Introdução
A fasceíte necrotizante (FN) pode ser caracterizada como um subconjunto das infecções agressivas da pele e tecidos moles que causam necrose da fáscia muscular e dos tecidos subcutâneos (1). Quando acomete a região de cabeça e pescoço é considerada como um tipo raro de infecção, que pode se espalhar de maneira rápida pelos tecidos moles (2).
Possuem origem polimicrobiana e extensa necrose que exibe uma formação gasosa no tecido subcutâneo e fáscia superficial (2). As bactérias patogênicas envolvidas geralmente são as espécies Streptococcus e Staphylococcus, especialmente, o grupo β- hemolítico (Streptococcus pyogenes) (3).
Para obter-se obter sucesso no tratamento desse tipo de infecção é fundamental um rápido diagnóstico, acompanhado de uma intervenção cirúrgica agressiva e antibioticoterapia sistêmica. Caso esse tratamento não seja instituído de maneira precoce, há uma possibilidade alta de choque séptico, insuficiência múltipla de órgãos e até mesmo óbito (2-5). Cirugies bucomaxilofaciais podem se deparar com casos de fasceíte necrotizante, em sua rotina, pois a infecção de origem odontogênica uma das etiologias mais comuns associadas a ocorrência de fasce te necrotizante em régio cervical (6).
Este artigo tem como objetivo relatar um caso raro de fasceíte necrotizante na região cérvico-facial de origem odontogênica, descrever a evolução e pós-tratamento dessa infecção, ressaltando a importância do diagnóstico e tratamento precoce.
Relato de Caso
Paciente do gênero feminino, 19 anos, leucoderma deu entrada no Hospital Dr. Pedro Garcia Moreno Filho em Itabaiana-SE com histórico de infecção odontogênica. A priori, havia sido atendida em um serviço onde não havia cirurgião bucomaxilofacial, no qual foi apenas prescito o tratamento somente medicamentoso, com Amoxicilina 500mg e anti-inflamatório Diclofenaco de sódio 50mg, ambos por via oral a cada 8 h. Entretanto, nenhuma intervenção havia sido realizada, tendo por consequência uma evolução negativa do quadro.
Ao exame clínico, observou-se extensa lesão necrótica com excreção purulenta na região submandibular esquerda, de odor fétido, com destruição de fáscia muscular (figura 1). No exame radiográfico panorâmico, observou-se, extensa lesão cariosa na unidade 37 e a unidade 38 inclusa (figura 2). Apresentava desidratação, letargia, dor intensa, apatia, febre, edema, disfagia e linfadenopatia. Nos exames laboratoriais amesma apresentava leucocitose (22.000 leucócitos), níveis de sódio, ureia e creatinina aumentados, glicemia dentro dos padrões de normalidade e sorologia para HIV negativa.
Fechou-se o diagnóstico de fasceíte necrotizante e a paciente foi internada e submetida à abordagem cirúrgica para a remoção das unidades 37, 38 (associadas a lesão necrótica), 47 e 48 (figura 3), visto que os segundos molares inferiores apresentavam lesões cariosas, sendo foco de infecção e os terceiros molares inferiores estavam em comunicação com o espaço infectado. Além disso, foi realizado o desbridamento da lesão (figura 4). Foi instituído o seguinte esquema terapêutico: hidratação com 2500 ml de soro glico fisiológico, antibioticoterapia com Ceftriaxona sódica 1g intravenosa (IV) 12/12horas e Metronidazol IV 500mg 8h/8horas, controle álgico com Tramadol 100mg diluído em 100ml de soro fisiológico 0,9%, IV de 12/12h, suplementação vitamínica com vitamina B e vitamina C diluída em 250ml de soro fisiológico de 12/12h, curativos com sufadiazina de prata três vezes ao dia e controle da febre com antipirético dipirona 1g diluido em água destilada IV de 6/6h.
Ao oitavo dia teve alta hospitalar com resolução do processo infeccioso e presença de tecido cicatricial na região da lesão (figura 5), foi orientada quanto a realização de curativos diários com Sulfadiazina de prata duas vezes ao dia e retorno após 1 mês. Após retorno, verificou-se o fechamento da lesão e bom aspecto cicatricial (figura 6).
Discussão
A fasceíte necrotizante requer um tratamento multidisciplinar e dividido em etapas condicionadas à resposta individual, à infecção e aos tratamentos propostos, sendo fundamental a abordagem de uma equipe com experiência em cuidados intensivos (7). Este, consiste basicamente em internação hospitalar, seguida de antibioticoterapia sistêmica, debridamento cirúrgico radical, monitoramento constante, suporte eletrolítico, manutenção das vias aéreas e remoção do foco infeccioso, assim que possível (8).
Quando se suspeita ou o diagnóstico de FN é fechado, o paciente deve ser internado e ter sinais vitais monitorados. A manutenção das vias aéreas é fundamental, pois a FN pode produzir edema e necrose na região cervical (9,10).
A exploração cirúrgica também é indicada nesses casos, devido à alta possibilidade de septicemia potencialmente fatal. Por conta disso, toda a fascia necrótica, músculos, bem como a pele subjacente, devem ser excisados. Geralmente as feridas não devem ser fechadas, e um dreno pode ser utilizado para facilitar uma necessidade futura de re-exploração (7). Em caso de propagação da infecção, mesmo após o debridamento inicial, o paciente deverá retornar à sala de cirurgias quantas vezes forem necessárias para mais debridamentos cirúrgicos. O recobrimento do tecido exposto, contudo, somente poderá ser realizado, quando não mais houver sinais de infecção, e assim que os parâmetros clínicos e laboratoriais estiverem normalizados (11). No presente caso, foi realizada a remoção da causa e desbridamento da zona necrótica, a cicatrização ocorreu por segunda intenção não necessitando de enxertia posterior ao controle da infecção.
A seleção inicial de antibióticos deve ser baseada na necessidade de abordar uma infecção de natureza polimicrobiana. Se a FN é suspeita, então uma combinação de antibióticos de amplo deve ser selecionada. A terapia antibiótica deve ser precocemente instituída. A droga de primeira escolha geralmente é a penicilina endovenosa.Entretanto, alguns casos requerem esquemas de combinações de antibióticos, compostos por penicilina resistente à penicilinase/meticilinase, aminoglicosídio, ou uma cefalosporina de terceira geração e para bactérias gram-negativas anaeróbias, é recomendada cobertura com Clindamicina ou Metronidazol (12-14) A terapia antibiótica de escolha para o caso foi uma cefalosporina de 3ª geração juntamente com metronidazol.
O cuidado com o suporte nutricional do paciente com fasceite necrotizante é extremamente importante e deve ser iniciado precocemente. Para o cálculo calórico, deve-se considerar o fato de que esses pacientes terão um aumento nas demandas de calorias e proteínas devido o seu estado hipermetabólico e da ferida que se encontra aberta. Para isso, as vitaminas A, C e B devem ser incluídas na dieta destes pacientes para facilitar o processo de cicatrização (7,15).
Os curativos também representam uma importante etapa no tratamento final. A cicatrização através do meio úmido previne a desidratação do tecido, acelera a angiogênese, estimula a epitelização e a formação de tecido de granulação, facilita a remoção de tecido necrótico e fibrina, e serve como uma barreira antimicrobiana. O curativo com sulfadiazina de prata age diretamente na membrana citoplasmática da célula bacteriana, exercendo ação bactericida imediata, e ação bacteriostática residual (16). A paciente foi orientada a realizar o curativo com sulfadiazina de prata duas vezes ao dia.
Considerações Finais
Excepcionalmente, as infecções orais podem culminar em quadros graves e potencialmente fatais como a fasceíte necrotizante. A evolução dessa condição é rápida, principalmente, quando associada a fatores predisponentes. Assim, o adequado tratamento deve contemplar o diagnóstico precoce, a antibioticoterapia de largo espectro e a intervenção cirúrgica, uma vez que a remoção da causa pode determinar o controle da infecção.