INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, que atinge principalmente os pulmões e pode comprometer outros órgãos e sistemas. A forma pulmonar é a mais frequente e apresenta maior preocupação para a saúde pública, pois é a responsável pela disseminação da doença1.
Diante do cenário no século XXI e mesmo com todos os avanços para o controle das doenças transmissíveis, a TB ainda persiste como um sério problema de saúde pública por representar uma das principais causas de mortalidade e morbidade no mundo2.
O Brasil ocupa a 18ª posição e representa 0,9% dos casos estimados de TB no mundo e 33% dos casos estimados para as Américas. Houve uma queda na incidência de casos da doença em 20,2%, passando no ano de 2006 de 38,7 casos/100 mil habitantes para 30,9 casos/100 mil habitantes em 2015. Com relação à taxa de mortalidade, em 2004 foram registrados 2,6 óbitos para cada 100 mil habitantes, em 2014 esse número foi reduzido para 2,2. O número de casos novos nos últimos 10 anos diminuiu cerca de 12,5%3. No estado da Paraíba, Brasil, foram notificados 382 casos de TB em 2016 segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)4.Em 2017, O Brasil apresentava cerca de 74,1% dos casos diagnosticados curados laboratorialmente e índices de abandono de 11,3%. Na Paraíba o coeficiente de incidência da doença foi de 27,5 casos novos em 20185.
As estratégias usadas para controlar a TB são relevantes, mas muitas vezes ineficazes. Associa-se a essa situação as falhas no programa de controle da doença, que resultam em abandonos terapêuticos, uso incorreto dos medicamentos, tratamento demorado, resistência para o comparecimento às unidades de saúde e a não aceitação da doença. Assim, mesmo com os avanços que evidenciam sua cura, ela é marcada por estigmas, tabus e crenças que afetam as pessoas pelos sinais e sintomas e pela possibilidade de vivenciarem preconceitos6.
Discussões presentes na literatura apontam que a TB ainda é temida por estar relacionada a algo que é socialmente digno de censura, persistindo no imaginário social a estigmatização da doença e do indivíduo acometido7.
Nessa perspectiva, emerge o conceito de Representações Sociais (RS) enquanto senso comum, imagens, concepções, visões de mundo e ideias que os sujeitos manifestam sobre a realidade8. Os sujeitos acometidos pela TB manifestam RS influenciadas pela memória social da doença e ancoradas em informações que circulam na sociedade como pano de fundo, que possuem sentimentos e imagens significativamente relacionados à vergonha, ao preconceito, ao medo e à morte, que são perpetuados pelas gerações e dando origem ao estigma que cerca a TB9.
Dessa forma, as influências internas e externas podem trazer prejuízos para saúde da população, sendo conveniente desenvolver pesquisas que auxiliem no controle do agravo, trazendo contribuições para o conhecimento das causas da baixa adesão ao tratamento da TB, assim como para auxiliar na compreensão de que a TB se integra à vida das pessoas, não compreendendo apenas uma doença física10. Ademais, faz-se relevante o seu desenvolvimento em contexto brasileiro sobretudo devido ao país ainda não ter alcançado as metas mundiais estabelecidas pelo PNCT, como a cura de 85% dos bacilíferos e taxa de abandono de no máximo 5%.
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi analisar as representações sociais dos sujeitos acometidos pela TB acerca da vivência do preconceito e estigma atrelados à doença. A questão norteadora do estudo foi: “Como os sujeitos diagnosticados com TB vivenciam os aspectos relacionados ao estigma social atrelado à doença?”
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa foi conduzida por uma pesquisadora do sexo feminino e consiste em um estudo extraído do trabalho de conclusão de curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande, no Centro de Formação de Professores, campus de Cajazeiras- Paraíba, intitulado “Estigma, preconceito e adesão ao tratamento: representações sociais de pessoas com tuberculose”. A primeira experiência da pesquisadora com o tema foi durante as aulas da disciplina de Enfermagem Cínica I, componente curricular do curso supramencionado.
A abordagem metodológica utilizada foi o estudo de campo de natureza descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa, à luz da Teoria das Representações Sociais sob a ótica dialética marxista proposta por Minayo. Nessa perspectiva, as RS se manifestam através de condutas, podendo ser institucionalizadas, e podem e devem, dessa forma, ser analisadas mediante compreensão dos comportamentos e das estruturas sociais8.
As RS, nesse sentido, não são necessariamente conscientes, e atravessam o conjunto da sociedade ou de grupos sociais particulares, como algo anterior e habitual, que se reproduz e se transforma através das estruturas e das relações grupais e coletivas. Sob a análise de Marx, se as RS se encontram atreladas ao real, o seu estudo e análise são um dado sobre o real, que informam acerca da base material na qual se move determinado grupo social8.
Os lócus da pesquisa foram as Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Cajazeiras, município situado na região oeste da Paraíba. A população do estudo foi composta por indivíduos notificados com TB, residentes em Cajazeiras – PB. Como a pesquisa é de cunho qualitativo, não houve cálculo amostral prévio, sendo realizadas entrevistas até a saturação teórica dos resultados, ideias e sentidos11. Sete indivíduos participaram do estudo. Todos os selecionados, por livre e espontânea vontade, aceitaram participar da pesquisa. Não houve desistências de nenhum participante do estudo durante todo o seu percurso.
Os critérios de inclusão foram: Ser maior de 18 anos, residir em Cajazeiras, ter sido notificado e diagnosticado laboratorialmente com TB, estar em tratamento ou ter iniciado algum esquema terapêutico para TB e possuir função cognitiva preservada. Foram excluídos da pesquisa os indivíduos que não se enquadraram nestes critérios de inclusão.
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas no período de janeiro e fevereiro de 2017. Foi realizada pessoalmente uma abordagem inicial aos participantes na qual foi apresentado o conteúdo da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O instrumento de coleta de dados foi organizado em duas partes: identificação dos entrevistados e as representações da TB, composta por questões subjetivas, para obtenção dos relatos sobre a doença. As entrevistas foram realizadas nas casas dos entrevistados e nas Unidades de Saúde da Família, com a presença apenas da pesquisadora e do participante durante a coleta de dados, que foi gravada em um gravador de voz, com autorização formal dos participantes e posteriormente transcritas na íntegra. A duração média de cada uma foi de 35 minutos. A análise dos dados foi efetuada com base na análise de conteúdo temática, segundo Bardin, que consiste nas seguintes etapas: Pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos e interpretação12.
Após a etapa de pré-análise dos dados, em que se realizou a leitura flutuante, a constituição do corpus e a preparação do material coletado, sua exploração possibilitou formular cinco categorias por critério semântico (categorias temáticas). As categorias reúnem unidades de registro com características comuns sob um título genérico, e a categorização permitiu classificar os elementos constituintes de uma classe por diferenciação e, posteriormente, por reagrupamento segundo gênero (analogia), a partir de critérios pré-estabelecidos12. Considerou-se como critério as falas que respondiam à questão norteadora, a partir das quais emergiram os temas estigma, preconceito e adesão ao tratamento.
A pesquisa respeitou a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O presente estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), obtendo número de CAAE: 62594616.6.0000.5182.
RESULTADOS
De acordo com a questão norteadora da pesquisa: “Como os sujeitos diagnosticados com TB vivenciam os aspectos relacionados ao estigma social atrelado à doença?”, foram construídas cinco categorias de análise, sendo elas: Categoria 1 - Vivendo com a tuberculose: Concepções sobre a doença; Categoria 2 - O contexto familiar e social; Categoria 3 - A dor que mais dói: O afastamento; Categoria 4 - O tratamento e suas dimensões particulares; Categoria 5 - O (des)apoio dos serviços de saúde.
Categoria 1 – Vivendo com a tuberculose: concepções sobre a doença
Foi evidenciada a percepção dos indivíduos acerca de estar com TB, trazendo à tona concepções, sentimentos e experiências. Nela, emergiram algumas unidades temáticas: Relacionada ao senso comum; Associada a uma fase de reconhecimento de si; Atrelada à incapacidade física/sentimento de tristeza.
Com relação ao conhecimento sobre as causas da doença, muitas pessoas desconhecem a verdadeira etiologia e prevalece o senso comum, como presente nos relatos:
Essa doença foi transmitida por falta de alimentação...Ela acontece depois de uma gripe mal curada... (Sujeito 2)
Eu busquei me informar o que era pneumonia, se ela poderia se agravar e causar a tuberculose... (Sujeito 4)
Eu nunca imaginei que isso fosse dar em mim ou em alguém da minha idade, eu pensava que dava sempre em gente mais velha... (Sujeito 7)
A percepção do momento da doença como uma oportunidade de reconhecimento próprio e superação mostrou que algumas pessoas procuram forças e formas de resistência e resiliência, apesar dos transtornos vividos, como pode se observar na seguinte fala:
Pra mim a tuberculose está sendo como uma fase de reconhecimento ao próprio corpo e superação, sabe... A tuberculose foi uma fase é... de surpresa, assim... Que a gente pensava que não ia suportar aquilo, por causa das dores, mas depois virou superação... (Sujeito 4)
Como descrito no discurso, sinais e sintomas desencadeados pela TB influenciam como o sujeito se percebe diante da sociedade.
O sentimento de intensa tristeza aparece nas falas dos sujeitos que experienciaram a doença, na maioria das vezes associado à sensação de impotência e incapacidade de realizar as suas atividades laborais, como pode ser visualizado nas falas a seguir:
Assim, sobre o que eu tô sentindo? para mim é muito horrível, é Ave Maria! Uma pessoa nunca queira ter, o cabra entrar num negócio desse que é horrível demais... (Sujeito 1)
É uma doença muito triste, muito triste, Deus me livre! Foi pior do que eu ter quebrado essa perna, eu já sofri um acidente e quebrei essa perna, mas era daqui para aqui que doía... mas eu lavava louça, lavava a casa, pulando com uma muleta... Lavava roupa e agora eu não estou conseguindo fazer mais nada com tanta dor nas costelas, nas costas, com falta de ar, tonta... (Sujeito 3).
Todos os entrevistados verbalizaram sentimentos negativos ao falar sobre a doença, e, ainda, o preconceito por carregarem o rótulo do agravo mesmo depois da cura. Relatam que se sentem incapazes por dependerem de outras pessoas para desenvolver atividades consideradas básicas.
Categoria 2 - O contexto familiar e social
Esta categoria foi construída tendo em vista a importância do apoio familiar e social no decorrer do tratamento. Com base nos discursos, surgiu a seguinte unidade temática: A família enquanto porto seguro.
Quando se trata do núcleo familiar, ficou evidente que a forma como seus íntimos os acolhem e encaram o problema junto a eles, com toda atenção e cuidado, os encorajaram deixando-os mais fortes e seguros para seguir com o tratamento, como se observa nos relatos:
Eles [os familiares] ficaram muito preocupados, disseram que eu tomasse a medicação correta, ‘se’ alimentasse bem, sempre me deram orientação, me deram força... (Sujeito 2).
A minha família ‘tava’ apoiando porque queriam que eu vivesse, que eu sobrevivesse. Aí eu comecei a reagir contra a doença e fui buscar o tratamento... (Sujeito 5)
A família é referência de cuidado em saúde e influencia significativamente nas escolhas do sujeito com relação ao seu processo saúde/doença.
A influência psicológica interfere no comportamento das pessoas e a atenção familiar é considerada relevante nessa magnitude, quando bem representada. A forma como os indivíduos reagem a determinadas situações dependem da capacidade individual de cada um e das influências externas, como pode ser visto no trecho a seguir:
Você tem que ter resistência, mas se você não tiver apoio de quem gosta de você, da família e amigos... você fica bastante fraca, porque o seu psicológico ‘mexe’ muito com você... (Sujeito 4)
Diante das inúmeras situações vivenciadas com a doença, o indivíduo apresenta pensamentos que o levam a perder o estímulo de viver. A influência psicológica é importante, pois quando analisada nos relatos, evidencia a forma como os sujeitos lidam com novas experiências e questões desafiadoras, enfatizando a necessidade do apoio familiar.
Categoria 3 - A dor que mais dói: o afastamento
Nesta categoria, emergiram as seguintes unidades temáticas: A rejeição por medo do contágio; O silêncio do diagnóstico e Preconceito/autossegregação.
Quando questionados, os participantes da pesquisa relataram o afastamento daqueles que estavam em seu convívio social e que, ao saberem da fragilidade enfrentada, logo romperam o contato por medo de serem contaminados, assim como demonstrado nas falas a seguir:
[Preconceito] é o afastamento das pessoas, o medo das pessoas de ‘pegar’ a doença... (Sujeito 3)
Você fica assim... Com medo de contagiar as pessoas também, você fica meio que querendo, necessitando de carinho, de abraço, mas você percebe que tanto você tem certo receio de chegar e pedir aquilo a alguém, como você já sabe, já sente que aquela pessoa não vai te dar, pois o medo dela é bem maior que o seu... (Sujeito 4)
A pior coisa é a pessoa precisar de outra e ela não querer ajudar, ter medo de chegar perto da pessoa... Você precisar de uma pessoa e ela não querer lhe ajudar com medo de você... (Sujeito 7)
Deste modo, o afastamento de pessoas pela TB ocorre em consequência do medo de adquirirem a doença durante todo tratamento, havendo a necessidade de um olhar mais crítico sobre o sujeito, ultrapassando as definições clínicas e desvelando a noção de contágio, de afastamento, de isolamento e de discriminação, presentes nos discursos dos entrevistados.
A negação acerca do diagnóstico por vezes representa uma maneira de esquivar-se das ideações negativas e de atitudes desagradáveis. Portanto, os pacientes preferem omitir o seu diagnóstico, como é descrito na seguinte fala:
Não vou dizer a ninguém não, se não o povo não compra mais nem os DVD’s com medo, porque o povo diz logo: Não, isso pega! Vou nada naquela casa, senão eu vou pegar aquela doença... É mentira! Ela tá dizendo que não pega, mas pega... (Sujeito 3)
Os sujeitos evitam que seus vizinhos saibam do diagnóstico de TB por vergonha e medo, para evitar comentários que afetem a sua saúde física e emocional. Os relatos dos participantes demonstram a necessidade de investimento na educação em saúde sobre o contágio, visando evitar a discriminação.
A segregação é vivenciada por pessoas do convívio social e pelos próprios sujeitos que apresentam a doença. Quando questionados sobre os cuidados e sua importância para a situação clínica, relataram o medo de contagiar as pessoas, evidenciado pelo cuidado excessivo e isolamento fora do período de risco de transmissibilidade, após a condução do tratamento.
Você fica assim... Com medo de contagiar as pessoas também... (Sujeito 6)
Porque não ‘tô’ transmitindo doença pros outros e ‘tô’ fazendo o melhor pra mim e tudo, os outros não vão pegar essa doença de mim... (Sujeito 5)
Eu no início eu buscava... Assim, porque o médico falou que mais ou menos de 15 até 20 dias no período do início da doença eu não podia ter muita proximidade com as pessoas, então eu cheguei a passar até mais, quase dois meses para ter contato físico com alguém... (Sujeito 1)
Nota-se que a doença ainda traz impacto para a rede social e familiar dos indivíduos e reduz autoestima destes.
Categoria 4 - O tratamento e suas dimensões particulares
Nesta categoria, é abordada a visão dos participantes sobre o tratamento e a importância para a própria saúde e a dos outros, como foi observado que a adesão ao tratamento sofre influências de ações internas e externas. As unidades temáticas que emergiram nesta categoria foram: O seguimento do plano medicamentoso, mesmo diante do preconceito e o preconceito como fator de baixa adesão.
Os indivíduos reagem de formas diferentes a determinadas situações e o preconceito aqui mencionado não interferiu na qualidade de vida nem na adesão ao tratamento para alguns entrevistados, que verbalizaram que essa interferência depende da determinação de cada um e conforme eles absorvem opiniões de terceiros, como exposto abaixo:
Para mim [o preconceito] não interferiu em nada não. Continuei seguindo o meu tratamento e vou seguir até o fim, se Deus quiser! (Sujeito 1)
Não, eu acho que o preconceito não atrapalha não. Depende da pessoa também, né!? Quando as pessoas se afastaram eu continuei firme e forte. Mas tem pessoas que ‘é’ fraca... (Sujeito 2)
Se a pessoa tiver muita força de vontade, não atrapalha o tratamento. Mas se a pessoa for daquela pessoa que for pelo que os outros ‘ver’, pelo que os outros pensam aí sim. Mas se for uma pessoa que esteja determinada a ficar boa e bem, não deixa atrapalhar não... (Sujeito 7)
Apesar do preconceito vivenciado, constata-se que alguns indivíduos encontram caminhos para chegar aos seus objetivos, contornando as implicações do estigma social para a adesão ao tratamento, prejudicial em vários sentidos.
Em outras situações, o preconceito foi visto como fator chave na interferência do tratamento, levando os sujeitos a duvidarem da conduta seguida, a questionarem sobre o valor da vida e abandonarem o tratamento, cessando a ingestão medicamentosa, como foram identificados nos relatos abaixo:
Ele [o preconceito] faz você se sentir inútil e quando você se sente uma pessoa inútil, você se acha inválida, você se acha sem valor e isso faz com que você fraqueje, faz com que você não queira continuar o tratamento, que você não queira mais prolongar aquilo... (Sujeito 4)
As pessoas diziam: Aquele do moto taxi que fica perto dos outros, não vá andar com aquela pessoa, que ela tá doente... Então na minha cabeça eu coloquei que ‘tava’ recuperado e parei de tomar os medicamentos, aí fiquei mal de novo... (Sujeito 5)
Verifica-se, nestes discursos, o forte impacto que o estigma social apresenta aos indivíduos com TB, prejudicando a manutenção do regime terapêutico e, consequentemente, implicando no desfecho dos casos.
Categoria 5 - O (des) apoio dos serviços de saúde
O apoio dos serviços de saúde configura ferramenta fundamental para a adesão ao tratamento, já que os profissionais são referências para os sujeitos. Assim, surgiram como unidades temáticas: O braço forte dos serviços de saúde e O mesmo que orienta é o mesmo que discrimina.
O profissional de saúde inserido na Estratégia Saúde da Família (ESF) representa para os enfermos uma expectativa de cura e quando se trata de patologias infectocontagiosas essa expectativa é maior, pois os indivíduos esperam uma atenção minuciosa que os tranquilizem e encorajem para os cuidados de saúde. As declarações abaixo demonstram como o apoio das equipes de saúde de forma qualificada e resolutiva são relevantes:
Foi a enfermeira do posto, foi ela que me orientou muito bem... (Sujeito 2)
Tive todos os cuidados, fiquei boa rápido... A equipe do posto de saúde cuidou muito bem de mim... (Sujeito 6)
O tratamento me ajudou muito. No começo eu não quis aceitar, mas do meio ‘pro’ fim, aceitei. Graças a Deus eu tive muito apoio da equipe, assim... Nada é perfeito, tem algumas falhas, mas não tenho o que reclamar não... (Sujeito 7)
Constata-se o valor inequívoco do vínculo que pode ser estabelecido entre o serviço de saúde e o paciente a partir da realização do Tratamento Diretamente Observado (TDO) da TB, que permite uma maior aproximação entre o ator social e os profissionais de saúde, e, consequentemente, um acolhimento às suas demandas, dúvidas e anseios que proporciona um atendimento humanizado capaz de sensibilizar o indivíduo doente quanto à importância da manutenção do tratamento e do acompanhamento do caso.
A TB é um assunto bastante discutido nas literaturas científicas, bem como nos cursos de graduação, porém existem fragilidades ligadas à assistência que revelam práticas de preconceito e estigma por parte dos profissionais, como evidenciado nos relatos abaixo:
Eu acho que não precisava daquilo não, e foi até gente do posto mesmo que discriminava a gente por ter a doença... (Sujeito 4)
Quando eu cheguei na UPA as enfermeiras já ficaram dizendo as coisas... elas ficavam xingando: “Como é que uma pessoa diz que essa doença não pega...”, aí eu disse: “Não mulher, não pega não! Não pega porque eu já estou em tratamento e a médica disse e os médicos ‘disse’ que não pegava mais”. Mas eu vi que elas ficaram xingando assim, eu olhei para trás... ficaram tudo né, comentando... Ai meu Deus, para ser enfermeira, né? Deveria agir diferente... (Sujeito 1)
Quando eu fiquei internada, a mulher que limpava o quarto no hospital passou 5 dias sem limpar, sem fazer a limpeza do quarto. Toda comida que vinha, eu vomitava quando eu comia ou se não eu não aguentava nem abrir eu já deixava lá e ia pro lixo... Quando minha mãe chegou de uns 5 a 8 dias que ela tinha ido, quando ela chegou ela sentiu o mal cheiro daquele quarto. Minha mãe foi falar com a enfermeira chefe e a enfermeira disse que ela ia mandar limpar e chegou me perguntando: “Ei, mas tu ainda tem perigo de transmitir?” Ai eu disse: “Tem mais não!”, aí ela disse: “Tem certeza?”... (Sujeito 7)
Percebe-se, nessa perspectiva, uma incipiência de saberes e uma ausência de ética profissional e de humanização por parte dos profissionais de saúde, que deveriam cuidar dos pacientes com integralidade, o que envolve, também, o conhecimento acerca das condições de saúde dos indivíduos sob seus cuidados, o que permitiria o esclarecimento de pré-julgamentos e de estigmas e evitaria posicionamentos equivocados que acarretam sentimentos desagradáveis nos pacientes.
DISCUSSÃO
Outros estudos presentes na literatura discutiram o papel do estigma e do preconceito como processos que dificultam à adesão do indivíduo acometido por TB ao tratamento13-14. Devido a esses aspectos, o indivíduo acometido pela doença passa a estranhar-se e a suas identidades anteriores, em um procedimento de fusão da posição-sujeito paciente/doente/contagioso15.
Sobre as formas de conhecimento e da construção dos saberes sobre a TB, os pacientes e familiares os vivenciam no decorrer da instalação da doença e durante o tratamento, bem como dos conhecimentos escolares e através de informes em campanhas municipais16.
Deste modo, o conhecimento configura-se como uma arma eficaz para a formulação de políticas de saúde efetivas, promovendo o controle da doença na Atenção Primária à Saúde. Portanto, torna-se indispensável sensibilizar os indivíduos quanto à enfermidade e suas particularidades17.
A sensação de fraqueza e a possibilidade de morte proporcionam o reconhecimento ao próprio corpo e um sentimento de superação. Assim, a continuidade do tratamento está atrelada à maneira como o paciente passa a visualizar a si mesmo e suas identidades anteriores, passando a reagir às situações desagradáveis18.
O paciente que realiza o tratamento da TB relata que este percurso lhe traz tristeza e insatisfação, incerteza da vida e a possibilidade de morrer pelo abandono do tratamento também lhe cercam. O agravo, porém, desencadeia outros transtornos como a depressão crônica e a dor psicológica19-20.
Segundo a Política Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) para a Atenção Primária é importante considerar a atuação dos serviços incluindo a família na assistência à saúde. Assim, o controle da TB deve estar focado no indivíduo, na família e na comunidade, para alcançar avanços no planejamento e desenvolvimento do tratamento21. O papel da família é, inclusive, destacado como primordial para adesão do indivíduo ao tratamento da TB22.
O preconceito e a discriminação para com os pacientes acometidos pela TB são pontos negativos para o controle da doença, bem como levam à ruptura de relações sociais pelo medo de sua transmissão e ainda pelas recidivas serem tão frequentes, levando os comunicantes a desacreditarem na sua cura e assim, os impedindo de ter gestos solidários23. A presença de estigma, mesmo que de forma sutil, compromete, ainda, a aderência do paciente ao tratamento da TB24. A segregação e a discriminação também impedem a prestação de cuidados de saúde25.
Assim, o estigma possui características intrínsecas ao sujeito e isso os leva a apresentar atitudes negativas e discriminatórias. A omissão do diagnóstico, no entanto, remete ao medo da exclusão social. O temor de represálias é um fator alusivo para a negação da patologia, levando-os a retardar o início do tratamento e/ou abandoná-lo26.
As mudanças no meio social do indivíduo com TB são perceptíveis e decorrem do preconceito de outras pessoas e dele próprio, em virtude da enfermidade. Assim, os profissionais de saúde devem discutir sobre questões relacionadas às atitudes e crenças sobre o preconceito para com esses sujeitos18.
O estigma e a discriminação são fatores que contribuem, ainda, para a baixa adesão ao tratamento, e dentre essas condições está o atraso do comparecimento do indivíduo às consultas, ocasionando, assim, maiores prejuízos à saúde do paciente e de outras pessoas na comunidade27.
Desse modo, ao se realizar o Tratamento Diretamente Observado (TDO), cria-se um vínculo entre os pacientes e profissionais, que favorece o compromisso com tratamento e reduz o abandono. Esse tipo de conduta desenvolve um sentimento de valorização dos pacientes por eles se sentirem importantes mediante a preocupação dos profissionais da saúde27.O vínculo com os profissionais de saúde é, na perspectiva dos indivíduos acometidos pela TB, a base fundamental para adesão e consecução do tratamento28, sendo considerado também pelos profissionais como de fundamental importância para a adesão e para o não abandono29.
A comunicação qualificada do profissional permite que os pacientes se sintam importantes para sociedade, facilitando a adesão ao tratamento. Todavia, a atenção prestada não deve ser centrada apenas na ingestão medicamentosa, tornando-se prioridade conhecer a pessoa e todo seu contexto. Conversar sobre outros assuntos é uma forma de estabelecer segurança e confiança, identificar necessidades e buscar soluções para diminuir os efeitos colaterais e reações adversas das medicações. Assim, o tratamento supervisionado se configura em um atendimento humanizado estabelecido pelas políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) no âmbito brasileiro18.
Cabe ressaltar, entretanto, que as atividades executadas pelos trabalhadores de saúde são, muitas vezes, mecanicistas e centradas na dispensação de medicamentos apenas, e os profissionais carregam muito preconceito em suas atitudes. Assim, faz-se necessário identificar e fortalecer ações para evitar o abandono do tratamento, realizar o cuidado ao usuário em todas as suas dimensões e elaborar um projeto terapêutico para o paciente, respeitando-o acima de tudo30.
CONCLUSÕES
Os resultados dessa pesquisa apontam a existência do preconceito e do estigma como fatores que promovem sofrimento ao indivíduo acometido por TB, e que interferm na adesão para o tratamento da TB.
O apoio familiar, social e dos profissionais de saúde representam a base para a recuperação do enfermo, porém, existem fragilidades a serem discutidas que interferem na qualidade do tratamento. As influências internas e externas afetam a construção das representações sociais do sujeito, dos profissionais e da comunidade, que se mantém enraizadas a estereótipos construídos ao longo da história, relacionados à TB.
Com relação à desconstrução do estigma e do preconceito atrelados à TB, os profissionais de saúde assumem papel relevante, pois devem orientá-los sobre a importância do diagnóstico precoce, da conclusão do tratamento, do autocuidado, realizando orientações e retirando dúvidas, aprimorar a escuta, identificando sinais de insatisfação que possam ocasionar abandono terapêutico.
O empoderamento dos profissionais de saúde para atuarem na promoção da saúde da sociedade acerca da TB se faz essencial nessa perspectiva, tendo-se em vista que a educação é a ferramenta mais eficaz a ser difundida para provocar mudanças no imaginário social que cerca a doença. Destaca-se, nesse contexto, o papel da enfermagem, tendo-se em vista seu vínculo com a comunidade e o papel de destaque que possui no acompanhamento dos indivíduos acometidos pela TB.
Como limitações do estudo, destaca-se a timidez de alguns participantes em participar das entrevistas, visto que não são desenvolvidos de forma rotineira em suas realidades. Sugere-se o desenvolvimento de pesquisas posteriores que possam contribuir para o avanço do entendimento do imaginário social acerca da TB, que consigam captar os nuances de como se conforma e em que se ancoram o estigma e o preconceito, visando o desenvolvimento de processos de enfrentamento a essas atitudes, tão nocivas para os sujeitos que convivem com a doença.