Introdução
O aleitamento materno (AM) é recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que seja oferecido exclusivamente para a criança até o sexto mês de vida (aleitamento materno exclusivo - AME), devendo ser complementado com outros alimentos após esse período, perdurando até os dois anos de idade da criança1.
Amamentar vai além de nutrir, pois possui benefícios amplos tanto para a mãe e, principalmente, para o bebê, reconhecidos cientificamente. Para a criança, está relacionado ao desenvolvimento metabólico, neurológico, nutricional e orofacial, além de reduzir os riscos de desenvolvimento de distúrbios gastrintestinais e alergias. Nas nutrizes, o AM reduz as chances para câncer de mama e ovário e hemorragias pós-parto. Além disso, favorece o estreitamento do vínculo mãe-bebê1,2.
Apesar de todas essas vantagens, o desmame precoce ainda é uma realidade no Brasil, sendo compreendido como a inserção de quaisquer tipos de alimentos na dieta de uma criança que se encontre em regime de AME. A decisão (ou não) pela descontinuidade do amamentar, ainda que de forma gradual, pode estar associada a diferentes fatores, sejam da mãe, do bebê ou ainda de causas externas3.
Reafirmando esse contexto, a literatura aponta que existem cinco eixos temáticos a serem discutidos a respeito desses elementos que podem influir na amamentação exclusiva: o contexto familiar; experiências anteriores; aspectos psicológicos; o trabalho materno e problemas mamários relacionados ao ato de amamentar4.
Esses problemas ou as intercorrências mamárias supracitadas são comuns nos primeiros quinze dias pós-parto, podendo dificultar ou interromper a prática do aleitamento. O Ministério da Saúde cita a sucção fraca, a anatomia dos mamilos, a demora na "descida do leite", ingurgitamento mamário, candidíase, fenômeno de Reynaud, mastite, abscesso mamário, ductos obstruídos e dor nas mamas como alguns dos principais problemas mamários, devendo ser identificados e tratados precocemente1.
A fissura mamilar, que está entre as principais causas de dor e desconforto na amamentação, induz a mãe a oferecer complementos alimentares, reduzindo a frequência das mamadas, contribuindo para a diminuição da produção de leite e o consequente desmame precoce, formando um ciclo vicioso. Em uma análise de um grupo de lactentes em um hospital no Sul do país, foi a mais citada dentre as intercorrências mamárias, sendo associada a interrupção do aleitamento materno exclusivo5.
Além de serem comuns especialmente nos primeiros dez dias após o parto, os traumas mamilares/dor comprometem o processo de ejeção do leite e, consequentemente, a mamadas insuficientes do bebê. Além disso, esses casos podem provocar angústia e preocupação à mãe, o que também influencia o processo de lactação6.
A dor, considerada como quinto sinal vital, é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, devendo ser mensurada e observada com frequência e dando-se a importância devida, estando associada a uma lesão real ou potencial. Na amamentação, a dor está relacionada a alguns fatores e é percebida como uma experiência negativa, motivada pelos transtornos da própria mama ou mesmo pela dificuldade das nutrizes no manejo desse processo, sendo um desafio comum para o sucesso (ou não) da amamentação7,8.
As lesões ou fissuras mamilares, decorrem principalmente da posição e pega inadequadas do lactente. Outros fatores causais são a anatomia dos mamilos, deformidades orofaciais do bebê, sucção não nutritiva prolongada, uso impróprio de bombas de extração de leite, uso de produtos que causem reação alérgica, etc. As consequências desses traumas mamilares envolvem hiperemia, descamação, equimose, calor local, etc., além de funcionarem como porta de entrada para micro-organismos, aumentando a chance de ocorrência de processos infecciosos e/ou inflamatórios9.
Frente a esse contexto, é necessário que os profissionais de saúde estejam atentos a essas condições, orientando e estimulando a amamentação, especialmente no início e por todo o pré-natal, em que ocorrem as primeiras modificações fisiológicas da gestação. A educação e a promoção de saúde são capazes de sustentar e subsidiar as ações dos profissionais, envolvendo a nutriz em seu autocuidado e contribuindo para o sucesso do amamentar, preferencialmente, de modo exclusivo10.
Diante do exposto e da hipótese de que os Bancos de Leite Humanos no Brasil auxiliam e acolhem as lactantes neste período permeado de incertezas e que sofre influências de causas multifatoriais, este estudo tem como objetivo estimar a prevalência da dor mamária e os seus fatores associados em lactantes usuárias de um Banco de Leite Humano.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo transversal, analítico, com abordagem quantitativa, baseado nos dados provenientes do registro dos atendimentos ocorridos entre janeiro de 2017 a dezembro de 2018 no Banco de Leite Humano (BLH) do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) - Unidade Materno Infantil (HUMI).
A Unidade Materno Infantil possui o certificado de Hospital Amigo da Criança, sendo uma entre as três maternidades com esse título no estado do Maranhão, possuindo também o incentivo no Cuidado Amigo da Mulher. Conta com um BLH que possui uma equipe multiprofissional capacitada para oferecer assistência para mães e bebês, além da coleta domiciliar de leite materno. Funciona semanalmente, de 7 às 19h, com uma estrutura física que envolve sala de processamento e pasteurização do leite, consultórios pediátricos, sala para palestras com as mães, sala de estudo e pesquisa e de pesagem dos bebês.
Somada a essas funções, o BLH presta atendimento especializado para as mães que possuem alguma dificuldade no processo de amamentar. Esses atendimentos são apontados em livros de registro específicos, contendo informações sociodemográficas, obstétricas e relacionadas aos fatores que levaram à mulher na busca pela assistência, sendo estes o objeto para coleta de dados desta pesquisa.
Dessa forma, foi realizada a reprodução dessa ficha de atendimento, na Plataforma Google Forms, afim de facilitar a coleta dos dados, que ocorreu entre os meses de setembro a novembro de 2019. As informações foram armazenadas, gerando posteriormente uma tabela em Microsoft Excel.
Foram incluídos no estudo todos os dados referentes aos atendimentos realizados no período de análise estabelecido, não incluindo aqueles alheios a esse intervalo, em uma população de 891 lactantes (N=891). Em cada variável, considerou-se n=100% para informações completas, excluindo-se as que não preenchiam esse requisito.
Considerou-se como desfecho de interesse dessa pesquisa o relato materno de dor mamária (sim, não). Já como variáveis explicativas foram utilizadas variáveis sociodemográficas (idade, estado civil, escolaridade e renda) e obstétricas (número de gestações, número de consultas e local de realização do pré-natal, local de nascimento do bebê, número e via de parto, quando recebeu orientações e experiência prévia sobre amamentação).
Para a análise estatística, posteriormente, utilizou-se o programa Stata versão 14. Foram estimadas as frequências absolutas e relativas das variáveis em estudo. Diferenças nas características associadas a dor mamária foram verificadas por meio do teste Qui-quadrado de Pearson. Adotou-se nível de significância <0,05.
Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada "Perfil epidemiológico das lactantes atendidas em um banco de leite humano de São Luís - MA". Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) via Plataforma Brasil, com parecer favorável, n° 16782719.8.0000.5086.
Por se tratar de um estudo que envolveu a análise de dados retrospectivos referentes a seres humanos, obedeceu à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, havendo a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Apesar disso, buscou-se garantir a privacidade dos dados das pacientes, minimizando-se os riscos relacionados ao sigilo do estudo.
Resultados
Foram analisados 891 (N=891) atendimentos no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. A prevalência da dor mamária como queixa principal das lactantes foi encontrada em 20,7% do total (n=184) (Figura 1). Com relação as características sociodemográficas, a dor foi mais preponderante naquelas que possuíam faixa de idade entre 25 a 29 anos (30,6%), com estado civil caracterizado como casada em 61,3% delas, a maioria possuía ensino superior completo, compreendendo 56,6% dos casos e renda familiar superior a cinco salários mínimos para 57 lactantes, 32,3%. A única variável que manteve relação estatisticamente significativa dentre as características sociodemográficas foi o estado civil (p-valor <0,024) (Tabela 1).
Dor mamária | p-valor1 | |||||||
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| ||||||||
Variáveis | Sim (n) | % | Não (n) | % | ||||
Faixa Etária* | ||||||||
Menos de 20 anos | 11 | 6,0 | 36 | 5,2 | 0,141 | |||
20 a 24 anos | 32 | 17,5 | 93 | 13,4 | ||||
25 a 29 anos | 56 | 30,6 | 172 | 24,7 | ||||
30 a 34 anos | 52 | 28,4 | 243 | 35,0 | ||||
Maior 35 anos | 32 | 17,5 | 151 | 21,7 | ||||
Total | 183 | 100 | 695 | 100 | ||||
Estado Civil** | ||||||||
Casada | 111 | 61,3 | 444 | 63,9 | 0,024 | |||
Estável | 28 | 15,4 | 141 | 20,3 | ||||
Solteira | 40 | 22,1 | 108 | 15,6 | ||||
Outras | 2 | 1,11 | 1 | 0,2 | ||||
Total | 181 | 100 | 694 | 100 | ||||
Escolaridade (anos)*** | ||||||||
Fundamental incompleto | 7 | 3,8 | 9 | 1,3 | 0,153 | |||
Fundamental completo/Médio incompleto | 8 | 4,4 | 35 | 5,1 | ||||
Médio completo/Superior incompleto | 64 | 35,2 | 241 | 35,0 | ||||
Superior completo | 103 | 56,6 | 403 | 58,6 | ||||
Total | 182 | 100 | 688 | 100 | ||||
Renda (em Salário Mínimo - (SM))**** | ||||||||
Menos de um S.M | 23 | 13,0 | 59 | 8,8 | 0,166 | |||
Um S.M | 16 | 9,1 | 74 | 11,2 | ||||
Um a três S.M | 47 | 26,7 | 171 | 25,6 | ||||
Três a Cinco S.M | 33 | 18,7 | 171 | 25,6 | ||||
Mais de cinco S.M | 57 | 32,3 | 192 | 28,8 | ||||
Total | 176 | 100 | 667 | 100 |
Fonte: elaboração do autor.
Notas 1: Teste de Qui-quadrado de Pearson. Notas:*Missing=13/ **Missing=16/ ***Missing=21/ **** Missing=48
Os resultados relacionados às características obstétricas demonstraram que a maioria estava em sua primeira gestação, 62,6%; realizou sete ou mais consultas pré-natais, em 82,8%, sendo estas em serviços privados em 68,2%; relacionando-se o local do parto e queixa de dor mamária, a prevalência foi maior naquelas que pariram em serviços privados de saúde, 66,9% (Tabela 2).
Dor mamária | p-valor1 | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Variáveis | Sim (n) | % | Não (n) | % | |
Número de gestações* | |||||
Uma | 114 | 62,6 | 441 | 63,4 | 0,553 |
Duas | 51 | 28,0 | 169 | 24,3 | |
Três | 12 | 6,7 | 56 | 8,0 | |
Quatro ou mais | 5 | 2,7 | 30 | 4,3 | |
Total | 182 | 100 | 696 | 100 | |
Número de consultas de pré-natal** | |||||
Até cinco | 8 | 4,4 | 36 | 5,3 | 0,130 |
Seis | 23 | 12,8 | 55 | 7,8 | |
Sete ou mais | 149 | 82,8 | 597 | 86,9 | |
Total | 180 | 100 | 688 | 100 | |
Local de realização do pré-natal*** | |||||
Hospital universitário | 19 | 11,4 | 63 | 9,8 | 0,785 |
Outro local público | 34 | 20,4 | 126 | 19,5 | |
Outro local privado | 114 | 68,2 | 455 | 70,7 | |
Total | 167 | 100 | 644 | 100 | |
Local de nascimento**** | |||||
Hospital universitário | 26 | 14,6 | 97 | 14,0 | 0,820 |
Outro serviço público | 33 | 18,5 | 116 | 16,8 | |
Outro serviço particular | 119 | 66,9 | 478 | 69,2 | |
Total | 178 | 100 | 691 | 100 | |
Número de partos***** | |||||
Um | 126 | 70,0 | 520 | 75,9 | 0,110 |
Dois | 48 | 26,6 | 135 | 19,7 | |
Três | 6 | 3,4 | 31 | 4,4 | |
Total | 180 | 100 | 686 | 100 | |
Tipo de parto****** | |||||
Vaginal | 40 | 24,1 | 111 | 17,5 | 0,049 |
Cesárea | 126 | 75,9 | 526 | 82,5 | |
Total | 166 | 100 | 637 | 100 | |
Quando recebeu orientações sobre amamentação******* | |||||
Somente no pré-natal | 14 | 7,9 | 57 | 8,1 | 0,631 |
Somente após o parto | 61 | 34,3 | 210 | 30,0 | |
Pré natal e após o parto | 30 | 16,8 | 111 | 15,9 | |
Nunca recebeu | 73 | 41,0 | 322 | 46,0 | |
Total | 178 | 100 | 700 | 100 | |
Experiência sobre amamentação******** | |||||
Este é o seu primeiro filho | 132 | 74,6 | 543 | 78,9 | 0,532 |
Já amamentou outro bebê | 42 | 23,8 | 130 | 18,9 | |
Já amamentou mais de um bebê | 2 | 1,0 | 11 | 1,6 | |
Sem experiência | 1 | 0,6 | 4 | 0,6 | |
Total | 177 | 100 | 688 | 100 |
Fonte: elaboração do autor.
Notas: 1- Teste de Qui-quadrado de Pearson; *Missing= 13 / ** Missing = 23 / ***Missing= 80 / ****Missing= 22 / *****Missing= 25/ ******Missing= 88/ *******Missing= 13 / ********Missing= 26.
A maior parte das lactantes com auto relato de dor mamária era primípara, em 70% dos atendimentos, com a via de parto cesárea, 75,9%; quase metade referiu nunca ter recebido orientações sobre amamentação, 41%, e também estavam vivenciando o ato de amamentar pela primeira vez, em 74,6% dos casos. Houve significância estatística da variável tipo de parto (p valor < 0,049) (Tabela 2).
Discussão
Uma pesquisa realizada em Rondônia com um grupo de mulheres primíparas buscou identificar, entre outros aspectos, as principais dificuldades relacionadas a amamentação percebidas por elas. Os resultados apontaram que as mães eram jovens, o que refletiu na presença dessas intercorrências, em razão da falta de preparo e inexperiência com o manejo da amamentação. Além disso, a dor foi apontada em quase 47% dentre as dificuldades apontadas11, resultado semelhante ao encontrado em uma análise realizada nos Emirados Árabes, em que a dor foi a segunda principal causa apontada como motivo para o desmame12.
Um estudo desenvolvido em Viçosa, que objetivou relacionar fatores socioeconômicos e de saúde materno infantil e a procura pelo BLH do município, concluiu que os indicadores "maior escolaridade" e "ser mais jovem" aumentaram as chances de as puérperas buscarem o atendimento para auxílio no manejo da amamentação13.
Concordando com os percentuais aqui encontrados, infere-se que a maior escolaridade, que geralmente está associada a níveis socioeconômicos mais altos, contribua para o acesso maior a informação, propiciando a compreensão das lactantes sobre os benefícios do aleitamento materno, tendendo a amamentar por mais tempo, enfrentando as dificuldades desse processo13. Além disso, sugere-se que o entendimento sobre a existência de um serviço de referência em amamentação seja mais propagado entre esse público.
Em uma maternidade de Sorocaba, uma investigação com 123 puérperas, identificou uma prevalência de intercorrências mamárias de 23,6%, sendo 19,5% representadas pelas fissuras mamilares, principal causa de dor mamária. Além disso, buscou-se relacionar essas intercorrências às variáveis sociodemográficas, clínico-obstétricas e neonatais. Não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre as duas primeiras14, diferindo dos dados encontrado neste estudo, em que houve associação com a variável estado civil.
Nessa perspectiva, percebe-se que a presença do marido/companheiro faz-se importante, funcionando como agente promotor do ato de amamentar, relevante fonte de opinião, além de apoiar a lactante nos momentos de possíveis desconfortos ou dificuldades15,16.
Uma avaliação realizada em um hospital no Mato Grosso do Sul revelou que, dentre 56 puérperas, a maioria era casada, seguida de união estável, sendo a presença do companheiro fixo um elemento positivo para o AM. Além disso, os companheiros entrevistados afirmaram que estar junto da esposa foi a maneira que encontraram para contribuir e facilitar esse processo17. Portanto, a figura paterna no contexto da amamentação é capaz de gerar segurança e empoderamento à lactante4.
A respeito das variáveis obstétricas, os dados encontrados corroboram ao que foi identificado em pesquisa similar, realizada com 50 puérperas usuárias de um BLH em uma maternidade do Pará, em que a maioria era primigesta, com parto cesáreo em quase 60,0% das participantes, mais de 70,0% realizaram 6 ou mais consultas pré-natais e, dentre estas, pouco mais de 40,0% referiu não ter tratado sobre a amamentação em nenhum momento das consultas. Dentre as dificuldades encontradas nesse grupo, as fissuras mamilares estiveram presentes em 12,50% das lactantes18.
Em estudo realizado com lactantes primíparas na cidade de Chapecó, que teve como objetivo conhecer os fatores de dor e desconforto relacionados a prática do aleitamento materno, identificou-se que mais de 35,0% das participantes referiu dor em alguma região do corpo, sendo a mama o local mais prevalente. Em quase 70,0% dos casos, o processo doloroso teve como causa as fissuras mamilares. Concordando com os dados encontrados, a primiparidade, acompanhada da falta de experiência, pode contribuir para a incidência de intercorrências mamárias, aumentando as chances de dor e desconforto 18,19.
Reafirmando esses achados, uma pesquisa realizada em um Banco de Leite Humano de Goiás que buscou analisar as queixas de nutrizes e os seus fatores associados, demonstrou que a maioria das lactantes era primípara. Nessas, dificuldades com a posição, pega e sucção do RN (técnica da amamentação), que provocam traumas e, consequentemente, a dor mamária, foram as principais queixas citadas20. Dessa forma, ressalta-se que este grupo está mais suscetível a dificuldades no manejo da amamentação, pois não possuem experiência prévia, causando insegurança e, consequentemente, possíveis intercorrências mamárias1.
Com relação ao pré-natal, realizado principalmente em serviço privado, - o que pode estar associado a maiores níveis socioeconômicos e de escolaridade - apesar de ter compreendido sete consultas ou mais, em sua maioria, identificou-se a fragilidade da assistência profissional nesse período, revelando que quase metade das lactantes atendidas referiu nunca ter recebido orientações sobre amamentação, e apenas 7,9% foi orientada no pré-natal a respeito disso. Esses dados se assemelham ao encontrado em pesquisa em que foram avaliadas mais de 12 mil puérperas em um Banco de Leite Humano, quando menos de 40% foi orientada sobre o assunto21.
Dados resultantes de um recorte da pesquisa nacional Nascer no Brasil, com ênfase na avaliação da assistência pré-natal, demonstrou que a cobertura foi superior a 90%, sendo realizada em 75,6% por profissional médico, principalmente entre as mulheres de maior idade e com maior grau de escolaridade. Porém, corroborando com este estudo, orientações sobre preparação para o parto e amamentação obtiveram baixa proporção, sendo enfatizadas as informações sobre situações de risco, potencializando o caráter biomédico da assistência22.
No entanto, essas mulheres devem contar com um conhecimento prévio sobre o AM, a fim de reduzir as dificuldades, sendo encorajadas e apoiadas, objetivando manter a amamentação exclusiva até os seis meses de vida do bebê, como um ato prazeroso, reduzindo as intercorrências e contribuindo para o sucesso do amamentar23. Para tanto, é necessário que os profissionais de saúde garantam a transmissão de informações de maneira efetiva, especialmente por meio do uso de tecnologias leves, sendo o pré-natal uma excelente oportunidade para tanto24.
No que diz respeito ao tipo de parto, informações de um estudo realizado em um BLH de Goiás, demonstraram que houve relação significativa entre o parto cesáreo e a busca pelo atendimento naquele serviço20. Outra pesquisa que estimou a prevalência de cesáreas no Brasil e fatores associados concluiu que, em 2014, houve uma preponderância de 58,2% de partos cirúrgicos. Ocorreu diferença significativa quando se comparou o tipo de hospital, sendo a prevalência de cesarianas de 92,8% em instituições privadas, corroborando com os dados deste estudo, principalmente entre mulheres de idade mais elevada, casadas, com maior escolaridade e multíparas25.
Considerando-se que houve relação significativa entre o tipo de parto e a presença da queixa de dor mamária, sendo esta mais prevalente entre as puérperas submetidas a cesárea, identificou-se dados similares em uma pesquisa no que se refere a auto eficácia em amamentar e o tipo de parto, sugerindo que mulheres que pariram por via vaginal obtiveram maior sucesso nesse processo. Entre as justificativas está a presença da dor do pós-operatório, fazendo com que a lactante se sinta incapaz de amamentar naquele período26.
Outros autores que investigaram os fatores que influenciam nos desfechos da amamentação, de acordo com um trabalho realizado em um BLH de uma metrópole brasileira, demonstraram que o parto normal contribui para o contato pele a pele e para a amamentação na primeira hora de vida. Isto favorece o sucesso da lactação, justamente por não oferecer as barreiras do pós-operatório, comuns nas cesarianas, que acabam adiando esse momento27.
Logo, é possível compreender que o parto cirúrgico pode influenciar negativamente nos primeiros momentos do amamentar, uma vez que, nesses casos, os bebês demoram a entrar em contato com a mãe e os níveis de prolactina são reduzidos em consequência da anestesia13. Um estudo de coorte realizado na Turquia identificou que houve associação entre o parto cesáreo e o início tardio da amamentação, além de taxas mais baixas de AME28.
Assim, com a demora da descida do leite, os bebês, que também sofrem a ação dos efeitos anestésicos, podem fazer a pega inadequada do mamilo, além de fazerem maior pressão para a sucção, levando ao trauma mamilar e consequente dor nos mamilos, como demonstrado em pesquisa. Apesar disso, para esses autores, não houve significância estatística entre o tipo de parto e a ocorrência de trauma mamilar29.
Destacamos como limitações deste estudo a perda de dados ilegíveis, incompletos ou ausentes, que foram desconsiderados, além de outras variáveis que possam ter relação com a dor mamária, como pega e posição incorretas ou a associação com outras intercorrências mamárias que não foram analisadas.
Conclusão
O objetivo deste estudo foi alcançado, revelando uma baixa prevalência da queixa de dor mamária dentre as lactantes atendidas, encontrando-se em 20,7% delas. Houve associação significativamente estatística entre as variáveis estado civil (casadas) e tipo de parto (cesáreo).
Apesar da baixa prevalência do auto relato de dor mamária, considera-se este um sintoma presente em algumas intercorrências, principalmente as fissuras mamilares. Assim, reitera-se a importância do serviço especializado do banco de leite humano, tanto para as lactantes, como para os seus bebês e familiares, beneficiados pela assistência desenvolvida na unidade.
Além disso, faz-se extremamente relevante a atuação da equipe de Enfermagem, especialmente os técnicos da equipe, que auxiliam no manejo, realizam orientações e auxiliam na resolução das intercorrências mamárias, atuando num contexto multiprofissional, contribuindo para a integralidade do cuidado ao binômio materno infantil.
Os resultados da pesquisa demonstram a falha na qualidade da assistência profissional no pré-natal, momento ideal para orientar a gestante e sua família, sugerindo-se capacitações e reciclagens, principalmente para os profissionais médicos, que realizam essa atividade nos serviços privados, uma vez que não existem protocolos de atendimento com a Enfermagem nesses casos.
Considera-se como limitação desta pesquisa a incompletude de informações, em que dados ilegíveis, ausentes ou inacabados não foram contabilizados para esta análise, consistindo na exclusão daquele atendimento. Ademais, este estudo foi desenvolvido em apenas uma unidade de Banco de Leite Humano, não sendo adequada a generalização dos seus resultados para serviços semelhantes.
Após a finalização deste trabalho, sugere-se o seguimento da pesquisa maior, a fim de determinar, por exemplo, quais as principais queixas e intercorrências das nutrizes atendidas na unidade, além da investigação de outros fatores associados a dor mamária,