This Consulate General was particularly interested in the communication since it has been working in the same field for the past six months, making a collection of American books translated into Portuguese. It is extremely useful in the cultural relations program, for making known the history and civilization of the United States and carrying out the general information program.
CECIL M. p. CROSS Cônsul Geral no Brasil1
Both the French and British governments, and in a smaller way those of Italy and Germany, have been sending the best products of their national literatures to Latin America before the war broke out.
AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION2
Introdução
Desde a criação da União Pan-Americana, em 1890, que tinha como objetivo promover a união dos países americanos contra a hegemonia europeia, muitas conferências foram feitas ao longo da primeira metade do século XX para estabelecer acordos comerciais, jurídicos e culturais. Na esfera cultural, como não havia instituições transnacionais capazes de acolher intercâmbios intelectuais e de impressos na virada do século, convênios esporádicos entre governos, universidades e organizações sem fins lucrativos, financiados por instituições filantrópicas estadunidenses como a Fundação Rockefeller e a Carnegie, foram bem vindos e cumpriram seu papeis como agentes culturais entre as repúblicas americanas.3
As relações culturais interamericanas se intensificaram na década de 1930 e, em 1938, a urgência do momento levou o governo dos Estados Unidos a criar a Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado para formalizar e estreitar os intercâmbios. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a necessidade da união hemisférica para a causa dos Aliados destacou as relações culturais como um dos meios para se alcançar tal finalidade, fundando-se, assim, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA) em agosto de 1940, tendo à sua frente Nelson Aldrich Rockefeller (1908-1979).4
No campo dos impressos destinados à grande população estadunidense, o OCIAA (1940-1946) subsidiou um programa de tradução da revista Reader's Digest no território latino-americano.5 No âmbito acadêmico e literário, especificamente no Brasil, não foram poupados esforços para a criação da cadeira de Literatura Norte-Americana na Faculdade de Filosofia, no Rio de Janeiro, em 1942, e a contratação de professores para atuarem como divulgadores das letras estadunidenses. Tal iniciativa obviamente estimulou a tradução de antologias e autores, aumentando assim, a presença e a circulação da poesia e narrativas de ficção, principalmente os best-sellers produzidos pelos vizinhos ao norte.6 Como o objetivo do OCIAA era estimular a solidariedade hemisférica, a divulgação dos livros latino-americanos em seu território se mostrava igualmente importante. Assim, o projeto de tradução da literatura de ficção da América Latina para o inglês foi bem recebido entre os escritores, as editoras e a comunidade acadêmica estadunidense, além de se constituir numa oportunidade para se ampliar o número de leitores, e, de certa forma, dar uma projeção internacional a seus trabalhos.7
É importante analisar os subsídios concedidos às atividades intelectuais e editoriais pelas fundações no período anterior à Segunda Guerra para entender o mecanismo dos financiamentos e perceber o fortalecimento dos elos entre o governo dos EUA e a filantropia, uma ótica analítica que vem ganhando relevância nas pesquisas sobre diplomacia e relações culturais. A Fundação Rockefeller, entidade filantrópica da família de Nelson Rockefeller, então coordenador do OCIAA, já vinha distribuindo auxílios às bibliotecas dos EUA e do mundo desde 1917 e financiando projetos da área cultural desde a segunda metade dos anos 1920. A Carnegie Corporation, entidade filantrópica fundada pelo magnata do aço Andrew Carnegie (1835-1919), também distribuía subsídios para programas de trocas intelectuais e culturais.8 Havia uma simpatia da Carnegie pela América Latina, pois o advogado Elihu Root (1845-1937), que esteve à sua frente entre 1910 e 1929, foi uma das figuras de destaque que incentivou o pan-americanismo.9
Uma das beneficiárias dos subsídios das fundações desde a década de 1910, a American Library Association (ALA), trabalhando em conjunto com o OCIAA durante a Segunda Guerra, deu apoio técnico às bibliotecas e cumpriu um importante papel na distribuição de livros estadunidenses e na modernização das bibliotecas na América Latina. Segundo Kraske, a ALA já havia profissionalizado e internacionalizado o trabalho de um pequeno grupo de bibliotecários como Carl H. Milam e William Warner Bishop10 durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), por meio do Library War Service [Serviço de Biblioteca em Tempo de Guerra] que arrecadou milhões de livros para serem distribuídos aos soldados estadunidenses nos campos de batalha em vários países.11
Somando-se ao intercâmbio de livros, as pesquisas sobre trocas de outros bens culturais durante a Política da Boa Vizinhança apontam para a crescente ideia de "sedução" dos latino-americanos para as seguintes dimensões: o estilo de vida estadunidense;12 a representação da prosperidade e crescente industrialização estadunidense,13 contrastando com a representação dos grandes espaços vazios da América Latina;14 a disseminação da propaganda ideológica estadunidense via Repórter Esso, transmitido pela Rádio Nacional no Brasil15 e no México;16 e a formação da opinião pública favorável às atividades dos EUA durante a guerra por meio da exibição de filmes de ficção e documentários17 e a produção de desenhos.18
Nesse cenário, para observar o papel dos impressos nas relações culturais entre os EUA e o Brasil, o objetivo do artigo é analisar os subsídios do OCIAA destinados aos projetos editoriais na década de 1940 no Brasil, circunscrevendo-os aos programas de incentivo à leitura e distribuição de livros da Fundação Rockefeller na América Latina, em especial àqueles coordenados pela American Library Association desde a década de 1930. Paralelamente, comparam-se esses subsídios para outros países do continente para se compreender a dimensão e a motivação ideológica dos projetos. Demonstrarei que a ideia da superioridade estadunidense e o combate ao antiamericanismo não estavam somente latentes, mas se configuravam como um dos objetivos que estimulavam o interesse por livros estadunidenses na América Latina, particularmente no Brasil, na década de 1940.
Examinei os relatórios e documentos da Fundação Rockefeller, da American Library Association, uma das beneficiárias dos subsídios; da American Council of Learned Societies, instituição sem fins lucrativos com foco na área de humanidades e ciências sociais que conduziu alguns projetos editoriais do OCIAA na década de 1940; e os documentos do programa do OCIAA, para circunscrever os programas dos livros em um universo de interesses culturais dos setores público e privado. As fontes consultadas estão na Rockefeller Archive Center, em Sleepy Hollow (NY); no arquivo da Universidade de Illinois, em Urbana (IL); no National Archives and Records Administration II (NARA II), em College Park (MD); e na Manuscript Division da Biblioteca do Congresso, em Washington D. C. Dessa documentação, interessa-nos a ação estadunidense que objetivava evidenciar sua superioridade e neutralizar as "atividades subversivas" e o "antiamericanismo" no continente.
Considerando as pesquisas sobre os bens culturais subvencionados pela Política da Boa Vizinhança, algumas delas referenciadas ao longo dessa seção, o conjunto de pesquisas que venho fazendo e publicando se diferencia das demais por se concentrar na tradução de livros brasileiros e estadunidenses da década de 1940. Desse universo, o presente artigo explora com ineditismo as fontes da Fundação Rockefeller, da American Library Association, da American Council of Learned Societies e do Departamento de Estado, que coordenaram ações conjuntas para reforçar a superioridade estadunidense e combater o antiamericanismo usando livros na área de administração e ciências políticas e sociais. Por terem naturezas diversas, cada um desses segmentos atuava "aparentemente" com suas próprias metas e objetivos, mas acabaram se unindo em torno de uma causa para defender os interesses do país durante a Segunda Guerra Mundial.
O uso dos termos "relação cultural" e "diplomacia cultural" que dizem respeito à participação direta ou indireta dos governos nos acordos culturais bilaterais ou multilaterais é um tanto quanto confusa. Há diferentes matizes e usos dependendo dos períodos, dos países envolvidos, como os próprios governos denominam essas relações nos documentos oficiais e como essas relações são analisadas pela comunidade acadêmica atualmente. As pesquisas que examinam "as condições, as formas e os objetivos das interações culturais, particularmente a articulação entre as políticas de Estado e os atores do setor privado" no período da Segunda Guerra estão geralmente abrigadas sob o termo "relação cultural".19 Portanto, pelo fato dessa pesquisa abordar as articulações dos EUA com as organizações sem fim lucrativos e as entidades filantrópicas nas atividades culturais com a América Latina durante a Política da Boa Vizinhança, utilizarei o termo relação cultural ao longo do artigo.
A primeira seção descortina o apoio às atividades intelectuais da Fundação Rockefeller e analisa os programas em torno dos livros que foram financiados na Europa, na América Latina e nos EUA desde a década de 1930. O objetivo é demostrar os mecanismos da distribuição dos subsídios que acolheram a área de humanidades no seu escopo e escolheram os países recipientes seguindo os interesses políticos e econômicos do Estado. A segunda seção analisa a disseminação de livros nas áreas de administração e ciências políticas e sociais no Brasil que tinha como objetivo subjacente o poder de influenciar líderes nas decisões políticas públicas locais. Tal atitude aproximou os brasileiros dos discursos liberais e democráticos estadunidenses, combatendo-se assim o antiamericanismo, um dos objetivos dos programas culturais explicitados nos relatórios e correspondências da ALA, do ACLS, da Fundação Rockefeller e do Departamento de Estado.
A Fundação Rockefeller e os programas para os livros nas décadas de 1930 e 1940
A Fundação Rockefeller se consolidou em 1913 sob a direção de John D. Rockefeller Júnior (1874-1960), o filho de John David Rockefeller (1839-1937) e dono da Standard Oil. A empresa era a maior companhia de petróleo do mundo e o magnata acumulava uma fortuna de um bilhão de dólares naquele ano. A Rockefeller Sanitary Comission e o Rockefeller Institute for Medical Research antecederam à Fundação e cada uma delas trabalhava de maneira independente. A primeira atuava no Tennessee e nos estados do sul dos EUA no combate à ancilostomíase, um parasita intestinal contagioso, e o Instituto, que mais tarde se transformou na Rockefeller University, fazia pesquisas na área de medicina. Depois da consolidação dessas duas instituições, a Fundação Rockefeller financiou obras e pesquisas pelo mundo todo, em especial na área de saúde,20 ao passo que o interesse pela área de humanidades se deu gradativamente a partir de meados da década de 1920.21
O livro Foundations of the American Century (2012), de Inderjeet Parmar, é crucial para se entender uma das facetas da proximidade das fundações com os interesses de Estado. Parmar traça um minucioso panorama das pessoas pertencentes às famílias da elite da costa leste que estiveram à frente das três maiores fundações filantrópicas dos EUA (Ford, Carnegie e Rockefeller), e que ajudaram a construir o establishment estadunidense desde 1930. A narrativa delineia as teias de relações de membros das famílias dos líderes das fundações, incluindo parentescos, casamentos e amizades, alcançando as relações que se estenderam para os ambientes educacionais e as fraternidades universitárias e finalmente consolidadas nas relações profissionais nos setores público e privado e nas fundações, além de muitos terem alçado altas posições na política.22
Atuando principalmente nas áreas culturais e sempre muito bem relacionadas a políticos que ocupavam o poder, fossem democratas ou republicanos, as fundações tiveram um papel fundamental na tessitura de redes globais de intelectuais por meio da concessão de bolsas de estudos e financiamento para pesquisas e formação de líderes locais, estreitando o livre acesso e influência nos países onde esses líderes atuavam.23 Obviamente, os programas de livros voltados para as elites intelectuais dos continentes estavam no raio de ação dessas fundações. Os próximos parágrafos serão dedicados a contextualizar os subsídios distribuídos pela Rockefeller para os programas relacionados aos livros, às bibliotecas e aos American Studies, a fim de mapear os momentos em que eles são atravessados ou coincidem com os interesses governamentais.
Na introdução do relatório da Comissão de Cooperação das Bibliotecas com a América Latina, Dr. Rodolfo O. Rivera, Assistente Executivo da ALA, destacou a iniciativa da Fundação Rockefeller por ter doado a quantia de USD 30 000 em 1938, para que fosse possível dar o "primeiro passo" no campo das relações culturais, que, concomitantemente à criação da Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado dos Estados Unidos, reconhecia o papel da ALA para aprofundar as relações no campo acadêmico e intelectual com a América Latina. A quantia recebida possibilitou subsidiar os projetos e nomear um profissional para coordenar as ações concernentes às bibliotecas e aos livros, que, além de proporcionar o contato entre as pessoas, poderia também "estreitar o entendimento hemisférico por meio da leitura".24
Nesse mesmo relatório da ALA (sem data, mas possivelmente de 1941), há registros das atividades que estavam em andamento, que, em sua maioria, dedicava-se ao levantamento e à catalogação de: 1) cooperações existentes entre as bibliotecas dos EUA e da América Latina; 2) coleções de títulos latino-americanos nas principais bibliotecas públicas e universitárias dos EUA; 3) bibliotecas e acervos nos institutos latino-americanos; 4) levantamento de títulos estadunidenses, principalmente na área de biblioteconomia, que poderiam ser traduzidos para o português e espanhol; e 5) periódicos estadunidenses que pudessem ser disponibilizados para a América Latina, pois sua distribuição era "deploravelmente escassa". A ALA, no entanto, não era a única biblioteca beneficiária da filantropia da Fundação Rockefeller. Várias bibliotecas nos EUA e em diferentes continentes receberam doações para expandir seus acervos. Concordando com a análise do papel das fundações de Parmar,25 pode-se afirmar que elas trabalharam para unir a sociedade estadunidense e erradicar a crítica ao isolacionismo dos EUA.
Na década de 1930, o total alocado para a distribuição de livros na Europa ultrapassava os valores designados para os programas concernentes ao estudo do próprio país. O que indica que o material distribuído para outros continentes até o início de essa década -da área econômica, social, cultural ou política- era satisfatório para os objetivos delineados. Porém, a economia capitalista foi abalada pela queda da bolsa de Nova York em 1929 e exigiu uma demanda por novas pesquisas que seriam abrigadas sob a grande área intitulada American Studies. Os livros seriam frutos de pesquisas sérias para se provar a necessidade da industrialização e suas vantagens para a economia, para dar destaque à grandiosidade da história, cultura, política e economia da "América", e, acima de tudo, propagar o discurso democrático na construção de um mundo melhor. Nesse mesmo período, os subsídios para os livros também se voltaram para a América Latina indicando uma sintonia com a política de aproximação do governo dos EUA pela aliança hemisférica. Perto da década de 1950, os relatórios sobre os subsídios da Rockefeller para as pesquisas sobre o próprio país e a consolidação da área dos American Studies passaram a explicitar textualmente o papel essencial dos EUA na liderança da construção de uma sociedade democrática.
As informações sobre as doações para as bibliotecas são facilmente encontradas nos relatórios anuais da Fundação Rockefeller. O relatório de 1938, por exemplo, recompôs o interesse da fundação pelo intercâmbio cultural desde 1935,26 enquanto em 193927 se preocupou em registrar a memória que a Rockefeller sempre se interessou em auxiliar as bibliotecas ou os projetos propostos por elas. O texto destaca que antes de 1933, por exemplo, vários auxílios haviam sido concedidos para instituições europeias: USD 2 300 foram para a Bodleian Library de Oxford; USD 113 500 para a Bibliothèque Nationale de Paris; e USD 50 000 para a Preussische Staatsbibliothek de Berlin. Os auxílios para a American Library na Inglaterra e na França tinham como finalidade a compra e o envio de livros para os militares estadunidenses, mas o sucesso foi tanto que até os residentes passaram a usar o sistema de empréstimo dessas bibliotecas.28
Quanto aos subsídios concedidos para a ALA, o exame dos relatórios da fundação desde o seu estabelecimento em 1913 mostra que a associação recebeu a quantia de USD 25 000 em 1917 e USD 24 702,46 em 1929, no mesmo ano em que se intensificaram os auxílios para as bibliotecas de alguns países europeus como a Áustria, Alemanha, Holanda e Inglaterra, principalmente a The American Library em Paris.29 Nota-se que houve um direcionamento de recursos da Fundação Rockefeller para a Europa no mesmo período em que os EUA procuravam uma aproximação com o continente europeu.
Percebe-se também a dinâmica de financiamento da fundação, que era destinada quase que exclusivamente para as ciências da saúde e naturais nas décadas de 1910 e 1920, mas que incluiu a área de humanidades ao longo da década de 1930, principalmente para projetos que incentivavam uma maior inserção de publicações estadunidenses nos países alvos da filantropia. Não bastava atuar exclusivamente nas áreas de resolução de problemas sanitários e erradicação de doenças, seria necessário investir também na área das ciências sociais, educacionais e intelectuais para preparar futuros líderes locais e estrangeiros e pensar em planos hegemônicos de longo prazo.
As cifras doadas para a Universidade de Chicago aumentaram exponencialmente a partir de 1929, pois além das ciências da saúde e naturais, usualmente beneficiadas, foram incluídas as ciências sociais e políticas, antropologia, administração, línguas e educação. Há também o registro de uma generosa doação para a construção de um novo prédio das Ciências Sociais e para pesquisas de antropologia da universidade (os detalhes sobre a Escola de Chicago e a presença dos professores da Escola em São Paulo estão na próxima seção).30 Em 1931, houve financiamento de vários projetos da área cultural, como os de antropologia da Harvard University, da Australian National Research Council e da Royal Anthropological Institute do Reino Unido; e de arqueologia da Tulane University de Louisiana.31
Coadunando com os propósitos da União Pan-americana, criada em 1890, cujos esforços para a unidade hemisférica foram encampados pelos EUA na década de 1930, a demanda da fundação por compreender a cultura de outros países abarcou a América Latina em 1934. Em 1939, as cifras recebidas pela ALA foram reveladoras do aceleramento e consolidação das relações interamericanas, um total de USD 128 600, dos quais USD 30 000 foram destinados à Cooperação com a América Latina e USD 22 000 para a elaboração de um catálogo de obras latino-americanas da Fundação Hispânica32 da Biblioteca do Congresso.33 Além dessas ações específicas de reciprocidade entre as Américas, a ALA continuaria a receber fundos para manter a Comissão de Relações Internacionais para estudar formas de melhorias das bibliotecas e facilitar a circulação de livros estadunidenses pelas bibliotecas europeias.34
Concomitantemente à expansão dos recursos destinados a outros continentes, nota-se que os investimentos foram destinados para as próprias universidades dos EUA em 1936, para os programas registrados sob o título American Studies, que, até então, não haviam recebido uma verba específica para essa finalidade. Os estudos do campo das humanidades, que estavam fracionados em diversas áreas e recebiam diferentes terminologias, começaram a ser explicitamente abrigados sob o termo guarda-chuva American Studies, incentivando a própria comunidade acadêmica a fazer pesquisas cujos resultados poderiam depois ser disseminados mundialmente. Os projetos contemplados incentivavam a publicação e divulgação de textos teatrais e periódicos acadêmicos e as cifras mostram uma escala crescente de valores recebidos até 1944.
Não podemos deixar de mencionar que a partir de 1945 o número de universidades que recebeu subsídios para American Studies ou North-American Studies foi quase dez vezes maior que os anos anteriores, bem como os valores alocados para esse fim, que foram proporcionais ao número de instituições beneficiadas. Além dos projetos que objetivavam a divulgação da literatura estadunidense, houve um crescimento de recursos para os intercâmbios de alunos e professores, organização de índices, antologias e seminários e a publicação de livros técnicos e trabalhos acadêmicos.
O relatório de 1940 indicou subsídios para a ALA e a American Council of Learned Societies (ACLS), atraindo mais uma instituição sem fins lucrativos para atuar como um agente cultural para a causa pan-americana. A ACLS foi nominalmente citada nos relatórios da Rockefeller somente a partir do relatório de 1940, mas a entidade participou ativamente do intercâmbio intelectual promovido pela OCIAA nos anos 1940. Ainda em 1940, além do auxílio para reconstruir parte de coleções de bibliotecas europeias que se perderam após bombardeios causados pelos inimigos, há também registros de subsídios para o incentivo das bibliotecas itinerantes (circulating libraries) que promoviam a circulação de livros entre os residentes estadunidenses em Paris e para o público em geral interessado nos EUA.35 Enquanto isso, no próprio território estadunidense, muitas vezes em parceria com projetos do OCIAA, a Biblioteca do Congresso passou a receber subsídios para intensificar a união hemisférica.
Ao contextualizarmos os subsídios das atividades ligadas à leitura ou aos livros no espectro de países atingidos pelos programas culturais da Fundação Rockefeller até a década de 1940, percebemos a ampliação de determinados projetos e o aprimoramento da logística para os países destinatários, que estão em consonância com as relações culturais estabelecidas pelos EUA, que, por sua vez, afinam-se aos seus interesses políticos e econômicos.36
Na primeira metade da década de 1930, para se combater a propaganda nazista e fascista, o programa de livros da Fundação Rockefeller alcançou a Europa, e, na segunda metade, após o estabelecimento da aliança hemisférica, a América Latina. A instituição mais importante do país que contava com profissionais para assumir essa empreitada foi a ALA, que foi adquirindo diferentes contornos ao longo de sua atuação. A Primeira Guerra Mundial foi o grande momento da internacionalização da ALA, quando houve a profissionalização e modernização de seus serviços e da logística de envio de livros a diferentes países. Já durante a Segunda Guerra Mundial, o conhecimento adquirido foi usado como uma vantagem para se ensinar e treinar os vizinhos a modernizarem o sistema de biblioteconomia e a política dos livros nos vários intercâmbios entre bibliotecários estadunidenses e latino-americanos.37
Nos anos 1930, vários especialistas em assuntos relativos aos EUA e que tinham grande conhecimento das regiões para onde os livros eram enviados foram convocados em torno de projetos para melhorar a qualidade das publicações e otimizar os programas culturais de acordo com as particularidades culturais e necessidades dos destinatários. Em meados de 1930, a presença desses especialistas na Europa e América Latina ajudou a compor o diagnóstico de que havia certa resistência aos EUA ou desconfiança quanto à qualidade dos livros estadunidenses. Assim, parece surgir também o imperativo de fortalecer os estudos sobre o próprio Estados Unidos. A partir de então, os American Studies ou North-American Studies captaram mais verbas e ficaram mais robustos, o que seria muito útil durante a guerra e no pós-guerra para se afirmar o ideal da democracia estadunidense.
O combate às atividades subversivas e ao antiamericanismo
Em 1928, o VI Congresso da Internacional Comunista (IC) passou a dar mais atenção à América Latina. Os participantes avaliaram a situação dos países da região e a força do imperialismo dos EUA, que, segundo a versão difundida pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), disputava o controle das Américas com a Inglaterra. Em face dessa avaliação, a IC encaminhou as diretivas para suas seções nacionais. Em 1929, a I Conferência Comunista Latino Americana foi sediada em Buenos Aires, ocasião na qual os participantes reforçaram a necessidade da união dos operários e dos camponeses para a revolução latino-americana contra o imperialismo e a hegemonia dos EUA e da Inglaterra sobre a região.38 Cresceram os debates e embates nos partidos políticos, nas organizações sindicais e nos jornais da época na mesma medida que aumentaram os discursos sobre o antiamericanismo39 e a desconfiança da aproximação dos EUA com a América Latina.
Não houve mudanças no clima de animosidade contra os yankees com a chegada do OCIAA no território latino-americano em 1941. Porém, a divulgação das ideias democráticas estadunidenses se tornava cada vez mais eficiente e sedutora no Brasil, por exemplo, pois a repressão aos veículos de imprensa e a truculência contra jornalistas e escritores por parte do governo de Getúlio Vargas piorava a cada dia. Não podemos deixar de mencionar a atuação da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), anteriormente Sociedade de Escritores Brasileiros, fundada em 1942. Congregando grandes nomes de profissionais do jornalismo, escritores e tradutores vinculados aos partidos políticos de várias correntes ideológicas, a ABDE conseguiu unificar a pauta pela liberdade de expressão e imprensa.40
O OCIAA soube explorar esse momento de insegurança e repressão à imprensa brasileira e convidou grandes nomes vinculados ao mundo dos impressos e ao rádio para visitar os EUA na década de 1940, alguns deles simpatizantes do PCB e outros vinculados a intelectuais de direita e ao próprio Governo Vargas. O projeto "Visita de editores brasileiros aos EUA" financiou as viagens de Freitas Bastos e José Olympio, editores do Rio de Janeiro, Martins Fontes, Geraldo de Ulhoa Cintra e Orlando F. Rocha, de São Paulo, e Erico Verissimo, do Rio Grande do Sul.41 Outro projeto levou grandes nomes da publicidade e do rádio para trabalhar temporariamente nos EUA. Entre eles estavam Orígenes Lessa, Julio Barata, Raimundo Magalhães, Pompeu de Souza e Francisco de Paula Assis Figueiredo, com suas respectivas famílias.42
Julio Barata era um jornalista e especialista em rádio, "recém convertido às democracias, pró-estadunidense", e Assis Figueiredo era diretor da Divisão de Turismo do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pelas relações com os EUA no Brasil. Como braço direito de Lourival Fontes, diretor do DIP, era de sua confiança e tinha proximidade com a família de Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha.43 Como todos esses convidados eram ligados ao mundo das comunicações, e alguns ao governo Vargas, quando voltavam de viagem davam entrevistas, faziam palestras e escreviam artigos que eram publicados nos jornais de grande circulação e livros relatando a passagem pelos EUA. Muitos relatos versavam sobre a "aparente" liberdade de imprensa nos EUA, que reforçava a pauta da ABDE e opunha-se à repressão do governo brasileiro.
Nesse cenário, em 11 de janeiro de 1942, a Alemanha declarou guerra aos EUA, e, entre os dias 15 e 28 de janeiro de 1942, o Rio de Janeiro sediou o Terceiro Encontro dos Ministérios de Assuntos Internacionais das Repúblicas Americanas, onde foram aprovadas 41 resoluções para o esforço de solidariedade hemisférica em face da conflagração mundial. As resoluções 17 e 19 se referem diretamente ao combate às "atividades subversivas", que nesse contexto diziam respeito a grupos fascista ou nazista. A resolução 17 reafirmava a necessidade das Repúblicas Americanas combaterem atividades que comprometessem a segurança individual ou coletiva em suas jurisdições. Recomendava-se o combate e a punição aos crimes contra as instituições democráticas da mesma maneira que o faziam para os atentados à soberania nacional. O item 4 da resolução determinava que as Repúblicas Americanas desativassem centros de propaganda de regimes totalitários e tivessem o controle de organizações apoiadas pelos países não americanos por serem prejudiciais à segurança hemisférica. Já a resolução 19 preconizava a criação de uma coordenação para a inteligência e serviços de investigação nacionais, para trocar informações, investigações e sugestões que prevenissem ou punissem a espionagem, sabotagem ou outros tipos de atividades subversivas do Eixo.44
No Brasil, por exemplo, desde 1937 as escolas que ensinavam em línguas estrangeiras -principalmente a alemã, italiana e japonesa- vinham sendo inviabilizadas, situação que se agravou depois de agosto de 1942 com a entrada do Brasil na guerra45 e o cumprimento do acordo das Repúblicas Americanas mencionado anteriormente.46 O veto à imprensa, aos livros e às escolas em línguas alemã, italiana e japonesa durante a campanha de nacionalização no Brasil foi outra porta de entrada para os livros dos EUA, apesar de os preços serem bem mais altos que os livros vindos da Europa.47
Ao se posicionarem como guardiões da democracia e o modelo a ser seguido pelos vizinhos latino-americanos, os EUA combatiam os possíveis resquícios de antiamericanismo existentes na América Latina em várias frentes. A industrialização, a urbanização e a modernização da sociedade estadunidense eram apresentadas como os efeitos diretos da democracia e do liberalismo. Carros, eletroportáteis e alimentos industrializados que facilitavam o dia a dia dos cidadãos eram exportados como a imagem de uma sociedade perfeita, mimetizados no American Dream.
As publicações e as traduções de alguns títulos, principalmente das áreas econômica e sociológica, reforçavam a divulgação do ideal democrático estadunidense contra os regimes totalitários vigentes na Alemanha e na Itália, em total sintonia com o que era veiculado pelos programas de rádio e o cinema destinado a um público maior. O contato com livros e autores da sociologia, da administração e da política dos EUA se deu pela presença de vários funcionários do OCIAA em São Paulo e no Rio de Janeiro, e, em parte devido à vinda de acadêmicos estadunidenses para a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em São Paulo. Em 1939, Donald Pierson, sociólogo estadunidense da Universidade de Chicago,48 se integrou ao corpo docente e trouxe na bagagem o apoio financeiro do Instituto Smithsonian para a realização de pesquisas empíricas sobre a realidade brasileira por meio dos "estudos de comunidades".49 Esse patrocínio possibilitou a ida de estudantes brasileiros como Mário Wagner Vieira da Cunha, Oracy Nogueira, Juares Brandão Lopes e Levy Cruz à Universidade de Chicago, onde estabeleceram contatos e fizeram amizades com os profissionais de lá.50
Um dos primeiros professores de sociologia da Universidade de Chicago foi o pastor protestante Albion Small. Ele era "do tipo interessado na reforma social, voltado para o equacionamento dos problemas sociais que afligiam as grandes cidades americanas".51 A universidade conseguiu reunir um pequeno grupo de sociólogos, alguns deles também pastores protestantes, que foram fortemente influenciados pela ideia do que precisava ser feito nos EUA para enfrentarem e resolverem os problemas da pobreza no país. Com o passar do tempo, muitos alunos desse grupo foram para outras universidades e fundaram cursos de sociologia seguindo os mesmos princípios, como na Universidade de Columbia, de Los Angeles, de Seattle e em Washington. O grupo de pesquisadores de sociologia da Universidade de Chicago ficou conhecido como a Escola de Chicago na década de 1920, dedicando-se ao estudo empírico de ambientes urbanos, principalmente na cidade de Chicago.52
O caráter pragmático da sociologia trazida da Escola de Chicago apontava a possível resolução de problemas e se contrastava à abordagem mais filosófica e formalista das faculdades brasileiras, atraindo a elite paulista para a recém fundada ELSP. O objetivo da Escola Livre de Sociologia e Política era formar futuros quadros de administradores, funcionários técnicos e políticos que pudessem trabalhar para a "retomada da hegemonia política do país por São Paulo", pois acreditavam nas "possibilidades de 'aplicação' direta do conhecimento sociológico em políticas públicas".53 O grupo de alunos passou então a frequentar as aulas e os seminários, a traduzir artigos e livros e a ter contato com profissionais estadunidenses,54 impulsionando o mercado de traduções das áreas de sociologia e administração pública.
No rol de livros de economia, sociologia e filosofia estava: Our Democracy in Action (1940), de Franklin Roosevelt; Economics for the Millions (1940), do sociólogo Henry Fairchild; The Study of Man (1936), do antropólogo da Universidade de Columbia Ralph Linton; March of the Iron Men: A Social History of Union through Invention (1938) e Engines of Democracy: Inventions and Society in Mature America (1940), do escritor Roger Burlingame; Negroes in Brazil (1942), de Donald Pierson, traduzido como Brancos e Pretos na Bahia: Estudo de Contato Racial, publicado em 1945 no Brasil; The Price of Freedom (1940), de Henry Wallace, entre outros.55
Na área administrativa, o Departamento Administrativo de Serviço Público do Rio de Janeiro coordenou a publicação de alguns títulos traduzidos e a negociação dos direitos autorais usando os subsídios do OCIAA. Muitos deles eram de autoria de pessoas famosas da área acadêmica ou administrativa dos EUA, como o Public Personnel Problems from the Standpoint of the Operating Officer (1938), de Lewis Meriam, que coordenara um projeto da Instituição Brookings, organização pública sem fins lucrativos,56 financiado pela Fundação Rockefeller na década de 1920;57Principles of Public Administration, with Special Reference to the National and State Governments of the us (1926), de William F. Willoughby, primeiro diretor da Instituição Brookings; Introduction to the Study of Public Administration (1926), de Leonard Dupee White, cientista político e historiador da Universidade de Chicago, especialista em administração pública;58Principles of Organization (1938), de James David Mooney, presidente e diretor geral da General Motors nas décadas de 1920 e 1930;59 entre outros.60
Não há como mensurar o grau de eficácia desses livros no combate ao antiamericanismo no Brasil, mas juntamente com outros produtos culturais que difundiam o american dream entre o público em geral certamente cumpriram o objetivo de divulgar o ideal "americano". No relatório de 25 de maio de 1942 da Divisão Brasileira,61 Berent Friele, coordenador do OCIAA de São Paulo, registrou com otimismo que "não havia mais resquícios de sentimento antiamericano no Brasil", exceto o de algumas pessoas movidas por motivos pessoais. Friele relatou ainda que propagandas antiamericanas e contrárias aos Aliados deixaram de existir no Brasil, pois o OCIAA e a Embaixada dos EUA se esforçaram para isso, mas o motivo principal era o rompimento de relações do Brasil com os países do eixo.
O OCIAA mantém contato próximo com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Se um jornal ou uma revista divulga algo que consideremos prejudiciais aos nossos interesses, essa informação é repassada imediatamente ao DIP. Nem é necessário dizer que ações imediatas são tomadas para interromper a publicação desse tipo de material.62
Mesmo com toda essa vigilância, alguns artigos escaparam e foram publicados, como o de Valdemar Cavalcanti, em 1944, que qualificou a distribuição de livros estadunidenses como propaganda, comparando-a aos livros ingleses, que tinham um caráter eminentemente de difusão.63 Em relação às notícias estadunidenses, o relatório destacou que cerca de 700 unidades entre fotografias, recortes, histórias e itens jornalísticos estavam sendo impressas pelos jornais por todo o Brasil. "Os jornais estão satisfeitos em recebê-los e usam praticamente todo material que conseguimos repassar. Nunca houve tanto material estadunidense publicado no Brasil como há hoje, e ainda sem nenhum custo ou subsídio".64 Obviamente, todo esse material era selecionado pelo pessoal do OCIAA em Washington, repassado para a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil para, então, se fazer a distribuição.65 A ALA, por sua vez, era responsável pelos programas de distribuição de livros. Kraske examinou o estabelecimento das "American Libraries" na América Latina no cenário das trocas intelectuais promovidas pelo Departamento de Estado. A primeira foi a Biblioteca Benjamin Franklin, na Cidade do México, em abril de 1942; seguida da Biblioteca Americana de Nicarágua, em Manágua, Nicarágua, em novembro de 1942; e a Biblioteca Artigas-Washington (BAW), em Montevideo, Uruguai, em junho de 1943.66 Maymí-Sugrañes debruçou-se sobre algumas correspondências para mostrar os interesses comuns da ALA e do governo em promover ideais democráticos na América Latina na década de 1940 e destacou os atritos subjacentes entre alguns membros da diretoria da ALA e Embaixada dos EUA, cuja presença se tornou mais incisiva na escolha de livros para distribuição, violando o pacto da ALA que respeitava e acatava a autonomia de escolha dos países receptores.67 Nesse sentido, o pesquisador argumenta que a participação da ALA na modernização das bibliotecas foi incentivada por uma visão imperialista e paternalista dos EUA. Apesar das divergências, os programas coordenados pela ALA foram fundamentais para possibilitar a chegada de livros estadunidenses nas bibliotecas latino-americanas.
Paralelamente, o Council on Books in Wartime [Conselho de Livros em Tempos de Guerra] (CBW), estava reunindo editores do setor privado e uniu forças com o Office of War Information [Gabinete de Informação de Guerra] (OWI), órgão do Departamento de Estado, para garantir a chegada de livros estadunidenses à Europa. Os programas do CBW tencionavam distribuir livros para levantar e apoiar a moral da população civil e das tropas que foram enviadas para combate, enquanto o OWI atuava para levantar a moral, fazer publicidade e propaganda.68 As casas editoriais que haviam modernizado técnicas de produção de baixo custo e a criação de séries especiais de livros de bolso uniam-se a esse esforço coletivo visando atingir os corações e as mentes europeias para futuros negócios e ideais, certamente abarcando o componente de propaganda do Estado.69
Em 3 de janeiro de 1944, Nelson Rockefeller encaminhou a Henry A. Wallace, vice-presidente dos EUA o texto de uma transmissão de rádio feita pelo professor Harry A. Overstreet,70 pois considerou ser a "análise mais clara" que lera sobre as relações internacionais. Overstreet fez uma projeção da situação dos EUA após a guerra sugerindo algumas ações que precisariam ser tomadas e apontando o "americanismo" como um futuro problema para as relações diplomáticas. O americanismo, segundo Overstreet, resumiase em suspeitar de todos os estrangeiros, desprezar culturas estrangeiras, exigir os EUA só para os estadunidenses, onde os estrangeiros não eram bem vindos. "Na forma menos crua da expressão, o americanismo assume a forma de quase completa ignorância de outras pessoas, suas histórias, vidas, arte, educação e aspirações. Duas deficiências para serem superadas são a intolerância cultural e injustiça racial".71
Influenciado ou não pela análise de Overstreet, os relatórios da Fundação Rockefeller pós-guerra continuam apontando os subsídios para os American Studies, pois, "em tempos de ideologias conflitantes, é necessário, mais do que nunca, se entender o modo de vida americano".72 Os relatórios da primeira metade da década de 1940 indicaram grande investimento para universidades localizadas principalmente no Centro Oeste dos EUA no que tange aos projetos na área de história, economia, literatura e cultura relacionados aos American Studies, enquanto os relatórios da segunda metade da década já apontaram para a internacionalização desses estudos por meio da criação de institutos dedicados aos American Studies, do intercâmbio de professores e estudantes e da organização de seminários, principalmente na Alemanha e no Japão. O ideal da democracia estadunidense seria efetivamente propagado pelos livros de história, economia, literatura e cultura, juntando-se à ideia de progresso na ciência e tecnologia bem como o liberalismo dos negócios, não só para fazer novos amigos, mas para o combate ao comunismo, seu mais novo inimigo, e a continuidade do combate ao antiamericanismo.
Conclusão
O "programa de informação" citado na primeira epígrafe encontra-se em uma carta de Cecil Cross, Cônsul Geral dos EUA no Brasil, e refere-se à propaganda estadunidense que os próprios membros do Departamento de Estado preferiam chamar de "informação", para se diferenciar da "propaganda" nazista. O setor encarregado de divulgar essas informações era chamado de Office of War Information [Agência de Informações de Guerra]. A correspondência citada é uma dentre as centenas trocadas entre o pessoal do OCIAA, do Departamento de Estado e do Consulado dos EUA no Brasil, em que a "propaganda" é vista como crucial para divulgar a "história e a civilização dos EUA".
Para além das facilidades que se abriram com a construção de rotas marítimas que ligavam as Américas do sul, central e do norte, que inegavelmente beneficiaram o trânsito de publicações, e, portanto, a melhoria da comunicação, não se pode ignorar o fato de que houve uma política de relações culturais dos Estados Unidos com a participação da iniciativa privada para consolidar sua liderança das Américas não só no nível econômico, mas também cultural.
Apesar de haver certa resistência ou desconfiança de alguns segmentos nos países latino-americanos para essa "invasão" estadunidense, não podemos deixar de ressaltar que isso só foi possível por haver receptividade e interesses mútuos. Enquanto isso, os países latino-americanos continuaram unidos pelo Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), antecessor da UNESCO, criado em 1925,73 no âmbito da Liga das Nações, da qual os EUA não eram signatários por não terem ratificado o Tratado de Versalhes. Isso porque, ainda que tenham participado da conferência e Woodrow Wilson apresentado seus famosos 14 pontos, o Senado estadunidense rejeitou os termos do Tratado de Versalhes.74 Dessa forma, os latino-americanos conduziam seus próprios acordos culturais e intelectuais entre si, diferenciando-se substantivamente das relações culturais Brasil-Estados Unidos.
De qualquer maneira, o poder econômico dos EUA, apoiados pelas entidades filantrópicas e organizações do setor privado conseguiram cobrir um perímetro infinitamente maior que as relações estabelecidas entre os países latino-americanos. Todos esses projetos subsidiados possibilitaram aos EUA o acúmulo de capital simbólico que foi explorado e ampliado pelos programas culturais nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial. Após a reorganização geopolítica que dividiu o mundo em dois blocos, o governo estadunidense, apoiado novamente pelo setor privado, as instituições filantrópicas e organizações sem fins lucrativos, empenhou-se em melhorar a imagem do país, visando combater o antiamericanismo e estabelecer a hegemonia política e cultural. Uma das estratégias se deu por meio da representação dos EUA como a terra da democracia e liberdade exportada pelos filmes, documentários e livros (ressaltando que parte desse material não foi arquitetado especificamente para tal finalidade).
Os relatórios e as correspondências dessa pesquisa mostraram que a propaganda e o combate ao antiamericanismo não era uma preocupação exclusiva das políticas culturais pós-1945, mas esteve presente nos programas que guiaram as políticas culturais entre as Américas desde a criação da Divisão Cultural do Departamento de Estado, em 1938. A luta estadunidense contra o comunismo, tema antes visto como uma grande teoria da conspiração, vem sendo descortinado por várias pesquisas sobre o campo cultural trazendo à tona a trama dos financiamentos culturais para estimular a crescente imersão dos latino-americanos no universo mimético da democracia e do "sonho americano".