INTRODUÇÃO
O cuidado de enfermagem sob a premissa da Reforma Psiquiátrica Brasileira em um hospital psiquiátrico é o que buscamos problematizar nessa investigação. Na atualidade temos o redirecionamento do modelo assistencial hospitalar para práticas de base comunitária, em serviços abertos, com ênfase na reinserção social e reabilitação psicossocial das pessoas portadoras de transtornos psíquicos, uma mudança da compreensão do fenômeno da doença e paradigma de cuidados1 .
Historicamente os hospitais psiquiátricos instituíram-se numa psiquiatria ancorada na moral e disciplina, e, na enfermagem responsável pela vigilância e manutenção da ordem2 , elementos característicos do modelo de formação e prática no Brasil. Dito isso, conferir esforços para um estudo em cenário hospitalar, ainda que possa parecer paradoxal, circunscreve a adversidade posta a enfermagem que se ocupa dos processos de trabalho em espaços cuja subsistência contemporânea remanescente do modelo asilar imputa ao enfermeiro o risco do exercício, prevalentemente, de funções burocráticas e de controle do ambiente, solidificando a necessidade de se pesquisar estratégias de cuidar à luz das diretrizes da atenção psicossocial.
E, como os estereótipos modernos ainda estigmatizam a loucura retratando os indivíduos com problemas mentais como culpados, incompetentes, imprevisíveis e violentos3 , e estudos mostram que o risco de desenvolver o estigma é maior nos hospitais do que no contexto territorial4 , torna-se difícil avaliar o conjunto necessário de habilidades, competência cultural, para os enfermeiros de saúde mental a fim de proporcionar cuidados efetivos centrados na pessoa5 .
Resultados oriundos de ações da política pública vigente revelam a redução de leitos do regime de internação psiquiátrica, transformado dos 85.000 existentes, ao final da década de 1980, para menos de 26.000, em 2014. Todavia, os mesmos dados que evidenciam decréscimo dessa estrutura, ao apontarem as despesas, comprovam a (r)existência desse cenário de atenção, que migra nos últimos vinte anos do terceiro para o sexto lugar em maior gasto com internações no país6 .
Em muitos países a orientação projetada é de um cuidado social e de saúde oportuno para promover recovery , definido como ganhar e reter esperança, compreender suas habilidades e desabilidades, engajar em uma vida ativa, autonomia pessoal, identidade social, livre de estigma e discriminação7 . E que isso ocorra num ambiente em que profissionais e pessoas cuidadas estabeleçam trocas, que haja diálogo e muldicisciplinaridade8 , corroborado por um apontamento nodal trazido pelo Plano de Ação em Saúde Mental 2013 – 2020 da Organização Mundial de Saúde, que pessoas afetadas com transtornos psíquicos sejam capazes de exercitar a plenitude dos direitos humanos7 .
Não obstante, embora o reconhecimento e a proteção dos cidadãos façam parte dos estados democráticos, é sabido que tais direitos não atingem a todos, menos ainda aqueles considerados como desviantes ou incapacitados para os atos da vida civil porque destituídos de razão9 . O postulado é que os profissionais de saúde mental precisam conhecer e entender a legislação, bem como sua responsabilidade de acordo com ela, combinando conhecimentos políticos e teórico-técnicos10 , o que podemos inferir numa convergência para ações ancoradas na Clínica Ampliada (CA), uma metodologia que reafirma a criticidade e autonomia de todos os atores implicados no processo de cuidar11 .
Porém, sendo o hospital um ambiente centrado na medicina, o corpo de enfermagem pode estar sujeito a uma estrutura organizacional desfavorável ao cuidado ampliado. Nesse contexto algumas questões fomentaram essa pesquisa: Como os enfermeiros compreendem o alcance de suas práticas assistenciais no hospital psiquiátrico? Os enfermeiros podem potencializar seu agir profissional no âmbito do hospital psiquiátrico a partir de experimentações estéticas com o seu próprio corpo?
Mediante ao exposto, o presente estudo, recorte de uma pesquisa de doutorado, tem como objetivo analisar os desafios para prática da enfermagem psiquiátrica a partir de experimentações criativas com o corpo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se uma pesquisa qualitativa na perspectiva metodológica da sociopoética, a qual tem por princípiosfilosóficos: valorizar as fontes de conhecimentos emocional, intuitiva e sensível; buscar interação dialógica com os sujeitos da pesquisa; empoderar os envolvidos na pesquisa, valorizando seu pensar, conhecer, pesquisar e aprender com o corpo inteiro. Para a produção de dados, este método indica a importância do uso da criatividade, da experimentação estética e da imaginação12 .
A estruturação do método ancora-se em cinco orientações básicas: 1- A instituição do grupo-pesquisador; 2- A valorização das culturas dominadas e de resistência; 3- A pretensão de pensar, conhecer, pesquisar, aprender com o corpo inteiro; 4- Privilegiar formas artísticas na produção de dados; 5- Reafirmar a responsabilidade ética e política do grupo-pesquisador13 . Inicia-se com a pesquisadora negociando com o grupo o assunto a ser pesquisado, o tema-gerador, que requer interesse do coletivo.
Seguindo essas orientações, a produção de dados foi realizada com enfermeiras assistenciais de uma instituição psiquiátrica do estado do Rio de Janeiro, no segundo semestre de 2017. Como critério de inclusão estabeleceu-se: ser enfermeiro e possuir experiência assistencial em enfermaria de crise de no mínimo seis meses; estar formalmente vinculado à enfermaria especializada em psiquiatria. E de exclusão: enfermeiros que mesmo lotados em enfermarias especializadas em psiquiatria não exercessem assistência direta aos internados; chefias de setor que não realizam assistência direta aos internados; enfermeiros em férias ou afastados do serviço na ocasião da produção de dados.
Para realização da experimentação seguiu-se as seguintes etapas: planejamento, articulação das pessoas, organização do local, instituição do grupo-pesquisador e desdobramento da pesquisa12 , iniciou-se estabelecendo diversas conversas com as enfermeiras do setor que transpassaram a explicação do método e o objetivo geral da pesquisa. O convite para participar dos encontros fora feito a doze enfermeiros atuantes na assistência direta as pessoas internadas, a totalidade deles à época da produção de dados. Desses, cinco recusaram relatando indisponibilidade para os encontros, assim, o grupo-pesquisador foi instituído por sete enfermeiras e duas facilitadoras.
A relevância da pesquisadora contar com o auxílio de outra facilitadora, nesse caso conhecedora do método e integrante do mesmo grupo de pesquisas, dá-se pela intensificação das observações, gravação, registros e manejo com o grupo, dirimindo assim possíveis vieses.
Esse material apresenta um dos três encontros de produção de dados. Em espaço acolhedor, amplo e confortável, no próprio hospital, com cadeiras e colchonetes dispostos em círculo, o encontro teve duração de duas horas perpassando: negociação do tema-gerador; orientação e assinatura dos termos de consentimentos Livre e Esclarecido (TCLE) e no Termo de Cessão de Direito de Imagem (TCDI); relaxamento com utilização de técnica de automassagem corporal; experimentação estética, onde as enfermeiras ficaram deitadas em círculos nos colchonetes, de olhos fechados, receberam alguns objetos para que tocassem e, enquanto imaginavam o que sentiam lançamos a questão:como pensar o cuidado a partir do próprio corpo, e quais elementos poderiam auxiliar nesse processo?
Durante vinte minutos as enfermeiras puderam manusear objetos, e em seguida solicitadas a responderem a questão da pesquisa, de forma verbal ou artística, e os recursos materiais disponibilizados foram: livros de receitas, poesia e artes, diversos tipos de papeis (branco, colorido, tamanhos pequeno e grande), lápis de cor e canetas coloridas, cola, tesouras, tintas para tecido e papel, pinceis, argila, bola de jogos de tênis e ping-pong, elástico, carretel com barbante, retalhos de tecidos, agulha de crochê, pano de prato, incenso, esmalte, acetona, lixa de unha, jogos de xadrez e dominó, bacia com água, instrumentos de percussão e hidratante corporal.
A multiplicidade de elementos supramencionada referiu-se a estratégia de ampliação de acesso as diferentes personalidades dos atores envolvidos, visando atingir a liberação do imaginário no que tange ao cuidado prestado nas enfermarias. O grupo-pesquisador falou da forma como pensaram em produzir cuidado inspiradas pelos elementos que manusearam. A Sociopoética designa determinaçãocom a mobilização do inconsciente, a liberação do imaginário, fundamental a uma fiel produção de dados14 , justificando assim sua escolha. Cabe dizer que ensaios apriorísticos no núcleo de pesquisas ancorados em experimentações estéticas auxiliaram na compreensão das variáveis.
Quanto à análise dos dados seguimos as orientações Sociopoéticas, com a categorização, momento em que se analisam as semelhanças e oposições, confluências e divergências da produção grupal, e o estudo filosófico, em que os dados produzidos são colocados em diálogo com a teoria14 . Assim, os dados dialogaram com Collière, teórica que defende o cuidar como agir sobre o poder de existir, permitindo a este poder mobilizar-se, desenvolver-se, utilizar-se, ou levando-o a imobilizar-se, a contrair-se, e reduzir-se15 , Ostrower, apresentando o processo de criação e criatividade humano16 , e Spinoza, com a clarificação sobre a potência dos encontros17 .
Por se tratar de pesquisa com seres humanos o projeto cumpriu as exigências éticas cabidas, submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, com parecer de aprovação segundo protocolo 1.852.686.
RESULTADOS
Perfil das enfermeiras
O grupo-pesquisador foi instituído por 7 enfermeiras, com tempo de graduaçãoentre 9 e 29 anos de formadas e atuação no cenário entre 4 e 17 anos ininterruptos. A relação entre tempo de formação e atuação em saúde mental mostrou-se estreita, cinco enfermeiras (71,42%) com menos de cinco anos de formadas já atuavam na área, e duas (28,58%) tiveram um intervalo maior, inserindo-se na área de saúde mental após quatorze anos de formadas.
No que tange a titulação, quatro (57,14%) são mestres, e dessas uma cursa o doutorado, e três (42,86%) são especialistas em saúde mental.
Categorias de Análise
Os dados analisadosapresentam-se nas seguintescategorias: 1) o poder reduzir-se no cuidado; 2) o poder mobilizar-se no cuidado; 3) o poder desenvolver-se no cuidado.
O poder reduzir-se no cuidado
A discussão proveniente da experimentação inicia voltada para o que as enfermeiras não fazem, suas ausências e indisponibilidades: o que a gente disser que é importante para o cuidado a gente vai ter que fazer na enfermaria? Porque fiz uma lista, mas, não quero fazer não! Acho importante ter oficina de desenho, jogos, pintura, festas, música, crochê. Não que eu vá fazer, mas, identifico como necessário devido a ociosidade (E-6). Dando continuidade a essa lógica do ócio surge: a enfermaria parece The WalkingDead, um bando de zumbis andando de um lado para o outro sem ter o que fazer (E-7).
Incentivadas a falarem sobre o cuidado exprimiram a função do hospital psiquiátrico caracterizada na conversa a seguir: o hospital psiquiátrico é diferente dos outros hospitais. Quando cheguei aqui tinha salão de beleza na enfermaria, como era bom! (E-7). Outra enfermeira responde fazendo referência ao serviço substitutivo da própria instituição: mas tem salão no hospital dia, é só levar os pacientes (E-1). E prontamente outras dizem: euacho que tem que ter dentro da enfermaria! Tem que ter tudo lá dentro, jogos, brincadeiras, bichos, música (E-6, E-7).
Na sequência da conversa sobre cuidado emerge: na psiquiatria o paciente parece um ping-pong (jogo), vai e volta do mesmo jeito, cuidar não adianta muito (E-3). É sim, na psiquiatria a gente só enxuga gelo (E-6). A enfermaria precisa de outros profissionais, como o terapeuta ocupacional. Eu não sou criativa! Não sei fazer nada! (E-3). Sem espaço, material e profissionais não dá para cuidar. Precisa de terapeuta ocupacional, psicólogo, professor de educação física. O que mais tem aqui é ociosidade! (E-7). Enfermaria é todo dia a mesma coisa, durante anos me perguntei o que faço aqui, eu não me sinto produtiva. Nada do que tem aqui me encaixo, não sei fazer nada! (E-5).
O poder mobilizar-se no cuidado
A medida que avançam no diálogo, criticam a própria narrativa apriorística sobre cuidado: vocês estão trabalhando com a noção de cura, e não de cuidado. Precisam descobrir o que é importante para o paciente. As vezes fazer a unha não é importante, tomar banho não é... o que é importante para ele? (E-1). A mesma enfermeira persiste: o cuidado é um movimento com o outro. Cuidar é também possibilitar experimentação. Utilizo muito a escuta como ferramenta, levo o paciente para o consultório e atendo (E-1).
Me espalhei pelos elementos ofertados, porque o cuidado não está dado, não está pronto. Acendi um incenso para me inspirar e exalar novas possibilidades de cuidar, utilizei o esmalte porque por vezes ajuda a acessar pessoas mais difíceis, usei o crochê também (E-4). Nesse sentido outra diz: de olho fechado eu peguei um esmalte que me remeteu a autoestima, ao autocuidado[...]sai do setting. (E-2). Sair do setting... cortar o cabelo, a unha..., como as coisas aparecem de outro jeito (E-4). Não imaginava a sensação de mexer na argila...não queria mais parar (E-1).
O poder desenvolver-se no cuidado
Os relatos sobre as produções artísticasapresentam-se imbuídos da surpresa com a experimentação: a gente podia fazer isso mais vezes, foi importante estarmos juntas para pensar o cuidado (E-1). Pontuam aquilo que puderam imaginar e produzir, E-5 explicando a história em quadrinhos diz: eu não sabia o que pensar sobre cuidado, eu não sei conversar com os pacientes. Ai, vendo a bacia com água lembrei da chuva, que me levou para casa, ficar deitada fazendo o que gosto ... gosto de ler. Será que poderia ler gibis com eles?
Com a imagem que alude ao sol, mar e rocha, anunciam o que podem criar atravessando os limites da instituição: na enfermaria é tudo igual, o mesmo uniforme, a mesma comida. Ai a gente vai para a praia, encontra com a fluidez, a água batendo na rocha...Isso mostra que aqui também é dinâmico! (E-2).
E-4 dizque cuidar também é possibilitar experimentação, pois, a arte é uma forma de se expressar , e que sua produção, fazendo menção a prática esportiva, representava como poderia se movimentar na direção do cuidado.
DISCUSSÃO
Ao caracterizarem o ócio como marco do hospital psiquiátrico, indiretamente as enfermeiras desvelaram o seu distanciamento das pessoas, e, consequentemente do cuidado, nos permitindo indagar o papel atribuído a internação, e, a depender desse, o surgimento das variações do cuidado e função social do enfermeiro.
Estudos que referem pacientes institucionalizados entregues a perambular pelo hospital, num estado de ociosa indignidade, pontuam que a inclusão do objeto não é a inclusão do sujeito, assim, as oficinas terapêuticas precisam de extrema elaboração para que sirvam como dispositivo de reabilitação psicossocial18 .
Asnarrativas indicam o caráter das oficinas propostas estritamente atrelado ao ócio, corroborando que o modelo biomédico e manicomial não tem sido colocado em questão19 , as enfermeiras ao não identificarem as demandas de cuidado estão utilizando lentes cultural e historicamente estigmatizadas pela loucura, e, posto que ser enfermeiro relaciona-se intimamente à capacidade acurada de observação, exigindo tomada de decisão, criticidade e sensibilidade20 , a situação atual dos sistemas de saúde mental sugere que esta condição continua a ser um desafio central que requer inovação e esforço compartilhado21 .
Visto que muitas vezes a saúde mental é relegada a um foco menor das discussões sobre atenção à saúde22 , não está dado a direção, durante a internação, da pessoa cuidada ser vista como protagonista, detentor de vida com todos os aspectos de sua complexidade: moradia, trabalho, família, interagindo com fatores determinantes do processo saúde-doença20 . Ampliar o acesso aos cuidados de forma sensível às suas lutas e necessidades cotidianas de vida, abordando as questões referentes a plena cidadania21 , mantém-se como desafio.
As inquietações e estranhamentos às características do hospital psiquiátrico evidenciam crítica elementar para que possamos propor cuidar pela via da singularização, atendendo ao paradigma da Atenção Psicossocial, que desvela críticas ao modelo asilar, excludente, e assume o desafio da desinstitucionalização, de promover dignidade, respeito e garantia de direitos às pessoas portadoras de transtornos psiquiátricos como cidadãos23 .
Conquanto temos quase um paradoxo, pois, Collièredisse que a profissionalização da enfermeira se deu pautada na preocupação de circunscreve-la a um papel15 , logo, espalhar-se no cuidado intermediado por afazeres não técnicos da categoria pode ser uma dificuldade para alguns, pois, a formação da identidade profissional na graduação não é contemplada pelos afazeres apontados pelas enfermeiras. A autora diz ainda que ao fazer da doença o objeto dos cuidados, a enfermeira aproximou-se de uma habilidade técnica, de uma precisão de gestos e da organização de tarefas15 .
Pressupostos teóricos que suscitam a indagação: seria o fato de não identificarem com clareza uma tarefa técnica da enfermagem, a razão para as enfermeiras se distanciarem do cuidado a pessoa internada no hospital psiquiátrico? E, ao não vislumbrarem o cuidado, manifestarem desesperança a situação clínica? O deslocamento sugerido tratar-se-ia da potencialização do sensível24 , havendo que se reinventar o cuidado, cuidados que promovam vida15 , a despeito da especificidade técnica?
Dito que o campo de competência da enfermagem ocupa um lugar intermediário entre o cuidar e o tratar, o que pode compreender-se não ser um local fácil de ocupar15 , evidenciado pela descrença e dificuldade expressa de projeção de cuidado. Assim, a questão talvez perpasse pela percepção de práticas cotidianas e não especificamente técnicas, como pintar as unhas e fazer crochê, como dispositivos capazes de subsidiar o encontro enfermeira-cliente, ampliar a potência da construção de uma relação pessoa a pessoa, imprescindível para o estabelecimento de uma relação terapêutica.
As experimentações estéticas parecem cumprir a função de sensibilização das enfermeiras, e, consequentemente ampliar as possibilidades relacionais com o usuário cuidado, dado relevante visto que os serviços psiquiátricos de internação hospitalar permanecem um elemento importante do sistema de cuidados de saúde mental25 .
Quando o grupo se permite afetar e reconhecer as afecções no ato de cuidar, converge com a teoria que as mentes erram ou se enganam, mas não os corpos17 . Após longo tempo observando os elementos materiais ofertados e a afirmativa de desconhecimento da forma como cuidar das pessoas internadas no hospital psiquiátrico, uma enfermeira cria a história em quadrinhos trazida na Imagem 1, e infere que poderia fazer algo que gostasse e quiçá propiciasse uma aproximação com a clientela. Os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição, e integram as experiências racionais, tornando-se conscientes na medida em que são expressos16 , a experimentação ao mesmo tempo em que liberta, gera compromissos, engendrados por um movimento de descoberta e autoconhecimento.
Trata de despertar movimentos adormecidos ou desconhecidos, a manifestação do improviso e criação, a sensibilização para transcendermos os limites12 . Frente a carência de um programa que ampare as ações da enfermagem no hospital psiquiátrico, vislumbramos, pela experimentação estética, possibilidades dantes não suscitadas.
Disponíveis ao encontro com a pessoa cuidada a enfermagem poderia ocupar-se do estreitamento dos internados com seus territórios, realização de visitas domiciliares, atendimentos aos familiares, participação nas discussões de caso nos serviços de base territorial, oficinas terapêuticas que potencializem o autoconhecimento e criatividade, uma diversidade de ações sob a égide da atenção psicossocial. Vimos o despertar da essência das enfermeiras ampliando a própria utilização dos seus corpos como mediadores de cuidado.
Apresenta-se como limitação do estudo os sujeitos terem se restringido as enfermeiras e não investigado as considerações das pessoas internadas sobre o cuidado. Presume-se considerável potencial de propagação dos dados para outros cenários hospitalares, haja visto a inexistência de uma diretriz para as ações dos enfermeiros nesses espaços.
As implicações para a prática clínica pautam-se na (re) afirmação do hospital como espaço limitador a oferta de cuidado, a despeito dos avanços no campo da atenção psicossocial e vasta literatura sobre o cuidar das pessoas em sofrimento psíquico, assim como a premência de qualificação do enfermeiro à luz da atenção psicossocial ao discutir novas possibilidades de cuidar em enfermagem com deslocamento da noção de cuidado baseado na relação sujeito-objeto para a relação sujeito-sujeito.
CONCLUSÕES
A experimentação estética favoreceu o encontro das enfermeiras com o que imaginam ser o cuidado, ainda que atravessadas por barreiras para executá-lo. Os desafios frente a prática de cuidar das pessoas internadas no hospital psiquiátricocircunscrevem a dificuldade de delimitação do que seja cuidado.
As enfermeiras demonstraram preocupação com o cuidado à pessoa internada, contudo, não se observou a influência da perspectiva da clínica ampliada sobre as práticas cotidianas do enfermeiro.
As experimentações estéticas funcionaram como um dispositivo disparador de sensibilidade, possibilitando as enfermeiras o estranhamento ao status quo, assim, s ugerimos a prática de experimentações sensíveis, críticas, criativas, estéticas, nos espaços hospitalares. Promovidas junto as enfermeiras por ocasião desse estudo colaboraram para sensibilizá-las para uma forma mais criativa e potente de cuidar, podendo ser utilizadas em novos processos de educação permanente.