Introdução
A valorização dada pela importância dos produtos pesqueiros, ocasionada tanto pelas suas qualidades nutricionais, refletida pela crescente demanda, estimulou o crescimento da piscicultura, tornando o desenvolvimento desta atividade uma tendência mundial 1. Apesar de condições propícias, a produção brasileira da piscicultura fica muito aquém do seu potencial 2.
Dados recentes da FAO mostram que o Brasil ocupa atualmente a 13a posição em produção mundial da aquicultura, atrás de grandes produtores como China, Indonésia e Índia 1. Tal condição se deve ao fato da atividade se encontra pouco estruturada no país, sendo predominantemente informal e caracterizada pelo uso de métodos de criação artesanais 2
De todas as regiões brasileiras, a Amazónia apresenta as condições ambientais mais favoráveis ao incremento da produção piscícola 3, sobretudo com a implantação de Parques aquícolas em reservatórios de águas públicas da União 4. No Brasil, o Amazonas possui grande potencial para expansão e sucesso da atividade no mercado nacional, visto que apresenta fatores propícios, tais como clima tropical, disponibilidade hídrica, topografia apropriada e variedade de espécies com valor de mercado e desempenho para a criação 5.
O setor aquícola no Brasil passou por um longo período em que as informações sobre a atividade foram ignoradas, sendo que não existiam na maioria dos estados brasileiros sistemas confiáveis de coleta de dados da produção da atividade 6. A disponibilidade de informações técnicas e científicas sobre comunidades produtoras de pescado tem como objetivo aprimorar seu conhecimento através de identificação de pontos deficientes e falhas estruturais, visando ampliar a produção para atender ao mercado, assegurando seu desenvolvimento tecnológico 7,8.
Portanto, o objetivo deste trabalho foi descrever as características regionais da piscicultura praticada no estado do Amazonas e identificar, por mesorregião do estado, os principais indicadores técnicos dos cultivos, as infraestruturas de produção de formas jovens, o tamanho dos empreendimentos e o enquadramento do grau de severidade relativo ao impacto ambiental por porte da atividade de piscicultura, visando contribuir para o desenvolvimento desta atividade no Estado do Amazonas.
Metodologia
O presente estudo foi realizado no estado do Amazonas, Brasil, a partir das informações de processos técnicos de pisciculturas cadastrados junto ao banco de dados do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas -IPAAM, autarquia responsável pelo controle e regularização ambiental de atividades poluidoras no estado, que concedeu formalmente os dados para as investigações.
As informações cedidas compuseram dados secundários da pesquisa, com um total de 1.382 empreendimentos formalizados até março de 2017. Todos os processos apresentaram características técnicas dos empreendimentos, mapas de localização, projetos executivos e memoriais descritivos, contendo dados relacionados a índices zootécnicos e indicadores produtivos, que foram utilizados neste trabalho para produção de cenários e panoramas atualizados da atividade piscícola no estado.
Além dos dados mencionados, também foram retiradas das informações cedidas pelo IPAAM os principais indicadores técnicos característicos (nível tecnológico de produção, potencial produtivo do setor, principais espécies trabalhadas) e outras informações consideradas úteis para o estudo 9.
Os dados foram tabulados em planilhas do Microsoft Office Excel 2016®, para os posteriores tratamentos estatísticos e subsequentes interpretações dos resultados obtidos. A partir da análise dos dados foram calculadas a distribuição de frequência (simples absoluta), conforme sua localização geográfica dentro das subdivisões regionais 7 de arranjos (zonas fisiográficas) por mesorregiões 10 (Figura 1).
Resultados
Com base nos dados coletados, foi verificado que a aquicultura no Amazonas é uma atividade desenvolvida em empreendimentos localizados em ambientes de terra firme (93 33%) (Figura 2), compostos por viveiros escavados e barragens, os quais são destinados à piscicultura (99,49%), com o uso de várias espécies (57,02%) nativas, predominando, no entanto, o uso do tambaqui (92,40%).
O sistema semi-intensivo de produção (90,45%) é utilizado estrategicamente no Amazonas, destinado preferencialmente a engorda (98,48%). Apesar disso, identificou-se a ocorrência de empreendimentos 17 que praticam alevinagem e recria (1,95%) no Amazonas, dedicando esforço no abastecimento de "sementes" para a atividade no estado, o que corresponde a uma capacidade superior a 25 milhões de alevinos/ano (Tabela 1).
A principal finalidade das pisciculturas, incluindo-se aquelas que praticam engorda e alevinagem, segundo os resultados, é a comercialização (98,26%), sendo pouco expressivo índice de produtores que desenvolvem a atividade com fins de subsistência (7,38%).
Conforme critérios de classificação estabelecidos na legislação vigente do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Resolução n° 413 de 26 de julho de 2009, a piscicultura no Amazonas se destaca como atividade composta por empreendimentos de pequeno porte (93,78%), mais concentrada geograficamente na mesorregião Centro (83,07%), e com maior agrupamento de piscicultores na microrregião de Manaus (40,59%) (Tabela 2).
A produção estimada para o estado do Amazonas foi calculada em 20,77 mil toneladas de pescado para o período de aplicação deste estudo, oriundas, principalmente de estruturas disposta em terra firme (93,86%). A produção estimada para este tipo de ambiente chega a 19,50 mil toneladas de pescado produzido, considerando a área total de espelho d'água (2.628,02 hectares) e quantidade de pisciculturas contabilizadas (1.289). Quanto à distribuição de produção por mesorregião, observa-se que a mesorregião Centro concentra 84,37% do total produzido no estado, com 17,52 mil toneladas acumuladas, sendo 16.367,27 mil toneladas em terra firme (Figura 3).
Identificou-se, através dos critérios ambientais e de características das infraestruturas para classificação do potencial de severidade da atividade estabelecidos pela Resolução n. 413 de 2009, que de um total de 1.382 empreendimentos registrados junto à fonte de dados secundária, somente 46 (3,33%) são classificados como possuidores de "significativo" potencial poluidor (Tabela 3).
' Resolução CONAMA n. 413 de 2009.
Nota1: (P) = Terra firme: < 5,0 hectares; Tanque-rede: < 1.000
m3; Fluxo contínuo: < 1.000 m3. (M) = Terra firme: 5,0 a 50,0 hectares; Tanque-rede: 1.000 a 5.000 m3; Fluxo contínuo: 1.000
a 5.000 m . (G) = Terra firme: > 50,0 hectares; Tanque-rede: >
5.000 m3; Fluxo contínuo: > 5.000 m3. 2 ,
Nota : (B) = Sistema extensivo com especie autoctone/nativa nao-carnívora; Sistema extensivo com especie autòctone/nativa carnívora; Sistema semi-intensivo com espécie autòctone/nativa não-carnívora. (M) = Sistema extensivo com espécie alóctone/exótica não-carnívora; Sistema extensivo com espécie alóctone/exótica carnívora; Sistema semi-intensivo com espécie autóctone/nativa carnívora; Sistema semi-intensivo com espécie alóctone/exótica não-carnívora; Sistema intensivo com espécie autóctone/nativa não-carnívora; Sistema intensivo com espécie autóctone/nativa carnívora. (A) = Sistema semi-intensivo com espécie alóctone/exótica carnívora; Sistema intensivo com espécie alóctone/exótica não-carnívora; Sistema intensivo com espécie alóctone/exótica carnívora. ^Potencial de severidade "não-significativo". "Potencial de severidade "significativo".
Banco de dados do IPAAM, 2017
Ao se verificar entre as mesorregiões do estado do Amazonas, identificou-se que aqueles empreendimentos com elevando ou "significativo" potencial de geração de danos ambientais (severidade), conforme legislação vigente, estão mais concentrados na mesorregião Centro (91,30%), seguida das mesorregiões Sudoeste (4,35%) e Sul (4,35%) (Figura 4).
Discussão
Comparativamente, constata-se que os valores obtidos para o estado do Amazonas neste estudo corroboram resultados levantados na literatura, ao informarem que a piscicultura desenvolvida em viveiros escavados e barragens se sobressaem como categoria de estrutura de terra firme mais utilizados no Brasil 11,12.
Diversos estudos identificam que a aquicultura no Amazonas é formada predominantemente pela piscicultura com espécies nativas, sendo o tambaqui a principal espécie 7,13,18. Apesar disto, pode ser identificada a existência de espécies exóticas como a tilápia (Oreochromis niloticus) sendo criadas no estado 13,14,19.
Observa-se, no entanto, que existem restrições legais que condicionam à obrigatoriedade do uso de espécies nativas no Amazonas, em contraste às outras regiões do país 12,20,21,22,23, apresentando-se como fator principal o impedimento de utilização de espécies alóctones ou exóticas em consequência de instrumentos normativos restritivos 24.
Em relação ao sistema de produção, vários estudos verificam a predominância de sistemas semi-intensivos no Brasil 12 e no Amazonas 15 relacionados ao baixo nível de aplicação de tecnologia, como identificado neste estudo, bem como a escolha da engorda como objetivo principal do empreendimento 25, sendo a comercialização a finalidade proposta para a atividade 16.
Quanto à alevinagem, esta se comporta como um modelo de atividade piscícola que exige elevado conhecimento técnico e formação específica 26,27, além de possuir complicado processo de controle do ambiente e demandar onerosa estrutura de produção e capital de giro para custeio 27,28. No entanto, apesar de depender efetivamente do uso e difusão de tecnologia 26,28, a alevinagem representa uma etapa importante e que apresenta grande potencial de retorno financeiro 29,30, compondo o elo de maior relevância na cadeia produtiva pela imprescindibilidade em suprir a crescente demanda por pescado no processo de engorda 2,27,30.
Assim, ao se observarem as condições relacionadas à capacidade de oferta para o fornecimento de alevinos no Amazonas, pôde-se verificar que apesar do agrupamento dos empreendimentos na mesorregião com maior produtividade (Centro), existem atualmente suficiente infraestrutura para o fornecimento das principais espécies (à exceção do pirarucu) para atender de forma imediata à demanda dos piscicultores em todo o Estado 5, evitando assim, a dependência do fornecimento de alevinos de outras localidades 31.
Sobre a localização das pisciculturas e valores de produção, assim como apurado por Gandra 13 e corroborado posteriormente por Pantoja-Lima et al 15, a Região Metropolitana de Manaus (RMM) agrupa a maior quantidade de pisciculturas em seus territórios, podendo chegar a 85% do total existente no estado devido a fatores estruturais (logística) e proximidade do mercado consumidor (Manaus) para aquisição de insumos com menores custos e facilidade na comercialização do pescado 13,32, sendo esta característica verificada nos resultados apresentados.
Embora a região metropolitana de Manaus apresente todas as características propícias para a piscicultura, a maioria dos empreendimentos é de porte pequeno, com pouca aplicação tecnológica no sistema de criação e com uso de espécies que não trazem grandes riscos ambientais em decorrência de suas características ecológicas, fatores estes que fazem com que a atividade apresente bons índices de avaliação quanto ao ordenamento e controle de impactos sobre a sua produção.
Tais particularidades fazem como estas sejam classificadas como de baixo grau de severidade ambiental, de acordo com a legislação ambiental brasileira vigente, similar ao que ocorre na maioria dos empreendimentos de outras regiões da Amazónia 5,20,30,31,32. Esta avaliação da sustentabilidade ambiental da atividade da piscicultura, pautada em assuntos de ordem legal, através de marcos administrativos e jurídicos idôneos, garantem a aplicação e prática da atividade aquícola de forma ambientalmente sustentável 33.
Em conclusão a piscicultura no estado do Amazonas atualmente vem sendo praticada com fins comerciais, majoritariamente em empreendimentos de terra firme em pequenas áreas alagadas, onde a produção é priorizada para a espécie tambaqui com objetivo de engorda em sistemas semi-intensivos de criação.
No entanto, um perfil de heterogeneidade é identificado quanto às particularidades dos sistemas de produção, porte do empreendimento, bem como a localização geográfica, os quais podem ser atribuídos às influências relacionadas às peculiaridades geográficas, sociais e económicas regionais específicas, tais como, a concentração do mercado consumidor de destinação do pescado produzido localizado na cidade de Manaus, o que contribui para a aglomeração da sua prática no entorno e em áreas adjacentes, que possuem boa infraestrutura logística para abastecimento de insumos e escoamento da produção no provimento da demanda do mercado local. Essa piscicultura praticada no Amazonas é realizada em sua maioria em propriedades de pequeno porte e estão enquadradas com baixo grau de severidade e impacto ambiental.