Introdução
Um pouco por todo o mundo, o tráfico de seres humanos (TSH) é, historicamente, um fenómeno alvo de múltiplas perspetivas, indefinições e disputas, desde logo em torno das suas manifestações e proporções e das políticas a seguir para o enfrentar (Doezema, 2002; Weitzer, 2014). Abreviando o mapeamento destas divergências, poder-se-á dizer que, de um lado, temos os posicionamentos antitráfico hegemónicos vinculados às tendências globais de salvação e caridade neoliberal mais destacadas na atualidade - o moderno antiesclavagismo, o feminismo abolicionista e o humanitarismo das celebridades (Kempadoo, 2015)1 - enquanto, do outro, encontramos os discursos críticos desta hegemonia. Impelidos por intensos pânicos morais, os primeiros são propensos a exacerbar os números e a dramatizar de forma sensacionalista as manifestações de TSH, principalmente quando estão em causa migrações femininas de países pobres e trabalho sexual (Uy, 2013; Vance 2011a; Weitzer, 2011). Por sua vez, os segundos destacam as distorções ideológicas que inflacionam o fenómeno, advogando critérios mais rigorosos na sua aferição e destacando que a abordagem dominante negligencia a salvaguarda dos direitos humanos, privilegia a repressão, serve os interesses dos países mais ricos e, em certa medida, dá azo à discricionariedade estratégica com que eles gerem as fronteiras e as migrações (Agustín, 2007; Blanchette & Silva, 2012; Bordonaro & Alvim, 2008; Chuang, 2010; Clemente, 2017; Kempadoo, 2015; Lowenkron & Sacramento, 2017; Piscitelli, 2016; Silva et al., 2013).
À escala global, o paradigma antitráfico encontra-se, direta ou indiretamente, escorado num quadro normativo de referência e de vasto alcance transnacional da Organização das Nações Unidas (ONU), assinado em dezembro de 2000 e implementado em finais de 2003: o Protocolo para a prevenção, a repressão e a punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, mais conhecido como “Protocolo de Palermo” (United Nations (UN), 2000)2. Até março de 2020, estavam vinculados a este protocolo 175 países de todos os continentes (United Nations Treaty Collection, 2020) e as respetivas disposições tinham já sido incorporadas no acervo jurídico nacional da maior parte deles. A sua preponderância quase universal enquanto matriz da gestão política e da produção de respostas sociais para o tráfico de pessoas é razão suficiente para que lhe dedique aqui especial atenção.
Em concreto, procuro caracterizar e compreender uma situação que suscita evidentes incongruências estruturais na hegemonia antitráfico: por um lado, a convivência entre uma definição ampla do que é o TSH no texto do protocolo e nas leis nacionais dele resultantes, e, por outro lado, a apertada seletividade ideológica que, amiúde, permeia a operacionalização das disposições legais, sobretudo em relação ao reconhecimento e proteção das vítimas3, embora, paradoxalmente, muitos dos atores institucionais produzam nos respetivos discursos a ideia do tráfico como um flagelo de extraordinárias proporções e manifestem um exacerbado voluntarismo salvífico. Associada a este efeito funil da norma à prática, emerge a clivagem entre um regime discursivo humanista universalista (não vinculativo) baseado nos princípios dos direitos humanos, alegando como preocupação a proteção das vítimas, e procedimentos de intervenção policial, judicial e social bastante restritivos e repressivos. A organização destes procedimentos tem por base o binómio oscilante da “compaixãorepressão” (Fassin, 2005), que não representa de facto uma antinomia, pois ambos os seus termos, embora um de modo mais expresso, inscrevem-se num paradigma eminentemente securitário (Aradau, 2004, 2008; Jakšić, 2008, 2013; Vance, 2011a).
A discussão destas ambiguidades e incoerências é aqui realizada num registo mais teórico-conceptual, procurando sistematizar uma problemática relevante e emergente no âmbito da investigação sobre TSH nas ciências sociais que importará explorar com maior densidade empírica em futuros trabalhos de investigação. Ainda que se aproxime de um formato ensaístico, o texto apoia-se na análise do conteúdo das principais disposições que dão forma ao Protocolo de Palermo, considera procedimentos políticos e de intervenção social na gestão do TSH e, pontualmente, apresenta e analisa num registo de teor exploratório alguns dados relativos ao contexto português. Além disso, beneficia das reflexões desenvolvidas no quadro das pesquisas que tenho realizado sobre mobilidades transnacionais, trabalho sexual, fronteiras e tráfico de pessoas (Lowenkron & Sacramento, 2017; Sacramento, 2014, 2015; Sacramento & Alvim, 2016), nomeadamente no contexto transatlântico eurobrasileiro.
O Protocolo de Palermo ou o TSH como buraco negro de antipolítica4
O TSH configura manifestações difíceis de delimitar e aferir, suscita vários entendimentos e está sujeito a vigorosas dissensões ideológicas e políticas. A pluralidade de construções sociais do problema é indissociável da profusão de narrativas, mitologias e imagens que, desde há mais de um século, são (re)produzidas por diferentes grupos de atores impulsionados por determinados regimes morais (Bordonaro & Alvim, 2008; Breuil et al., 2011; Doezema, 2010), amiúde sem vinculação a evidências empíricas consistentes (Weitzer, 2014). No quadro desta diversidade de visões, podemos constatar atualmente, porém, uma tendência de alinhamento social global com a perspetiva plasmada no Protocolo de Palermo. Neste documento, no artigo 3º, alínea a), o TSH é definido como:
(…) recruitment, transportation, transfer, harbouring or receipt of persons, by means of the threat or use of force or other forms of coercion, of abduction, of fraud, of deception, of the abuse of power or of a position of vulnerability or of the giving or receiving of payments or benefits to achieve the consent of a person having control over another person, for the purpose of exploitation. Exploitation shall include, at a minimum, the exploitation of the prostitution of others or other forms of sexual exploitation, forced labour or services, slavery or practices similar to slavery, servitude or the removal of organs (United Nations, 2000, p. 2).
Segundo esta primeira definição consensualizada e institucionalizada à escala global, o tráfico de pessoas é considerada uma situação em que, cumulativamente, estão presentes certas ações (recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas), meios (ameaça, força, coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade e/ou de vulnerabilidade, pagamentos ou benefícios para obter consentimento) e fins (exploração sexual, trabalho forçado, escravatura, servidão e extração de órgãos) (Hodge, 2014; Hoyle et al., 2011; Wijers, 2005). A existência de consentimento da pessoa traficada é tida como irrelevante e, no caso de a vítima ter idade inferior a 18 anos, o recurso a meios coercivos e fraudulentos não é considerada condição necessária para a identificação de TSH, desde que se comprovem algumas das ações e fins em cima apresentados. Além do mais, a transposição de fronteiras internacionais deixa de ser o cenário exclusivo do tráfico de pessoas, passando também a incluir-se situações que se manifestam à escala nacional e não implicam mobilidades transnacionais. À luz deste critério, o fenómeno não é circunscrito apenas aos fluxos de imigrantes, sendo que a “ilegalidade” destes fluxos pode ser invocada para identificar casos de contrabando (smuggling), mas nunca para determinar casos de tráfico5.
No texto do Protocolo de Palermo, o TSH é apresentado com uma aceção manifestamente abrangente, o que acaba por suscitar indeterminações, ambiguidades e, consequentemente, abre a porta a distorções ideológicas, a múltiplas interpretações e a diversas opções políticas (Einarsdóttir & Boiro, 2014; Gallagher, 2015; Grupo Davida, 2015; Kempadoo et al., 2005; McAdam, 2018; Parreñas et al., 2012; Rijken, 2009)6. Esta abrangência e as potenciais indefinições daí decorrentes acabam, como é óbvio, por se refletir diretamente nas alterações jurídicas nacionais dos países signatários do protocolo. No quadro legal português, por exemplo, o TSH era considerado até 2007 apenas nos casos em que estavam envolvidas pessoas estrangeiras em situação de exploração sexual. Através da revisão do Código Penal realizada nesse mesmo ano, a letra da lei (mais em concreto, o seu artigo 160.º) passou a estabelecer um entendimento mais amplo do tráfico, reconhecendo situações até então não identificadas como tal (p. ex., exploração do trabalho e extração de órgãos), bem como o facto de cidadãos nacionais poderem ser vítimas de TSH (Rodrigues, 2017).
Embora se possa dizer que o Protocolo de Palermo foi decisivo na construção de um largo consenso formal sobre o que se entende por TSH (Gallagher, 2015) e na modernização do enquadramento políticolegislativo das situações de exploração humana (Parkes, 2015), o seu défice de precisão semântica na definição do fenómeno é evidente. É-o, desde logo, na ausência de explicações detalhadas no documento que guiem o discernimento de algumas das suas principais referências terminológicas, como “uso da força”, “abuso de poder e de situação de vulnerabilidade”, “controlo” e “exploração” (Anderson & Andrijasevic, 2008; Hoyle et al., 2011; Kotiswaran, 2015; Lowenkron, 2015; Matos et al., 2018; Weitzer, 2014; Wijers, 2005). Acresce ainda que o protocolo “não toma posição na relação entre tráfico e prostituição, nem define claramente os termos ‘exploração sexual’ e ‘prostituição’” (Santos et al., 2009, p. 80). Vejamos de seguida estas indefinições, bem como alguns dos estereótipos e deturpações daí resultantes, e como em conjunto produzem um intrincado quadro de sentidos que transforma a conceção de TSH num buraco negro categorial, para o qual são atraídos, vertiginosamente, discursos e interesses diversos, gerando-se uma amálgama que dificulta a avaliação do problema, a sua adequada politização e a operacionalização de respostas pertinentes.
Quando faz referência ao “uso da força” e de outras formas de “coação”, o texto do protocolo revela um evidente vazio de sentido, não adiantando quaisquer explicações complementares que permitam vislumbrar, ainda que tenuemente, um possível conteúdo semântico dos termos em causa. Nem sequer são referidos quais os formatos de força e coação (p. ex., física, económica, moral, de género) que devem ser considerados e se resultam da ação estrita e imediata de uma terceira pessoa e/ ou de constrangimentos de natureza mais difusa e estrutural. De igual forma, as menções ao abuso de poder, abuso de situação de vulnerabilidade e controlo são manifestamente vagas, negligenciando-se a polimorfia das noções em causa e eventuais critérios para a identificação de situações tidas como abusivas e geradoras de vínculos de domínio-submissão que contrariem o primado da autodeterminação pessoal. Provavelmente ainda mais dúbia, escorregadia e passível de múltiplas apropriações ideológicas é a noção de exploração. Como questionam Anderson e Andrijasevic (2008): “how to draw a line in the sand between ‘trafficked’ and ‘not trafficked but just-theregular kind of exploitation’ migrants?” (p. 141). Mais do que procurar uma demarcação dicotómica - algo que o Protocolo de Palermo indicia como possível -, é importante perceber que a exploração existe sob a forma de um continuum de experiências e que a fronteira entre o que, supostamente, é tolerável e o que pode configurar TSH varia em função das nossas coordenadas morais e políticas (Anderson & Andrijasevic, 2008).
As formulações simplistas e as muitas incertezas e ambiguidades presentes no protocolo entrecruzam-se com distorções mais ou menos declaradas, complexificando o buraco negro que envolve a abordagem dominante em matéria de TSH. Passo a elencar alguns dos vieses que mais influenciam a conceção do fenómeno e as subsequentes propostas políticas e estratégias de intervenção institucional.
O primeiro remete para o género-idade e é suscitado, desde logo, pelo próprio título do documento, quando destaca (e equipara) as mulheres e as crianças como “especialmente” vulneráveis (Cabezas, 2016). Por esta via, abre-se espaço à reprodução de estereótipos machistas, segundo os quais a mulher é naturalmente débil e precisa de proteção - tal como a criança -, pelo que só estará, de facto, em segurança no seio da ordem patriarcal, sob a tutela masculina e, como diria Bernstein (2012), resguardada e purificada pelo matrimónio. Deste modo, e apesar de o próprio protocolo reconhecer situações de exploração até então não consideradas, tende a não ser conferida a devida atenção à heterogeneidade de circunstâncias inerentes ao tráfico de pessoas7 e a associar-se as capacidades de agência e de (auto)proteção a homens e a adultos (Alcázar-Campos & Cabezas, 2017). Ao mesmo tempo, com a vinculação da vulnerabilidade ao género feminino e à infância-adolescência, cria-se um poderoso arquétipo de vítima admirável e merecedora de salvação que acaba por chamar a si quase toda a atenção social (Cabezas, 2016; Einarsdóttir & Boiro, 2014), relegando para segundo plano ou mesmo obscurecendo as situações de vitimização não enquadráveis na hegemonia das representações do que é uma pessoa traficada.
O segundo viés decorre de uma moralidade sexual abolicionista, “blinded by red lights” (Uy, 2013), que continua a fazer da sexualidade mercantil o grande paradigma do TSH e a querer lançar um véu ideológico sobre o facto, inquestionável, de o TSH ser muito mais do que tráfico para fins de exploração sexual (Alvarez & Alessi, 2012; Alvim, 2013; Ribeiro & Clemente, 2017; Silva et al., 2013). Fruto da clara preponderância do lobby feminista neoabolicionista no decurso da negociação do Protocolo de Palermo, o texto final do documento confere especial destaque à “prostituição” e às situações de “exploração sexual”, embora sem precisar a semântica dos termos em causa e sem estabelecer qualquer distinção entre trabalho sexual voluntário e forçado, impulsionando claramente a agenda antiprostituição e a criminalização e repressão policial das mobilidades subjacentes à globalização da indústria do sexo (Agustín, 2007; Alcázar-Campos & Cabezas, 2017; Doezema, 2010; Duarte, 2012; Grupo Davida, 2015; Kotiswaran, 2015; Parreñas et al., 2012; Sanghera, 2005; Weitzer, 2014; Wijers, 2015)8. Ao não se admitir a possibilidade de escolha e autodeterminação no exercício da prostituição, sobretudo da feminina, abre-se a porta à ideia de que a atividade representa, inevitavelmente, coação, violência e constrangimento da liberdade, podendo, por isso, no essencial, ser equiparada ao TSH. A consequência imediata é a construção de políticas e estratégias de intervenção social mais vinculadas a pânicos morais e a ressurreições mitológicas da “escravatura branca” do que a evidências empíricas (Andrijasevic & Mai, 2016; Bordonaro & Alvim, 2011; Doezema, 2010). Em simultâneo, direcionase, prioritariamente, o combate ao TSH e o apoio às vítimas para a esfera da prostituição e da exploração sexual (de mulheres e crianças, desde logo), deixando a descoberto cenários de igual forma problemáticos nos contextos da agricultura, do trabalho doméstico e fabril, da exploração através de atividades criminosas, entre outros (Cabezas et al., 2010; Kotiswaran, 2015; Oliveira M., 2008; Shoaps, 2013; Vance, 2011a).
Em terceiro lugar, destaco o duplo viés da mobilidade-ilegalidade, através do qual é enfatizado o movimento de pessoas na definição do TSH, proporcionando-se a posteriori, nos processos de materialização do protocolo, a (con)fusão do fenómeno com a imigração ilegal e com as situações de irregularidade laboral que lhes andam associadas. Um aspeto crucial acaba então por ser obscurecido:
Violence, confinement, coercion, deception and exploitation can and do occur within both legally regulated and irregular systems of work, and within legal and illegal systems of migration; (…) It is the outcome - exploitation and abuse - that is the problem, not where it takes place. (Anderson & Andrijasevic, 2008, p. 141)
O resultado mais imediato deste défice de rigor conceptual é a transformação da imigração ilegal no grande bode expiatório do TSH, que os Estados aproveitam a vários níveis: (i) para legitimar o endurecimento das políticas migratórias e a securitização das fronteiras em face de mobilidades que não desejam; (ii) para camuflar as suas próprias responsabilidades na produção de TSH, em certa medida resultantes, ironicamente, daquelas políticas e estratégias de gestão das fronteiras; (iii) para assegurar a manutenção de um sistema repressivo e paradoxal, que continue a gerar “ilegais”, praticamente sem direitos, cujo trabalho barato possa ser explorado pelas economias nacionais (Grassi, 2006; Hall, 2017).
Por último, o viés repressivo e securitário como marca indelével do Protocolo de Palermo e das políticas que inspira, embora a declaração que consta do seu preâmbulo aluda à importância de uma “comprehensive international approach” e à necessidade de “protect the victims of such trafficking, including by protecting their internationally recognized human rights” (United Nations, 2000, p. 1). Com efeito, o documento afirma-se prioritariamente como um instrumento de política criminal, fomentado pelo propósito de controlar as mobilidades e reprimir os traficantes à escala transnacional, não prevendo que os países ratificantes estejam obrigados a seguir uma abordagem baseada nos direitos humanos e a implementar dispositivos de proteção social das vítimas alternativos à detenção e à extradição (Bernstein, 2012; Clemente, 2017; Dias, 2017; Heinrich, 2010; Rijken, 2009; Shoaps, 2013; Todres, 2011). No âmbito europeu têm sido criados instrumentos políticos e jurídicos com o intuito de atenuar esta insensibilidade social da abordagem antitráfico dominante, com destaque para os seguintes: (i) a Diretiva 2004/81/ CE (Conselho da Europa, 2004); (ii) a Convenção do Conselho da Europa relativa à luta contra o tráfico de seres humanos (Conselho da Europa, 2005) e (iii) a Diretiva 2011/36/EU, relativa à Prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas (União Europeia, 2011). Foi possível, então, passar a conceder autorização de residência às vítimas estrangeiras, reforçar a prevenção e o combate ao TSH, e implementar medidas de identificação e assistência das vítimas mediante a obrigatoriedade de os países criarem respostas sociais específicas9. Porém, como concluem Simmons e DiSilvestro (2014), “The EU has taken a consistent legal approach, but has been less willing over time to put significant resources into aid packages to address the trafficking problem” (p. 137). Além de uma maior efetividade do quadro legal, falta ainda articular de forma consistente as intervenções antitráfico com medidas de promoção de direitos laborais e desenvolver uma abordagem compreensiva direcionada, em simultâneo, para a proteção das vítimas e a erradicação dos fatores estruturais que lhes geram vulnerabilidades (Palumbo & Sciurba, 2015; Wilkins, 2020).
São, justamente, estes fatores estruturais que as indefinições e os enviesamentos atrás elencados tendem a negligenciar, desviando a atenção da responsabilidade dos Estados na produção das condições socioeconómicas que alimentam processos de marginalização e exploração potenciadores de TSH. Gera-se, assim, uma poderosa força antipolítica que eclipsa as consequências das políticas públicas em diversas esferas da vida, nomeadamente no que diz respeito ao género e à sexualidade, ao trabalho e à cidadania (Anderson & Andrijasevic, 2008). A própria demonização e responsabilização absoluta de “indivíduos sem escrúpulos” e criminosos pelo tráfico de pessoas - tão evidente nos discursos antitráfico mais correntes, com os seus omnipresentes fantasmas do “esclavagismo”, reavivados e colados ao TSH aquando das negociações do Protocolo de Palermo (Allain, 2017) - representa mais uma forma de despolitização do debate, além de que se afigura uma estratégia fácil, imediata e eficaz de encontrar responsáveis e de sossegar pânicos. Importa, por isso, ir mais além e (re)politizar o TSH, considerando as responsabilidades dos Estados no problema (Anderson & Andrijasevic, 2008), em particular quando assumem um posicionamento repressivo em relação às migrações, adotam mecanismos seletivos de cidadania, geram exclusões, toleram desregulações e abusos no mercado de trabalho e não reconhecem direitos laborais às trabalhadoras sexuais.
Entre a repressão e o exigente filtro da piedade
As incertezas, vieses e formulações antipolíticas decorrentes do Protocolo de Palermo constituem terreno fértil para a emergência de procedimentos institucionais (p. ex., de autoridades policiais, sistema judicial, entidades de proteção social) face ao TSH em que os desígnios securitários e as idealizações de teor moral se sobrepõem aos direitos, daí resultando modi operandi muito dicotomizados entre a repressão e a compaixão ante as vítimas (Aradau, 2004; Jakšić, 2008). De facto, o buraco negro conceptual instituído pelo protocolo e os muitos estereótipos subjacentes às suas distorções acabam por reproduzir-se à escala dos quadros jurídicos nacionais e, por consequência, repercutir-se em abordagens facilmente colonizáveis pelos comuns discursos sensacionalistas e moralistas da antipolítica. No terreno, o resultado é a nítida inclinação para intervenções e práticas profissionais de cariz redutor e seletivo - desde os órgãos de polícia criminal a magistrados e trabalhadores sociais -, oscilando entre a pulsão securitária e um sentimento piedoso, que, apesar de tudo, não deixa de cumprir funções biopolíticas de normalização dos sujeitos e, desse modo, inscrever-se naquela mesma pulsão (Aradau, 2004, 2008; Valadier & Brandão, 2017).
A camisa de força ideológica que envolve a atuação institucional é particularmente explícita no reconhecimento formal e na assistência às vítimas, um processo no qual o TSH é sujeito, amiúde, a intensas erosões, arbitrariedades, deformações e apreciações morais (Hoyle et al., 2011; Jakšić, 2008; Leser & Pates, 2019; Uy, 2013). O fenómeno é então aplanado na sua complexidade e sintetizado numa construção “a preto e branco”, segundo um maniqueísmo primário: a determinado momento, ou se é vítima, ou se é vilão. Daqui resultam dois polos de atuação institucional que, embora pareçam estruturar-se num registo antinómico, não deixam de estar alinhados pelo mesmo desígnio de aplacar transgressões e instaurar ordem. Um é hegemónico e circunscreve-se à urgente e exacerbada obsessão criminológica em identificar culpados e neutralizar riscos de segurança (Breuil et al., 2011; Shoaps, 2013). O outro é acessório e diz respeito à proteção social das pessoas traficadas, sendo que esta proteção tende para uma configuração minimalista, pois é informada por critérios restritivos na concessão do estatuto de vítima (Cabezas, 2016; Jakšić, 2013; Valadier & Brandão, 2017) e é insuficiente para assegurar a salvaguarda de direitos, a satisfação de necessidades prementes e a construção de um projeto de vida livre de grilhetas doutrinárias (Clemente, 2017; Heinrich, 2010). Esta sua insuficiência decorre, desde logo, da disposição imperialista-colonialista (Lazzarino, 2019) de não reconhecimento da autodeterminação e agência das vítimas “como autoridades sobre o tráfico humano e a escravidão ou como vozes com direito próprio” (Kempadoo, 2016, p. e16478).
A identificação efetiva de uma pessoa como vítima de TSH está, em larga medida, dependente do resultado de um processo mais ou menos longo e complexo de investigação criminal10, cuja grande prioridade é sinalizar os alegados traficantes e reunir elementos indiciários consistentes para formalizar a acusação. De um modo geral, nos países que seguem o Protocolo de Palermo, a tendência dominante mostra-nos que, só depois de reunidas as condições que garantam a produção de prova conducente à quase certa condenação dos responsáveis pelo crime, alguém poderá ser reconhecido, de facto, como vítima (Clemente, 2017; Kempadoo, 2005; Piscitelli, 2011; Rijken, 2009)11. Além desta primazia da repressão sobre a proteção, a concessão do estatuto de vítima está quase sempre muito dependente do exigente filtro da piedade, através do qual se concretiza uma triagem de teor moral que procura identificar quem mais merece ajuda. Com efeito, no quadro cultural do funcionamento da generalidade das instituições policiais, judiciais e de assistência social perante situações de TSH, a moralidade parece sobrepor-se aos direitos. A legitimidade para se aceder à proteção do Estado é considerada tanto maior quanto mais a pessoa alvo de tráfico se aproxime das coordenadas representacionais e identitárias que configuram um modelo hiper-real, icónico e improvável, de “vítima ideal” (Christie, 1986), instigador de compaixão: jovem mulher pobre de um país pobre, ingénua, inocente, umilde, vulnerável, desesperada, sofrida, enganada, oprimida, escravizada, explorada sexualmente e sem capacidade de agência (Andrijasevic & Mai, 2016; Cabezas, 2016; Hoyle et al., 2011; Jakšić, 2008, 2013; Leser & Pates, 2019; Uy, 2013)12. Este modelo é, em certa medida, caucionado por algumas das indeterminações e vieses do Protocolo de Palermo, embora este documento, como vimos, estabeleça uma conceptualização do TSH mais abrangente e não se resuma à visão catastrofista inerente à noção de “vítima ideal”.
De forma paradoxal, a ampliação do que se entende por TSH nos instrumentos político-jurídicos internacionais e nacionais ainda convive com uma tendência de idealização da vítima no feminino, jovem e destinada à exploração sexual no contexto da prostituição (Orchard, 2018; Vance, 2011a, b). Em Portugal, além dos discursos de instituições que trabalham no terreno, esta idealização pode também vislumbrar-se, de forma implícita, nos próprios planos nacionais de prevenção e combate ao tráfico: PNPCTSH 2007-2010; 2011-2013; 2014-2017 e IV PAPCTSH 2018-2021. Em parte, tal situação poderá compreender-se se considerarmos o enorme peso institucional da CIG, entidade pública com inclinação política abolicionista (Oliveira, 2017, 2018), na construção e coordenação executiva destes quatro planos. Todavia, e por mais subtis que sejam, os reducionismos decorrentes da tentativa de equiparação conceptual entre TSH e prostituição não se justificam, nem à luz da legislação em vigor, nem tampouco em função dos dados relativos ao perfil das “presumíveis vítimas” e aos modos de exploração, já apresentados sumariamente para o contexto português.
Estando centradas, preponderantemente, no eixo género-sexualidade e operando segundo uma seletividade misericordiosa informada pelo ícone da “vítima ideal”, a abordagem política e a intervenção social conduzem a um cenário assaz perverso: quem se afasta do protótipo que remete para uma condição extrema de fragilidade e de escravidão, o mais provável é não ser reconhecido de facto como vítima e ficar à margem das preocupações humanitárias do Estado. Estabelece-se, assim, uma hierarquização vitimológica, moral e de cidadania (vítima-não vítima; “boa vítima”-“má vítima”; com direitos-sem direitos) que estipula quem merece proteção e reconhecimento como cidadão de pleno direito, quem merece algum apoio e quem não é merecedor de qualquer tipo de ajuda, podendo ser alvo de suspeita ou mesmo de acusação legal (Santos et al., 2010). Apesar da comum construção social do TSH como um fenómeno de proporções gigantescas e da subjacente retórica humanista em torno da urgência de um resgate franco e incondicional das respetivas vítimas, as práticas institucionais mostram-nos uma orientação distinta, revelando estar aprisionadas numa permanente desconfiança securitária e em critérios piedosos profundamente limitativos. Como conclui Vance (2011a):
Despite the seeming mobilization of concern for large numbers of allegedly trafficked, suffering, and traumatized people, all are subject to the universal suspicion that they are faking. The body of the abject victim, deserving compassion and care, quickly transforms into the body of a dangerous criminal (p. 937).
Os posicionamentos dos Estados e a gestão institucional do TSH, em particular no que concerne aos processos de vitimização, balançam de forma bastante dinâmica e ambígua, quase esquizofrénica, entre as “políticas da piedade” e as “políticas do risco” (Aradau, 2004)13, ou seja, entre a enraizada propensão emocional para o humanitarismo redentor perante os excluídos e a omnipresente preocupação com o perigo associado a quem está à “margem”. Referindo-se em concreto ao contexto francês, Jakšić (2008, 2013) mostra-nos que, a priori e em abstrato, o Estado baseia-se em princípios universais-humanistas e revela uma compaixão perante a vítima (idealizada e “impossível”) de TSH, que, todavia, acaba por sacrificar em prol de interesses e lógicas nacionais de governamentalidade, sobretudo no que diz respeito à repressão da imigração e da prostituição: “appréhendée d’abord en termes de droits de l’homme, elle devient rapidement une problématique de gestion des ‘flux migratoires’ et de protection de l’ordre public” (Jakšić, 2008, p. 144). Deste modo, a suspeição e a exacerbada obsessão com determinadas ideias de segurança e ordem substituem a compaixão, induzem projeções de culpabilidade e acabam por “fabriquer une victime impossible, socialement produite dans son absence” (Jakšić, 2008, p. 144).
Além desta manifesta assimetria de prioridades, a hegemonia das “políticas do risco” na gestão do TSH é de tal ordem que se manifesta, inclusivamente, em alguns dos propósitos que informam as “políticas da piedade”, pelo que estas últimas, em boa medida, não deixam de coincidir e convergir com aqueloutras (Aradau, 2004). Não podemos esquecer que a política fundada na piedade humanitária funciona, amiúde, como dispositivo de biopoder - controlo dos corpos e das populações (Foucault, 1994) -, assegurando funções disciplinares e securitárias em detrimento da proteção social. Ao mesmo tempo, a abordagem piedosa tende a patologizar as vítimas de tráfico, em especial as mulheres migrantes trabalhadoras sexuais, proporcionando a implementação de modelos de intervenção social orientados para a sua regeneração (Aradau, 2004; Brunovskis & Surtees, 2008) e para a construção de um rumo de vida redentor, em vincada rutura com o passado, considerado fora da norma e, como tal, potencialmente gerador de riscos. Esta patologização resulta de abordagens individualizantes, psicologizantes e traumatológicas das pessoas traficadas - “victim-centered approaches” (Hodge, 2014) -, nas quais não se confere a devida importância às condições socioeconómicas que enquadram o TSH e se procura, prioritariamente, rastrear supostos quadros psicológicos distintivos e desviantes. O objetivo passa por estabelecer identidades clínicas, perfis de risco e mecanismos de governação dos sujeitos em causa, tendo em vista assegurar a sua conformidade a critérios de normalidade e de segurança pessoal e social (Aradau, 2004). A circunscrição institucional do problema à escala meramente individual, seguindo uma perspetiva de teor biomédico muito escorada nas noções de trauma e desvio, contribui para reforçar processos de (auto)estigmatização e inibir a agência das vítimas (Lazzarino, 2019; Molland, 2019). Além disso, deixa de fora as condições sociais sistémicas que geram tráfico e vítimas, o que acaba por ser revelador da antipolítica induzida pelo Protocolo de Palermo de que se falava atrás.
Se considerarmos o contexto português, o cartão destinado a ajudar a identificar vítimas é um exemplo desta tendência para se associar as pessoas traficadas a um perfil psicológico predeterminado, caracterizado por traços supostamente diferenciadores, tais como: “Aparente fuga ao contacto/Sinais de medo, tristeza, ansiedade e desconfiança/Mas também pode apresentar-se extremamente reativa, agressiva e violenta (…)/O aspeto e saúde física/mental” (OTSH, 2017b, s.p.). Em consonância com esta conceção individualizante, a normalização psicológica, biográfica e moral afigura-se como a grande prioridade dos dispositivos públicos e do terceiro sector responsáveis pela proteção social das vítimas. Espera-se, fundamentalmente, que a psicoterapia proporcionada nos centros de acolhimento e proteção de vítimas de tráfico funcione como uma ferramenta “para as vítimas desconstruírem e reconstruírem as suas trajectórias e planearem, de uma forma reflectida e apoiada, um novo projecto de vida” (Varandas, 2008, p. 22). Apesar dos seus eventuais aspetos positivos e por mais bem-intencionada que seja, esta orientação da intervenção não deixa de ser redutora e politicamente despolitizada, aproximando-se de uma lógica de “governamentalidade neoliberal” (Foucault, 2010): responsabiliza, sobretudo, os indivíduos pelos problemas sociais que enfrentam e pela respetiva superação, negligenciando que os problemas associados ao TSH resultam, em larga medida, de profundos constrangimentos - p. ex., no âmbito das migrações e do trabalho (Lazzarino, 2019) - que só poderão ser significativamente atenuados mediante a adoção de políticas públicas para tal.
Considerações finais
O tráfico de pessoas é um problema social muito disputado, alvo de posicionamentos divergentes quanto à sua definição, avaliação e gestão. Porém, tal não tem impedido a consolidação global, mormente nas últimas duas décadas, de uma hegemonia antitráfico profundamente eficaz na mobilização da opinião pública, com a sua sensacional(ista) e convincente narrativa sobre o tráfico, as respetivas vítimas, vilões e heróis (Vance, 2011a). Em larga medida, esta hegemonia é patrocinada pelas disposições, distorções e omissões do Protocolo de Palermo, o mais reconhecido e consensual sistema transnacional de referências na produção de “verdade”, jurisprudência e intervenção sociopolítica sobre o TSH. A extensa amplitude semântica deste documento-matriz, bem como as suas muitas ambiguidades e indefinições, proporcionam uma noção de tráfico em formato de buraco negro conceptual: uma configuração representacional densa e obscura que, ao não emitir clarificações inequívocas, parece evidenciar, à partida, uma extraordinária capacidade de atração gravitacional (e de legitimação) sobre uma considerável heterogeneidade de perspetivas, agendas ideológicas e políticas relativas a situações implicadas nos casos de TSH. Todavia, atendendo a que este buraco negro não tem uma capacidade de incorporação ilimitada e considerando, sobretudo, que é deformado pela ação reducionista de determinados vieses ideológicos, nem todas as perspetivas, agendas e políticas acabam por ter as mesmas possibilidades de serem reconhecidas e escoradas pelo texto do protocolo, ou, à escala nacional, pelos quadros jurídicos dele resultantes.
No documento, os enviesamentos que mais se destacam têm por base, como foi possível constatar, formulações mais ou menos explícitas em que o género-idade, a prostituição, a mobilidade-ilegalidade e a tendência repressiva-securitária acabam por estabelecer um paradigma de entendimento e de gestão política, judicial e social do TSH, amiúde em contramão das próprias evidências empíricas. Segundo este paradigma - no qual entronca a atual a hegemonia antitráfico -, o fenómeno é associado às supostas vulnerabilidades decorrentes da feminilidade e da idade, ao exercício do sexo mercantil e às ilegalidades subjacentes à informalidade dos trânsitos migratórios laborais, sendo percebido, acima de tudo, como uma manifestação abominável de criminalidade, da responsabilidade de redes organizadas, que urge combater. Cria-se, deste modo, a propensão para entendimentos estreitos e seletivos sobre as situações de tráfico, atiçados por inflamados pânicos morais, e uma ilusão antipolítica que mascara as subjetividades e aspirações dos sujeitos, tal como as causas sociais estruturais do problema, a responsabilidade dos Estados e a necessidade de se ir além das meras abordagens criminológicas e repressivas.
As orientações plasmadas no Protocolo de Palermo e nas legislações nacionais por ele subsidiadas, remetendo para um entendimento lato do TSH e estando sujeitas a indefinições e a determinados vieses estruturantes, tendem a ser apropriadas e operacionalizadas segundo configurações dicotómicas bastante formatadas. Esta tendência de afunilamento da lei em texto à lei em prática é especialmente visível na identificação e proteção social das vítimas, um processo pautado por idealizações identitárias extremadas, quase impossíveis, sobre as pessoas traficadas e pela consequente polarização moral entre quem merece e não merece a assistência do Estado. O resultado é a coexistência política da compaixão e da repressão no campo das atuações institucionais em matéria de TSH: uma simultaneidade, marcadamente estratégica e discriminatória, da predisposição humanista genérica para o resgate salvífico de quem converge para o exigente modelo de vítima ideal e da pulsão repressora ante pessoas que se afastam do modelo, passando a ser percebidas não tanto a partir de uma visão piedosa, mas sim criminológica. Em ambos os casos, as vozes, subjetividades e pretensões das vítimas acabam por não ser incorporadas de forma significativa na retórica política e na intervenção social (“disjuncture”), sendo que as mobilidades, a sua gestão e as próprias ideologias e terminologias estão sob domínio dos interesses ocidentais (“drift” (Lazzarino, 2019)).
Embora o binómio da compaixão-repressão pareça constituir aqui uma antinomia, ambos os polos estão subjugados ao primado das preocupações com o risco e a segurança (Aradau, 2004). Não são apenas os procedimentos repressivos que se inscrevem no desígnio de neutralizar riscos efetivos ou potenciais. Os compassivos também, pelo menos parcialmente. Ainda que a coberto de um regime de intenções direcionado para a promoção da dignidade humana, a compassividade acaba por assumir uma função securitizante de normalização de sujeitos psicologicamente construídos como desviantes, ao mesmo tempo que, de certa forma, os responsabiliza quase que em exclusivo pelos seus trajetos biográficos. Compreende-se, assim, que se olhe para o Protocolo de Palermo e para a hegemonia antitráfico a ele associada como um conjunto de disposições de forte pendor criminológico, repressivo e securitário, configurando uma orientação antipolítica em que se enfatizam as responsabilidades individuais e se escondem as condições sociais sistémicas que alimentam o TSH e em relação às quais os Estados, por ação ou omissão, não deixam de ser responsáveis. A mudança de rumo implica uma efetiva repolitização do fenómeno e, como sugerem Rijken e Volder (2009), uma abordagem que contemple de forma quilibrada os três “Ps” do combate ao tráfico (prosecution, protection, prevention) e preveja, a montante e a jusante, estratégias de intervenção estruturais (p. ex., no âmbito do trabalho, das migrações, das relações externas e do desenvolvimento) no sentido de minimizar as suas causas e efeitos. Trata-se, enfim, de conferir maior relevância e efetividade a uma perspetiva de direitos humanos, de saúde pública e de desenvolvimento (Todres, 2011). Para tal, será fundamental, desde logo, ponderar o modo como os países mais ricos regulam a economia, gerem as fronteiras e mobilidades, e constroem hegemonias discursivas neocolonialistas sobre o TSH, que pouco ou nada refletem as experiências e interesses das vítimas.