INTRODUÇÃO
Atualmente é possível perceber uma popularização da Tecnologia de Informação (TI), impulsionada pelo avanço da economia digital, pela terceirização do setor e também pelo advento da quarta revolução industrial (Dias & Freitas, 2010; Giongo, 2012; World Economic Forum [WEF], 2016). Esse movimento, que desenvolve e consolida a área de TI, aumentou significativamente e conquistou maior dimensão nas organizações, sendo estas públicas ou privadas. A razão para a ampliação desta condição reside no fato de que uma significativa parcela das transações ocorre em ambientes informatizados (Mendonça, Guerra, Souza Neto & Araújo, 2013) e por ser uma área considerada relevante para a execução de novos modelos de negócios e criação de valor nas empresas (Correia, 2013; WEF, 2016). Ou seja, cada vez mais a área de TI assume a condição de recurso estratégico determinante da vantagem competitiva (Chun & Mooney, 2009).
De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Software do Brasil (Abes), o Brasil ocupava a 9° posição no ranking mundial de investimentos em software e serviços em 2016, com um mercado interno que ultrapassou os 39 bilhões de dólares, o que representou 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e 1,9% do total de investimentos de TI no mundo (Abes, 2017). Todavia, não apenas expressivos impactos e resultados econômicos estão associados à área de TI: conforme Freitas e Kladis (2013) e dados apontados pelo relatório The Future of Jobs publicado pelo World Economic Forum (WEF, 2016), à medida que velocidade da TI evolui, a sociedade que dela se vale é diretamente impactada.
Em função de ser uma atividade com alta relevância econômica, em um mercado competitivo, com frequentes inovações, as empresas que desenvolvem softwares sofrem pressão por parte dos gestores de negócios que exigem das organizações de TI qualidade e produtividade dentro do tempo e custo compatíveis com a necessidade do cliente (Silva, Yue, Rotondaro & Laurindo, 2006; Amâncio, Costa, Camargo & Penteado, 2009).
Com o crescimento da área, com poucos profissionais qualificados e com muitas ofertas de emprego, as empresas de desenvolvimento competem entre si pelos melhores profissionais para atender a demanda do mercado (Agostini, Masiero & Kanan, 2018). No entanto, há que se questionar: quais aspectos de uma organização são considerados pelo profissional na hora de aceitar uma proposta de trabalho em detrimento de outra?
A literatura indica que na área de TI há considerável rotatividade dos profissionais entre as empresas (Amâncio et al., 2009; Moreno Jr., Cavazotte & Farias, 2009; Dias & Freitas, 2010; Oliveira & Muller, 2010; Antomm & Saccol, 2011; Engelman, Fracasso & Brasil, 2011; Soares, Capistrano & Barbosa, 2015; Perochim & Silva, 2016). Entre os principais fatores que colaboram para os altos índices de rotatividade na área estão aqueles atrelados às empresas como, por exemplo, a busca contínua por profissionais qualificados; e também aos empregados, que buscam melhores benefícios, culturas organizacionais flexíveis e diferenciadas, condições de desenvolvimento profissional, entre outros (Antonini & Saccol, 2011).
Nesse contexto, e com o aumento da utilização de Sistemas de Informação, tanto na parte operacional quanto na gestão das mais variadas organizações, Moreno Jr. et al. (2009) afirmam que é necessário que as empresas de TI melhorem as estratégias de atração, retenção e desenvolvimento de seus profissionais.
Giongo (2012) destaca que a gestão de pessoas nas organizações também se transforma para acompanhar a globalização do mercado para atender às necessidades das empresas e dos colaboradores. Modelos tradicionais de gestão oriundos da Administração Científica, como o Taylorismo, visavam principalmente garantir o melhor custo/benefício aos sistemas produtivos; tais modelos deram lugar a metodologias que valorizam o capital humano. Desse modo, com as gradativas mudanças no contexto econômico e no mercado de trabalho, em que a qualidade de serviços e conhecimentos oferecidos são valorizados, as pessoas se tornam o diferencial competitivo. Cabe às organizações desenvolverem novas e diferenciadas estratégias de gestão para motivar e fidelizar seu profissional a fim de comprometê-lo com a organização (Tachizawa, Ferreira & Fortuna, 2001).
Ribeiro e Bastos (2010, p. 07) afirmam que as empresas reconhecem o comprometimento como uma qualidade que determina o sucesso das organizações. Porém, os autores indagam: "[...] como desenvolver relações e criar um clima de trabalho favorável à geração de comprometimento consistente?".
O comprometimento organizacional pode ser entendido, de maneira geral, como sendo o vínculo entre um empregado e a organização onde trabalha. Diversos estudos sobre esse fenômeno podem ser encontrados na literatura (Borges-Andrade, Cameschi & Xavier, 1990; Bastos, 2000; Borges, Lima & Vilela, 2004; Siqueira & Gomide Jr., 2004; Kanan, 2008; Menezes, Aguiar & Bastos, 2016; entre outros), em função, principalmente, da interferência deste em comportamentos relevantes ao contexto organizacional tais como desempenho, absen-teísmo e também rotatividade.
Kanan (2008) salienta que os vínculos são resultado de interações entre sujeito e trabalho no contexto organizacional. Estas interações podem ser caracterizadas pela troca que é estabelecida entre os atos do trabalhador (tais como desempenho, assiduidade, permanência na empresa ou colaboração espontânea) e a expectativa que o mesmo possui de receber um retorno justo da organização por meio de recursos que satisfaçam suas necessidades pessoais, familiares e profissionais (Siqueira & Gomide Jr., 2004).
Esta percepção do trabalhador em relação ao que é justo e injusto no ambiente organizacional do qual faz parte configura a Justiça Organizacional. De acordo com Mendonça e Tamayo (2004); Assmar, Ferreira e Souto (2005); Filenga e Siqueira (2006); Kanan (2008); Odelius e Santos (2008); Ribeiro e Bastos (2010); a justiça organizacional apresenta as dimensões: 1) Distributiva; 2) Processual; e 3) Interacional, que pode ser dividida em Social e Informacional.
A Justiça Distributiva apresenta foco mais voltado aos resultados, pois se refere à forma como a organização distribui seus recursos, sejam eles positivos, como promoções, serviços, bens, salários; sejam eles negativos, como as sanções disciplinares. A Justiça Processual, por sua vez, diz respeito ao processo, isto é, a percepção dos colaboradores acerca dos meios utilizados, dos procedimentos adotados e dos critérios definidos para a consecução dos resultados tais como aumento de salário, processos disciplinares etc. Já a Justiça Interacional se refere à qualidade do tratamento (interacional/social) do superior em relação ao seu subordinado, se o trata com respeito e dignidade respeitando seus direitos e a disponibilidade de informações claras e precisas sobre as decisões tomadas que afetam os colaboradores (interacional/informacional) (Assmar, Ferreira & Souto, 2005; Filenga & Siqueira, 2006; Kanan, 2008; Mendonça & Tamayo, 2004; Odelius & Santos, 2008; Ribeiro & Bastos, 2010).
O que a revisão de literatura possibilita depreender é que, embora já existam muitos estudos relacionados à justiça organizacional no mundo, ainda são escassos no Brasil e, até o presente momento, identifica-se uma lacuna quando se associam percepções de justiça organizacional e sua relação com a rotatividade de proissionais da área de TI, área que está em franca expansão no país e que deve aumentar a sua participação mundial a partir de 2017 (Abes, 2017). Justifica tal entendimento o fato de não ser encontrado nas bases de dados Scopus, ScienceDirect e Web of Science artigos publicados no Brasil que contenham os descritores "justiça organizacional" e "tecnologia da informação" no período de tempo compreendido entre os anos de 2000 e2017.
Diante desse contexto, entende-se como importante desenvolver pesquisas nessa área, não somente em função de sua relevância social, mas também em função da especulação na área em relação à escassez de proissionais, o que pode gerar um déficit de até 115 bilhões de reais em receitas no país até 2020 (Softex, 2012). Tal quadro revela desaios relacionados à necessidade de atrair mais estudantes para a área, melhorar a formação destes proissionais e, principalmente, desenvolver estratégias de retenção dos profissionais talentosos de forma a evitar a rotatividade dos mesmos e garantir a qualidade no desenvolvimento dos softwares.
De acordo com Beugré (1998 como citado em Assmar, Ferreira & Souto, 2005), existem três principais razões para estudar as percepções de justiça que emergem das relações do trabalhador e seu trabalho: (a) trata-se de um fenômeno psicossocial e, consequentemente, insere-se no campo organizacional; (b) a importância do capital humano para as organizações, e a forma como é tratado, que influencia o comportamento do colaborador e, por consequência, influencia nos índices de desempenho, comprometimento, rotatividade, confiança, entre outros; e (c) a transformação do mercado de trabalho que exige profissionais cada vez melhor qualificados e esses, por sua vez, passam a procurar não somente os melhores empregos, senão as organizações que oferecem tratamento justo e adequado aos seus empregados.
Podem ser acrescidas às razões citadas ainda que o constructo não está restrito à área de Psicologia. As áreas de gestão, medicina e outras vêm expandindo seu interesse a assuntos relacionados ao tema da justiça. Tal fato comprova sua influência sobre diversas esferas, o que implica na necessidade de ser estudado de forma interdisciplinar (Schuster, Dias & Battistella, 2014).
Outro aspecto que corrobora a necessidade de ampliar-se o conhecimento sobre justiça organizacional e profissionais de TI se encontra nas considerações finais do estudo realizado por Steil, Garcia, Farsen & Bonilla (2014, p. 30): é necessária a produção de um maior quantitativo de pesquisas nacionais a respeito da relação entre sistemas de recompensas (justiça distributiva) e retenção de pessoas "especialmente em organizações intensivas em conhecimento".
Nessa perspectiva, e diante do cenário sucintamente descrito, é que se buscou responder à seguinte pergunta de pesquisa: percepções de justiça organizacional influenciam a intenção de profissionais de TI em permanecerem nas empresas que os empregam?
MÉTODO
Esta pesquisa de corte transversal é caracterizada como descritiva, pois visa a uma maior compreensão do fenômeno estudado, da forma como ele se constitui, suas características (Marconi & Lakatos, 2017), buscando o estabelecimento de relações entre diferentes variáveis (Gil, 2002). Já no que diz respeito ao delineamento, classifica-se como sendo de levantamento "pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer", conforme Gil (2002, p. 50). Esta forma de planejamento da pesquisa apresenta, de acordo com o autor, algumas vantagens tais como: conhecimento da realidade, rapidez na execução da pesquisa e facilidade de quantificação. Trata-se de um tipo simples de pesquisa porque visa a identificar quais as variáveis que constituem uma determinada realidade (Campos, 2008).
Participantes
Participaram deste estudo vinte e três (23) profissionais que atuam em empresas de Tecnologia de Informação da região da Grande Florianópolis (Santa Catarina - Brasil) como desenvolvedores de software há pelo menos um ano e que aceitaram participar voluntariamente desta pesquisa. A amostra foi composta em sua maioria por homens (91%), com idade média de 26 anos, solteiros (78%) e com ensino superior incompleto (47%). Com uma amostra de 23 sujeitos foi possível responder aos objetivos do estudo sem, evidentemente, pretender-se generalizálos.
Instrumentos
O instrumento de coleta de dados foi um questionário autoaplicável contendo duas partes: a primeira com questões que buscavam delinear o perfil sociodemográfico dos participantes, suas características pessoais e ocupacionais; a segunda parte, com a interrogação direta dos participantes por meio da aplicação de duas escalas distintas:
- Escala de Percepção de Justiça Organizacional - EPJO, de Mendonça, Pereira, Tamayo e Paz (2003), composta de 20 itens (do tipo likert), utilizada para avaliar a percepção do colaborador em relação às trocas no ambiente de trabalho. A EPJO inclui as três dimensões de justiça:
justiça distributiva, que avalia o grau em que as recompensas recebidas são percebidas como relacionadas aos investimentos, justiça dos fins alcançados ou obtidos, tais como: salário, sanções disciplinares etc.;
justiça procedimental, que focaliza o processo e avalia os procedimentos formais seguidos por aqueles que são responsáveis pela distribuição de recursos na empresa; e
justiça interacional, que pode ser dividida em social e informacional e reflete a qualidade do relacionamento interpessoal entre liderança e colaboradores.
- Escala de Intenções Comportamentais de Comprometimento Organizacional - EICCO, desenvolvida, validada e padronizada por Menezes (2006) e utilizada para mensurar as "[...] 'intenções comportamentais' como um elo que intermedeia a relação entre a atitude (sentimentos), as crenças (cognições) e o comportamento comprometido propriamente dito" (Bastos, Siqueira, Medeiros & Menezes, 2008, p. 69). A EICCO, segundo Bastos et al. (2008, p. 73), apresenta 20 itens (do tipo likert) divididos em quatro aspectos: (a) Participação: "[...] fatores relacionados à intenção dos trabalhadores em participar das atividades, das políticas e dos programas da organização do qual fazem parte, de modo a identificar problemas e pontos fracos, bem como fornecer sugestões e resoluções para estes";
(b) Melhor Desempenho e Produtividade: "corresponde ao aumento do nível de desempenho e produtividade do funcionário mediante solicitação da organização, bem como sua capacidade de reavaliar as formas de trabalho, modificando-as";
(c) Empenho Extra ou Sacrifício Adicional: [...] corresponde à dedicação e ao empenho extras dos funcionários em prol da organização, como respostas às necessidades emergenciais da empresa, bem como à abdicação temporária, ou até mesmo permanente, de benefícios e vantagens (Bastos et al., 2008, p. 73);
(d) Defesa da Organização: "[...] disposição em defender a organização frente às críticas alheias, exibindo preocupação com a sua imagem interna e externa".
Procedimento
Para a seleção dos participantes, as pesquisadoras buscaram profissionais em suas redes de contatos que atendiam ao requisito de atuarem como desenvolvedores de software há pelo menos um ano em empresa de Tecnologia de Informação da região da Grande Florianópolis (estado de Santa Catarina, Brasil) e que aceitassem participar voluntariamente da pesquisa. Estes profissionais, por sua vez, indicaram outros que também atendiam aos critérios definidos para participação nesta investigação e assim consecutivamente, caracterizando o método de amostragem do tipo não probabilístico, denominado snowball (bola de neve) descrito por Miles e Huberman (1994), isto é, uma cadeia de referências tornando a amostra não-probabilística acidental (compostas, por acaso, por pessoas que vão aparecendo e pelos participantes indicadas). Por meio de e-mail, as pesquisadoras entraram em contato com os sujeitos e lhes foram explicados os propósitos da pesquisa, assim como foi verificada a disponibilidade e o interesse dos mesmos em participar do presente estudo.
Para aqueles que aceitaram participar voluntariamente, foram apresentados os objetivos da pesquisa e um e-mail foi encaminhado com o questionário completo com orientações para preenchimento, informações acerca das questões éticas da pesquisa e do tempo médio de resposta do instrumento, o qual era respondido e reenviado para a pesquisadora também via e-mail. É importante enfatizar que este estudo foi realizado mediante a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Regional de Blumenau (Furb, de Santa Catarina, Brasil) e todos os procedimentos utilizados seguiram a Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Além disso, os interessados receberam o relatório inal do estudo via e-mail.
Análise de dados
Uma vez coletados os questionários de todos os participantes, os dados foram inseridos em um banco de dados, tabulados e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS® 20.0. Foram utilizados recursos de estatística descritiva (distribuição de frequências, média, mediana e desvio padrão). Além disso, foi realizado o teste de normalidade dos dados de Shapiro-Wilk, sendo que os escores tanto de justiça organizacional como de comprometimento, idade e salário seguiram o padrão de normalidade. No entanto, os itens individuais das escalas utilizadas não seguiram tais critérios. Desse modo, como recursos de estatística inferencial foram utilizados o teste t de Student e o teste de correlação de Pearson. Foi adotado um nível de significância de p<0,05.
RESULTADOS
Caracterização dos sujeitos e a intenção de permanência na empresa empregadora
Por meio da análise dos dados coletados relativos à caracterização dos sujeitos, percebeu-se uma amostra composta eminentemente por homens (91%) jovens e solteiros (78,3%). A idade variou de 20 a 34 anos (média=26,09; mediana=26 e desvio padrão=3,8), cujo salário médio é de R$ 3.500,00 e que cursavam o nível superior no período de realização da pesquisa (47%). A análise dos resultados revelou correlação positiva moderada entre a variável idade com tempo de trabalho em TI (r=0,770; p<0,001) e salário (r=0,452, p=0,030).
Quando questionados sobre a intenção de permanência na empresa em que atuam por pelo menos mais de três anos, 62,5% responderam não terem a intenção de permanecer na empresa ou ficaram indecisos. De outro modo, 37,5% dos sujeitos responderam ter a intenção de permanência.
Os participantes também foram questionados sobre o tempo em que atuam na área de TI, em quantas empresas já trabalharam nesta área e há quanto tempo atuam na empresa atual. Os resultados indicaram que 82,6% dos pesquisados já mudaram de empresa pelo menos duas vezes e que o tempo médio de atuação em cada empresa trabalhada é de dois anos. Com relação ao tempo em que atuam na empresa atual, a média encontrada para os participantes do presente estudo foi de dois anos (média= 2 e desvio padrão= 1,78).
Apesar de ter sido observada uma tendência de os trabalhadores com menos tempo na empresa (menos de dois anos) se imaginarem trabalhando na empresa nos próximos três anos (comparado aos com mais tempo de trabalho na empresa), não foi encontrada associação significativa entre essas duas variáveis (Tabela 1).
Justiça organizacional e comprometimento
A fim de investigar a percepção de justiça organizacional e a intenção de profissionais de TI em permanecer nas empresas que os empregam, foi utilizada a EPJO, que inclui as três dimensões de justiça: justiça distributiva (que avalia o grau em que as recompensas recebidas são percebidas como relacionadas aos investimentos, justiça dos fins alcançados ou obtidos tais como: salário, sanções disciplinares etc.); justiça procedimental (focalizado no processo, avalia os procedimentos formais seguidos por aqueles que são responsáveis pela distribuição de recursos na empresa); e justiça interacional (que pode ser dividida em social e informacional e reflete a qualidade do relacionamento interpessoal entre liderança e colaboradores) (Rego, 2002; Odelius & Santos, 2008).
A análise geral dos dados indicou uma alta percepção de justiça organizacional com a média de percepção de justiça interacional mais alta (4) que as médias obtidas nas dimensões distributiva (3,14) e de procedimentos (3,85), como ilustra a Figura 1 a seguir (média máxima possível= 5).
Os dados obtidos na EPJO foram correlacionados a outros dados da pesquisa e não foi encontrada diferença significativa nos escores de justiça entre as pessoas pesquisadas com ou sem filhos (test T de Student independente: T=-1,84; gl=21, p=0,080). O mesmo escore foi comparado também entre "se o sujeito se imaginava trabalhando na empresa nos próximos três anos" (sim, não/indecisos) e houve diferença signiicativa entre os grupos (T=-2,71; gl=21; p=0,023).
Alguns profissionais se imaginavam trabalhar na empresa (média= 81,85; desvio padrão=14,48) por pelo menos mais três anos, ou seja, pretendiam nela permanecer por mais tempo. Entre estes, há médias significativamente superiores de percepção de justiça organizacional quando comparados àqueles que não se imaginavam na mesma condição (média= 63,68; desvio padrão=15,39).
O escore de justiça organizacional apresentou ainda correlação negativa com o tempo de trabalho na empresa (r=-0,566; p=0,005) de modo que quanto maior o tempo de trabalho na empresa, menor a percepção de justiça. Da mesma forma, quando realizado o teste t comparando a percepção de justiça entre os trabalhadores com mais ou menos de dois anos na empresa, foi encontrado que os trabalhadores com mais de dois anos na empresa tinham menor percepção de justiça que os com menos de dois anos (Xmais de dois anos=53,28; X menos de dois anos=76,18; T=3,84, gl=21, p=0,005). Por meio destes dados é possível verificar que a percepção de justiça organizacional tende a diminuir ao longo do tempo para os sujeitos pesquisados.
Com o intuito de identificar relação entre percepção de justiça organizacional e comprometimento, utilizou-se a EICCO que retrata a participação, o melhor desempenho e produti vidade, o empenho extra ou sacrifício adicional e a defesa da organização: (Bastos et al., 2008, p. 73). Os resultados indicaram que os profissionais pesquisados possuem intensidade médio/ alta de comprometimento (média= 5,30; com média máxima= 7). No entanto, apresentaram maior intensidade de comprometimento no fator Partiápação, com média= 5,9; seguido do fator Melhor Desempenho e Produtividade, com mé-dia= 5,3 e Empenho Extra ou Sacrifício Adicional e Defesa da Organização, com média= 5,2 respectivamente, como ilustra a figura 2.
Ao avaliar o conjunto de questões relacionadas aos fatores do comprometimento, foi possível identificar a situação em que os colaboradores apresentaram maior e menor comprometi mento. Observou-se que substituir um colega durante um mês, sendo necessário aprender como executar as tarefas do cargo, revelou-se como a situação de maior comprometimento ao passo que a possibilidade de mudança de setor devido à necessidade de redimensionamento e de remanejamento de pessoal foi a situação de menor comprometimento, ambas as situações do fator Melhor Desempenho e Produtividade.
Assim como com os dados obtidos na EPJO, os resultados da EICCO também foram correlacionados com outras informações pesquisadas sobre os participantes. Não foi encontrada diferença signiicativa nos escores de comprometimento entre as pessoas com ou sem filhos (test T de Student independente:T=0,54; gl=21, p=0,590). Além disso, o mesmo escore foi comparado entre "se o sujeito se imaginava trabalhando na empresa nos próximos três anos" (sim, não/indecisos) e não houve diferença significativa (Anova: F=0,68; p=0,575).
DISCUSSÃO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a relação entre a percepção de justiça organizacional e a intenção de profissionais de TI em permanecer nas empresas que os empregam. Para tanto, buscou-se conhecer o perfil sociodemográfico dos participantes e como percebem a justiça organizacional e qual é sua intenção comportamental de comprometimento. A partir do exame das informações provenientes dos questionários, percebeu-se que o perfil dos respondentes desta pesquisa possui semelhança com as características prevalentes em profissionais da área STEM (Science, Technology, Engineering and Math - Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), participantes de outros estudos (WEF, 2016; Carli, Fontoura, Cafarate & Kemmerich, 2011; Ianinni, 2010).
Embora se deva guardar cautela na comparação dos resultados dos estudos e relativizá-los em função do tamanho e abrangência das amostras, o trabalho de alcance nacional desenvolvido por Ianinni (2010) junto a 1079 participantes traz importantes resultados, alguns semelhantes aos encontrados no estudo ora apresentado. Ianinni (2010) pretendeu traçar o perfil de profissionais brasileiros do setor de TI. Investigou, entre outras variáveis, o nível de escolaridade, faixa etária, renda familiar, influência familiar na escolha da profissão e fatores motivacionais. Segundo Ianinni (2010), embora as mulheres já ocupem 40,2% das vagas do setor de TI, os homens são a maioria (59,8%). Isto é algo que se confirma também no estudo de Agostini, Masiero e Kanan (2018), no qual a participação dos homens foi de 76,7% numa amostra de 283 trabalhadores de empresas de TI, percentual que se aproxima aos encontrados neste estudo (91%).
A pesquisa de Carli et al. (2011), que envolveu 85 participantes predominantemente da região Sul do país, teve como objetivo relacionar as características da geração Y com a indústria de software do Brasil. Os autores observaram em suas análises que a taxa de mulheres que atuam na área foi de 6,97%, próximo dos 8,7% encontrados nesta pesquisa.
Ianinni (2010) destaca que em função de o setor oferecer aspectos que são considerados atrativos e que incentivam a escolha pela área de TI para atuação profissional tais como: trabalhar com alta tecnologia, desafios, flexibilidade e ambiente com oportunidades crescentes, cerca de 63% dos profissionais atuantes são jovens que estão na faixa etária entre 21 e 29 anos de idade. Este resultado se assemelha ao estudo de Agostini, Masiero e Kanan (2018) no qual 70,9% dos profissionais de TI tinham 29 anos ou menos e ao estudo ora apresentado, cuja média de idade dos participantes foi de 26,09 anos.
Estes jovens, nascidos entre os anos de 1980 e 1999, descritos como a Geração Y, são criativos, focados em resultados e em possibilidades de reconhecimento, muito bem informados, curiosos e questionadores, buscam padrões informais e novas experiências e não se prendem por longo tempo a muitas coisas, fato que radica a rotatividade e a pouca preocupação com segurança, algo próprio de sua geração (Carli et al., 2011; Oliveira, 2010). Algumas destas características comportamentais encontram responsividade e consonância nos processos e na organização do trabalho das empresas da área digital ou da tecnologia da informação. Este fato parece convergir para a maior participação de jovens neste segmento, algo que tem se tornado regra (Carli et al., 2011).
Ianinni (2010) também demonstrou que apenas 25% dos proissionais possuem curso de nível superior completo, sendo que 50% estão com o curso incompleto, porcentagem muito próxima dos 47% revelados nesta pesquisa. Outra semelhança com os estudos de Ianinni (2010) e de Agostini, Masiero e Kanan (2018) é o fato de a maioria (78,3%) desses proissionais se declararem solteiros - 74,9% na amostra de Ianinni (2010) e 65,1% na de Agostini, Masiero e Kanan (2018).
A correlação positiva moderada encontrada na análise entre a variável idade com tempo de trabalho em TI, por sua vez, evidencia que quanto maior a idade, maior o tempo de trabalho na área e maior o salário. Este seria o desenvolvimento de carreira esperado em qualquer área de atuação, isto é, a progressão da carreira medida através do tempo, significando o aperfeiçoamento das competências do colaborador, passando de uma referência salarial para outra.
Em relação à faixa salarial, o estudo de Ianinni (2010) não apresentou valores específicos de salário. Contudo, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2009 (IBGE, 2009) revelou que na área de TI o salário médio mensal naquele ano era de 5,8 salários mínimos, isto é, cerca de R$ 2.697,00 (salário mínimo em vigência em 2009 de R$ 465,00). Já a média salarial de um Analista de TI Júnior (de dois a quatro anos de experiência) no Brasil em 2016 poderia chegar aos R$ 4.268,76 em uma empresa de grande porte, de acordo com os dados apresentados pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine, 2016), valor de maior aproximação da faixa salarial dos sujeitos pesquisados neste trabalho (R$ 3.500,00).
No que pese o tempo médio de atuação em cada empresa trabalhada, que para os participantes desta pesquisa foi de até dois anos, pesquisa realizada pela FUMSOFT (Sociedade Mineira de Software - Agente Softex, como citado em Ianinni, 2010) revelou que os profissionais desta área têm um tempo médio de permanência nas empresas de até três anos. Conforme dados apresentados pela Associação Brasileira de Empresas de Software do Brasil (Abes, 2017), em média, altos executivos de TI permanecem menos de três anos em uma mesma empresa, rotatividade considerada alta quando comparada a outros setores como o de bens de consumo, em que a média é de quase quatro anos. Carli et al. (2011) atribuem o pouco tempo de permanência em uma empresa e a constante troca de emprego às características da geração Y. Na pesquisa realizada por eles, 55,5% das pessoas da amostra já havia trocado de emprego pelo menos três vezes, o que os autores julgaram taxa relativamente alta, já que a idade da geração Y na época em que a pesquisa foi realizada chegava, ao máximo, a 30 anos.
Nestes termos, confirma-se, a partir dos resultados inicialmente apurados e como comprovam outros estudos, a tendência da rotatividade nas empresas de TI retratada por meio do baixo grau de intenção de permanência nas empresas que empregam esses profissionais.
Diante das constantes transformações do mercado de trabalho, para que as empresas possam sobreviver e se tornarem ainda mais competitivas, algumas estratégias inovadoras de desenvolvimento de pessoas são recomendadas pelos experts em administração. Por sua vez, de modo a responder às demandas da contemporaneidade, são características esperadas dos profissionais a flexibilidade, o comprometimento, a atuação baseada em previsão e planejamento, a consciência e a responsabilidade, entre outras, nas suas atividades cotidianas.
Na área de TI esse cenário é ainda mais complexo, pois envolve a influência das tecnologias de informação e os colaboradores, extremamente criativos e bem informados, esperam por benefícios e melhorias concretas nas condições de trabalho; uma permuta que, muitas vezes, pode alterar o vínculo entre os profissionais e as organizações.
Nesse sentido, não apenas o comprometimento - a identificação do indivíduo com os objetivos e valores da empresa - torna-se fundamental na tentativa de minimizar as intenções de saída das empresas (Costa, Moraes & Cançado, 2008), comportamento muito observado nas empresas de TI, mas também a forma como o colaborador percebe a relação de troca entre o seu investimento no trabalho e os resultados e recompensas proporcionadas pela empresa (Silva, Almeida & Carvalho, 2005).
A análise dos resultados obtidos por meio da aplicação da EPJO revelou uma percepção de justiça interacional mais alta em comparação às demais dimensões (dimensões distributiva e de procedimentos). A justiça interacional corresponde, conforme Kanan e Zanelli (2012), ao aspecto interpessoal das práticas organizacionais, isto é, aborda o grau em que o líder superior utiliza um tratamento digno e respeitador para os seus liderados, tratamento que envolva respeito, dignidade e transparência (Ribeiro & Bastos, 2010). Este dado possibilita observar que os profissionais de TI participantes percebem como adequado o tratamento que recebem de seus líderes, bem como o grau em que os mesmos fornecem informações sobre as decisões que afetam as pessoas dentro da empresa em que atuam. Neste contexto, a interação social e a comunicação das decisões que são tomadas dentro da empresa parecem ser relevantes para sua permanência nas empresas em que trabalham.
Como a justiça interacional pode ser considerada a "justiça do diálogo", é possível depreender que o foco está na comunicação (Ribeiro & Bastos, 2010) e, atualmente, a comunicação nas empresas tem sido praticada e vista como recurso estratégico, inclusive, para comprometer os colaboradores com as organizações (França & Ferrari, 2011).
Esse dado desmistifica o entendimento de que o salário (relacionado à justiça distributiva) é o único diferencial para retenção dos profissionais de TI. Carli et al. (2011) evidenciaram que, entre os profissionais que investigaram, o que os levava a trocarem de emprego era de fato o salário e a flexibilidade de horário. No entanto, os autores associam os dados da pesquisa às características da geração Y, que busca estar sempre bem informada e que se comunica incessantemente.
Outro aspecto relevante evidenciado com a análise dos dados é que aqueles profissionais que declararam que pretendem permanecer nas empresas que os empregam apresentaram médias significativamente superiores de percepção de justiça organizacional. Sob esta égide, é possível depreender que para a amostra pesquisada, trabalhar em uma organização justa pode significar maior possibilidade de permanência diante de outra oportunidade de emprego. Alguns estudos (Rego, 2002; Assmar, Ferreira & Souto, 2005; Filenga & Siqueira, 2006; Ribeiro & Bastos, 2010), demonstram que quando o colaborador é tratado de forma justa, quando recebe recompensas proporcionais ao seu empenho no trabalho, quando conhece e considera as normas predeterminadas como justas e são informados sobre as formas para o atingimento de metas, esses profissionais podem apresentar maior comprometimento organizacional.
Os testes realizados, que indicaram correlação negativa entre o escore de justiça organizacional com o tempo de trabalho na empresa, demonstraram uma tendência de diminuição da percepção de justiça organizacional ao longo do tempo para os sujeitos pesquisados. Um dos possíveis motivos pode estar relacionado ao fato de que com o passar do tempo os colaboradores - conhecendo melhor a cultura organizacional e as pessoas, os arranjos internos, os processos de distribuição de recursos e demais políticas da empresa - podem apresentar menor percepção de justiça ou, ainda, podem passar a perceber a ocorrência de injustiça organizacional. De acordo com Assmar, Ferreira e Souto (2005), os efeitos das percepções de injustiça variam de baixo desempenho no trabalho com reflexos negativos na motivação e satisfação, mas também com implicações nos níveis de absenteísmo e rotatividade.
A intensidade médio/alta de comprometimento identificada com a aplicação da EICCO, principalmente no fator Participação indica a intenção dos profissionais investigados neste estudo de ter maior participação nas atividades e políticas da organização em que atuam de modo que possam identificar oportunidades de melhoria e assim desenvolver estratégias ou sugerir soluções para estes, tal como apontam Bastos et al. (2008). Em pesquisa realizada em uma empresa de informática de Belo Horizonte com o mesmo instrumento (EICCO), os autores Heizer, Garcia e Vieira (2009) obtiveram resultados que indicaram que os funcionários apresentavam alta intensidade de comprometimento. Assim como nesta pesquisa, os autores também identificaram o fator Participação com maior índice de comprometimento. As dimensões que os colaboradores apresentaram maior comprometimento organizacional foram na seguinte ordem de importância: Participação, Defesa da Organização, Melhor Desempenho e Produtividade e, por fim, Empenho Extra ou Sacrifício Adicional, todos os fatores com intensidade de comprometimento médio alto e alto.
Diante dos resultados aqui debatidos, é possível depreender que os profissionais de TI, em sua maioria, são homens jovens, com nível superior incompleto, com salário relativamente alto em comparação com a média brasileira e, embora possuam intensidade médio/alto de comprometimento, tendem à rotatividade nas empresas. Além disso, tratam-se de profissionais que percebem como adequado o tratamento que recebem de seus líderes, bem como o grau em que os mesmos fornecem informações sobre as decisões que afetam as pessoas dentro da empresa em que atuam.
Em um contexto de mercado de trabalho, com muitas transformações nos planos econômico e tecnológico, em que há muita oferta de emprego e poucos profissionais para atenderem à demanda, a alta rotatividade de profissionais preocupa gestores e exige o desenvolvimento de novos modelos de gestão de pessoas e de reinvenção da estrutura organizacional a fim de reter aqueles considerados talentos. A ideia de que somente bons salários e flexibilidade de horários são as melhores estratégias para fazê-los permanecer em uma empresa merece reavaliação. O perfil deste profissional, a qualidade das relações com a liderança e a clareza na comunicação sobre os processos decisórios da empresa também devem ser considerados no momento de planejar o conjunto de recompensas que poderão fazer o colaborador comprometerse efetivamente com a organização e por mais tempo.
Assim, é possível considerar que a percepção de justiça é importante para a permanência do colaborador em uma empresa ou outra, pois, se ele não percebe justiça organizacional, apresenta maior probabilidade de deixar a empresa na qual trabalha. No entanto, é preciso salientar que não se pode reduzir à percepção de justiça como único fator determinante para a tomada de decisão do colaborador.
Ressalva-se, ainda, que essa pesquisa foi realizada com um pequeno número de profissionais desenvolvedores de software em empresas da região da Grande Florianópolis (Santa Catarina, Brasil) com pelo menos um ano de experiência na área. Assim, recomenda-se a realização de novas investigações que abranjam uma amostra maior de participantes e relacionadas à percepção de justiça organizacional e comprometimento com profissionais de TI de outras regiões, correlacionando os dados também com outros aspectos tais como: fatores culturais, porte da empresa, outros nichos de atuação na área de TI etc. É pertinente, então, considerar que não se pretendeu esgotar as reflexões a respeito dos construtos ora tratados, dada a importância de novos estudos e pesquisas que ampliem o conhecimento a seu respeito. A insuficiente quantidade de pesquisas empíricas sobre o assunto em foco é limitação identificada e impeditiva da proposição de um conjunto teórico mais significativo.
Por fim, destaca-se a justiça organizacional como tema complexo e de elevada importância para a gestão de pessoas; não é apenas um desafio, mas um subsídio valioso para o desenho de políticas de gestão para as empresas de TI interessadas na retenção de seus talentos e em se diferenciar no competitivo mercado de trabalho.