INTRODUÇÃO
Os programas de vacinação propõem altas taxas de coberturas vacinais, para proteger os indivíduos e a sociedade, entretanto, o sucesso destes programas depende de inúmeros fatores, incluindo a qualidade com o qual são gerenciados1. No Brasil, os eventos adversos relacionados a erros de imunização vem aumentando nos últimos anos. Isso pode comprometer a aceitabilidade dos imunobiológicos pela população, reduzindo coberturas vacinais e, consequentemente, comprometendo o controle das doenças imunopreveníveis2. Ademais, o aumento do movimento antivacinação, que divulgam crenças de que os imunobiológicos causam mais danos do que benefícios3, também pode se beneficiar se o processo de vacinação não for seguro.
Nesse sentido, é importante garantir a segurança de todo o processo de imunização a fim de manter a confiança nos programas de imunizações. No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) criou o conceito de “Vacinação Segura” que envolve um conjunto diferenciado de aspectos relacionados ao processo de vacinação, que se inicia desde o processo de produção e aquisição do imunobiológico, dentro das especificações e com a qualidade até a sala de vacinação, com destaque para a eficiência da cadeia de frio de conservação de imunobiológicos4.
A segurança do paciente é um aspecto importante e essencial para a adequada assistência prestada. Pesquisas sobre a segurança do paciente têm sido mais focadas na área hospitalar, por executarem cuidados mais complexos5, entretanto, muitos eventos com danos não intencionais ocorrem em sala de vacinação, sendo a maioria prevenível6. Para a Classificação Internacional de Segurança do Paciente (International Classification for Patient Safety - ICPS) da OMS, dano se refere ao agravo da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer resultado negativo oriundo dele, inclui doenças, lesão, sofrimento, incapacidade e morte. Pode ser de ordem física, social ou psicológica7. Erro é uma falha ou aplicação incorreta na execução de um plano almejado, de forma não intencional. Ocorre por fazer errado (erro de ação) ou por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissão) na fase de planejamento ou na fase de execução7.
Apesar de os imunobiológicos não serem considerados medicamentos, os cuidados no preparo e administração são semelhantes e necessitam de cuidados a fim de evitar os erros de imunização que são consequentes de atitudes ou procedimentos não cumpridos conforme estabelecidos nas normas, podendo ter impactos, incluindo proteção imunológica inadequada, possíveis lesões, custos, inconveniências e redução da confiança nos programas de imunizações8. Investigação recente no Paraná identificou aumento de erro de imunização, nos últimos anos, com tendência ascendente até 2018. Como pressupostos os autores apontam o reflexo da melhoria da vigilância, mas também deficiências na prática de enfermagem em sala de vacinação2.
Nesse sentido, existem lacunas de conhecimento sobre segurança em sala de vacinação, os estudos existentes1-2,4,8. Têm-se centrado na descrição dos Eventos Adversos Pós Vacinação - EAPV. É necessário uma melhor compreensão e conhecimento da equipe que trabalha em sala de vacinação sobre os possíveis fatores contribuintes para essa segurança.
Estudos sobre a temática podem reduzir as lacunas de conhecimento existentes e sensibilizar os profissionais sobre a importância da vacinação segura levando à redução dos riscos e danos relacionados à assistência, além de auxiliar a ação dos gestores para a realização do planejamento e desenvolvimento de estratégias organizacionais com o objetivo de melhorar a qualidade do cuidado em sala de vacinação.
Tendo em vista a complexidade da temática que envolve a segurança em sala de vacinação, as seguintes inquietações nortearam este estudo: como o trabalhador da sala de vacinação percebe os fatores que influenciam na vacinação segura? Quais as expectativas desse trabalhador na melhoria da segurança em sala de vacinação? Com base no exposto, o objetivo consiste em conhecer a percepção da equipe de enfermagem sobre segurança do paciente em sala de vacinação.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de estudo qualitativo fenomenológico, analisado segundo a fenomenologia social de Alfred Schütz, que permite desvelar o sentido de ser no mundo, de ser-com-o-outro, contextualizado nas relações sociais, na conformação da experiência e da ação, compreendidas como um espaço intersubjetivo, no processo social9.
A ação do homem nesse mundo orienta-se por sua situação biográfica, ou seja, situação atual, constituída por uma história sedimentada por experiências subjetivas prévias10. Essa experiência agrega um acervo de conhecimentos que orientam as condutas dos indivíduos diante das diversas situações10. A situação biográfica e o acervo de conhecimentos disponíveis e acessíveis fundamentam a projeção da ação no mundo social.
No presente estudo, a ação social refere-se à vacinação segura. ao assistir o usuário em sala de vacinação, a equipe de enfermagem desempenha ações segundo seu estoque de conhecimentos adquiridos ao longo da sua trajetória profissional, em momentos de educação permanente e no compartilhamento de experiências com colegas de trabalho, e esse acervo de conhecimentos, orienta suas atitudes e comportamentos para a segurança em sala de vacinação. Para o comportamento social são apontados dois tipos de motivos que estimulam e direcionam o sujeito na realização da ação: os que se relacionam ao alcance de objetivos, expectativas, projetos, são chamados motivos para e aqueles que assumem o cenário dos atores, o ambiente, a disposição psíquica que são os motivos porquê11.
Este estudo teve como cenário oito salas de vacinação de Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de um município de Minas Gerais, por amostra de conveniência, após contato e aprovação da coordenação da atenção básica e imunização municipal. De posse da lista das UAPS, fez-se contato telefônico com os profissionais de enfermagem que executavam atividades em sala de vacinação, com o objetivo de convidá-los a participar deste estudo.
Os participantes da pesquisa foram 17 profissionais responsáveis pela sala de vacinação dessas UAPS, entre eles 11 enfermeiros e seis técnicos de enfermagem. Foi adotado, como critério de inclusão, a experiência de seis meses em sala de vacinação. A quantidade de participantes foi dada por meio do adicionamento progressivo de novos participantes até a saturação do fenômeno, alcançando a compreensão pelo seu desvelamento9, e ao objetivo proposto neste estudo.
A coleta ocorreu no período de março a maio de 2016, por meio de entrevista aberta a partir das seguintes questões norteadoras: Que fatores você acredita que podem influenciar a segurança do paciente em sala de vacinação?; quais suas expectativas para melhorar a segurança em sala de vacinação? A priori realizou-se pré-teste do roteiro da entrevista. O tempo médio de duração das entrevistas foi de 20 minutos, foi realizada conforme a disponibilidade do profissional em espaço privativo na própria unidade de saúde. As entrevistas foram gravadas em arquivo digital e, posteriormente, transcritas literalmente.
Todos os profissionais de enfermagem convidados aceitaram participar do estudo e foram orientados quanto aos objetivos da pesquisa e questões éticas, tendo sido obtida a assinatura do TCLE antes de iniciar a entrevista.
Os depoimentos dos participantes mostraram o desvelamento do fenômeno, segurança em sala de vacinação, pela convergência dos significados após a décima quarta entrevista, não havendo ocorrência de novos temas até o décimo sétimo depoimento. Desse modo, dezessete entrevistas foram suficientes para atingir o objetivo e responder as questões norteadoras do estudo. Para garantir o anonimato do participante e sigilo das informações, os participantes foram identificados pela letra E (entrevistado) seguida por números arábicos crescentes seguindo a ordem de participação na pesquisa.
A partir do referencial teórico-metodológico da Fenomenologia Social de Alfred Schütz9, realizou-se a organização e a análise dos resultados. Após a leitura cuidadosa das entrevistas, fez-se o recorte das unidades de significado convergentes, do qual emergiram as categorias que mostram a compreensão da segurança em sala de vacinação. A organização e a análise11, dessas categorias permitiram a compreensão desta ação pelos pesquisadores. A discussão do conjunto de categorias foi realizada com base na literatura temática, tendo como fio condutor o referencial teórico-metodológico adotado. O projeto de pesquisa seguiu as recomendações da resolução 466/12 e foi aprovado pelo Comitê de ética em pesquisas com seres humanos sob o parecer 1.741.446 e CAAAE 585.15316.1.00005545.
RESULTADOS
Em relação aos técnicos de enfermagem, 100% eram do sexo feminino, com idade variando entre 41 a 66 anos, tempo de formação profissional de 6,5 a 22 anos, e tempo de atuação em sala de vacinação de três a 21 anos. Os enfermeiros, a maioria (72,7%) eram do sexo feminino com idade entre 23 a 45 anos, tempo de formação de 1,6 a 20 anos, e atuação em sala de vacinação de 10 meses a 17 anos.
Com base na análise dos depoimentos, os resultados foram organizados em duas categorias: “O olhar para a sala de vacinação e a (in) segurança do paciente” revelam as dificuldades vivenciadas pela equipe em relação à segurança do paciente em sala de vacinação (motivos porque) e “O fazer em sala de vacinação: a busca da vacinação segura”, expressa as ações da equipe de enfermagem na busca da vacinação segura (motivos para).
O olhar para a sala de vacinação e a (in) segurança do paciente.
Dentre os fatores dificultadores para uma vacinação segura, referido pelos participantes, destacam-se a falta de sala exclusiva para a vacinação, o barulho, e o espaço físico inadequado.
Ter um local realmente reservado para sala de vacina porque se nossa casa não fosse casa [alugada] se fosse um local construído, aí teria a sala de vacina ampla, arejada, então assim, ia ajudar bastante (E6).
Aqui o ambiente é apertado então sofremos por questão de espaço, questão da falta do silêncio porque o barulho interfere muito (E15).
Outra dificuldade apontada pelos entrevistados diz respeito aos profissionais de saúde desatualizados que podem apresentar condutas errôneas, causando danos à pessoa, foco do cuidado.
O profissional desatualizado, ele pode fazer uma vacina que nem é naquela idade ou mesmo que nem é a necessidade mesmo de vacinar. Então essa questão pode ser pela falta [de educação permanente] sobre atualização do calendário vacinal, coloca em risco também a segurança do paciente (E5).
Sete entrevistados fizeram referência à similaridade e a ilegibilidade de alguns frascos, levando a ocorrência de interpretações equivocadas e possível troca do imunobiológico, constituindo-se em graves problemas para a segurança em sala de vacinação.
As letrinhas dos frascos são muito pequenininhas, tem um lote da penta [refere-se a vacina pentavalente contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite por Haemophilus influenza] se não me engano que é minúscula, de verdade, nós temos uma lupa aqui pra conseguir ler qual é o lote da vacina, então são coisas que o laboratório podia melhorar (E6).
[...] as letras são muito pequenas, às vezes, vem vacinas em inglês, vacinas muito parecidas (E15)
Também a ampliação de imunobiológicos disponibilizados nos serviços públicos de saúde e a frequente mudança no calendário vacinal, foi vista como um fator dificultador para a segurança em sala de vacinação, como apresentado nos depoimentos abaixo.
Eu entendo da seguinte forma, principalmente nessa segurança, o calendário ele está avançando cada vez mais, porém são muitos detalhes, cada vacina tem uma minuciosidade, é diversa (E2).
Mas está muito complicado porque tem muita vacina. Você tem basicamente que saber tudo na memória, porque querendo ou não você tem que saber. Se toda vacina você for consultar você gasta um tempão, então assim, você vai guardando tudo na memória [...] então tudo muda muito rápido, todo dia, com muita frequência (E6).
Um entrevistado trouxe a experiência de vivenciar uma reação adversa pós vacinação e em decorrência desse evento apresenta o porquê do sentimento de insegurança da mãe.
Tenho um caso aqui que uma criança, quando foi administrada a vacina DTP, com 5 anos, ela teve a reação, esteve internada, e a mãe é insegura até hoje (E4).
O fazer em sala de vacinação: a busca para a segurança do paciente.
Nos depoimentos dos participantes captou-se a intencionalidade ao realizar ações para melhorar a segurança do paciente em sala de vacinação. O significado desta ação, isto é, os “motivos para” foram delimitados a partir das falas e analisados, como conjunto, mediante leituras sucessivas das respostas ao questionamento: Quais suas expectativas para melhorar a segurança em sala de vacinação? As ações propostas pela equipe de enfermagem que vivencia o fenômeno no cotidiano da sala de vacinação, consideram fatores tais como a educação permanente, a supervisão do enfermeiro, a implementação do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização - SIPNI, os acertos em vacinação e as orientações, importantes para contribuir para a segurança e qualidade na imunização.
A utilização de metodologias ativas durante a educação permanente foi uma das sugestões para potencializar o aprendizado para a atualização e melhoria do trabalho em sala de vacinação e, consequentemente, assegurar uma prática segura.
Fazer capacitação com o profissional, estar sempre atualizando e fazendo outras metodologias ativas, para que o profissional saiba da evolução das normas e que continua mudando, e trazer esse profissional para ele se interessar em fazer um bom trabalho (E12).
É importante destacar que alguns entrevistados identificaram a importância da realização da supervisão em sala de vacinação pelo enfermeiro. Entretanto, em função das demandas do serviço, essa supervisão nem sempre acontece.
[...] de estar supervisionando a sala, de ter uma equipe bem alinhada, uma equipe que entenda o que fazer mediante uma situação. Subiu a temperatura como eu devo proceder? Não esperar as coisas acontecerem. Eu acho que o alinhamento do enfermeiro com a equipe, a supervisão do enfermeiro (E17).
Seria ótimo se eu tivesse tempo para ficar o dia inteiro na sala de vacina, mas não é a realidade, porque várias atividades da unidade de saúde demanda o enfermeiro, triagem, puericultura, preventivo, curativo, visita domiciliar, todo mundo chega querendo alguma coisa, então assim, às vezes, eu sei que é errado, mas a sala de vacina fica um pouco a cargo do técnico [de enfermagem]. (E6)
Além disso, o uso do SIPNI contribui na segurança do paciente, na medida em que possibilita a identificação dos vacinados evitando a administração de doses desnecessárias.
A informatização da sala de vacina [SIPNI] foi muito bom para gente, claro que é mais trabalho, mas é maior segurança (E4).
Com o SIPNI a gente consegue ver, se esse paciente já tiver sido vacinado recentemente ou se o cartão dele já tiver sido digitado, a gente consegue ter acesso a essa informação porque, muitas vezes, chega falando que não vacinou e, já vacinou, então isso vai possibilitar que a gente não faça vacinas desnecessárias (E17).
Para evitar o erro, e consequentemente a deficiência na segurança do paciente, existem passos que devem ser seguidos para minimizar a possibilidade deste, como a conferência das 12 certezas relacionadas ao processo de preparo e administração de medicamentos. Essa etapa é fundamental no preparo e administração de imunobiológicos, como pode ser evidenciado na fala a seguir.
[...] via de administração, dose certa, quantidade certa, vacina certa, respeitar o tempo de intervalo entre as doses, respeitar o intervalo entre as vacinas também, têm vacinas que não podem ser feitas no mesmo dia, temperatura ideal, administração correta, via correta, acho que é isso (E11).
Outra questão mencionada refere-se às informações fornecidas aos pacientes no ato da vacinação, considerada ferramenta importante e efetiva na promoção da segurança do paciente.
A orientação é muito importante antes e depois entendeu? E uma das coisas que a gente faz aqui na unidade é na hora de administrar a vacina, mostrar (para o paciente) o rótulo, a validade, o nome da vacina e a hora que foi aberta (E17).
DISCUSSÃO
Os significados expressos nos depoimentos dos participantes revelam dificuldades para a vacinação segura que remetem ao cenário da ação social - o mundo cotidiano. Os profissionais de saúde vivenciam entraves estruturais, organizacionais e gerenciais em sala de vacinação, os quais foram elucidados pelos entrevistados enquanto “motivos porquês”. Ressalta-se que a estrutura física adequada e a disponibilidade de insumos e equipamentos é essencial para um processo de trabalho efetivo a fim de ofertar uma melhor assistência12. Contudo, neste estudo, muitas unidades de saúde da atenção básica, não atendem as exigências das condições e do espaço para a assistência de imunização acarretando consequências que podem comprometer a segurança e levar ao erro, como as unidades de saúde com estrutura física alugada que nem sempre atende as condições de trabalho e espaço físico.
Estudo internacional revela deficiências graves de infraestrutura em todos os componentes físicos, técnicos e gerenciais das unidades de atenção primária à saúde13. Estudos nacionais demonstraram uma avaliação, predominantemente, negativa quanto aos equipamentos e à infraestrutura das unidades de saúde da família. Das 75 unidades de saúde, 36 (48%) estavam em condições de insatisfação em relação aos padrões de qualidade e que apenas 9,3% das equipes consideraram que a unidade está em total adequação para permitir o atendimento individual14. Há que se considerarem, na investigação das causas de EAPV, fatores ligados à estrutura organizacional, ao ambiente e outros, que contribuem para a ocorrência de erro de imunização e devem ser abordados para garantir a vacinação segura6.
Foram identificados pelos entrevistados como fatores influenciadores na segurança em sala de vacinação a similaridade apresentada nos rótulos e frascos que podem induzir a ocorrência de erros. Os tipos de embalagens que são disponibilizadas no Brasil ainda não contêm uma regulamentação fazendo com que existam inúmeros medicamentos semelhantes, isso induz profissionais a confusão, resultando em danos ao paciente15. Considerando o erro em vacinação, a experiência deste comportamento sempre é analisável depois do erro ocorrido e não no momento em que ele ocorre.
Alterações no calendário vacinal com inclusão de novos imunobiológicos e novas idades para aplicação, bem como a modernização dos equipamentos em sala de vacinação, requer dos profissionais a atualização continuada do conhecimento16. Constata-se nos relatos dos participantes a preocupação com os profissionais desatualizados, o que compromete uma assistência segura e de qualidade que deve ser pautada em conhecimento essencial e atualizado.
Estudo Brasileiro revela que a maioria dos erros acontecia com profissionais experientes, devido ao fato de estar convencidos que suas decisões eram as mais corretas6. Estudos realizados nos Estados Unidos8, e Inglaterra1, identificaram erros relacionados à avaliação do calendário de imunização, história do paciente, seleção e preparação da vacina. Os EAPV são situações clínicas indesejáveis, ocorridas em indivíduos que receberam algum tipo de imunobiológico17, e os erros de imunização podem desencadear eventos adversos pós-vacinação graves e até fatais.
Em relação aos sentimentos de insegurança relacionados aos eventos adversos, se faz necessário repensar as condutas e compreender que esses eventos geram transtornos e danos, e que, além disso, causa insegurança por parte do paciente e família, levando a uma diminuição na procura do serviço, pois a relação de confiança pode se quebrar nessas situações, comprometendo o alcance de coberturas vacinais e consequentemente o controle das doenças imunopreveníveis18.
A epoché, segundo Husserl19, é a tese da atitude ou comportamento natural e é dentro de tal naturalidade que se pode ascender ao conhecimento do real. Ao assumirmos a epoché, neste estudo, considerando as experiências vividas pelos profissionais de enfermagem, não como uma totalidade de conhecimento sobre a segurança em sala de vacinação, mas como descobertas das medidas de segurança e a preocupação com o ambiente seguro em sala de vacina e que para a fenomenologia esse conhecimento, “deve-se pô-lo entre parênteses sem atestá-lo, mas também sem contestá-lo”19.
Na redução fenomenológica deste fenômeno e sua compreensão, leva a considerar que os profissionais devem abdicar dos “achismos” pré-existentes que possam influenciar na prática segura e incorporar de conhecimentos e experiências fundamentadas em conhecimentos básicos de vacinação. Para a incorporação de novos conhecimentos, a realização de educação permanente para os profissionais se faz imprescindível. Essa educação permanente deve considerar a realidade dos serviços e as necessidades dos profissionais, atendendo os pressupostos de uma educação crítica e problematizadora20.
A supervisão é uma recomendação importante para que, as atividades em sala de vacinação sejam feitas de forma segura e com qualidade. Deve ser contínua e sistemática com planejamento, direcionamento e organização, estando o profissional atento se as atividades realizadas estão de acordo com as normas preconizadas21,22. Entretanto, neste estudo foi evidenciado que a supervisão da sala de vacinação é delegada a outros profissionais pela existência de outras atribuições e atividades de responsabilidade do enfermeiro.
O enfermeiro assume responsabilidade legal e ética, como coordenador da equipe de enfermagem, vale ressaltar a importância de sensibilizar o enfermeiro para compreender que as ações de imunização são realizadas pela sua equipe, mas sob a sua supervisão23. A falta de supervisão da sala de vacinação acarreta na precariedade da capacitação e conhecimento da equipe visto que a supervisão permite identificar as dificuldades dos trabalhadores e, consequentemente, manter a educação permanente22.
Considerando a importância da supervisão é necessário discutir o redimensionamento do profissional enfermeiro, nas unidades de atenção primária à saúde, de forma que não haja comprometimento das atividades assistenciais e gerenciais.
A incorporação dos sistemas informatizados para o registro dos dados de imunização auxilia na operacionalização e planejamento das ações de vacinação24, e é fundamental para a manutenção da boa qualidade da assistência. O SIPNI visa gerenciar a qualidade das informações do vacinado no percorrer da sua vida, a notificação das vacinas agendadas e em atraso, a vigilância ativa dos EAPV, o controle da validade dos imunobiológicos e lote das vacinas em uso e no estoque25. Autores concordam que deve haver um registro eletrônico nacional, para rastrear os imunobiológicos administradas a um indivíduo26-27, para contribuir na segurança do paciente na medida em que possibilita a identificação dos vacinados evitando a administração de doses desnecessárias e consequentemente o risco de EAPV.
Considerando a possibilidade de prevenção de falhas na administração de imunobiológicos, os profissionais reconheceram a importância da utilização dos certos da vacinação (pessoa certa, vacina certa, idade certa para vacinação, dose certa, intervalo entre as doses certo, volume certo, via certa, local certo, registro certo, aprazamento certo) que auxiliam na prevenção dos erros e melhoram a segurança e qualidade prestada aos pacientes4.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos no presente estudo possibilitaram compreender a perspectiva dos profissionais atuantes na sala de vacinação sobre segurança do paciente em sua prática cotidiana. Foi possível observar que os profissionais compreendem sobre a importância da prestação de uma assistência de qualidade, mas que muitos fatores, entre eles, físicos, ambientais e gerenciais interferem na maneira de oferecer a mesma.
O significado dos erros e dos sentimentos de insegurança do profissional frente a uma ação insegura ou aos EAPV ocorridos, são produzidos no mundo vivido coletivamente e têm um caráter prático. Porém, estes significados são construídos a partir da intersubjetividade, que podem ser permeados por crenças e valores que podem interferir sobre as decisões das pessoas em se vacinarem, porque a intersubjetividade se constitui em um mundo compartilhado por todos nós. A prática segura em imunização pode proteger essa forma preventiva em saúde, como um cuidado primário e um bem coletivo.
Este estudo, ao buscar compreender as vivências dos profissionais dentro de seu mundo social da vacinação segura, permite entender o que se passa na ação cotidiana desses profissionais; as informações sobre as ações rotineiramente desenvolvidas; e a partir da ação (in) segura conseguir interpretar o que está acontecendo frente a esse fenômeno. Destarte, este estudo configura-se em uma contribuição para a enfermagem ao abordar a segurança em sala de vacinação sob a luz da fenomenologia social, apresentando a intencionalidade para uma vacinação segura e indicações para a equipe de enfermagem: a educação permanente; o uso dos 10 certos em vacinação; a supervisão rotineira do enfermeiro; e a implementação efetiva do SIPNI.
O estudo possui limitações, que incluem, principalmente, o fato de ter envolvido somente enfermeiros e técnicos de enfermagem atuantes na atenção primária em saúde de um município de médio porte da região sudeste do Brasil, impossibilitando a generalização dos resultados. Além disso, evidencia-se uma escassez de produções para a discussão dos resultados. A segurança do paciente em sala de vacina ainda é pouco abordada na literatura científica. Assim, sugere-se que novos estudos possam ser desenvolvidos a fim de suprir esta lacuna.