Introdução
Cyberbullying
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) permitiram o surgimento de novas formas de bullying o cyberbullying (Caetano et al., 2016).
O cyberbullying compreende o uso de meios digitais para assediar, ameaçar ou vitimizar outra pessoa de forma repetida e intencional, podendo acontecer em qualquer lugar e hora, assegurando o anonimato do agressor (António et al., 2020). Este tem vindo a ser reconhecido como um problema de saúde pública, com sérias consequências sociais, psicológicas e académicas para os jovens (Cross et al., 2016). As formas de violentar vão sendo modificadas ao longo do tempo e à medida que se verificam evoluções tecnológicas, por exemplo, com o acesso a dispositivos tecnológicos e à Internet este tipo de comportamento pode ser exercido com recurso a telemóveis, redes sociais, mensagens instantâneas, e-mail e páginas web (Felipe-Castaño et al., 2019).
Para Figueiredo e Matos (2017) para que possamos falar em cyberbullying é necessário que exista um desequilíbrio de poder entre a vítima e o agressor, em que causar dano à outra pessoa seja algo intencional, exista a repetição dos comportamentos e um uso inadequado da tecnologia. Contudo, a investigação sugere desigualdades nos pontos de corte para podermos considerar um comportamento como cyberbullying ou não.
Autores como Campbell e Bauman (2018) referem as desigualdades presentes na literatura face à repetição da ocorrência de comportamentos de cyberbullying, ou seja, considerar que estamos perante cyberbullying quando a ocorrência é de duas a três vezes por mês, ou conceituar apenas a ocorrência de um ato sem repetição. Deste modo, é importante ressaltar que a repetição ou não destes comportamentos não é explícita, dada a natureza das tecnologias digitais que asseguram a repetição e difusão dos mesmos (Slonje et al., 2013). Características para as quais os malefícios causados pelo cyberbullying sejam superiores, quando comparados com o bullying, dada a permanência do conteúdo agressivo e a possibilidade de visualização constante do mesmo (Costa-Fernandez & Souza, 2018).
A análise da prevalência destes comportamentos é extremamente importante, pois possibilita ter uma ideia da gravidade destes acontecimentos, fornecendo informação para que se possa intervir de forma apropriada (Balakrishnan, 2018). As taxas de prevalência de cyberbullying variam consideravelmente na literatura. Essas variações devem-se à população em estudo, ao sexo e à faixa etária (Chao & Yu, 2017). Posto isto, torna-se difícil comparar estudos relativamente à prevalência. Em Portugal, um estudo realizado com esta temática por João, João e Portelada (2011), em que os participantes tinham idades compreendidas entre os 11 e os 60 anos, verificaram que 78.1% da população estudada estava familiarizada com o fenómeno cyberbullying, contudo, apenas 14% dos sujeitos referiram ter consciência de ser vítima destes comportamentos. E, cerca de 82.5% da amostra desse estudo, referencia ter sido alvo de pelo menos um comportamento, no entanto, 68.5% dos participantes não se identificam como vítimas. Um outro estudo português mais recente, realizado em 2015, por Francisco, Simão, Ferreira e Martins em que a idade mínima dos participantes foi de 18 anos de idade, verificaram que 145 dos participantes (27.94%) afirmaram ter sido vítimas e 42 participantes (8%) afirmaram ter sido agressores de cyberbullying.
A recente situação pandémica pode ter sido responsável pelo aumento de riscos online como o cyberbullying, particularmente devido ao contexto de maior comunicação digital e imposição de distanciamento social (Yang, 2021). Um estudo de António et al. (2020) realizado em contexto de pandemia por COVID-19 em Portugal, verificou que de um total de 485 estudantes, com idades compreendidas entre os 16 e os 34 anos, 61.4% afirmaram terem sido vítimas, durante o período da quarentena, e 40.8% afirmou ter sido agressor e 86.8% observador. A isto é acrescido o potencial cenário de catástrofe na saúde mental que só se irá verificar após o período de pandemia (Faro et al., 2020). Para já, tem-se verificado que a situação pandémica por COVID-19 tem estado associada a impactos na saúde mental, sendo evidenciados sintomas de ansiedade, depressão, stresse e distúrbios no sono, como reações psicológicas comuns à pandemia (Rajkumar, 2020).
Cyberbullying e Traços de Personalidade
Os traços de personalidade influenciam e predispõem o comportamento de uma pessoa no contexto social e virtual, sendo por isso importantes para perceber a complexidade do comportamento humano, principalmente na sociedade atual que faz uso da Internet diariamente (Servidio, 2019). A avaliação dos traços da personalidade permite verificar as diferenças entre os sujeitos, ou seja, os padrões estáveis, constantes e persistentes da personalidade (Fernandes, 2000).
A investigação empírica tem demonstrado as associações entre traços de personalidade e comportamentos de cyberbullying. A este respeito, Zhou et al. (2019) verificaram que a amabilidade apresentou uma associação negativa com a perpetração de cyberbullying. Assim como a presença de níveis elevados nas dimensões neuroticismo e extroversão e níveis baixos em conscienciosidade estão associados a comportamentos de risco nas redes sociais, o que poderá ter como consequências a vitimização por cyberbullying (Rodríguez-Enríquez et al., 2019). No entanto, Festl e Quandt (2013) verificaram que as vítimas destes comportamentos se apresentam como mais reservadas e zelosas, já os agressores apresentavam níveis mais elevados de extroversão, em contrapartida exibem níveis baixos de conscienciosidade e amabilidade. Um outro estudo em que o objetivo era perceber a relação entre traços de personalidade e cyberbullying, usando o modelo Big Five e Dark Triad para a deteção deste comportamento através das personalidades dos utilizadores de redes sociais, verificaram que a extroversão, a amabilidade e o neuroticismo apresentaram relações significativas com a agressão por cyberbullying (Balakrishnan et al., 2019).
Os níveis baixos de conscienciosidade indicam indivíduos tendentes a envolverem-se em comportamentos de risco e pautados por violência, dado que apresentam menor prevenção face a comportamentos online (Rodríguez-Enríquez et al., 2019); contrariamente, níveis elevados deste traço remete para características como responsabilidade e zelo (Stoughton et al., 2013). Níveis elevados de neuroticismo revelam a não existência de controlo emocional, e o traço de personalidade extroversão diz respeito a pessoas que se envolvem e desfrutam de interações sociais, compartilhando as emoções com os outros (Rodríguez-Enríquez et al., 2019). Quanto à abertura à experiência, pontuações baixas neste traço de personalidade podem remeter para pessoas conservadoras, pouco tolerantes e que por isso, poderão estar mais predispostas a se envolverem em situações de violência com os pares (Etkin et al., 2020). Quando falamos em extroversão, neuroticismo e abertura à experiência, podemos constatar que se trata de sujeitos que tendem a fazer um uso maior da tecnologia com o fim de se comunicarem (Marshall et al., 2015). Por fim, pessoas com níveis elevados de amabilidade apresentam tendência para serem gentis, confiantes e altruístas, o que de certa forma os poderá inibir de se envolverem na perpetração de cyberbullying (Balakrishnan et al., 2019).
Um estudo com jovens portugueses, realizado por Caetano et al. (2017), permitiu apurar que os participantes que se reconheciam como agressores de cyberbullying, apresentavam motivos para o seu comportamento, tais como: brincadeira, diversão e fuga ao tédio. Enquanto as vítimas atribuíam ao comportamento dos agressores motivos instrumentais, como: afiliação, poder, inveja, ciúme, falta de respeito, sentimento de superioridade, e motivos pessoais como imaturidade. António et al. (2020) identificaram que o motivo mais indicado pelos agressores para praticar cyberbullying foi: brincadeira, seguido de vingança relativamente a episódios que aconteceram e quererem afirmar-se. Verifica-se que os agressores por estes comportamentos apresentam características como ser manipuladores e agressivos, enquanto as vítimas exibem autoestima baixa (Resett & Gamez-Guadix, 2017). Traços de agressividade e crenças relacionadas com agressão também apresentam correlações positivas com a perpetração de cyberbullying (Song et al., 2019).
Os utilizadores de redes sociais tendem a expressar as suas opiniões, surgindo assim a possibilidade de avaliar perfis psicológicos e detetar padrões de personalidade que poderão contribuir na deteção de comportamentos como o cyberbullying, através da comunicação online (Balakrishnan et al., 2019). Essa identificação de características de personalidade poderá ser importante na atenuação de comportamentos online desadequados (Balakrishnan et al., 2019).
Cyberbullying e Sintomatologia Psicopatológica
A literatura sugere a presença de consequências na saúde mental dos agressores e vítimas de comportamentos de cyberbullying. Kowalski e Limber (2013) encontraram que tanto os ciberagressores como as cibervítimas apresentavam piores pontuações em medidas de saúde física, psicológica e desempenho académico.
A vitimização por cyberbullying está associada a impactos psicológicos negativos (Safaria, 2016). As vítimas de cyberbullying apresentam presença de sintomatologia depressiva (Ho et al., 2020; Jung et al., 2014; Ortega-Barón et al., 2015; Ortega-Barón et al., 2017; Ortega-Barón et al., 2019), maior ansiedade (Ayas & Deniz, 2014) e somatização (Garaigordobil & Machimbarrena, 2019). Schenk e Fremouw (2012), também constataram a presença de sintomatologia psicopatológica de depressão, ansiedade, ansiedade fóbica e ideação paranoide em cibervítimas, através do uso do instrumento Symptom Checklist - 90 - Revision (SCL-90-R).
As investigações têm demonstrado a panóplia de impactos negativos que a cibervitimização tem sobre as vítimas. É relatada uma diminuição na perceção de satisfação com à vida (Ortega-Barón et al., 2019; Ortega-Barón et al., 2017) decorrente da continuidade dos atos de cyberbullying, fazendo com que as vítimas percecionem maior solidão (Larrañaga et al., 2016; Ortega-Barón et al., 2019). Um estudo de Schenk e Fremouw (2012) verificou que as vítimas de cyberbullying relatavam frustração, stresse, tristeza, agressividade e dificuldades de concentração. Uma outra investigação teve como objetivo explorar a existência de diferenças no ajustamento psicológico e no ajustamento social entre vítimas de cyberbullying e não vítimas, tendo sido verificado que as primeiras apresentavam níveis mais elevados de stresse percebido (Martínez-Monteagudoet al., 2020; Ortega-Barón et al., 2015; Ortega-Barón et al., 2017) e pontuações mais baixas relativamente à perceção de apoio social dos sistemas formais (Ortega-Barón et al., 2015). Também se verifica a presença de ideação suicida (Iranzo et al., 2019) e pensamentos suicidas (Martínez-Monteagudo et al., 2020). António et al. (2020) constataram no seu estudo com o tema cyberbullying realizado durante a quarentena por COVID-19, que os estudantes que foram vítimas apresentaram consequências psicológicas, tais como, sentirem-se tristes, nervosos e irritados.
A cibervitimização tem recebido atenção estimável por parte da literatura científica, o mesmo não se poderá dizer sobre estudos com ciberagressão e a relação com outras variáveis como sintomatologia psicopatológica (Campbell et al., 2013; Garaigordobil et al., 2020). Alguma literatura tem retratado os impactos psicológicos que padecem os agressores destes comportamentos. Nomeadamente, a presença de sintomatologia psicopatológica como depressão, stresse e ansiedade e dificuldades nas interações sociais (Campbell et al., 2013), bem como presença de comportamentos agressivos (Jung et al., 2014). Também têm sido relatadas pontuações mais baixas nas dimensões de autoconceito tanto para cibervítimas como ciberagressores (Ildırım et al., 2017). Um estudo de Garaigordobil et al. (2020), verificou, utilizando o Symptom Checklist - 90 - Revision (SCL-90-R), a presença de sintomatologia psicopatológica em todas as dimensões que compõem esta escala: depressão, somatização, obsessões-compulsões, sensibilidade interpessoal, ansiedade, hostilidade, ideação paranoide e psicoticismo, em agressores de cyberbullying. Também constataram que os ciberagressores apresentavam menores sentimentos de felicidade, bem como menos empatia, considerando que um nível menor de felicidade por parte destes indivíduos pode estar relacionado com o nível elevado de sofrimento psicológico que apresentam, dada a presença de todas as dimensões de psicopatologia. Além disso, estes autores detetaram que os ciberagressores procuraram mais ajuda psicológica do que os não ciberagressores.
Um estudo português de Caetano et al. (2016) com a temática cyberbullying, teve como objetivo principal a identificação e interpretação das emoções experienciadas pelas vítimas e agressores deste comportamento, tendo-se concluído que as vítimas apresentavam emoções como: tristeza, vontade de vingança e medo. Em contrapartida, os agressores demonstravam sentir satisfação, indiferença, alívio e prazer assim como dificuldades empáticas por parte dos agressores em relação às vítimas, mesmo quando estes eram simultaneamente agressores e vítimas (Caetano et al., 2016). Também António et al. (2020), no seu estudo com a mesma temática, identificaram que as emoções mais referidas pelas vítimas foram: insegurança, raiva, tristeza e preocupação, enquanto as emoções referenciadas pelos agressores foram: indiferença, culpa, raiva e alegria.
Tendo em conta o referido, os objetivos do presente estudo foram: (i) explorar a prevalência das duas formas de cyberbullying: vitimização e agressão; (ii) verificar o efeito preditor dos traços de personalidade e sintomatologia psicopatológica em vítimas e agressores de cyberbullying. Deste modo, este estudo propõe-se estudar um conjunto de variáveis pouco investigadas e não se foca apenas em cibervítimas, mas também nos ciberagressores, examinando as respetivas variáveis psicológicas.
Método
O presente estudo tem por base uma metodologia quantitativa e transversal, uma vez que a recolha de dados foi realizada num único momento. O seu carácter quantitativo relaciona-se com a quantificação de fenómenos através de procedimentos estatísticos (Marôco, 2007).
Participantes
A amostra foi de conveniência não cumprindo os requisitos de amostra aleatória. Considerou-se como critério de exclusão, por exemplo, não ser estudante. E como critério de inclusão pertencer à faixa etária de adolescentes e jovens adultos. A amostra foi constituída por 553 participantes, 89 do sexo masculino (16.1 %) e 464 do sexo feminino (83.9%). Os participantes têm idades compreendidas entre os 17 e os 30 anos, apresentando uma média de idades de 20.25 e desvio-padrão 2.36. Relativamente à escolaridade, os participantes maioritariamente frequentavam o ensino superior 497 (89.9%) e 56 (10.1%) o ensino secundário.
Instrumentos
Questionário de dados sociodemográficos, aplicado com o objetivo de caracterizar os participantes nas seguintes dimensões: sexo, idade, ano de escolaridade e hábitos de uso da Internet.
Cybervictimization Questionnaire (CYVIC) de Álvarez-García et al. (2017), traduzido por Fernandes e Relva (2019b). Este questionário foi criado com o objetivo de avaliar até que ponto o participante é vítima de agressão através do telemóvel ou Internet, e é composto por 19 itens. Os participantes devem indicar a frequência com que foram vítimas dos comportamentos indicados nos últimos três meses (item 3: “Colocaram na internet fotos minha falsas (modificadas), para me causarem dano ou rirem-se de mim”), numa escala de tipo Likert de 4 pontos (1-“nunca”; 2-“raramente”; 3“frequentemente”; 4-“sempre”). O CYVIC tem 4 fatores e 4 indicadores complementares, sendo que, neste estudo, e indo ao encontro dos objetivos, a cibervitimização foi avaliada utilizando a escala completa, ou seja, através da soma da pontuação total de cada participante (mínimo 19 pontos e máximo 76 pontos), sendo que pontuações mais elevadas corresponderão a maiores níveis de vitimização. Considera-se vítima de cyberbullying, segundo os autores, os participantes que forem alvo de, pelo menos, um comportamento da escala. A consistência interna obtida pelos autores quando utilizaram a escala completa (Álvarez-García et al., 2018) foi adequada, com um alfa de Cronbach de .79. Para a presente amostra o alfa de Cronbach foi de .83, o que revela uma boa consistência interna. A análise fatorial confirmatória confirma o ajustamento dos valores, sendo χ²/df =3.275, GFI= .98, CFI= .98 e RMSEA= .06.
Cyber-aggression Questionnaire (CYBA) de Álvarez-García et al. (2016), traduzido por Fernandes e Relva (2019a). Este questionário é composto por 19 itens, descrevendo agressões conduzidas através do telemóvel ou Internet. O participante deverá indicar a frequência com que praticou os vários comportamentos nos últimos 3 meses (item 3: “Coloquei na internet fotos falsas (modificadas), de outras pessoas para causarem dano ou rirem-se de elas”), utilizando uma escala de tipo Likert com quatro opções (1-“nunca”; 2-“raramente”; 3-“frequentemente”; 4-“sempre”). O CYBA tem 3 fatores e 4 indicadores complementares, sendo que, neste estudo, e indo ao encontro dos objetivos, a ciberagressão foi avaliada utilizando a escala completa, ou seja, através da soma da pontuação total de cada participante (mínimo 19 pontos e máximo 76 pontos), sendo que pontuações mais elevadas corresponderão a maiores níveis de agressão. Considera-se agressor de cyberbullying, segundo os autores, os participantes que praticaram pelo menos um comportamento da escala. A consistência interna obtida pelos autores quando utilizaram a escala completa (Álvarez-García et al., 2018) foi adequada, com um alfa de Cronbach de .82. Para a presente amostra o alfa de Cronbach foi de .77, o que revela uma boa consistência interna. A análise fatorial confirmatória confirma o ajustamento dos valores, sendo χ²/df =3.170, GFI= .98, CFI= .97 e RMSEA= .06.
Ten Item Personality Inventory (TIPI), (Goslin et al., 2003). Esta escala de autorrelato foi validada e adaptada para a população portuguesa por Nunes et al. (2018). É uma escala breve, que mede cada um dos cinco grandes fatores da personalidade, a saber, abertura à experiência, amabilidade, conscienciosidade, estabilidade emocional e extroversão. É composta por 10 itens, que são avaliados numa escala tipo Likert de 7 pontos (1-“Discordo Totalmente”; 2-“Discordo Moderadamente”; 3-“Discordo um pouco”; 4-“Nem concordo nem discordo”; 5 “Concordo um pouco”; 6-“Concordo Moderadamente”; 7-“Concordo Totalmente”). Contém dois itens para cada um dos seguintes fatores: Abertura à experiência (item 5: “Vejo-me como uma pessoa com muitos interesses, aberta a experiências novas”), Amabilidade (item 2: “Vejo-me como uma pessoa conflituosa, que critica os outros” ), Conscienciosidade (itens 3: “Vejo-me como uma pessoa de confiança, com autodisciplina”), Estabilidade Emocional (itens 4: “Vejo-me como uma pessoa ansiosa, que se preocupa facilmente”) e Extroversão (itens 1: “Vejo-me como uma pessoa extrovertida, entusiasta”). A consistência interna obtida pelos autores aquando da validação da escala foram os seguintes: Extroversão (α = .72), Amabilidade (α = .39), Conscienciosidade (α = .45), Estabilidade Emocional (α = .43), Abertura à experiência (α = .60) (Nunes et al., 2018). Para a presente amostra os valores do alfa de Cronbach foram: Extroversão (α = .72), Amabilidade (α = .44), Conscienciosidade (α = .34), Estabilidade Emocional (α = .48) e Abertura à experiência (α = .43). O autor original da escala, fornece uma nota sobre a confiabilidade dos alfas das dimensões e a estrutura fatorial do instrumento , que tendem a apresentar valores baixos. A validação portuguesa deste instrumento, concluiu que o TIPI é uma alternativa fiável e válida quando comparada com instrumentos mais extensos para avaliar a personalidade, tornando-se favorável na área da investigação dada a limitação de tempo (Nunes et al., 2018).
Brief Symptom Inventory (Degoratis, 1982), que foi traduzido e adaptado para a população portuguesa com o nome de Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI), por Canavarro (1999). Constitui uma versão abreviada do SCL-90-R. É um instrumento de autorrelato constituído por 53 itens, que tem como objetivo avaliar os sintomas psicopatológicos em termos de nove dimensões de sintomatologia psicopatológica: Somatização (item 2: “Desmaios ou tonturas”), Obsessões-compulsões (item 5: “Dificuldade em se lembrar de coisas passadas ou recentes”), Sensibilidade interpessoal (item 20: “Sentir-se facilmente ofendido nos seus sentimentos”), Depressão (item 9: “Pensamentos de acabar com a vida”), Ansiedade (item 1: “Nervosismo ou tensão interior”), Hostilidade (item 6: “Aborrecer-se ou irritar-se facilmente”), Ansiedade fóbica (item 8: “Medo na rua ou praças públicas”), Ideação paranoide (item 4: “Ter a ideia que os outros são culpados pela maioria dos seus problemas”) e Psicoticismo (item 3: “Ter a impressão que as outras pessoas podem controlar os seus pensamentos”) e três índices globais, o Índice Geral de Sintomas (IGS), o Total de Sintomas Positivos (TSP) e o Índice de Sintomas Positivos (ISP). Os itens são apresentados sob a forma de uma escala, do tipo Likert, de 5 pontos, (1- “Nunca”; 2- “Poucas Vezes”; 3- “Algumas vezes”; 4- “Muitas vezes”; 5- “Muitíssimas vezes”). A análise das pontuações obtidas nas nove dimensões fornece informação sobre o tipo de sintomatologia que mais perturba o indivíduo. Os valores da consistência interna obtidos pelo autor aquando da validação da escala foram os seguintes: Somatização (α =.80), Obsessões-Compulsões (α =.77), Sensibilidade Interpessoal (α = .76), Depressão (α =.73), Ansiedade (α =.77), Hostilidade (α =.76), Ansiedade Fóbica (α =. 62), Ideação Paranoide (α = .72), Psicoticismo (α =.62) (Canavarro, 2007). Para a presente amostra os valores dos alfas de Cronbach revelaram boa consistência interna: Somatização (α = .87), Obsessões-Compulsões (α =.80), Sensibilidade Interpessoal (α = .86), Depressão (α =.89), Ansiedade (α = .86), Hostilidade (α =.76), Ansiedade Fóbica (α =.81), Ideação Paranoide (α = .82), Psicoticismo (α =.78). A análise fatorial confirmatória confirma o ajustamento dos valores, sendo χ²/df =3.760, GFI= .92, CFI= .96 e RMSEA= .07.
Procedimentos
Inicialmente foi submetido o protocolo de recolha de dados à Comissão de Ética de Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que deu um parecer favorável quanto à sua aplicação, baseada na Declaração de Helsínquia.
No entanto, decorrente da pandemia por COVID-19, a recolha de dados que inicialmente iria ser realizada presencialmente não foi possível. Por conseguinte, foi exposto à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro o sucedido e solicitada a possibilidade de fazer a recolha dos dados online, sendo este pedido aprovado. Procedeu-se à criação e construção do questionário online com recurso ao software LimeSurvey.
Antes, porém, foi realizado o contacto com os autores das escalas relativas à variável cyberbullying: CYVIC e CYBA de forma a solicitar autorização para a aplicação das escalas a estudantes com idade superior a 18 anos de idade, sendo este pedido aprovado. A aplicação a estudantes com idade igual ou superior a 18 anos foi mais célere pelo facto de estes puderem aceder ao link e responder no imediato. Isto porque, com menores de 18, o consentimento informado teria de ser disponibilizado aos encarregados de educação e dada a interrupção das aulas decorrente da pandemia por covid, essa etapa ficou comprometida.
Finalmente, procedeu-se à recolha de dados através da divulgação de um link disponibilizado nas redes sociais tais como Facebook, Instagram e via e-mail a estudantes com idade igual ou superior a 18 anos. Durante esta fase os participantes foram sempre informados sobre o objetivo geral do estudo, sendo garantidas as condições de confidencialidade e anonimato, e assinaram o respetivo consentimento informado.
Estratégias de análise de dados
Inicialmente procedeu-se à exportação de dados do software LimeSurvey para a aplicação Microsoft Excel. Foram importados apenas os questionários com preenchimento completo. Posteriormente, realizou-se a importação desses dados para o software SPSS (IBM SPSS Statistics, versão 25) e foi feita a transformação de valores das variáveis de forma a ficarem quantificáveis. Não foi necessário identificar missings na amostra uma vez que só foram utilizados os questionários com preenchimento completo e nestes não era possível a sua submissão sem que todas as questões tivessem resposta. Foi calculado o grau de consistência interna das varáveis em estudo recorrendo ao alfa de Cronbach com o objetivo de verificar se os instrumentos utilizados eram fiáveis face à amostra recolhida (Marôco, 2014).
De seguida, foi utilizado o AMOS (IBM SPSS AMOS, versão 23.0), para verificar com maior rigor a adequação e ajustabilidade dos instrumentos face à amostra em estudo, tendo sido efetuadas análises fatoriais confirmatórias de 1ª ordem.
Seguidamente, a normalidade foi avaliada através da assimetria e curtose, tendo o pressuposto da normalidade sido violado para a variável ciberagressão (avaliada pelo CYBA).
Desta forma, através das estatísticas descritivas foram obtidas as frequências e os valores de prevalência. Por fim, realizou-se uma regressão hierárquica múltipla no sentido de verificar o poder preditor das variáveis independentes: traços de personalidade (medido pelo instrumento TIPI) e sintomatologia psicopatológica (medido pelo instrumento BSI) sobre a variável dependente de cibervitimização (medida pelo instrumento CYVIC) e ciberagressão (medida pelo instrumento CYBA).
Resultados
Prevalência total das duas formas de cyberbullying: vitimização e agressão
No presente estudo foi analisada a prevalência da vitimização e agressão por cyberbullying (cf. Tabela 1). De forma a avaliar a prevalência de cyberbullying na presente amostra, considerou-se para efeitos desta análise todos aqueles que tivessem assinalado pelo menos um comportamento de cyberbullying.
Ambas as escalas (CYVIC; CYBA) permitem obter um mínimo de 19 pontos e um máximo de 76 pontos, e dado que não apresentam pontos de corte, considera-se que estamos perante estas problemáticas quando os indivíduos pontuam pelo menos um comportamento. Deste modo, é possível verificar que cerca de 59.7% (n= 330) dos participantes foram alvos de pelo menos um comportamento de cyberbullying e 21.0% (n= 116) praticou pelo menos um comportamento de cyberbullying, obtido através do somatório de todos os itens de cada escala.
Papel preditor dos traços de personalidade e da sintomatologia psicopatológica sobre as duas formas de cyberbullying: vitimização e agressão
De forma a verificar o papel preditor dos traços de personalidade nos comportamentos de cyberbullying: de vitimização e agressão, procedeu-se à realização de análises de regressão múltipla hierárquica, tendo como variável dependente a cibervitimização e ciberagressão (cf. Tabela 2). Através da realização das análises de regressão múltipla hierárquica, é possível verificar quais as variáveis independentes que melhor contribuem para a previsão da variável dependente (Pallant, 2011). Para o efeito, foram introduzidos dois blocos, especificamente, traços de personalidade (medidos pelo instrumento TIPI) e sintomatologia psicopatológica (medida pelo instrumento BSI).
Na análise de regressão múltipla hierárquica para a variável dependente cibervitimização foram introduzidos 2 blocos.
No que respeita ao bloco 1, o TIPI (medida dos traços de personalidade), contribuiu de forma significativa para o modelo F(5,547) = 3.645, p = .003, explicando 3.2 % da variância total (R2 = .032), contribuindo em 3.2 % de forma individual para a variância do modelo (R2 change = .032).
O bloco 2, demonstra que o BSI (medida da sintomatologia psicopatológica), verificou-se que contribuiu de forma significativa para o modelo F(9,538) = 8.886, p < .001, explicando 18.8 % da variância total (R2 = .188), contribuindo em 15.6 % de forma individual para a variância do modelo (R2 change = .156).
Através da análise individual do contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constatou-se que quando o efeito de sobreposição de todas as outras variáveis é estatisticamente controlado, existem quatro dimensões que apresentam uma contribuição estatisticamente positiva e significativa (p <.05) enquanto preditoras dos comportamentos de cibervitimização. A dimensão do BSI psicoticismo (β= .255) foi a que contribuiu mais fortemente para explicar a variável dependente, sendo que a significância estatística da presente dimensão foi de .003. Seguidamente, a dimensão do BSI sensibilidade interpessoal (β= .183) que apresentou uma significância estatística de .023. A dimensão do BSI somatização (β= .169) que apresentou uma significância estatística de .014. E por fim, a dimensão do BSI ideação paranoide (β= .140) que apresentou uma significância estatística de .040.
Procedeu-se também à análise de regressão múltipla hierárquica para a variável dependente ciberagressão, sendo introduzidos 2 blocos.
No que respeita ao bloco 1, o TIPI (medida dos traços de personalidade), contribuiu de forma significativa para o modelo F(5,547) = 5.684, p < .001, explicando 4.9% da variância total (R2 = .049), contribuindo em 4.9% de forma individual para a variância do modelo (R2 change = .049).
O bloco 2, demonstra que o BSI (medida da sintomatologia psicopatológica), contribuiu de forma significativa para o modelo F(9,538) = 1.962, p < .001, explicando 5.6% da variância total (R2 = .056), contribuindo em 3% de forma individual para a variância do modelo (R2 change = .030).
Através da análise individual do contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constatou-se que quando o efeito de sobreposição de todas as outras variáveis é estatisticamente controlado, existe uma dimensão que apresentam uma contribuição estatisticamente positiva e significativa (p<.05) e uma outra que apresenta uma contribuição estatisticamente negativa e significativa, enquanto preditoras dos comportamentos de ciberagressão. A dimensão do TIPI extroversão (β= .148) foi a que contribuiu mais fortemente para explicar a variável dependente, sendo que a significância estatística da presente dimensão foi de .002. A dimensão do TIPI amabilidade (β= -.139), apresentou uma significância estatística de .033. Desta forma, verificou-se que a dimensão extroversão apresentou uma contribuição positiva e a amabilidade uma contribuição negativa.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo verificar a relação entre a cibervitimização e a ciberagressão com os traços de personalidade e a sintomatologia psicopatológica numa amostra de adolescentes e jovens adultos. Desta forma, procurou-se explorar a prevalência de cibervitimização e de ciberagressão na amostra. E por fim, foi analisado o papel preditor dos traços de personalidade e da sintomatologia psicopatológica sobre a cibervitimização e ciberagressão.
No que diz respeito à prevalência dos comportamentos de cyberbullying, foi possível identificar que 59.7% (n = 330) dos participantes apresentam-se como vítimas e, 21.0% (n = 116) dos participantes como agressores de cyberbullying. As investigações empíricas tendem a explorar a prevalência dos comportamentos de cyberbullying (Larrañaga et al., 2016). No entanto, as taxas de prevalência das investigações sofrem variações devido a um conjunto de fatores, como por exemplo, o tipo de amostra utilizado e o período em que esse comportamento é mensurado, que pode ser medido através da ocorrência no último ano, ou nos últimos três meses (Balakrishnan, 2018). Assim como a escolha dos pontos de corte, ou seja, a frequência com que um comportamento tem de ocorrer para ser considerado cyberbullying (Campbell & Bauman, 2018). Neste estudo, o ponto de corte utilizado pelos autores das escalas foi o envolvimento dos participantes em pelo menos um comportamento (Álvarez-García et al., 2017; Álvarez-García et al., 2016), assim como em outras investigações empíricas (Kubiszewski et al., 2015; Simsek et al., 2019). A definição destes comportamentos, bem como a repetição ou não dos mesmos é algo que merece maior abordagem na investigação (Slonje et al., 2013). Isto porque considerar a existência de ocorrência de uma vez do comportamento sem repetição não é clara, dado que um ato de cyberbullying pode resultar na multiplicação de outros atos, como por exemplo, a publicação de uma imagem na Internet que pode ser vista e reencaminhada por inúmeras pessoas, que não o agressor inicial (Slonje et al., 2013). A repetição desse ato inicial por outros pode repercutir em várias ações praticadas por diferentes pessoas, sendo necessário explorar se essa repetição que não é efetuada pelo agressor inicial ainda é considerada cyberbullying (Slonje et al., 2013). Um estudo de Arıcak (2009), apresentou taxas de prevalência semelhantes às encontradas no presente estudo, em que numa amostra constituída por 695 participantes, com idades compreendidas entre os 18 e 22, 19.7% dos alunos da amostra relataram ter-se envolvido em comportamentos de cyberbullying como agressores pelo menos uma vez, e 54.4% dos alunos relataram ter sido vítimas de cyberbullying pelo menos uma vez na vida. Em Portugal, foram encontradas prevalências semelhantes num estudo realizado a estudantes com idades compreendidas entre os 16 e 34 anos durante a pandemia por COVID-19 (cf. António et al., 2020). O facto de os resultados do estudo de António et al. (2020) serem semelhantes às prevalências encontradas no presente estudo, pode evidenciar o que é descrito na presente literatura acerca da situação pandémica atual: há um aumento de riscos online, nomeadamente de cyberbullying, dado o contexto de maior comunicação digital imposta pelos períodos de confinamento e pelo distanciamento social (Yang, 2021). De salientar, que as taxas de prevalência podem sofrer de vieses devido à desejabilidade social (Balakrishnan, 2018; Martínez-Monteagudo et al., 2020). O enviesar de respostas consiste em responder de forma incoerente aos itens dos instrumentos, sendo que a desejabilidade social corresponde a um enviesamento de respostas, em que os indivíduos atribuem a si mesmos comportamentos que sejam socialmente esperados (Almiro, 2017). Desta forma, é importante ao abordar estes fenómenos termos presente uma definição consistente e clara para a compreensão destes comportamentos (Law et al., 2012).
Os resultados obtidos na análise da regressão múltipla hierárquica, permitiram verificar que as dimensões de sintomatologia psicopatológica: a somatização, a sensibilidade interpessoal, o psicoticismo e a ideação paranoide, preveem positivamente a cibervitimização. Ou seja, os sujeitos que apresentam esta sintomatologia psicopatológica têm maior tendência para se envolver em comportamentos online de risco como a cibervitimização. Tendo por base os resultados, pode-se argumentar que, a somatização é uma dimensão que representa um componente somático da ansiedade. E, verifica-se que indivíduos que apresentam sintomatologia ansiosa, possam estar mais facilmente expostos à vitimização, isto porque procuram outros meios de interação, que não os face a face (Şahin et al., 2012). Indivíduos que não são sociáveis ou que padecem de ansiedade distanciam-se de relações sociais e usam ambientes cibernéticos para se puderem expressar, o que pode ser um fator de risco para serem cibervítimas (Şahin et al., 2012). A sensibilidade interpessoal pressupõe a presença de sentimentos de inadequação pessoal e de inferioridade que as pessoas sentem em comparação com as outras (Canavarro, 1999). Quanto à ideação paranoide, verifica-se que experiências interpessoais negativas estão associadas à ideação paranoide e a sentimentos de desconfiança (Gracie et al., 2007). Constata-se também que pensamentos paranoicos podem estar relacionados com ansiedade e preocupações interpessoais, como o medo da rejeição (Freeman et al., 2005). A ideação paranoide estende-se para além dos quadros clínicos e, parece verificar-se que expressões não clínicas ocorrem com grande prevalência na população geral (Bebbington et al., 2013). Verificou-se também uma predição positiva da dimensão psicoticismo sobre a cibervitimização. Esta dimensão pode levar a mudanças nos estados emocionais e na forma de pensar dos indivíduos tornando difícil o entendimento por parte dos mesmos dos seus sentimentos (Ayas & Deniz, 2014). O psicoticismo compreende também indicadores de isolamento interpessoal (Canavarro, 1999). Um estudo de Ayas e Deniz (2014) corrobora a existência de uma predição positiva entre a dimensão de sintomatologia psicotismo sobre a cibervitimização, tal como no presente estudo. A presença destas dimensões da sintomatologia é concordante com algumas características das cibervítimas, como o relacionamento pobre entre os pares (Figueiredo & Matos, 2017; Ortega-Báron et al., 2019), comportamentos antissociais, baixa autoestima e baixo ajustamento social (Garaigordobil, 2017), apresentando, igualmente, semelhanças com alguns fatores de risco presentes nas cibervítimas, tais como: a procura de interação e busca de apoio e de aceitação nas redes sociais (Sampasa-Kanyinga, 2015). Uma vez que estas são documentadas como os meios onde ocorrem com maior frequência os comportamentos de cyberbullying, uma vez que o seu uso faz com que as pessoas fiquem mais expostas aos comportamentos de agressão (Chao & Yu, 2017).
Relativamente à ciberagressão, os resultados da regressão hierárquica múltipla, permitiram verificar que a dimensão do traço da personalidade extroversão, prevê positivamente a ciberagressão e o traço de personalidade amabilidade prevê negativamente a ciberagressão. Os resultados vão de encontro ao que é encontrado na literatura, em que indivíduos extrovertidos tendem a usar a tecnologia com mais frequência para se comunicar (Marshall et al., 2015) e apresentam envolvimento em comportamentos de perpetração de cyberbullying para aumentar o seu status social (van Geel et al., 2017). As investigações empíricas têm demonstrado associações positivas entre a agressão por cyberbullying e o traço de personalidade extroversão (Corcoran et al., 2012; Festl & Quandt, 2013). Relativamente à amabilidade, tal como na análise correlacional, em que se verificou uma associação negativa entre o traço de personalidade amabilidade e ciberagressão, também na análise de regressão hierárquica múltipla, foi verificado um efeito preditor negativo deste traço de personalidade sobre a ciberagressão. Efetivamente, quando falamos no traço de personalidade amabilidade podemos tanto falar em pessoas que são afetuosas, que apresentam sentimentos associados à bondade e relevam-se confiáveis (Gomes & Golino, 2012; Lima, 1997), o que faz com que sejam inibidas a praticar comportamentos como cyberbullying (Balakrishnan et al., 2019), ou contrariamente, podemos falar de pessoas menos simpáticas, frias e distantes (Gomes & Golino, 2012).
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
Primeiramente, uma das implicações práticas deste estudo relaciona-se com a importância de análise de prevalência destes comportamentos. A análise da prevalência permite que sejam realizados trabalhos que tenham em vista a intervenção e também planos de prevenção. Uma vez que se verifica que estudos que pretendem estimar as taxas de prevalência destes comportamentos apresentam algumas deficiências metodológicas, não se verificando critérios consensuais para mensurar os comportamentos de vitimização e agressão por cyberbullying. Uma outra implicação prática deste estudo passa pelo contributo positivo que este teve ao identificar características da personalidade que podem auxiliar na identificação destas problemáticas, que poderá surtir numa diminuição de comportamentos de risco online.
Porém, este estudo apresenta algumas limitações, entre as quais podemos indicar o facto de esta não ser representativa, dado que os participantes representam a população estudantil, o que impede a generalização e comparação dos resultados para a população geral portuguesa. Uma outra limitação relaciona-se com o facto de a presente investigação ser de cariz transversal, o que para além de não permitir inferir causalidade, também não permite prever a possibilidade de uma outra variável estar a surtir efeitos sobre os resultados, e temos de ter em consideração o período de recolha de dados, que ocorreu aquando da pandemia por COVID-19 e, associado a isto, o confinamento, que por si só gera uma panóplias de impactos negativos (Rajkumar, 2020), que poderão ter tido influência sobre os resultados do presente estudo. Assim, há que admitir a possibilidade dos traços de personalidade e, sobretudo os sintomas descritos e avaliados, serem agravados pelo cyberbullying e, assim, haver um agravamento de sintomatologia pré-existente. Além do mais a variância explicada pelos traços de personalidade foi baixa pelo que se deve abrir a possibilidade de outras variáveis serem mais preditivas destes fenómenos. A variância explicada pela sintomatologia foi bastante razoável, mas há que admitir uma relação recíproca, em que esta predispõe e é causada pelos fenómenos em estudo.
Como propostas para estudos futuros, estas variáveis deveriam ser exploradas com recursos a diferentes metodologias, dado que seria interessante perceber a causalidade dos efeitos das variáveis, uma vez que a literatura é limitada quanto ao uso desse tipo de metodologias e de desenhos experimentais, quando falamos sobre esta temática. As pesquisas poderão também ter como foco a exploração de lacunas teóricas, de forma a chegar a um consenso relativamente à definição do que é o cyberbullying, já que se trata de um construto que apresenta um grau elevado de discordância na literatura. Parece igualmente importante a investigação de taxas de prevalência destes comportamentos em diferentes contextos, isto porque se verifica atualmente, um uso generalizado da Internet e a presença massiva da maioria da população em redes sociais, local este onde comportamentos de risco online são mais relatados.