Introdução
A gestão da qualidade é uma área de estudo da Administração considerada consolidada, com origem no contexto dos primeiros pressupostos teóricos da abordagem clássica (Paladini, 2009; Xenos, 2014).
Entende-se por gestão da qualidade o conjunto de processos, procedimentos e ferramentas aplicadas de maneira a potencializar o cumprimento de parâmetros prévios quanto a entregas (de produtos, processos ou recursos) e, assim, proporcionar melhor desempenho produtivo (Paladini, 2009; Xenos, 2014; Slack et al., 2015). Portanto, de acordo com os precursores, a gestão da qualidade deve prevenir defeitos, focar na conformidade, reduzindo a variabilidade dos processos, bem como propor atingimento em dois níveis alta qualidade dos produtos e do indivíduo (Crosby, 1990; Deming, 1990; Juran, 1990).
Marcada pelos princípios de eficiência, padronização e controle de desempenho, a gestão da qualidade passou por marcos teóricos importantes, tendo hoje o status de conteúdo consolidado e conhecido na comunidade acadêmica (Rutkowski, 1998; Paladini, 2009; Xenos, 2014; Slack et al., 2015).
Ainda que vista como tópico exaurido por algumas linhas de pensamento na academia, em especial no que se refere a estudos em países desenvolvidos, a prática diária das organizações ainda não parece refletir os preceitos tão massificados da qualidade (Pinto et al., 2006; Fotopoulos e Psomas, 2009). As ferramentas dos modelos tão trabalhados pela literatura ainda são evidenciadas como subutilizadas, em especial, em países emergentes e em desenvolvimento (Pinto et al., 2006; Wu et al., 2019; De Oliveira Santos et al., 2020; Shou et al., 2020). No mesmo sentido, há uma importante discussão quanto aos modelos teóricos e suas aplicações: a necessidade constante de estudos para que se possa enriquecer o entendimento quanto à sua utilização em diferentes contextos organizacionais e o quanto modelos já “validados” se aplicam às mudanças de mercado (Asif, 2020). Assim mesmo, sistemas de qualidade total, tidos como bem-sucedidos, poderiam não desempenhar suas funções de maneira tão eficaz em configurações de organizações mais atualizadas (Asif, 2020).
Mesmo em pressupostos considerados validados por pesquisas empíricas, há a necessidade de exploração de contextos específicos e casos atípicos, que, por sua vez, podem levar à identificação de condições excepcionais em que os modelos conhecidos não são plenamente aplicáveis ou ainda proporcionar subsídios que contribuam para o aperfeiçoamento deles (Asif, 2020; Behera, 2020; Ostasz et al., 2020; Shou et al., 2020). Dentro desse universo de potenciais lacunas, encontram-se os estudos de organizações não tradicionais por tipo de atividade, estrutura ou mesmo por não se configurarem como empresas e contextos de países emergentes, onde o nível de maturidade de planejamento e visão de longo prazo são consideravelmente diferentes dos normalmente utilizados como objeto de estudo (Asif, 2020; Behera, 2020; Nashat et al., 2020; Ostasz et al., 2020; Shou et al., 2020).
Nesse cenário, o presente artigo tem como objetivo geral analisar o processo de implantação de um modelo de sistema de qualidade em uma organização militar. Como específicos, têm-se: 1) caracterizar o cenário prévio à implantação do modelo, quanto aos parâmetros de qualidade e desempenho; 2) identificar os meios e as adaptações de ferramentas ao contexto, segundo o Programa de Excelência Gerencial; 3) medir os resultados quantitativos e qualitativos alcançados em curto prazo com a implantação do programa.
O estudo foi realizado no 3° Grupo de Artilharia Antiaérea da cidade de Caxias do Sul, localizada no estado do Rio Grande do Sul, estado do extremo sul do Brasil. Com o histórico de restrição ao acesso de dados do Exército Brasileiro, ocasionada pelas justificadas preocupações de segurança e privacidade, este caso se destaca por sua incomum oportunidade de exploração do fenômeno, que pôde ser observado - ainda que não longitudinalmente por se tratar de pouco tempo - em três etapas do processo de implantação (prévia, durante a aplicação das medidas e pós-evento, na fase de consolidação).
Além de se tratar de contexto específico e atípico, que por si só já constitui uma justificativa acerca da relevância desta pesquisa - em especial por se tratar de organização sobre a qual ainda são poucos os trabalhos publicados no Brasil sob a perspectiva de gestão da qualidade -, este estudo contribui para outras discussões relevantes. Ainda que existam as já mencionadas perspectivas que defendem o estudo da qualidade como saturado e que, portanto, pouco contribuem os novos casos práticos, há outros artigos recentes que apontam a importância dos estudos empíricos para o entendimento de como as variáveis dos modelos amplamente difundidos se comportam em cenários culturais e econômicos específicos (Fotopoulos e Psomas, 2009; Asif, 2020; De Oliveira Santos et al., 2020). Adicionalmente, a discussão de modelos da qualidade ainda apresenta uma perspectiva de ampla aplicabilidade na administração privada. Contudo, resta espaço significativo para as discussões do ponto de vista da gestão pública, em que os modelos ainda demandam adaptações e recebem diferentes perspectivas de desempenho (Velasques, 2006; Brito et al., 2020; Kaiseroglou e Sfakianaki, 2020).
Referencial teórico
Gestão da qualidade
Ao se falar em gestão da qualidade, vários são os conceitos estabelecidos para definir a sua utilização, os seus princípios, as suas características e as suas ferramentas. Para Paladini (2009), por se tratar de preceitos de grande abrangência, os princípios da gestão da qualidade devem ter estrutura consistente e solidamente embasada, já que serão adotados por todas as áreas e todos os setores, definirão todos os procedimentos e, enfim, terão impacto sobre todas as pessoas que atuam na organização.
Salienta Polacinski (2006) que muito se escreve sobre qualidade como ferramenta indispensável para as organizações competitivas. Essa temática incorporou-se ao dia a dia dessas organizações e, apesar de o intenso volume de informações nessa área estabelecer as práticas que permitem manter o alinhamento da área de qualidade com a estratégia da organização, voltada para a conquista da excelência, é um desafio não tão simples de ser compreendido.
Com o passar dos anos, a gestão da qualidade foi sendo analisada, estudada e modernizada. Nesse sentido, Carvalho e Paladini (2012) afirmam que foram muitos teóricos que ajudaram a construir a área da qualidade e, com isso, várias ferramentas da qualidade foram criadas e implantadas nas organizações, tendo um papel essencial no êxito da aplicação dos princípios e das definições que caracterizam essa área.
Conseguinte a isso, vivendo uma total globalização, com mudanças de gestão, Ribeiro (2000 citado por Lauro, 2009) salienta que as instituições públicas vêm sofrendo influências de vários modelos de gestão com o intuito de melhorar e organizar seus processos administrativos e serviços. No entanto, essa evolução dos modelos de gestão leva a uma perda de competitividade das instituições públicas em comparação às privadas.
Em consonância com isso, Louro (2009) destaca que a modernização da Administração Pública veio com o intuito de empreender programas de reforma e modernização administrativa, como a implementação de novos sistemas de gestão, que se reúnam para a formação de um todo no controle do cumprimento da legalidade, a avaliação do desempenho, a qualidade e a melhoria nos serviços públicos. Entre eles, podemos citar o esforço do Exército Americano em melhorar a sua gestão da qualidade (Safford, 1989; Karegeannes, 1992).
Associado a isso, o Exército Brasileiro, através do Estado-Maior do Exército, vem, nos últimos anos, acompanhando a evolução da área administrativa, buscando a melhoria da gestão de seus processos gerenciais. Em 1996, a publicação do Manual de ferramentas da qualidade vem sendo uma versão experimental para a iniciação da implantação de ferramentas de qualidade nas organizações militares do Exército.
Portanto, com a evolução do cenário político, econômico e social do Brasil e do mundo, o sistema de inclusão das ferramentas de qualidade no Exército Brasileiro também evoluiu. Em 2003, o Estado-Maior do Exército implantou o Programa de Excelência Gerencial do Exército Brasileiro (PEG-EB), idealizado com o intuito de melhorar continuamente a gestão de todo o Exército Brasileiro e ter como objetivo a operacionalidade e o bem-estar do público interno e seus dependentes (PEG-EB, 2003).
Nessa conjuntura, de buscar continuamente melhorias do PEG-EB, o Estado-Maior do Exército (2007), através da implantação do Sistema de Excelência do Exército Brasileiro (SE-EB), procurou integrar as informações gerenciais do Exército Brasileiro, culminado a sua publicação e divulgação em 2008, com os seguintes objetivos: 1) contribuir para o prosseguimento do SE-EB; 2) consolidar o PEG-EB; 3) consolidar a base conceitual e doutrinária do Modelo de Excelência utilizado pelo Exército Brasileiro, customizado para a força terrestre; 4) incrementar a capacitação nas Organizações Militares das ferramentas gerenciais, otimizando a sua utilização; 5) conscientizar os militares do Exército Brasileiro sobre a importância da gestão aplicada à operacionalidade da tropa; 6) demonstrar especial atenção à gestão dos processos organizacionais, particularmente os processos finalísticos e os principais processos de apoio, e atender às necessidades de capacitação em todos os níveis da Força.
Na Figura 1, podemos observar o ciclo das ferramentas de gestão utilizadas pelo Sistema de Excelência na Organização Militar (SE-OM), que possui um inter-relacionamento entre elas, iniciando pela autoavaliação e concluindo na análise e melhoria de processos, a fim de encontrar a simplicidade, a adequação e o foco na busca da melhoria contínua da operacionalidade (SE-OM, 2008).
Ferramentas de qualidade
As ferramentas de qualidade, reconhecidas em todo mundo, foram criadas há décadas por aqueles que iniciaram o processo de qualidade total; ao longo do tempo, umas permaneceram, algumas foram atualizadas e outras criadas (Vieira Filho, 2007).
Com a necessidade de melhorar os processos e os serviços, as ferramentas da gestão de qualidade muito contribuíram e ainda contribuem para o êxito na melhoria das empresas e das instituições públicas. Carvalho e Paladine (2012) reiteram que as ferramentas de qualidade são mecanismos simples para selecionar, implantar ou avaliar alterações no processo produtivo por meio de análises objetivas de partes bem-definidas do processo. Evidentemente, o objetivo das alterações é gerar melhorias.
Dessa maneira, as ferramentas de qualidade costumam envolver procedimentos em forma de diagramas ou gráficos, procedimentos numéricos, esquemas para o desenvolvimento de atividades, para a realização de análises ou para as tomadas de decisão, estudos analíticos, formulações precisas de conceitos ou diretrizes, roteiros simples de ação, regras de funcionamento ou de implementação, planos de atividades, mecanismos de operação, entre outros (Carvalho e Paladini, 2012).
Nesse aspecto, Carvalho e Paladini (2012) comentam que, para a implantação de ferramentas de qualidade, costuma-se utilizar-se de um método geral. O método mais usual que pode ser aplicado é denominado Ciclo Plan Do Check Act PDCA.
Segundo Vieira Filho (2012), o ciclo PDCA é um método gerencial de tomada de decisões para garantir o alcance das metas necessárias à sobrevivência de uma organização e é composto de quatro etapas:
P: do verbo to plan (planejar). Nesta etapa, são definidas as metas que se deseja atingir. Definidas as metas, deve-se definir os métodos para atingi-las e os procedimentos que serão seguidos para a sua obtenção.
D: do verbo to do (executar). Aqui, todos os envolvidos são treinados em procedimentos que têm como base as metas estabelecidas, realizam atividades e colhem dados.
C: do verbo to check (verificar). Esta é uma etapa puramente gerencial, que verifica se o que foi executado está de acordo com as metas estabelecidas.
A: do verbo to act (atuar). Aqui, a atuação é corretiva, ou seja, caso a operação realizada não esteja de acordo com o planejado, deve-se atuar corretivamente com os planos de ação para a correção de rumo com vistas a atingir a meta estabelecida.
Para Andrade (2003), a utilização do ciclo PDCA envolve várias possibilidades, podendo ser utilizado para o estabelecimento de metas de melhoria provindas da alta administração ou também de pessoas ligadas ao setor operacional, com o objetivo de coordenar esforços de melhoria contínua, enfatizando que cada programa de melhoria deve começar com um planejamento cuidadoso (definição de uma meta), resultar em ações efetivas, em comprovação da eficácia das ações, com o fim de obter os resultados da melhoria, podendo ser utilizada a cada melhoria vislumbrada.
Quando falamos em implantação de ferramentas de qualidade, falamos em mudança e não podemos deixar de falar nos 5s(sensos). Vieira Filho (2007) nos diz que os 5s são a base para a gestão da qualidade total, porque, se desejamos mudar nossa forma gerencial, antes de qualquer coisa, temos que arrumar e organizar nosso local de trabalho.
Seiri | Senso de utilização ou descarte |
Seiton | Senso de ordenação |
Seisou | Senso de limpeza |
Seiketsu | Senso de higiene |
Shitsuke | Senso de autodisciplina ou manutenção |
Fonte: Vieira Filho (2007, p. 27).
Costa (2007) complementa que o programa 5s tem por objetivo promover um conjunto de ações constantes em nível operacional que visam melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, diminuir desperdícios, reduzir custos, aumentar a produtividade, além de criar e manter um ambiente de trabalho saudável.
Andrade (1999) diz que, para dar início ao processo de implantação de gestão pela qualidade total, o Exército Brasileiro teve como uma das primícias a implantação, nas organizações militares, do programa 5s e fazendo uma comparação grosseira, pode-se afirmar que a gestão da qualidade total de qualquer organização tem seu sucesso ou não marcado pela implantação do programa 5s.
Por sua vez, o brainstorming é a mais conhecida das técnicas de geração de ideias, originalmente desenvolvida por Osborn, em 1938. O brainstorming é uma técnica realizada em grupo, que envolve a contribuição espontânea de todos os participantes. Soluções criativas e inovadoras para os problemas, rompendo com paradigmas, são alcançadas com a sua utilização. O clima de envolvimento e motivação gerado pelo brainstorming assegura melhor qualidade nas decisões tomadas pelo grupo, maior comprometimento com a ação e um sentimento de responsabilidade compartilhado por todos (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae, 2005).
Com a utilização da técnica brainstorming, conforme mostra o Quadro 2, podemos observar o desenvolvimento das ideias para a solução da distribuição do boletim interno de uma organização militar.
Listagem dos problemas |
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Treinamento insuficiente dos operadores. |
Rotatividade dos operadores de micro. |
Seleção inoportuna das matérias para o boletim interno. |
Falta de padronização. |
Erros gramaticais. |
Erros de digitação. |
Sistema informatizado moroso (sobrecarga e subutilização). |
Acesso demorado ao banco de dados. |
Rigidez do arquivo. |
Terminais de computador em número insuficiente. |
Trabalho isolado nos diversos setores. |
Falta de comunicação dos erros. |
Demora na consolidação. |
Fonte: adaptado do Estado Maior do Exército (1996, p. 29).
O diagrama de causa e efeito, também chamado “Ishikawa” ou “Espinha de peixe”, é utilizado para apresentar a relação existente entre o resultado (efeito) e os fatores (causas) do processo que, por razões técnicas, possam ter afetado o resultado considerado (Vieira Filho, 2007).
O Estado Maior do Exército (1996) descreve que a criatividade permite a geração de muitos tipos de diagrama e em seu Manual das ferramentas da qualidade. Este manual descreve as ferramentas de qualidade utilizadas pelo exército.
O gráfico de Pareto é um gráfico de barras verticais que dispõe a informação de forma a tornar evidente e visual a prioridade de temas (Vieira Filho, 2007).
Segundo o Estado Maior do Exército (1996), o gráfico de Pareto é uma ferramenta de identificação e análise que ressalta a importância relativa entre vários componentes de um resultado, no sentido de: (i) identificar suas causas básicas; (ii) escolher o ponto de partida para a solução; (iii) avaliar as consequências da implementação de mudanças no processo.
O plano de ação também é chamado “5W2H” (what, why, who, where, when), (how and how much) utilizado para planejar ações que serão executadas (Vieira Filho, 2007).
O Quadro 3 mostra o modelo que pode ser utilizado com eficácia a fim de encontrar palavras-chave para determinada situação.
O quê? | Quem? | Onde? | Por quê? | Quando? | Como? | Quanto |
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Ação 1 | ||||||
Ação 2 | ||||||
Ação 3 | ||||||
Ação 4 | ||||||
Ação 5 |
Fonte: adaptado do SE-OM (2008, p. 58).
O fluxograma é uma tentativa de visualizarmos holisticamente determinada atividade e, por definição, é a representação gráfica das diversas tarefas desse processo. O fluxograma deve trazer o maior número de informações possível a seu usuário, contudo, para que seja um instrumento objetivo e não fique excessivamente carregado, por vezes é fundido a outras ferramentas. Sua apresentação facilita a identificação de pontos críticos do processo e consegue definir claramente os limites dele (Behr et al, 2008).
Para o Sebrae (2005), além da sequência das atividades, o fluxograma mostra o que é realizado em cada etapa, os materiais ou serviços que entram e saem do processo, as decisões que devem ser tomadas e as pessoas envolvidas (cadeia cliente- fornecedor). Além disso, a análise de um processo se torna mais fácil quando há a identificação (i) das entradas e de seus fornecedores, (ii) das saídas e de seus clientes, e (iii) dos pontos críticos do processo. Reiterando, o Estado Maior do Exército (1996) diz que o fluxograma tem por finalidade proporcionar uma visão global do processo, apresentando os vários passos que estão relacionados entre si e, a partir daí, identificando potenciais fontes de problemas e oportunidades de aperfeiçoamento.
Metodologia
Este artigo caracteriza-se por ser de natureza aplicada a partir de uma abordagem descritiva e predominantemente qualitativa, visto a intenção de entender o fenômeno por aspectos não necessariamente mensuráveis (Creswell, 2010; Malhotra, 2012). O estudo foi realizado a partir de um corte transversal, assim entendido por não retratar diferentes medições ao longo do tempo, mas sim um momento único da organização (Malhotra, 2012). Todavia, foi possível realizar uma coleta compreensiva, que abrangeu o momento de intervenção prévia, implantação e pós-implantação, com coleta de dados dos resultados de curto prazo, o que favorece a profundidade de estudos do tipo (Yin, 2010).
A presente pesquisa caracteriza-se como estudo de caso, tendo sido o objeto de estudo selecionado por seu enquadramento atípico (Yin, 2010), tanto na exploração do tema em si (gestão da qualidade em organizações públicas militares no Brasil) quanto na excepcionalidade da disponibilidade de dados em instituições dessa natureza. Para tanto, seguiu-se o protocolo-padrão de estudo de caso: 1) formulação do problema ou das questões de pesquisa; 2) definição das unidades-caso; 3) seleção dos casos; 4) elaboração do protocolo; 5) coleta de dados; 6) análise e interpretação dos dados, e 7) redação do relatório (Gil, 2010; Yin, 2010).
A coleta de dados foi estruturada a partir de três fontes essenciais, as quais foram posteriormente trianguladas: entrevistas semiestruturadas, observação e análise documental. O Quadro 4, a seguir, apresenta a caracterização dos entrevistados quanto à sua função na organização.
Entrevistado A | Comandante da unidade |
Entrevistado B | Responsável pela gestão geral da unidade |
Entrevistado C | Subcomandante com atividades de assessoria direta ao comandante da unidade |
Entrevistado D | Oficial subalterno, responsável pela assessoria jurídica |
Entrevistado E | Oficial da Reserva remunerada |
Entrevistado F | Oficial subalterno responsável pela seção de excelência gerencial |
Entrevistado G | Monitor de apoio operacional |
Fonte: elaboração própria.
Os indivíduos foram selecionados como fontes da pesquisa devido à sua participação e interferência no processo de implantação do modelo de qualidade. Em alguns casos, como ocorreu com o entrevistado d, sua inclusão foi realizada após a referência dos demais entrevistados. As entrevistas foram realizadas in loco e tiveram duração média de uma hora e trinta minutos. Para ajudar na posterior análise e interpretação dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo (Bardin, 2004). Para isso, as entrevistas foram gravadas por meio eletrônico e transcritas (Malhotra, 2012; Flick, 2009), estruturando os conteúdos dentro das categorias de análise apresentadas anteriormente, de acordo com o Apêndice A.
Com a intenção de guiar o processo de entrevista, foi elaborado um instrumento de coleta de dados, composto de nove questões abertas, que foram fundamentadas nas etapas do processo de gestão de qualidade (Paladini, 2009; Xenos, 2014) e na discussão teórica apresentada no referencial deste artigo. Devido à natureza exploratória da condução do estudo de caso, as perguntas foram utilizadas como uma referência inicial, aprofundada por questionamentos complementares de acordo com a manifestação do fenômeno e suas evidências (Malhotra, 2012). As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados e transcritas em sua integralidade para o posterior tratamento dos dados.
A condução da coleta documental foi realizada após as entrevistas, como recurso de complemento e confrontamento das informações obtidas (que geraram, quando oportuno, nova consulta aos entrevistados). O Quadro 5, a seguir, apresenta a descrição sistematizada dos tipos de documentos utilizados ao longo desta etapa, que envolveu uma busca sistemática nas bases da organização.
Relatórios | Seção excelência gerencial |
Indicadores | Seção excelência gerencial |
Ações de comando | Comandante |
Normas gerais de ação | Subcomandante |
Procedimento operacional-padrão | Assessor jurídico |
Fonte: elaboração própria.
As observações foram conduzidas e registradas também em relatório adequado para o uso interno do pesquisador, igualmente conduzidas após as entrevistas iniciais, seguindo recomendação protocolar de Yin (2010) para casos do tipo exploratório. O mesmo protocolo foi seguido para o cruzamento de dados, que culminou na análise de conteúdo por categorização (Bardin, 2004; Flick, 2009).
Caracterização do caso estudado
A fim de justificar e contextualizar os parâmetros que orientaram a coleta e a análise, faz-se necessário apresentar a organização de referência (Yin, 2010). O Exército Brasileiro está presente em todo o território brasileiro, nos 26 estados e no Distrito Federal, perfazendo um total de 1.145 organizações ou unidades militares. A organização militar que fez parte desta pesquisa localiza-se na cidade de Caxias do Sul, serra gaúcha do Rio Grande do Sul, estado que comporta em todo o seu território 188 organizações militares. O objeto de estudo - o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea - faz parte do Sistema de Defesa Antiaérea do Espaço Aéreo Brasileiro e está subordinado à 1a Brigada de Artilharia Antiaérea, sediada na cidade do Guarujá, São Paulo. A Figura 3, a seguir, apresenta a estrutura hierárquica na qual se encontra a organização.
Pavilhão de comando: comporta o Comando-geral da unidade.
Pavilhão administrativo: é a base de toda parte administrativa da unidade, comportando as seguintes seções: 1) seção de pessoal; 2) secretaria; 3) seção de pagamento de pessoal; 4) seção de mobilização; 5) setor de aquisição e licitações; 6) seção de patrimônio; 7) fiscalização administrativa; 8) tesouraria; 9) suporte documental; 10) almoxarifado; 11) seção de informática.
Batería de comando e serviços: comporta o efetivo que atua nas seções administrativas e nas áreas de serviço, tais como garagem, oficina mecânica, saúde e aprovisionamento.
Bateria de canhões: comporta o efetivo que mobiliza as seções de canhões antiaéreos - 40mm.
Bateria de mísseis: comporta o efetivo que mobiliza as seções de mísseis IGLA, RBS-70 e o Radar SABER M60.
Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva: responsável pela preparação e formação a cada ano de 20 oficiais da reserva, especializados em artilharia antiaérea.
Fábrica de alvo aéreo: responsável pela fabricação de aeromodelos de grande porte, que servirão de alvo aéreo para os treinamentos de tiro antiaéreo.
Atualmente, o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea conta com o seguinte efetivo no seu quadro de organização:
efetivo da ativa - 365 indivíduos, divididos entre os cargos de coronel, tenente-coronel, major, capitão 1° e 2° tenente, subtenente, 1°, 2° e 3° sargento, cabos, soldados do efetivo profissional e alunos do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva;
efetivo composto por soldados do efetivo variável (recrutas) - 201;
efetivo de inativos - 191.
efetivo de pensionistas - 492.
Estão à frente dos processos de gestão ou envolvidos com sua execução os indivíduos previamente mencionados no quadro de entrevistados e, a partir de suas perspectivas, constrói-se o caminho de análise para a implantação do sistema de qualidade, que visa abarcar todas as áreas e as funções da organização.
Análise dos resultados
Para a apresentação da organização pesquisada, o Comando do 3° Grupo de Artilharia Antiaérea permitiu ao pesquisador que se levantasse os dados necessários ao desenvolvimento deste estudo, tanto no que se refere ao nome da instituição como a aquisição de dados e a cooperação de alguns militares pertencentes à organização, para que se pudesse alcançar as informações necessárias. Os dados levantados referem-se à implantação e ao uso de ferramentas de qualidade, de 1995 a 2016.
O Exército Brasileiro, por ser pautado na hierarquia e na disciplina, sempre baseou suas atividades fins em manuais doutrinários inerentes à atividade militar. Esses manuais não se baseiam em doutrinas metodológicas de qualidade, mas sim em ciências militares.
Dentro desse contexto, o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, antes de 1995, ano em que foi editado e divulgado o manual do 5s, no qual foi o primórdio da implantação da gestão voltada para a qualidade, não se utilizava de nenhum método ou gestão voltada para a qualidade. Conforme o entrevistado B:
Anteriormente à consolidação do Programa Excelência Gerencial (PEG-EB), o Sistema de Excelência no Exército Brasileiro (SE-EB) funcionava de uma maneira pouco doutrinária e sem padronizações. Cada Organização Militar usava as ferramentas que julgassem mais adequadas, sem ocorrer uma padronização entre as unidades do Exército. Deste modo, as práticas adotadas e os métodos utilizados dependiam do conhecimento adquirido fora da Força Terrestre que algum militar pudesse ter na área de gestão.
Nesse contexto, sem a utilização das ferramentas de qualidade, verificou-se a inexistência de uma padronização prática das atividades e dos processos que eram e que são realizados na organização. Consequentemente, percebe-se que não havia o conhecimento da prática do uso de ferramentas de qualidade em que pudesse ser realizado o levantamento de informações referentes às necessidades de melhorias administrativas, estratégicas e operacionais. Isso não somente acontecia no 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, mas também na maioria das organizações militares do Exército Brasileiro.
Em vista disso, apurou-se a não existência de manuais destinados ao gerenciamento da qualidade. Existia sim, por parte de alguns integrantes dessa organização, um conhecimento tácito que não extava explicitado em manuais que contavam com algum conhecimento na área de gestão, que, na maioria das vezes, utilizavam de forma particular em sua área de atuação, como salienta o entrevistado E:
Anteriormente à consolidação do Sistema de Excelência no Exército Brasileiro (SE-EB) não existia uma preocupação específica e intitulada para com a excelência gerencial. O modelo gerencial era fundamentado em conhecimentos, experiências e padronizações próprias de cada nicho estrutural. O único modelo padronizado e divulgado era a doutrina dos manuais existentes à época.
Diante de uma vivência globalizada, mudanças de gestão, o Exército Brasileiro se viu na necessidade de editar manuais instrutivos. Com o intuito de criar os meios para apoiar os colaboradores na busca de melhores padrões de desempenho (Estado Maior do Exército, 1996), conforme atesta o entrevistado B:
Com a grande revolução tecnológica e administrativa ocorrida no mundo contemporâneo, o Estado-Maior do Exército, por meio da Assessoria Especial do Gabinete do Comandante do Exército, publicou diversas Instruções Provisórias que buscam operacionalizar, de maneira sistêmica e científica, a Gestão dos Processos Organizacionais dentro de suas Organizações Militares.
Com o passar do tempo, as mais diversas instituições observaram que a busca pela excelência era elemento fundamental para o sucesso. No caso específico do Exército Brasileiro, “a investida foi padronizar as atividades já desenvolvidas e as experiências adquiridas no âmbito da gestão” (entrevistado E).
Diante das inovações de gestão já implementadas e consolidadas nas organizações industriais, o Exército Brasileiro viu a necessidade de implantar as ferramentas com o objetivo de “satisfazer as expectativas de todos os integrantes da Força no sentido de tornar a Instituição apta a superar as dificuldades e desafios decorrentes das incertezas conjunturais, fazendo uso de novas metodologias gerenciais” (entrevistado C).
O uso das ferramentas de qualidade pelo 3° Grupo de Artilharia Antiaérea
Com a implantação do Sistema de Excelência Gerencial nas Organizações Militares, sendo, nesse caso, o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, foram possíveis a apresentação, o conhecimento, e o uso por parte dos integrantes da organização de ferramentas muito utilizadas nas grandes corporações industriais. Essas ferramentas possibilitaram as seguintes mudanças, conforme relata o entrevistado B:
proporcionar o estabelecimento de prioridades na execução das atividades inerentes ao cumprimento da missão em todos os níveis organizacionais. [...] que auxiliam na organização do trabalho, na otimização dos processos, na priorização da resolução de problemas e na identificação de pontos fortes e aspectos de melhoria.
Todas as seções administrativas, como seção pessoal, setor de pagamento de pessoal, fiscalização administrativa, setor de aquisição, licitação e compra entre outras, tiveram seus processos mapeados por meio do procedimento operacional-padrão, juntamente com a montagem de fluxogramas. Essas ações de mapeamento muito contribuíram e contribuem para o funcionamento prático das atividades administrativas e operacionais, visto que, sendo uma organização militar, há movimentações anuais de pessoal que são transferidos para outros estados e os que são movimentos para o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, ao serem designados para as suas respectivas seções, já possuem o alinhamento das atividades necessárias para a execução das tarefas, facilitando muito a adaptação ao novo ambiente de trabalho.
Complementa o entrevistado E:
tiramos o máximo proveito das informações levantadas e podemos realizar uma melhor análise dos processos da unidade [...] e para isso buscamos realizar “brainstorming” e outros mecanismos de “chuva de ideias” nas reuniões de comando e por ocasião das pesquisas de opinião para o público interno e externo.
Para que fossem divulgadas as informações referentes à implantação de ações de gestão, o comando da unidade, junto com os demais gestores, elaboraram e confeccionaram documentos para o conhecimento de todos os integrantes da organização, tais como as Diretrizes de comando para o plano de gestão, em que são divulgados os macroprocessos e os processos finalísticos com seus respectivos gerentes, sendo englobadas todas as áreas, como pessoal, público externo, patrimônio, administração, finanças, logística e tecnologia da informação.
Assim, foram identificadas com o material recebido para a pesquisa as principais ferramentas utilizadas na gestão de qualidade pelo 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, conforme mostra o Quadro 6.
Ferramenta | Uso |
---|---|
Fluxograma | Auxilia no mapeamento de processos e procedimentos- padrão. |
Indicadores de desempenho Os indicadores foram construídos a partir de reuniões com os integrantes da seção de pessoal da unidade, num total de cinco membros, que estão ligados diretamente à função de RH. Nessas reuniões, foram analisadas as tarefas que são executadas durante o ano e, após observada a evolução da eficiência das tarefas, foi verificado em quais atividades se encontravam os maiores gargalos para a finalização satisfatória destas. |
Índice de disciplina: análise qualitativa de punições não aplicadas (regulamento disciplinar). Completamento de efetivo: análise qualitativa em que se compara o efetivo previsto autorizado com o efetivo existente, a necessidade de preenchimento dos cargos existentes. Recompensas concedidas: o reconhecimento pessoal com relação a atitudes e comportamentos exemplares que fortalecem a coesão e o comprometimento dos militares da organização militar. A ausência de recompensas pode evidenciar a necessidade de desencadear ações com o objetivo de elevar a coesão e o comprometimento dos militares da organização militar. Capacitação em artilharia antiaérea: análise qualitativa da necessidade de ter um efetivo existente (oficiais e sargentos), com especialização em artilharia antiaérea e ocupando cargo em que tal especialidade é necessária. Efetivo previsto e autorizado de cargos com necessidade da especialização. Capacitação em administração: necessidade de complemento dos cargos que necessitam de especialização na área Administrativa (pregoeiro, licitações etc.) em comparação com o efetivo existente, atuando na área administração da unidade. Segurança no serviço e na instrução: é utilizado para medir o índice de segurança no serviço e na instrução por meio do número de dias sem acidentes. Grau de desempenho no teste de aptidão física: necessidade de avalição de desempenho e aproveitamento dos oficiais e sargentos no teste de aptidão física. A necessidade de estar apto ao pronto-emprego, seja qual for a situação. |
Matriz SWOT | Posicionamento estratégico organizacional. |
Matriz gut (Gravidade, Urgência e Tendência) | Disponibilidade de material antiaéreo. Capacitação de pessoal. Adestramento na garantia da lei e da ordem. |
5w2h | Recebimento de material ou prestação de serviços. |
Brainstorming | Auxílio nas análises de processos da unidade. |
Fonte: Seção de Excelência Gerencial do 3° Grupo de Artilharia Antiaérea.
Todas essas ferramentas auxiliam na identificação de pontos fortes e oportunidades de inovação e melhoria:
na priorização de possíveis problemas detectados, no detalhamento de cada processo, no levantamento de informações de nossos clientes, na organização dos processos e, também, na sua documentação e arquivamento para consultas futuras. No 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, as ferramentas de qualidade que melhor se adaptaram foram as ações de comandando, os fluxogramas dos processos e os indicadores de desempenho. (entrevistado D)
O uso dos indicadores de desempenho tem sido um hábito constante por parte do 3° Grupo de Artilharia Antiaérea, desde a implantação do Sistema de Excelência Gerencial. Por ser um sistema simples de uso que facilita o levantamento de metas a serem alcançadas e a visualização dos resultados, conforme o exemplo do Quadro 7. Em decorrência da rotatividade de pessoal (transferências para outras unidades no território nacional), há mudanças nas metas alcançadas, ou para maior, ou para menor.
Seção de pessoal | Índice de disciplina | Índice de assistência religiosa | Índice de recompensas concedidas e publicadas em bi | Índice de capacitação em artilharia antiaérea | Índice de capacitação em administração | Índice de disponibilidade de pessoal para serviço e instrução |
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2020 | 89% | 100% | 6,38% | 135,41 | 76% | 94,37% |
2019 | 93,37% | 100% | 8,97% | 100% | 76% | 94,37% |
2018 | 96,98% | 100% | 20% | 78,69% | 63,69% | 98,64% |
2017 | 80% | 100% | 36% | 93,75% | 100% | 100% |
Meta | 85% | 100% | 20% | 90% | 100% | 100% |
Fonte: Seção de Excelência Gerencial do 3° Grupo de Artilharia Antiaérea.
Com a implantação do Sistema de Excelência Gerencial no Exército Brasileiro, o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea viu-se na necessidade de capacitar seu pessoal e estruturar a organização, para que todos tivessem o conhecimento do uso das ferramentas, como nos mostra o entrevistado A:
foi necessário realizar a capacitação intelectual e técnica de militares [...] de modo que eles se tornassem os pivôs do novo Programa de Excelência Gerencial adotado pelo Exército. Posteriormente, viu-se a necessidade de criar uma Seção de Excelência Gerencial [...], sendo ela composta por militares especializados e voltados unicamente à missão de aplicar e auxiliar todos os processos de gestão, coletando dados e informações de modo a otimizar os processos internos e fornecer informações de Gestão essenciais para o bom funcionamento administrativo e operacional da Organização Militar.
Assim como em qualquer instituição que procura estabelecer uma gestão voltada para a qualidade, não foi diferente no 3° Grupo de Artilharia Antiaérea. Novas metodologias, mudanças de paradigmas, houve “considerável resistência e dúvida no meio militar sobre os resultados dessa adoção. Todavia, a introdução de um segmento direcionado para otimizar os resultados e a utilização dos recursos foi compreendido como um movimento assertivo por parte do Exército Brasileiro” (entrevistado E).
Foi possível observar, entre todos os entrevistados, que, assim como numa unidade civil - uma empresa, de pequeno ou grande porte -, uma instituição militar também possui seus paradigmas para a implementação de algo novo que modifique sua rotina. Como enfatizados por todos, antes da implementação de um programa completo de gestão de qualidade, em todas as áreas e seções da unidade, existiam pouquíssimas pessoas que detinham algum conhecimento nessa área, e somente na seção à qual o indivíduo pertencia havia algum trabalho direcionado para ele. O que deu o pontapé inicial para que fossem implementadas ações voltadas para a qualidade foi o 5s, tendo isso ocorrido há mais de 20 anos; com o passar do tempo, assim como no meio civil, houve uma revolução na busca de ferramentas eficazes para a gestão de qualidade. Assim, com o apoio maciço do Estado Maior do Exército, foi possível haver uma intensa divulgação de cursos e treinamentos de militares para que pudessem atuar diretamente na área da gestão gerencial, de modo que otimizassem o uso das novas ferramentas e divulgassem a importância do assunto de gestão no âmbito de suas organizações militares. Portanto, pode-se observar um conjunto de achados relevantes no decorrer das entrevistas: uma evolução na implantação de ferramentas de gestão de qualidade no decorrer dos últimos 20 anos; a perceptível necessidade de capacitação, treinos e ambientação do pessoal para o uso das ferramentas de gestão, e, finalmente, a otimização dos trabalhos e dos processos com o uso das ferramentas de gestão de qualidade.
Resultados alcançados com o uso das ferramentas de qualidade
Anteriormente ao uso das ferramentas de qualidade, o 3° Grupo de Artilharia Antiaérea não contava com métodos definidos para a gestão de qualidade e, após a implantação e o uso delas, pôde-se observar alguns resultados de melhoria alcançados, conforme nos informa o entrevistado A:
práticas inovadoras em relação à pesquisas de opinião dos atendimentos prestados ao público externo por meios da Seção de Inativos e Pensionistas, do Setor de Fiscalização de Produtos Controlados e do Fundo de Saúde do Exército, [...] alcançou índices elevados em diversos Indicadores de Desempenho e procura remeter os dados ao seu Escalão Superior de forma segura e na maior brevidade possível. […] alcançou recentemente índices muito elevados no Programa de Auditoria em Segurança Alimentar, recebeu diversos elogios durante a atuação na Defesa Antiaérea por ocasião da Copa do Mundo no ano de 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016.
Os resultados positivos alcançados com o uso das ferramentas de qualidade trouxeram uma nova visão e uma nova perspectiva para a organização de manter uma melhoria contínua. Assim, buscando o aperfeiçoamento e aprimorando-se no uso das ferramentas, procurando sempre melhorar seus processos não só no âmbito administrativo, mas também no estratégico e no operacional, como salienta o entrevistado E:
Tais ferramentas e metodologias são capazes de proporcionar o estabelecimento de prioridades na execução das atividades inerentes ao cumprimento da missão em todos os níveis organizacionais. As ferramentas auxiliam na organização do trabalho , na otimização dos processos, na priorização na resolução de problemas e na identificação de Pontos Fortes e Aspectos de Melhoria.
O 3° Grupo de Artilharia Antiaérea alcançou resultados relevantes através de informações que antes não contavam com detalhamentos e que, normalmente, antes do uso das ferramentas de qualidade, como o uso da Matriz swot, que é a nomenclatura utilizada pelo Exército Brasileiro, não eram de conhecimento dos gestores. O Quadro 8 apresenta algumas dessas informações.
Fonte: adaptado do Plano de Gestão do 3° Grupo de Artilharia Antiaérea.
Essas informações possibilitaram ao comando da unidade, junto com os demais gestores, o levantamento de metas a alcançar para melhorias e organização de trabalhos, proporcionando a manutenção, o controle e o zelo em todas as atividades - administrativas, utilização de materiais de cunho militar, levantamento de informações externas à organização e aquisição de materiais ou serviços.
Outro aspecto relevante com relação às inovações e às mudanças envolvidas na implantação do programa de gestão de qualidade refere-se ao aspecto cultural, no qual todo o processo deverá ter um mapeamento, tanto para a execução de tarefas quanto para a obtenção de serviços e materiais que, alinhados ao plano de ação, ações de comando e indicadores de desempenho, mudaram a sistemática de execução de uma tarefa, reduzindo tempo, material empregado, o que diminuiu custos, propiciou uma melhor aplicação dos créditos recebidos e facilitou, assim, a observação por parte do executante, de modo a melhor desencadear a sua tarefa e obter um retorno satisfatório.
Conclusões
O presente estudo teve como objetivo analisar o processo de implantação de um modelo de sistema de qualidade em uma organização militar. Como específicos, propôs-se caracterizar o cenário prévio à implantação do modelo, quanto aos parâmetros de qualidade e desempenho, identificar os meios e adaptações de ferramentas ao contexto, segundo o Programa de Excelência Gerencial, e medir os resultados quantitativos e qualitativos alcançados a curto prazo com a implantação do programa.
De um ponto de vista amplo, a implantação do modelo de qualidade apresentou resultados significativamente positivos, mesmo a curto prazo, contribuindo para melhorar a organização, a gestão de recursos, o planejamento e a análise de cenários. Com esse respaldo, os dados da pesquisa indicam que a tomada de decisão se tornou mais estruturada. Tais fatores integrados resultaram na melhoria das bases estratégicas da organização durante o período estudado. Esse resultado empírico reforça os resultados clássicos postulados e reforçados pela literatura acerca dos benefícios da implantação da gestão de qualidade nas organizações, os quais se mantêm relevantes até hoje (Vieira Filho, 2007; Wu et al., 2019; Shou et al., 2020).
Em especial em países emergentes, resultados estratégicos da implantação de modelos de gestão de qualidade podem gerar impacto na competitividade e na sustentabilidade das organizações (Wu et al., 2019). No que se refere à instituição estudada, esse fator não só é existente, como se soma à criticidade de relacionar-se com uma organização pública e, além de seus propósitos e atividades (que podem ter sua prioridade intensificada ou reduzida de acordo com o contexto e interesses nacionais), consiste em uma estrutura operada a partir de recursos da população e que, por isso, necessita ser gerenciada com eficiência.
Reforça-se o aspecto inicial deste artigo, que, ao enfocar em ferramentas consideradas tradicionais e já consolidadas, evidencia que ainda existem instituições nas quais esses conhecimentos não são aplicados. Ferramentas consideradas básicas por instituições de alta maturidade estratégica e desenvolvimento gerencial como gut, SWOT e 5w2h foram notadamente determinantes para a melhoria dos fatores anteriormente citados quanto à gestão organizacional. Resultados semelhantes já haviam sido encontrados em estudos anteriores (Polacinski, 2006). Adicionalmente, conforme exposto anteriormente, os princípios de qualidade aqui expostos já faziam parte das orientações governamentais desde a década de 1990. Entretanto, o caráter atual dos achados (e das dificuldades, que mostram que as normativas prévias tardaram significativamente para serem aplicadas no contexto específico do objeto de estudo), somado ao tipo específico de organização enfatizam sua relevância para esta pesquisa.
Destaca-se como implicação gerencial a indicação de que a implantação sólida de um sistema de qualidade depende da adoção constante de orientação e consolidação de uma cultura coerente com o planejamento e as práticas esperadas (Paladino, 2009). Por isso, a análise dos dados preliminares leva à recomendação de implantação de um programa contínuo de capacitação e conscientização, que ultrapasse os parâmetros tradicionais dos indicadores, incluindo tanto competências técnicas quanto aspectos subjetivos do comportamento organizacional.
No mesmo sentido, a melhoria contínua pressupõe que, gradativamente, as ferramentas básicas sejam somadas a recursos mais estruturados e avançados de gestão de qualidade. Assim, recomenda-se a manutenção dos princípios e dos recursos e, ao mesmo tempo, o incremento dos métodos de acordo com o avanço no nível de maturidade estratégica da instituição.
No que se refere às limitações da pesquisa, destaca-se inicialmente o corte transversal da coleta. Ainda que já seja possível identificar benefícios e impactos de curto prazo acerca da aplicação dos princípios, é relevante o estudo em profundidade pós-implantação, em especial devido aos desafios e às falhas potenciais que ocorrem após o estabelecimento e a maturação dos processos, inclusive no contexto da gestão pública (Rutkowski, 1998; Velasquez, 2006; Paladini, 2009; Xenos, 2014). Nessa perspectiva, entende-se que um complemento relevante ao estudo inicialmente apresentado seria uma coleta longitudinal em caso semelhante.
Uma oportunidade significativa que justifica a relevância do estudo é também uma limitação à sua ampliação: foi possível observar o processo de implantação durante sua realização (em ciências sociais aplicadas, tem-se maior potencial de coleta de dados sem vieses quando o evento é observado quando ocorre) e foi obtido acesso a um tipo de instituição que geralmente apresenta restrições ao compartilhamento de dados internos. Assim, entende-se que o aprofundamento dos achados da pesquisa seria possível a partir de estudo de múltiplas unidades pertencentes à estrutura do Exército Brasileiro, ainda que se ponderem as limitações de acesso e a necessidade de comparar momentos análogos do processo de implantação, o que aumentaria a complexidade. Todavia, o estudo em profundidade de casos semelhantes na estrutura governamental brasileira (se possível em outras unidades do Exército, assim como da Marinha e da Aeronáutica), mesmo que em estudos independentes, pode contribuir para o mapeamento dos impactos da gestão de qualidade - ou da falta dela - no desempenho e na eficiência dessas instituições.
Como todo estudo qualitativo, faz-se ressalva que a observação pode conter vieses de interpretação, não somente dos pesquisadores (ainda que se busquem mecanismos para minimizar perspectivas), mas principalmente das fontes de coleta. Esta pesquisa é baseada em grande parte nos relatos dos envolvidos e nas evidências compartilhadas por eles. A observação foi conduzida de maneira restrita, de forma que se faz imprescindível a ressalva e a recomendação para o uso de técnicas qualitativas complementares, assim como métodos de cunho quantitativo, a fim de potencializar a generalização dos achados, seguindo o paradigma positivista que orienta este estudo.