situações cronicidade que a doença impõe e enfrentá-las. Para proporcionar esse cuidado, é preciso que haja interação entre os profissionais da educação e a família da criança ou do adolescente com DM.
A distinta relação entre a criança ou o adolescente com DM e os ambientes em que coabitam gera repercussões em todo o sistema, pois essas interligações são constantes e necessitam de um acompanhamento com subsídios para o gerenciamento desse cuidado. Percebe-se que os ambientes influenciam o viver desses indivíduos e podem contribuir ou não para sua saúde. Pensar socioambientalmente significa perceber a realidade de maneira dinâmica, viva e intensa, compreendendo que as modificações que ocorrem a todo o momento resultam em novas posturas que vão sendo diariamente reorganizadas.
Portanto, é necessário estar consciente que a criança ou o adolescente com DM é e existe em sua totalidade e está inserida em diferentes ambientes, e que estes podem influenciar de forma positiva ou negativa na sua experiência com a doença e no seu viver. Conhecer acerca desse tema pode contribuir para que a família, a escola e os profissionais de saúde possam intervir a partir de uma abordagem socioambiental. Pretende-se seguir com pesquisas voltadas às famílias de crianças e adolescentes com DM com a finalidade de embasá-las para o cuidado, minimizando suas dificuldades e auxiliando-as na construção de novas estratégias.