INTRODUÇÃO
O Aleitamento Materno (AM) é essencial para o crescimento e desenvolvimento adequados do lactente, devido aos seus benefícios nutricionais, imunológicos e ao fácil acesso. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil (MS), o aleitamento materno deve ser exclusivo até os seis meses de idade da criança, com inserção gradativa de alimentos complementares após esse período1,2.
Compreende-se como Aleitamento Materno Exclusivo (AME) quando a criança recebe somente leite materno, direto da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem adição de outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais ou medicamentos2.
No mundo, apenas 35,0% das crianças são amamentadas exclusivamente durante os primeiros quatro meses de vida3. No Brasil, essa prevalência é de 41%, com frequência semelhante na região Nordeste (37%) e mais elevada no município de São Luís - MA (46,7%)4. Evidencia-se que essas prevalências de AME estão aquém da frequência igual ou maior a 50% preconizada pela OMS5.
A interrupção precoce do AME acarreta diversos prejuízos à saúde da criança, relacionando-se ao aumento do risco e frequência de infecções gastrointestinais, doenças respiratórias, alergias, dentre outras doenças6. Esta prática está associada a diversos fatores como maternidade precoce, baixo nível educacional e socioeconômico materno, baixa qualidade da assistência nos serviços de saúde, ausência ou carência de apoio social7, entre outros.
Nas últimas décadas, várias iniciativas têm sido adotadas no âmbito das políticas públicas nacionais de saúde visando à promoção, proteção e apoio à prática do aleitamento materno. No entanto, atingir as frequências ideais de tempo de AME ainda é um desafio8.
Diante do exposto, conhecer o tempo de AME em crianças atendidas nos serviços de Atenção Primária em Saúde (APS) e as causas que podem influenciar a sua prática é importante, de modo a contribuir com o desenvolvimento de ações para a sua promoção, proteção e apoio. “Desse modo, este estudo teve como objetivo verificar os fatores sociodemográficos maternos associados ao AME no binômio mãe-filho menor de 24 meses de idade assistido em Unidades Básicas de Saúde, em São Luís, Maranhão”.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de caráter transversal e descritivo, vinculado à pesquisa “Avaliação nutricional de crianças menores de dois anos de idade e fatores associados ao desmame precoce”, realizado no município de São Luís (MA), pela Universidade Federal do Maranhão.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde 71,2% da população brasileira é cobertura pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS)9, cujo natureza do atendimento é pública. As UBS fazem parte da rede de APS, a qual representa o primeiro nível de acesso do usuário ao SUS e desenvolve ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde10”. O município de São Luís possui 47 Unidades Básicas de Saúde (UBS), abrangendo 40,8% de seu território, com 104 Estratégias de Saúde da Família (ESF)11. As UBS estão distribuídas em sete Distritos Sanitários e desses, quatro foram sorteados para integrarem este estudo. Em seguida, uma UBS de cada Distrito Sanitário foi sorteada com probabilidade proporcional ao número de ESF existentes, totalizando, assim, quatro UBS.
A população investigada constitui-se por 300 binômios mãe-filho menor de 24 meses de idade atendidos mensalmente nas quatro UBS, segundo o Sistema de Informação da Atenção Básica11. Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se o erro de 5% na estimativa, prevalência esperada de 46,7% de AME4, intervalo de confiança de 95% resultando a amostra em 168. A este valor somou-se mais 10% e, considerando-se as possíveis perdas, a amostra resultou em 185 binômios mãe-filho. Uma vez que o número de indivíduos atendidos nas UBS foi distinto, realizou-se a amostragem estratificada em cada unidade.
Participaram deste estudo os binômios mãe-filho menor de 24 meses que foram acompanhados nas UBS. Não foram incluídas crianças menores de 24 meses que se encontravam em AME no momento da pesquisa e àquelas não amamentadas, devido a alguma das contraindicações ao aleitamento materno, tais como: as portadoras de galactosemias e mães com infecção por HIV, HTLV1, HTLV2, herpes, varicela, doença de Chagas, uso de drogas ilícitas e medicamentos incompatíveis com a amamentação2.
Ao longo do estudo ocorreram 22,7% de perdas na amostra, sendo 5,4% por recusa dos entrevistados e 17,3% de formulários com inconsistência nas respostas obtidas. Desse modo, a amostra final resultou em 143 binômios mãe-filho.
Antecedendo a coleta de dados realizou-se um estudo piloto com cinco binômios mãe-filho menor de 24 meses, em uma UBS de São Luís que não fez parte da amostra original. O estudo piloto teve como objetivo avaliar e adequar os instrumentos e a logística da pesquisa.
A coleta de dados foi conduzida por entrevistadoras treinadas com as mães das crianças menores de 24 meses, no período de dezembro de 2015 a julho de 2016. As entrevistas foram realizadas na sala de espera dos ambulatórios das UBS, por meio de sorteio aleatório, selecionando-se uma a cada três mães.
Devido à baixa demanda espontânea de mães de crianças com menos de 24 meses de idade, em duas das UBS, as entrevistas foram conduzidas nos seus domicílios. Para tanto, obteve-se a listagem de atendimento domiciliar dos Agentes Comunitários de Saúde vinculados às UBS, afim de identificar a sua área de cobertura e os endereços das residências. Em seguida, fez-se sorteio aleatório de uma a cada três famílias com crianças na faixa etária de interesse para a condução das entrevistas.
Por meio de um formulário pré-codificado, coletou-se informações para identificação das crianças e das mães entrevistadas, além das condições socioeconômicas, demográficas e a duração do AME, tais como: sexo da criança (masculino e feminino), idade da criança em meses (< 6, 6 a 11 e 12 a 23), cor da pele da criança referida pela mãe (branca, negra e parda), idade materna em anos (≤ 19, 20 a 34 e ≥ 35), escolaridade materna em anos (< 9, 9 a 11, 12 a 15 e ≥ 16), estado civil materno (com e sem companheiro), número de filhos (até 2 e 3 a 5), família beneficiária de programa social (sim e não), tipo de programa social (Programa Bolsa Família, Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, beneficiário de mais de um programa social e outros programas) e duração do aleitamento materno exclusivo em meses (< 6 meses, 6 meses e > 6 meses).
Para a identificação da classe econômica da família dos binômios mãe-filho, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), o qual foi categorizado em A e B; C; D e E12.
A aplicação do segundo bloco do formulário foi conduzida com 75 binômios mãe/filho biológico em interrupção precoce do AME. A opção pela mãe biológica se justifica pelo fato da OMS3 e o MS do Brasil contraindicarem a amamentação cruzada. Essa prática consiste em se oferecer à criança leite humano de outra mulher, sem que o alimento seja submetido ao processo de pasteurização, o que pode desencadear a transmissão de doenças infectocontagiosas à criança13. Desse modo, as mães foram questionadas sobre o tempo (em meses) que mantiveram o AME e considerou-se como a interrupção precoce dessa prática, quando ela ocorreu antes dos seis meses de vida da criança1.
O formulário adotado possibilitou verificar à assistência pré-natal e pós-parto à mulher, intercorrências mamárias, apoio social recebido pela nutriz e uso de artefatos pela criança que dificultam a amamentação. Para tanto, as variáveis e as categorizações adotadas foram: realização do pré-natal (sim e não), número de consultas pré-natais (5 ou menos e 6 ou mais), orientações recebidas durante o pré-natal sobre aleitamento materno (1 a 2 vezes, 3 ou mais vezes e não), sobre o posicionamento da criança (1 a 2 vezes, 3 ou mais vezes e não) e acerca dos cuidados com as mamas (1 a 2 vezes, 3 ou mais vezes e não), número de visitas da equipe de lactação na maternidade (1 a 2 vezes, 3 ou mais vezes e não), problemas nas mamas: mastite, ingurgitamento dor na sucção, fissuras e outros (sim e não), apoio do companheiro (sim e não) e de pessoas do convívio materno para amamentar (mãe, sogra, irmãos, avós e não), uso de mamadeiras (sim e não) e chupetas pelas crianças (sim e não).
A pesquisa que originou este estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Maranhão, de acordo com a resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e sob parecer consubstanciado nº 1.284.451 do ano de 2015. Todas as entrevistadas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados obtidos foram processados no Programa Microsoft Office Excel®, versão 2013 e analisados no software STATA®, versão 12.0. No tratamento estatístico avaliou-se a normalidade das variáveis quantitativas por meio da análise descritiva e do teste de Shapiro Wilk. As variáveis quantitativas com distribuição normal foram apresentadas por meio de média e desvio padrão e as com distribuição não normal, por meio de medianas e percentis.
As variáveis qualitativas foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas e analisadas através do teste do Exato de Fisher. A associação entre as variáveis foi considerada significante quando o valor de p (p-value) foi menor que 0,05.
RESULTADOS
O estudo mostrou que das 143 crianças avaliadas, a maior frequência foi do sexo feminino (56,6%), com idades entre 12 a 23 meses (57,3%), com média etária de 12,4 meses (± 5,9) e com cor da pele parda (65%). Referente às mães predominaram àquelas com idades de 20 a 34 anos (75,5%), com 12 a 15 anos de estudo (61,5%), que tinham companheiro (72,7%) e com até dois filhos (83,9%). Dentre as famílias das crianças, maior proporção pertencia à classe econômica C (65,5%) e eram beneficiárias de algum programa social (80,4%). A maior frequência de mães relatou ser beneficiária de mais de um programa (46,9%), seguido do Programa Nacional de Suplementação da Vitamina A – PNSVA (35,7%). Dentre as crianças avaliadas 33,3% foram amamentadas exclusivamente até os seis meses de vida (Tabela 1).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Sexo (n= 143) | ||
Masculino | 62 | 43.4 |
Feminino | 81 | 56.6 |
Idade (meses) (n= 143) | ||
< 6 | 20 | 14.0 |
6 a 11 | 41 | 28.7 |
12 a 23 | 82 | 57.3 |
Cor da pele da criança (n= 143) | ||
Branca | 42 | 29.4 |
Negra | 8 | 5.6 |
Parda | 93 | 65.0 |
Idade materna (anos) (n= 143) | ||
≤ 19 | 15 | 10.5 |
20 a 34 | 108 | 75.5 |
≥ 35 | 20 | 14.0 |
Anos de estudo materno (anos) (n= 143) | ||
< 9 | 4 | 2.8 |
9 a 11 | 38 | 26.6 |
12 a 15 | 88 | 61.5 |
≥ 16 | 13 | 9.1 |
Estado civil materno (n= 143) | ||
Com companheiro | 104 | 72.7 |
Sem companheiro | 39 | 27.3 |
Número de filhos (n= 143) | ||
Até 2 | 120 | 83.9 |
3 a 5 | 23 | 16.1 |
Classe econômica (n= 142) | ||
A e B | 12 | 8.4 |
C | 93 | 65.5 |
D e | 37 | 26.1 |
Família beneficiária de programa social (n= 143) | ||
Sim | 115 | 80.4 |
Não | 28 | 19.6 |
Tipo de programa social (n= 115) | ||
Programa Bolsa Família | 16 | 13.9 |
Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A | 41 | 35.7 |
Beneficiário de mais de um programa social | 54 | 46.9 |
Outros programas | 4 | 3.5 |
Tempo do aleitamento materno exclusivo (meses) (n= 135) | ||
< 6 meses | 84 | 62.2 |
6 meses | 45 | 33.3 |
> 6 meses | 6 | 4.5 |
Fonte: Elaboração dos autores
Na Tabela 2, pode-se observar que dentre as mães que interromperam precocemente o aleitamento materno exclusivo, 97,3% delas realizaram o pré-natal e destas 76,7% se submeteram a seis ou mais consultas. Durante o pré-natal a maior parcela de mães não recebeu orientações sobre amamentação (52,1%), acerca do posicionamento adequado da criança para ser amamentada (52,8%) e quanto aos cuidados que deveriam ter com as mamas (68,5%). Além disso, 44% das mães não receberam visitas da equipe de lactação durante sua internação na maternidade, 61,3% desenvolveram problemas nas mamas, 66,7% receberam apoio do companheiro durante amamentação e o apoio mais frequente, entre outras pessoas do seu convívio, foi da mãe da nutriz (41,3%). Verificou-se também que o maior segmento das crianças fez uso de mamadeira (66,7%) e não utilizou chupeta durante a amamentação (70,7%).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Pré-natal (n= 75) | ||
Sim | 73 | 97.3 |
Não | 2 | 2.7 |
Número de consultas pré-natais (n= 73) | ||
5 ou menos | 17 | 23.3 |
6 ou mais | 56 | 76.7 |
Orientação sobre Aleitamento Materno (n= 71) | ||
1 a 2 vezes | 19 | 26.8 |
3 ou mais vezes | 15 | 21.1 |
Não | 37 | 52.1 |
Orientação posicionamento da criança na mama (n= 72) | ||
1 a 2 vezes | 19 | 26.4 |
3 ou mais vezes | 15 | 20.8 |
Não | 38 | 52.8 |
Orientação sobre cuidados das mamas (n= 73) | ||
1 a 2 vezes | 13 | 17.8 |
3 ou mais vezes | 10 | 13.7 |
Não | 50 | 68.5 |
Visita da equipe de lactação na maternidade (n= 75) | ||
1 a 2 vezes | 23 | 30.7 |
3 ou mais vezes | 19 | 25.3 |
Não | 33 | 44.0 |
Problemas nas mamas (n= 75) | ||
Sim | 46 | 61.3 |
Não | 29 | 38.7 |
Apoio do companheiro durante a amamentação (n= 75) | ||
Sim | 50 | 66.7 |
Não | 25 | 33.3 |
Apoio de pessoas do convívio materno durante a amamentação (n= 75) | ||
Mãe | 31 | 41.3 |
Sogra | 9 | 12.0 |
Irmãos, avós e outros | 18 | 24.0 |
Não | 17 | 22.7 |
Uso de mamadeira (n= 75) | ||
Sim | 50 | 66.7 |
Não | 25 | 33.3 |
Uso de chupeta (n= 75) | ||
Sim | 22 | 29.3 |
Não | 53 | 70.7 |
Fonte: Elaboração dos autores
A Tabela 3 aponta que houve associação estatística significante entre a variável tempo de AME e a família da criança ser beneficiária de programa social. Observou-se elevada frequência de aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida das crianças dentre as mães que relataram ser beneficiárias de programa social (93,3%) (p-valor= 0,010). Não houve associação estatística significante entre o tempo de AME e as variáveis maternas como: idade anos de estudos, estado civil, número de filhos e classe econômica (p>0,05).
Características | Tempo de Aleitamento Materno Exclusivo | p-valor | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
< 6 meses | 6 meses | > 6 meses | ||||||||||
N | % | n | % | n | % | |||||||
(n= 84) | (n= 45) | (n= 6) | ||||||||||
Idade materna (anos) | 0.134 | |||||||||||
≤ 19 | 11 | 13.1 | 3 | 6.7 | 0 | 0.0 | ||||||
20 a 34 | 66 | 78.6 | 33 | 73.3 | 4 | 66.7 | ||||||
≥ 35 | 7 | 8.3 | 9 | 20.0 | 2 | 33.3 | ||||||
Anos de estudo materno | 0.669 | |||||||||||
< 9 | 4 | 4.8 | 0 | 0.0 | 0 | 0.0 | ||||||
9 a 11 | 23 | 27.4 | 11 | 24.4 | 1 | 16.7 | ||||||
12 a 15 | 51 | 60.7 | 29 | 64.5 | 4 | 66.7 | ||||||
≥ 16 | 6 | 7.1 | 5 | 11.1 | 1 | 16.6 | ||||||
Estado civil materno | 0.293 | |||||||||||
Com companheiro | 57 | 67.9 | 36 | 80.0 | 4 | 66.7 | ||||||
Sem companheiro | 27 | 32.1 | 9 | 20.0 | 2 | 33.3 | ||||||
Número de filhos | 0.566 | |||||||||||
Até 2 | 70 | 83.3 | 40 | 88.9 | 5 | 83.3 | ||||||
3 a 5 | 14 | 16.7 | 5 | 11.1 | 1 | 16.7 | ||||||
Classe econômica | 0.356 | |||||||||||
A e B | 6 | 7.1 | 3 | 6.8 | 2 | 33.3 | ||||||
C | 56 | 66.7 | 30 | 68.2 | 3 | 50.0 | ||||||
D e E | 22 | 26.2 | 11 | 25.0 | 1 | 16.7 | ||||||
Família beneficiária de programa social | 0.010 | |||||||||||
Sim | 66 | 78.6 | 42 | 93.3 | 3 | 50.0 | ||||||
Não | 18 | 21.4 | 3 | 6.7 | 3 | 50.0 |
Fonte: Elaboração dos autores
* Teste Exato de Fisher
DISCUSSÃO
Este estudo apresentou baixa frequência da prática do AME em crianças menores de 24 meses e dentre as famílias das crianças beneficiárias de algum programa social se evidenciou maior tempo de AME.
O tempo de AME obtido nesta pesquisa (33,3%) se assemelhou aos resultados da investigação conduzida com 1814 crianças menores de 24 meses, em Guarapuava (PR), em que os autores observaram 36% de AME14. Contudo, a prevalência encontrada neste estudo ficou abaixo do recomendado pela OMS (50%)5 e foi menor que a prevalência de 42,9% observada em um estudo de coorte realizado no município de São Luís (MA), com 3.306 binômios mãe/lactente menor de 36 meses16.
É reconhecido que a prática do desmame precoce induz à introdução antecipada da alimentação complementar e está associada a oferta de alimentos com baixo conteúdo energético. A alimentação complementar em tempo inoportuno pode ser fator de risco para o desenvolvimento de infecções virais, bacterianas e parasitárias; interferir na absorção de nutrientes e dificultar o desenvolvimento adequado da criança6. Desse modo, a baixa prevalência de AME apresentada nesta pesquisa aponta para a necessidade de se adotar medidas de incentivo a essa prática. Essas ações devem ser difundidas continuamente na rotina dos serviços de APS pelos profissionais e gestores de saúde, visando a maior sensibilização de gestantes, nutrizes e familiares; e, assim, contribuir com o aumento da frequência de crianças amamentadas exclusivamente até os seis meses de vida.
O presente estudo mostrou que a inserção da família das crianças em programas sociais contribuiu para a manutenção do AME até os seis meses de vida. Entretanto, a escassez de pesquisas que relacionaram a duração do AME em crianças beneficiárias de programas sociais, impossibilitou a comparação deste achado com os de outros autores. Pode-se supor que a participação das crianças deste estudo no PNSVA, cuja estratégia é suplementá-las com megadoses de vitamina A; e da sua família no Programa Bolsa Família, o qual abrange a transferência de renda, de outras ações; possa ter contribuído positivamente no maior tempo de AME. Cabe destacar, que ambos os programas são implementados na rotina das UBS e apresentam como medidas educativas o incentivo ao aleitamento materno e promoção da alimentação adequada e saudável. Essas abordagens são socializadas pelas equipes de saúde às gestantes, nutrizes, mães ou responsáveis pelas crianças. Além disso, esses programas contribuem com o acompanhamento regular da saúde das crianças nas UBS16,17.
Destaca-se também que, o governo brasileiro em consonância com a Estratégia Global para Alimentação de Lactentes e Crianças na Primeira Infância3, fomenta o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno e outras ações que visam o apoio, promoção e proteção do AME, tais como: a licença maternidade de 120 dias, a licença paternidade de cinco dias, a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, a Iniciativa Hospital Amigo da Criança8, a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL)18, dentre outras, as quais devem ser implementadas nos diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde. Estas iniciativas, quando implementadas na APS, contribuem também para a melhoria dos indicadores de saúde na primeira infância.
A duração do AME está associada a diversos fatores sociodemográficos maternos como a idade, escolaridade, estado civil, paridade, renda, dentre outros. Pesquisas mostram que mães que possuem experiência prévia em amamentação, com 20 ou mais anos de idade, situação conjugal estável e com escolaridade e renda mais elevadas tendem a manutenção do AME por mais tempo19,20. Por outro lado, às nutrizes mais jovens, primíparas, com menor escolaridade e baixa renda; em decorrência da falta de informação e da menor experiência, aliada a menor ou à inexistência de apoio social durante a amamentação, tendem a interromper o AME precocemente21. Entretanto, no presente estudo não se observou associação estatística significante entre a idade e escolaridade materna; número de filhos, classe econômica e o tempo de AME.
A realização do pré-natal é indispensável no sentido de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento do feto, assim como, a saúde da gestante. Para que este seja considerado satisfatório recomenda-se que a gestante compareça ao mínimo de seis consultas pré-natais e uma no puerpério22. Esta investigação apresentou elevada frequência de mães em interrupção precoce do AME, apesar da grande parcela delas ter realizado o pré-natal e comparecido à seis ou mais consultas. Chama a atenção, que elevada frequência das mães investigadas não recebeu orientações durante o pré-natal acerca da amamentação, quanto ao posicionamento da criança para mamar, sobre os cuidados com as mamas e, que durante o pós-parto, não recebeu visitas da equipe de lactação da maternidade. Estes achados são preocupantes, pois levam a questionar a qualidade da assistência pré-natal e pós-parto prestada a essas mulheres. Ressalta-se que as orientações sobre o AM e o manejo da lactação devem socializadas continuamente nas consultas pré-natais e no pós-parto da mulher22. Além disso, estudos mostram que mães que não foram bem informadas sobre amamentação planejam amamentar por menos tempo21,23.
Merece também destacar que as condições das mamas exercem influência na duração do AME, visto que a presença de fissuras, dor na sucção, ingurgitamento e mastite podem desencadear o desmame precoce24. Assim, entre as mães pesquisadas que interromperam precocemente o AME, elevada parcela apresentou problemas nas mamas, como dor na sucção, fissuras e ingurgitamento durante a amamentação. Este achado se assemelhou aos resultados de um estudo conduzido com 261 crianças menores de seis meses, em São Paulo (SP). Os autores identificaram que a dificuldade para amamentar está relacionada com a interrupção do AME em 31% dos casos, ocasionada pela dor ao amamentar decorrente de traumas mamilares25. Ressalta-se, assim, a importância da atuação dos profissionais de saúde na prevenção e manejo das intercorrências mamárias na lactação. Diante da identificação e tratamento precoce desses problemas será possível contribuir com a maior duração do AME26.
A decisão da nutriz em amamentar é coletiva e envolve a família, os profissionais de saúde, empregadores, a mídia e a comunidade27. Ao se tratar da influência do núcleo familiar (companheiro, mãe, sogra, irmãos, avós e outros), quando ela é favorável à manutenção da amamentação, pode refletir em um estimulo positivo na nutriz em cuidar e manter lactente em AME por mais tempo20,23. Contudo, membros da família também podem interferir negativamente sobre o tempo de AME, quando funcionam como veículos de transmissão de crenças, experiências e práticas contrárias à amamentação28. Diante dessas evidências, chama a atenção a elevada parcela de nutrizes que, mesmo recebendo apoio do companheiro e de pessoas do seu convívio social como, mãe, sogra, irmãos e avós durante a lactação, optaram por interromper o AME precocemente. Diante disso, observa-se que a inserção das gestantes, nutrizes e de suas famílias em estratégias educativas de promoção ao AME é de suma importância. Possivelmente, o grupo estará munido de informações e as nutrizes estarão empoderadas de conhecimento e mais confiantes para a prática da amamentação e não cederão aos apelos desfavoráveis ao AME.
Em relação aos bicos artificiais, maior frequência das crianças investigadas fez uso de mamadeiras durante a amamentação (66,7%) e esse valor foi mais elevado que o observado em um estudo nacional (58,4%)4. O uso de bicos artificiais por lactentes deve ser evitado3, pois a substituição da amamentação natural pelo uso da mamadeira gera prejuízos à saúde, ao desenvolvimento do sistema oral motor da criança e contribui com a interrupção da amamentação28. Pesquisa conduzida com 9474 nutrizes, em Belo Horizonte (MG) constatou que a prevalência do AME é menor entre os lactentes que usam mamadeiras (13,5%)29.
Cabe ressaltar que o uso de bicos artificiais está relacionado a diversos fatores como, a carência de informações a respeito dos seus malefícios e à questão sociocultural, onde a mídia e o apoio social podem exercer forte influência sobre a nutriz30. Diante disso, práticas que visam difundir para a sociedade informações sobre os malefícios do uso de bicos artificiais por crianças fazem-se necessárias. Nesse contexto, a NBCAL, é uma lei que estabelece no Brasil critérios para a promoção comercial de produtos destinados aos lactentes e à criança na primeira infância como, formulas lácteas, mamadeiras, bicos e chupetas. Seu objetivo é contribuir com a promoção, apoio e proteção da amamentação e coibir a interferência destes artefatos na prática do aleitamento materno18. Para tal ela deve ser implementada e monitorada continuamente.
Este estudo apresentou como limitação a obtenção de informações auto referidas, as quais estão sujeitas a viés de memória dos entrevistados. Para minimizar essa limitação, elaborou-se um manual para orientar a coleta de dados, a equipe de entrevistadores foi treinada e realizou-se o piloto para verificar a adequação do formulário de coleta de dados e a logística do estudo. Como aspecto positivo, o estudo possibilitou ampliar o conhecimento acerca dos fatores envolvidos na duração do AME.
CONCLUSÕES
Neste estudo houve baixa prevalência do AME, alta frequência de intercorrências mamárias e elevada proporção das mulheres não recebeu orientações sobre a amamentação e acerca do manejo da lactação durante o pré-natal. Estes achados apontam para a necessidade de sensibilização dos profissionais e gestores de saúde para que as ações de promoção, apoio e proteção ao AME sejam implementadas continuamente nos diferentes pontos da Rede de Atenção ao SUS. Para tal, é essencial a organização da Atenção Nutricional na APS e nas maternidades, a fim de que os profissionais de saúde qualificados possam ser multiplicadores do AME para gestantes, nutrizes e seus familiares. Se essa prática for consolidada poderá contribuir com o aumento do tempo de AME e gerar impactos positivos na saúde da criança.
A inserção das famílias das crianças em programas sociais se associou com a maior frequência de AME até os seis meses de vida. Desse modo, os programas referidos pelos entrevistados, além de serem estratégias válidas para a proteção social dos grupos vulneráveis, contribuem com a melhoria dos indicadores de saúde dos seus beneficiários, por meio das ações de vigilância alimentar e nutricional na APS.