Introdução
O cuidado ultrapassa a definição de atendimento ou do nível de atenção em saúde 1. Entendido como uma extensão da integralidade, o cuidado em saúde busca tratar, respeitar, acolher e compreender o outro em suas diversas dimensões. Segundo Boff 2 esse cuidado caracteriza-se por uma busca da efetivação da integralidade, onde o desenvolvimento da empatia torna-se primordial.
O cuidado ao idoso, em meio à alta frequência de comorbidades e dificuldades da vida diárias tipicamente verificadas, demanda uma associação de conhecimentos e condutas específicas para este grupo. A literatura aponta que pelo menos um quinto da população idosa apresenta dificuldades para realização de ao menos uma atividade instrumental de vida diária, como preparo de alimentos, loco-mever-se pela comunidade, cuidar das finanças ou de animais de estimação, e dessa, 10 % necessita de auxílio para atividades básicas de vida diária como tomar banho e vestir-se 3. Essas limitações sejam físicas ou advindas de um problema de saúde, indicam uma incapacidade funcional 4, condição essa disparadora da presença de um cuidador.
O cuidador de idosos é o profissional responsável pela atenção ao idoso, auxiliando-o com as ativida-des diárias. Esta função pode ser exercida por uma pessoa da família ou amiga (cuidador informal) ou contratada para tal (cuidador formal) 5.
A importância do cuidador aumenta à medida que se eleva a expectativa de vida e cresce o número de idosos 6. Dados da Organização Mundial de Saúde sugerem que em 2025, o Brasil terá a sexta maior população de idosos no mundo 7.
No Brasil, aos poucos, essa profissão vem ganhando espaço. A necessidade desses profissionais é reforçada por instrumentos legais como o Estatuto do Idoso em 2003 8 e pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa em 2006 9, que descreveu sobre a necessidade de recursos humanos capacitados para a atenção à saúde do idoso.
Neste sentido, apesar da valorização do cuidado domiciliar do idoso com vistas a reduzir custos com assistência hospitalar, percebe-se uma tendência de aumento das taxas de institucionalização 10.
Em 2002 eram 0,14 % aumentando para 1,5 % em 2008 11. Dentre as causas desse fenómeno estão as mudanças na estrutura familiar, como redução do número de filhos e a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, sendo esta na maioria das vezes a cuidadora principal. Soma-se a isso o crescente nível de dependência dos idosos 12. Assim, a institucionalização se torna uma alternativa de suporte social ao idoso.
Entretanto, a literatura aponta que o cuidado formal, organizado, eficiente e que possua uma proposta de trabalho voltada para manter o idoso independente e autónomo mostra-se praticamente inexistente no Brasil 5,12. Os cuidadores das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) geralmente não receberam uma formação direcionada no sentido de prestar cuidado especializado ao idoso 13.
Diante de tais constatações, evidencia-se a necessidade de conhecer as práticas de cuidados exercidas por esses profissionais na perspectiva de ofertar um cuidado qualificado ao idoso e, em contrapartida, uma melhor qualidade de vida ao cuidador 14,15.
Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo identificar e analisar as principais ações desenvolvidas por cuidadores de idosos direcionadas a residentes de ILPI no Brasil.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa com análise de dados quantitativa, classificado como observacional e analítico realizado no período 2008-2011.
O estudo foi realizado em 36 ILPI selecionadas em 11 municípios brasileiros de médio e grande porte, distribuídas nas 5 regiões geográficas brasileiras (norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste).
Os municípios pesquisados foram sorteados, dois em cada região geográfica, atendendo aos seguintes critérios de inclusão: municípios com 100 mil habitantes ou mais, de acordo com a Lista de Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para o ano de 2005; municípios com percentagem de idosos na população maior ou igual à mediana encontrada em cada região geográfica.
Os municípios selecionados foram: Ji-Paraná (RO) e Araguaína (TO) na região Norte; Crato (CE) e Arapiraca (AL) na região Nordeste e Natal (RN) por conveniência; Poços de Caldas (MG) e Magé (RJ) na região Sudeste; Rio Verde (GO) e Rondonópolis (MT) na região Centro-Oeste e Maringá (PR) e Bagé (RS) na região Sul. O município de Natal foi incluído por conveniência em virtude do acesso facilitado aos pesquisadores.
As instituições de idosos que participaram da pesquisa seguiram os seguintes critérios de inclusão: i) instituições públicas, privadas ou filantrópicas; e ii) instituições que possuíam o Alvará de Funcionamento Municipal e com registro na Vigilância Sanitária, em cada um dos municípios.
Realizou-se um censo com cuidadores de idosos com vínculo formal de emprego nas ILPI nos municípios investigados. Os participantes cuidadores de idosos incluídos atenderam aos seguintes critérios específicos: i) ser cuidador de idosos da ilpi pesquisada; e ii) exercer a função de cuidador de idoso há mais de um ano.
A avaliação da atuação dos cuidadores dos idosos foi realizada por meio de uma entrevista semies-truturada. Os tópicos guia abordaram as ações do cuidador direcionadas à saúde do idoso e também o cuidado prestado ao idoso no cotidiano das ilpi. As sessões foram gravadas com prévia autorização dos entrevistados e posteriormente transcritas.
A análise do material discursivo (corpus) foi mediada pelo software de análise quantitativa dos dados textuais, o Analyse Lexicale par Contexte d'un Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), versão 4.9 para Windows. O software faz cálculos estatísticos e classificação léxica das palavras de um conjunto de textos. Ele agrupa raízes semânticas definindo-as por classes, levando em consideração a função da palavra dentro do texto.
Na intenção de diminuir a subjetividade do pesquisador sobre o objeto de estudo, a denominação das classes e eixos resultantes da análise do ALCESTE foi realizada por meio de consulta ad hoc a três pesquisadores externos à pesquisa. Posteriormente realizou-se consenso sobre a denominação mais representativa da análise.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética em Pesquisa sob o número do SISNEP 0033.0.051.00006. Todos os participantes do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participarem da pesquisa, de acordo com a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, vigente à época da pesquisa. O anonimato dos participantes foi garantido através de um número identificador que substituía o nome no registro da entrevista.
Resultados
Foi encontrado dentro das 36 ILPI participantes da pesquisa um total de 307 cuidadores e 1412 idosos. As caracterizações das ilpi participantes do estudo estão descritas na Tabela 1.
Dos 307 cuidadores, 117 atendiam os critérios de inclusão e aceitaram participar da pesquisa. As informações acerca das características sociodemográficas dos participantes estão representadas na Tabela 2.
No que tange à análise mediada pelo programa ALCESTE, este identificou 117 Unidades de Contexto Iniciais, que correspondem ao total de entrevistas submetidas à análise. O corpus elaborado foi dividido em 982 unidades de contexto elementares, constituindo 100 % do material analisado. Em seguida, após uma nova classificação 78 % do material submetido à análise foi aproveitado, originando 5 classes semânticas, as quais foram distribuídas em dois eixos principais que estão apresentadas na Figura 1.
Discussão
Primeiro eixo: Assistência à saúde do idoso institucionalizado
Esse eixo trouxe as características da assistência à saúde do idoso institucionalizado a partir de quatro classes. A classe 1 denominada Sentimento do cuidador é a segunda classe mais evidente na fala dos cuidadores, com 28,31 % de representação. Sendo perceptíveis na contextualização do discurso as palavras 'feliz' (Qui-quadrado = 39); 'amor' (Qui-quadrado = 23); 'dificuldades' (Qui-quadrado = 20) e 'paciência' (Qui-quadrado = 16), mostrado a seguir:
A gente vai levando, o que me deixa feliz, eu amo a terceira idade, adoro elas virem conversar comigo e elas estão sempre agradecendo e a gente acha que faz tão pouco e eu estou até me cobrando isso então [Cuidador 100].
Para alguns cuidadores de idosos as atividades realizadas são fonte de prazer, conforto e satisfação pessoal, apesar do esforço exigido nesta profissão 18.
As dificuldades eu sinto um pouco mais. Eu gosto do que faço. Adoro estar em contato com os pacientes, quero eles muito bem e estou sempre disponível [Cuidador 112].
Os sentimentos e situações desenvolvidos por estes profissionais são muito variados e podem incluir: estresse, cansaço, ternura, afeição e bem-estar. Há também conflitos emocionais gerados pelo sofrimento e pela dor presenciados pelos cuidadores nestas instituições o que gera desgaste psicológico 12.
Tem que ter muita paciência, tem que ter muito carinho com eles, tem que saber até a maneira de falar, porque eles já estão idosos. Se a pessoa não conseguir conversar com eles machuca muito os sentimentos. Tem que saber até conversar com eles [Cuidador 59].
Observa-se nos discursos dos cuidadores que muitos se sentem realizados, felizes com sua profissão e seguem acreditando que seu trabalho é importante. Apesar disto, alguns cuidadores relataram que esta profissão requer habilidades específicas como ter bastante paciência, ter carinho com os idosos, além de saber conversar já que, segundo eles, os idosos são mais sensíveis.
É necessário ressaltar a grande participação das mulheres cuidadoras de idosos entre os cuidadores, o que representa a feminização do cuidado em saúde haja vista que o ato de cuidar por vezes é concebido como ato naturalmente feminino. Soma-se também a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, com a participação maior de mulheres na função de cuidador de idosos 19.
A classe 2 intitulada Assistência à saúde do idoso institucionalizado contemplou 15,07 % dos discursos dos cuidadores. Evidenciam-se 3 elementos que contextualizam as falas: 'doutor' (Qui-quadrado = 67); 'trabalhar' (Qui-quadrado = 33) e 'voluntário' (Qui-quadrado = 23). Tais constatações são mostradas a seguir:
Tem um motorista que presta favor à casa, que leva o profissional e traz para fazer este serviço. Nós somos voluntários remunerados, todos nós aqui. Nós temos um cardiologista quando precisa ou então o doutor mesmo encaminha [Cuidador 01].
Nessa classe, observa-se que a assistência à saúde do idoso institucionalizado depende da prestação de cuidados médicos essencialmente e que, em algumas circunstâncias, esse tipo de serviço é ofertado por outros profissionais de saúde de forma voluntária 20.
A classe 3, Saúde bucal do idoso institucionalizado as palavras mais citadas foram 'dentes' (Qui-quadrado = 135); 'importante' (Qui-quadrado = 100); 'hálito' (Qui-quadrado = 98) e 'estética' (Qui-quadrado = 41). Estão evidentes nos seguintes discursos:
Se não fizer a higiene bucal certa pode ocorrer tantas doenças, mau hálito, problemas de estômago, que incomodam eles. Eles sempre têm os dentes bem escovados, as próteses também porque alguns usam prótese [Cuidador 89].
Acho que saúde bucal passa dignidade, respeito, e a aparência também importa. Acho que passa dignidade e é importante a saúde bucal dos idosos por causa da higiene, pelo fato de poder sorrir, se orgulhar. Tem muitos idosos que tem vergonha de sorrir porque faltam os dentes [Cuidador 25].
A saúde bucal do idoso é um tema relevante a ser discutido entre os cuidadores de idosos. Estudos já apontam a precária condição de saúde bucal dos idosos institucionalizados brasileiros, em um cenário de elevada perda dentária, principalmente quando comparado ao de outros países. Soma-se ao fato de que as perdas dentárias em idosos desencadeiam outros problemas de saúde, como a desnutrição, além de problemas sociais, como baixa autoestima e dificuldades de comunicação 21,22.
De acordo com Portella e colaboradores 23 a atenção com a saúde oral dos idosos dependentes é um item em que não há a devida formação entre os cuidadores de idosos, inclusive corroborando com o fato de que tais profissionais em sua maioria não possuem uma instrução adequada para exercer este serviço. Observamos no discurso, entretanto, que alguns cuidadores de idosos acreditam estarem capacitados para esta função específica, enquanto outros evidenciaram que gostariam de aperfeiçoamento para realizar melhor esta função tão importante à saúde dos idosos por eles cuidados.
Para outros autores a falta de cooperação dos idosos foi um dos principais itens citados que contribuem para a dificuldade de se realizar uma higiene oral adequada 24. Além disso, mostrou-se que alguns cuidadores revelam que este procedimento específico é visto como um fardo no trabalho dos mesmos e que eles não seguem um protocolo padrão, item que foi observado também em algumas entrevistas.
O nível educacional dos cuidadores de idosos observados nesta pesquisa foi em sua maioria insatisfatório, item também observado na literatura, e apesar de terem consciência dos problemas que a falta de higiene bucal pode provocar, a prática é deficiente entre estes profissionais 25.
Na classe 4, Principais dificuldades de trabalho do cuidador houve a menor representação entre as 5 classes, contando com apenas 11,66 %. Sendo perceptíveis na contextualização do discurso as palavras: 'dúvidas' (Qui-quadrado = 195); 'higiene bucal' (Qui-quadrado = 52); 'procedimentos' (Qui-quadrado = 47); 'escovação' (Qui-quadrado = 32) e 'dificuldades' (Qui-quadrado = 21). Essa classe trouxe à tona que a principal dificuldade sentida pelos cuidadores foi a relacionada com o cuidado com a saúde bucal, corroborando com os resultados da classe 3.
Não sei se cuidamos certo da higiene bucal dos idosos. Tenho medo de machucar o idoso. Na higiene bucal dos idosos usamos bicarbonato, espátula, gaze. Com gaze no dedo a gente faz a higiene bucal do idoso. Escovamos os dentes ou a prótese e a língua [Cuidador 88].
A gente não sabe nada sobre higiene bucal. Quanto mais a gente aprender sobre isso, melhor. A gente usa enxaguan-te bucal, usa com gaze, limpa a gengiva, boca e língua, tudo com enxaguante bucal [Cuidador 67].
Muitos cuidadores realizam suas atividades sem ajuda, sendo estes os principais responsáveis pelas atividades diárias dos idosos 25. Contudo, a baixa qualificação ocasiona diversas ações inadequadas em seus ambientes de trabalho 18.
Segundo eixo: Atividade habitual dos cuidadores nas Instituições de Longa Permanência para Idosos
No segundo eixo obtivemos apenas a classe 5, classificada como Ações do cuidador na ilpi, com a maior porcentagem de representação entre as 4 demais classes, 30,14 %. Nesta classe destacamos as seguintes palavras: 'café' (Qui-quadrado = 169); 'almoço' (Qui-quadrado = 107); 'banho' (Qui-quadrado = 105) e 'medicações' (Qui-quadrado = 46).
Entramos no trabalho às sete horas da manhã, tem o café da manhã dos idosos, depois iniciamos os banhos e após isso curativos e medicações. À tarde tem o almoço dos idosos, trocamos as fraldas e seguida tem um novo café para eles. À noite trocamos fralda novamente e às vezes os curativos [Cuidador 76].
Nessa classe, percebemos nos discursos que as ações dos cuidadores estão relacionadas às tarefas da vida diária dos idosos, como alimentação, administração de medicamentos e higiene pessoal, dentro do que se preconiza nas atividades destes profissionais 3,4. Todavia, cabe ressaltar que algumas tarefas necessitam de habilidades e capacitação específicas como a administração de medicamentos ou banho leito e na maioria das vezes não são acompanhadas de orientações adequadas 18.
Conclusão
O presente estudo descreveu as principais ações e dificuldades enfrentadas por cuidadores de idosos de ILPI no Brasil. Nesse sentido, as falas desses cuidadores puderam trazer à tona que as principais ações realizadas estão relacionadas ao cuidado direto ao idoso, como a alimentação, higiene pessoal -bucal e geral- e administração de medicamentos.
Além disso, identificamos os complexos sentimentos de um profissional que lida diariamente com a dor e o sofrimento de pessoas que contribuíram uma vida toda para a construção do país.
Os discursos também evidenciaram que a saúde bucal ocupa um lugar de relevância na concepção de cuidado para esse cuidador, seja no processo ou nas dificuldades em relação a esse tema específico, como capacitação e nível educacional, falta de protocolos padrão e sobrecarga de trabalho.
Assim, considerando que nos últimos anos não houve mudanças na legislação brasileira e tampouco nas práticas de cuidado, os dados refe-rem-se à situação atual e mostram a importância desse profissional para a sociedade sendo fundamental que as políticas públicas possam garantir uma formação adequada e o reconhecimento legal dessa profissão.