Introdução
O estresse consiste em uma resposta inespecífica do organismo diante de uma pressão exercida sobre o sistema orgânico. É um processo de adaptação do indivíduo às demandas do meio interno e externo, podendo gerar alterações em sua capacidade física, psíquica e emocional, com sintomas que impedem a satisfação pessoal e provocam fragilidade nos organismos, diminuindo inclusive a resistência às doenças 1,2.
Constitui um estado de tensão que rompe o equilíbrio do organismo e suas reações fisiológicas são chamadas de "síndrome de adaptação geral", dividida em três fases: de alerta, de resistência, e de exaustão, segundo o modelo trifásico de evolução do estresse, proposto por Selye 1,3.
A fase do alerta pode ser considerada a fase positiva do estresse. Nesta, a produção de adrenalina proporciona energia e motivação para o indivíduo e um sentimento de plenitude é constantemente alcançado. Na segunda fase a pessoa tenta lidar com os fatores estressores para manter sua homeostase interna. Se esses fatores persistirem em frequência ou intensidade, ocorre uma quebra na resistência e o indivíduo passa à fase de exaustão, em que surgem as doenças graves, como infarto, depressão e outras 3.
Os cursos universitários, especialmente os da área de saúde, e o início da vida profissional são reconhecidamente geradores de estresse, que podem interferir na saúde e na qualidade de vida dos indivíduos. Durante esses períodos, a competição, as atividades acadêmicas, a carga horária excessiva, as dificuldades em conciliar a vida pessoal e a acadêmica, além da responsabilidade inerente à profissão, interferem no equilíbrio emocional dos estudantes, que, em alguns casos, não conseguem se adaptar às exigências da sua formação, vivenciando problemas emocionais e psíquicos 4-6.
Além disso, considerando a presença de fatores estressantes na vida de acadêmicos, estudos apontam que os alunos do curso de Medicina são os que estão mais vulneráveis a responder às situações estressantes de modo não adaptativo 5.
Durante a formação médica, por exemplo, muitos estudantes vivenciam, de forma solitária, situações de dor, sofrimento e ansiedade no contato com o paciente, e, na maioria dos casos, as instituições de ensino não oferecem ações que possam levá-los a refletir e a enfrentar esses desafios relacionados aos sentimentos advindos do cotidiano acadêmico 7,8.
O objetivo deste trabalho foi analisar as fases do estresse e seus correlatos com características de saúde e demográficas de estudantes de medicina de uma faculdade do interior do Nordeste.
Materiais e método
Pesquisa de caráter descritivo, transversal, com abordagem quantitativa, em um delineamento ex-post-facto, do tipo correlacional, teve como cenário de estudo uma Instituição de Ensino Superior (IES) localizada no sertão da Paraíba, Brasil. A população constitui-se de 180 estudantes do curso de Medicina da IES. Para a pesquisa, foi adotada uma amostra não probabilística intencional determinada conforme critérios de inclusão - estudante de medicina regularmente matriculado e que tenha manifestado interesse em participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) - e critérios de exclusão - discente em tratamento psicológico durante o período de coleta de dados e não estar blocado em nenhum período do curso. Com isso, a amostra foi composta por 138 alunos.
Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário composto por questões objetivas de identificação do perfil social e demográfico do estudante e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) para avaliar o estresse 3. O questionário com variáveis sociodemográficas incluiu informações sobre idade, gênero, estado civil, lazer, bolsa de estudos para realizar o curso, satisfação com o curso e outras informações consideradas importantes. Essas informações auxiliaram na exploração de possíveis grupos de risco relacionados ao fenômeno estudado.
Foi utilizado um questionário composto por questões objetivas de identificação do perfil social e demográfico do estudante e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) para avaliar o estresse.
Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21®. Além de estatísticas descritivas de frequência relativa e absoluta e de tendência central e dispersão, adotaram-se como testes inferenciais correlações de Pearson entre variáveis contínuas ou ordinais (i.e. idade, e as pontuações do questionário de estresse).
Para comparar as de saúde mental com as de caráter qualitativo (categórico) e para evitar o erro de conjunto 9,10 visto a quantidade de variáveis, realizou-se correlação bisseriais por ponto. O sinal dessa correlação indica quais dos grupos de variáveis qualitativas apresentam maiores pontuações. Um sinal de correlação negativo indica maior pontuação para a categoria, que está no banco de dados, representada pelo menor número. Por exemplo, no banco do SPSS, o sexo masculino está representado pelo número zero (00) e o feminino pelo número "um" (01), se o sinal da correlação for negativo é um indicativo de que o sexo masculino possui maiores pontuações no questionário.
Para todas as correlações foi adotada uma significância estatística menor ou igual a 0,05, ou seja, p < 0,05. Algumas variáveis qualitativas não foram inseridas nas correlações, pois apresentaram muitos grupos com frequência muito baixa.
O ISSL é constituído por três quadros referentes às fases do estresse. O primeiro, composto de 15 itens relacionados aos sintomas físicos ou psicológicos que o participante tenha experimentado nas últimas 24 horas. Na ocorrência de 7 ou mais itens - fase de alerta (fase I). O segundo refere-se aos sintomas experimentados na última semana, sendo 10 itens relativos a sintomas físicos e 5 a sintomas psicológicos. Na ocorrência de 4 ou mais dos itens - fase de resistência ou quase-exaustão (fase II). E o terceiro quadro, composto de 12 sintomas físicos e 11 psicológicos, refere-se a sintomas experimentados no último mês. Na ocorrência de 9 (nove) ou mais itens -fase de exaustão (fase III). No total, o ISSL apresenta 37 itens de natureza somática e 19 psicológicas, sendo os sintomas muitas vezes repetidos, diferindo apenas em sua intensidade e seriedade.
Ressalta-se que a pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da IES. Sobre os preceitos éticos, os estudantes foram esclarecidos sobre a pesquisa e seus objetivos e, a partir destas informações, puderam decidir por participar ou não da investigação. Aqueles que optaram em participar do estudo manifestaram voluntariamente seu interesse com a assinatura do TCLE.
Resultados
A tabela 1 mostrou que a amostra era composta, em sua maioria, pelo sexo feminino, com idade entre 18 a 24 anos, solteiros, que moravan com amigos ou colegas e sem atividade remunerada. Quanto aos hábitos de vida, pouco mais da metade tinha atividade de lazer e cerca de um terço buscavam alguma atividade física.
Conforme a tabela 2, 31,9% dos alunos cursavam o 5° período e a maioria não possuiam bolsa de estudos. A respeito da satisfação com o curso, 45,7% relatou ser excelente e a maioria negou o pensamento de desistência ou a necessidade de usar medicamento por conta do curso. Além disso, aproximadamente um terço dos estudantes relatou fazer tratamento psicológico e a maioria, às vezes, buscavam tratamento psiquiátrico.
Com relação às fases do estresse, a tabela 3 mostra que apenas a média da fase de resistência estava acima do ponto médio da escala.
A tabela 4 mostra que a maioria dos estudantes estavam na fase de resistência (ou quase-exaustão) do estresse.
As fases de resistência (ou quase-exaustão) e de exaustão se correlacionaram significativamente com sexo, bolsa de estudos, satisfação com o curso, pensamento de desistir do curso, tratamento psicológico e tratamento psiquiátrico. Os resultados mostram que as mulheres, os estudantes sem bolsa de estudo, as com menor satisfação com o curso, os que pensam em desistir do curso, tomam medicamento por conta do curso, os que não procuram tratamento psicológico e os que buscam tratamento psiquiátrico possuiam maiores pontuações de estresse nas fases de resistência e exaustão (Tabela 5).
Nota: I Correlações bisseriais; II Correlações de Pearson
Sexo - (0) Masculino; (1) Feminino
Atividade de lazer - (0) Não; As vezes (1); Sim (2)
Atividade física - (0) Não; As vezes (1); Sim (2);
Bolsa de estudos - (0) Sim; (1) Não
Já pensou em desistir do curso - (0) Nunca; (1) As vezes; (2) Frequentemente
Já tomou medicação por conta do curso - (0) Nunca; (1) As vezes; (2) Frequentemente
Tratamento psicológico - (0) Sim; (1) Não
Tratamento psiquiátrico - (0) Nunca; (1) As vezes; (2) Frequentemente * p < 0,05; p < 0,01.
Discussão
O caráter estressante do trabalho na área da saúde constitui motivo de preocupação desde o início do século, visto que interfere na saúde física e mental dos profissionais e pode levar ao desenvolvimento de distúrbios emocionais 11. Por isso, os acadêmicos de medicina tem sido, frequentemente, objeto de estudos sociológicos e psicológicos, devido à natureza e às repercussões singulares de sua formação. A carreira médica retrata, ainda hoje, a oportunidade de satisfação para o indivíduo, além da possibilidade dos anseios materiais, emocionais e intelectuais. Apesar disso, pesquisas descrevem vários momentos considerados potencialmente estressantes na vida dos estudantes de Medicina 12.
Um dos principais sintomas que surgem na fase de resistência é relacionado a diminuição da memória que dificulta, muitas vezes, a retenção dos conteúdos necessários à execução de várias atividades, prejudicando então o desempenho acadêmico do aluno.
Desde o vestibular extremamente competitivo até a profissão propriamente dita, o primeiro contato com o paciente, o término da faculdade, o ritmo de plantões e a escolha da especialidade destacam-se como fatores estressores para os discentes 7,8,13.
No que diz respeito à idade, os dados demonstram que os estudantes mais jovens estão mais suscetíveis aos efeitos do estresse. Indices significativos foram observados na faixa etária de 17 a 24 anos, isso corrobora com outros estudos que também identificaram mais estresse em alunos jovens, sejam mestrandos, universitários ou pré-vestibulandos 14.
Ademais, constatou-se que os discentes contribuem pouco com a renda familiar, cerca de 95,7% não exercem nenhuma atividade remunerada. Isso ocorre porque eles apresentam dificuldade em conciliar os estudos com um emprego, devido à alta carga horária exigida pelo curso 15.
Sobre a realização de atividades de lazer, apesar de alguns pesquisadores constatarem que pessoas sem tempo destinado às atividades física e de lazer estão mais susceptíveis a desenvolver sintomas depressivos 16, mais da metade da amostra do estudo (53,6%) afirma realizar algum tipo de atividade.
O alto índice de sintomas de estresse nos ingressantes na faculdade, observados em algumas pesquisas pode ser devido à fase de adaptação às diversas mudanças inerentes à vida acadêmica. E quanto aos acadêmicos dos períodos mais avançados, o estresse é desencadeado, geralmente, porque se inicia as disciplinas clínicas e, consequentemente, aumenta o contato com o paciente e a doença 17.
O curso de Medicina exige dos alunos dedicação, sacrifício e resistência física e emocional, sendo assim considerado um dos mais difíceis e trabalhosos 18. A quantidade de novas informações e a pressão para que elas sejam apreendidas e retidas, a falta de atividades de lazer e sociais, o contato com doença grave, sofrimento e morte, no âmbito clínico, podem desencadear sintomas depressivos nos acadêmicos 19. A associação desses fatores resulta, na maioria das vezes, em irritação, apatia e insatisfação, refletindo-se no adoecimento dos estudantes 20.
Considerando o modelo trifásico de evolução do estresse 1,3, 61,59% dos estudantes desse estudo encontram-se na fase de resistência ou quase-exaustão, 16,67%, na fase de exaustão e apenas 0,72%, na fase de alerta. Um estudo realizado com 149 estudantes, de uma universidade do Rio Grande do Sul, em 2010, apresentou resultado semelhante. Desses 149, 40,95% dos indivíduos apresentaram sintomas de estresse. Entre eles, 2,1% estavam na fase de alerta, 93,7% na fase de resistência e 4,2% na fase de exaustão 21.
A prevalência da fase intermediária sugere que a maioria dos discentes universitários apresentam um estresse de grande duração e/ou de grande intensidade e, possivelmente, alguns dos sintomas da fase anterior (de alerta), sobretudo aqueles relacionados à motivação, desaparecem, prevalecendo os sintomas de cansaço 3. Um dos principais sintomas que surgem na fase de resistência é relacionado a diminuição da memória que dificulta, muitas vezes, a retenção dos conteúdos necessários à execução de várias atividades, prejudicando então o desempenho acadêmico do aluno 3,22.
Através da análise dos resultados, observou-se a associação entre as fases de resistência e de alerta e o sexo (0,24 e 0,26; respectivamente). O sexo feminino parece sofrer com níveis de estresse mais elevados do que o sexo masculino. Estes dados não são suficientes para comprovar que as mulheres são mais estressadas do que os homens, mas indicam que elas estão mais aptas a lamentarem e expressarem seus sentimentos, além de serem mais envolvidas pela vida de outras pessoas do que os homens 23,24.
Considerando a relação entre as fases do estresse e a forma de custeio do curso, verificou-se que a maioria dos universitários que não tem bolsa de estudo encontra-se nas fases de maior estresse. Isso não corrobora com uma pesquisa realizada, em 2011, com 300 acadêmicos de medicina, onde os indivíduos que afirmaram ter bolsa de estudo (27,3%) eram os mais estressados, devido ao fato de se sentirem pressionados pela necessidade de dedicação e envolvimento para atingirem um bom resultado em suas avaliações e, com isso, manter a bolsa, visto que a possibilidade de a perder, causaria o abandono do curso por falta de condições financeiras 25.
A correlação entre o estresse e os alunos que pensaram em desistir do curso apresentou-se positiva, já a correlação com o grau de satisfação dos acadêmicos de Medicina mostrou-se negativa. Esse resultado demonstra que quanto mais satisfeito com o curso, menor os níveis de estresse dos alunos. Supõe-se que mesmo com as dificuldades e fatores estressantes, o curso de medicina represente, para a maioria dos alunos, a realização da vocação e dos seus projetos de vida. Na faculdade, eles desenvolvem sentimentos de humanidade, altruísmo e paixão pela profissão. Podendo dessa forma compreenderem de que mesmo no meio de sacrifícios e renúncias existem também recompensas e satisfação 26.
Quanto aos alunos que fizeram uso de medicamentos por conta do curso, a maioria apresenta-se nas fases de resistência e de exaustão. Segundo uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, os acadêmicos usam medicamentos com o intuito de melhorar a atenção e/ou se manterem acordados por mais tempo, em virtude da alta carga horária que precisam cumprir e o extenso conteúdo curricular a ser estudado, com o intuito de melhorar a atenção e/ou se manter acordados durante mais tempo 27.
Em nosso estudo, os discentes que não procuram tratamento psicológico possuiam maiores pontuações de estresse nas fases de resistência e exaustão. Nesses casos, eles não conseguem lidar sozinhos com o estresse a que são submetidos. O relatório de 2011 do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE) demonstrou que uma grande parcela dos estudantes das universidades queixa-se de dificuldades de adaptação a novas situações, como à cidade, ao curso ou à separação da família. Nesse relatório, 47,7% dos alunos apresentavam sofrimento psíquico, o que sugere estar ocorrendo um aumento considerável de necessidade de atendimento psicológico entre esses indivíduos. Contudo, algumas vezes eles temem o estigma associado à procura de ajuda e tratamento nestas situações, relutando em demonstrar tal vulnerabilidade, mesmo quando dispõem desse suporte e apoio 28.
Diante disso, estudos apontam que além da família, existem outros fatores importantes para a prevenção do estresse excessivo e das doenças mentais, dentre eles as redes de apoio social 29 e a habilidade de lidar com o estresse 30. A atuação das instituições de ensino no alcance desse propósito foi destacada por pesquisadores os quais sugeriram trabalhos de prevenção nas escolas, visando identificar problemas mentais e fornecer aconselhamento aos estudantes 16. A universidade deve utilizar estratégias para auxiliar os acadêmicos a lidar melhor com as situações difíceis e minimizar os efeitos causados pelo estresse e suas consequências, promovendo a integração e o ajustamento tanto acadêmico quanto pessoal, social e afetivo 30.
Conclusão
Nesse estudo, há correlação positiva entre as fases de estresse e os alunos que têm bolsa de estudo, que já pensaram em desistir da faculdade e já precisaram tomar medicações por conta do curso. Ademais, as fases de resistência e exaustão apresentam correlações negativas com aos acadêmicos satisfeitos com o curso e que já buscaram tratamento psicológico. A maioria da amostra encontra-se na fase de resistência do estresse, sendo as mulheres, as mais afetadas.
Vários aspectos da formação médica contribuem para esse estresse vivido pelos estudantes, podendo comprometer sua saúde física e mental. Com isso, é necessário incorporar estratégias que possibilitem os acadêmicos o lidar com essa realidade de forma adaptativa, valorizando e reconhecendo seus limites. Os serviços de apoio psicológico, por exemplo, consistem em uma ação institucional positiva, oferecendo ajuda ao estudante e contribuindo para o seu bom desempenho.