As Disfunções Temporomandibulares (DTMS) integram um conjunto de distúrbios musculoes-queléticos e neuromusculares que acometem as Articulações Temporomandibulares (ATMS), os músculos mastigatórios, e todos os tecidos associados, compondo todo o Sistema Estomatognático (SE) 1,2. Devido a sua etiologia ser multifatorial e atingir um ou vários dos componentes do SE, a Disfunção Temporomandibular (DTM) apresenta inúmeros sinais e sintomas além da dor, como a limitação da abertura bucal, emissão de ruídos na ATM, desvios na trajetória dos movimentos mandibulares, insuficiência e privação da função mastigatória 3. Estudos epidemiológicos relataram que 50 a 70% da população têm sinais de um distúrbio em algum momento durante a sua vida, enquanto que um valor estimado de 20 a 25% da população tem sintomas de uma disfunção 4.
No decorrer da vida de um indivíduo, o SE passa por várias modificações, desde alterações fisiológicas e/ou patológicas, podendo originar transformações na relação maxilomandibular, ressaltando a Dimensão Vertical (DV) da face, que podem expressar alguns efeitos negativos, afetando a função mastigatória, a fonética e a harmonia facial 5. Quando a DV passa por alterações, seja produzindo diminuição ou aumento, os músculos tendem a contornar estas modificações buscando levar a Dimensão Vertical de Oclusão (DVO) aos níveis aceitáveis, podendo ser através de extrusão ou intrusão dentária. Este fato leva a musculatura a um esforço além do desenvolvido pelo o SE em suas funções normais 6.
Assim, sem a presença de estímulos compensatórios, o equilíbrio do SE é modificado 7. A perda dentária pode ser ocasionada por vários fatores e geralmente acarreta mudanças consideráveis para o sistema mastigatório, músculos, mucosa bucal e ossos envolvidos nas funções do SE 8. Esta condição provoca alteração na DVO e geralmente tem como consequência o desgaste dental, modificações na fonética, aspecto facial e alterações fisiológicas nos músculos mastigatórios 9. Estas alterações podem induzir o surgimento de interferências oclusais, sendo estes considerados fatores etiológicos da DTM, mas na literatura ainda há autores que apresentam opiniões contrárias ao papel da oclusão no início da DTM 10.
Assim, é de suma importância uma análise criteriosa de todo o SE, pois é essencial para um correto diagnóstico e tratamento dos sinais de sintomas de pacientes com DTM 11. O objetivo deste estudo foi avaliar a condição dentária e a dimensão vertical em pacientes portadores de Disfunção Temporomandibular
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, observacional de corte transversal, desenvolvido com 30 (trinta) pacientes com DTM, representando 100% dos pacientes que procuraram o serviço anualmente, de acordo com as estimativas de atendimento durante o período de funcionamento, sendo assim, uma amostra de conveniência. Os critérios de inclusão utilizados para esta pesquisa foram: pacientes adultos atendidos na clínica integrada e no projeto de extensão para atendimento de pacientes com DTM e dor orofacial, do curso de odontologia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), portadores de DTM ou que desenvolveram ao longo do tratamento odontológico; pacientes de ambos os géneros; pacientes com idade igual ou superior a 18 anos. Utilizou-se uma ficha clínica para ser coletados os dados preliminares como idade e gêne-ro. Os pacientes com DTM foram diagnosticados através do Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD), sendo os diagnósticos categorizados em origem muscular (eixo I do RDC/TMD) e articular (eixos II e III do RDC/TMD). O registro da condição dentária foi realizado por meio de exame clínico, em que se determinou em quais dos cinco padrões se apresentava o paciente (totalmente dentado; parcialmente desdentado com contenção posterior; parcialmente desdentado sem contenção posterior; totalmente desdentado, com prótese total e sem prótese total). Os pacientes foram considerados dentados os que apresentaram um ou mais dentes na cavidade bucal, sem indicação de exodontia.
Para aferir a DV foi utilizado o compasso de Willis, em que foi possível determinar a DVR e DVO. DVO, obtendo o EFL. Este valor é variável, mas considerou-se dentro do intervalo de normalidade os valores de 2,0 mm a 4,0 mm 12. A partir destes dois valores, foi definido se o paciente apresentava a DV estabelecida, diminuída ou aumentada. A associação entre a condição dentária e dimensão vertical com DTM foram verificadas através do teste estatístico qui-quadrado. Para verificar a magnitude dessas associações, utilizaram-se razões de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança (95%). Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (CEP/ UERN), através do CAAE: 30726314.3.0000.5294.
RESULTADOS
Percebeu-se que a ocorrência de DTM afetou um número maior de pessoas do sexo feminino do que masculino, pois na amostra o número destes foram quatro, o equivalente a 13,3%, e vinte e seis mulheres, representando 86,7%. Em relação à idade, os pacientes foram divididos em dois grupos, um grupo com idade abaixo de 36,5 anos e outro acima desta idade, sendo encontrada uma proporção de quinze indivíduos para cada grupo. Este resultado referente a uma maior prevalência do sexo feminino foi encontrado em vários trabalhos 3,13-16, como também idades de pacientes com DTM semelhantes às encontradas neste estudo.
Quanto à DV dos pacientes acometidos pela DTM, en-controu-se que 19 (dezenove) pacientes apresentavam origem articular e 11 (onze) origem muscular da DTM, em que 18 (dezoito) pacientes possuíam DV estabelecida. Como em sua maioria os pacientes com DTM tinha a dimensão vertical estabelecida e outros indivíduos apresentavam os padrões de dimensão vertical diminuída e aumentada, realizou-se a análise bivariada entre os dados dos pacientes com DTM e com dimensão vertical estabelecida e diminuída. Constatou-se que não houve uma associação estatisticamente significantiva (p>0,05) entre a DTM e os padrões de DV. Foi avaliado a relação entre pacientes com DTM e com dimensão vertical estabelecida e aumentada, em que não se encontrou associação entre estas variáveis. Em um estudo transversal, com 185 pacientes, sendo distribuídos em grupos de indivíduos com alteração na Dimensão Vertical de Oclusão (DVO), portadores ou não de DTM, e sujeitos sem alteração na DVO, com ou sem DTM. Analisando esta provável relação entre modificação da DVO e acometimento ou não pela disfunção, se determinou que não houve associação estatística significativa entre estas variáveis 5, o que corrobora com os achados deste estudo. Com uma amostra de 96 crianças e adolescentes, veri-ficou-se a relação entre a presença de DTM e à variabilidade da DVO. Foi concluído que houve relação direta entre a presença de DTM e DVO 17, discordando com os resultados desta investigação. Foi possível encontrar quase todas as condições dentárias presentes no instrumento de coleta de dados desta pesquisa, exceto paciente totalmente desdentado sem prótese total. Realizou-se um cruzamento de dados entre as duas condições dentárias, paciente totalmente dentado e parcialmente desdentado com contenção posterior, mas não houve associação significativa entre as variáveis (Tabela 1).
Na Tabela 2, verificou-se a associação entre pacientes totalmente dentados e parcialmente desdentados sem contenção posterior, de acordo com a DTM diagnosticada. Após observar os resultados, os valores indicam que não houve diferença estatisticamente significante entre a DTM e os padrões (Tabela 2).
Foi possível investigar se existia alguma associação entre o diagnóstico da DTM e os pacientes totalmente desdentados, reabilitados com prótese total, mas não se encontrou associação considerável estatisticamente entre a DTM articular e muscular com os padrões de condição dentária (Tabela 3).
Desta forma, parece que a ausência de alguns ou todos os elementos dentários, promovendo a perda ou não do princípio de reabilitação bucal chamado contenção cêntrica, não irá influenciar de forma individual na etiologia da DTM. Assim, percebe-se que as condições dentárias podem atuar em conjunto com outros fatores no desenvolvimento de uma DTM. Em um estudo com 243 pacientes, encontrou-se que a ausência de elementos dentários gerou um efeito significativo sobre a prevalência de DTM 3. Uma pesquisa realizada com 200 pacientes avaliou qual a atribuição dos fatores oclusais no desenvolvimento da DTM. Os autores concluíram que após restabelecerem o equilíbrio oclusal ao paciente, ocorreu uma diminuição considerável nos sinais e sintomas de DTM 18.
Uma pesquisa com 2 963 indivíduos (1 493 mulheres, 1 470 homens), desenvolvida para investigar se o gênero possui associação com DTM e suporte oclusal, encontrou-se que, homens com a ausência dos molares e pré-molares, sem antagonista, apresentavam maiores chances de possuírem uma DTM quando não tinham contenção posterior 19. Este resultado não corrobora com as informações coletadas neste estudo, pois não houve associação estatisticamente significativa entre DTM e paciente desdentado sem contenção cêntrica. Com um estudo realizado com 196 sujeitos pacientes parcialmente desdentados apontou que, independente do gênero avaliado, os dados da pesquisa apontaram que a incidência e intensidade da DTM se apresentam em maior número em pacientes que tiveram grandes perdas dentárias na zona de suporte posterior 20.
Em um estudo com 31 pacientes, com desenho do tipo caso-controle, foi avaliado a estabilidade oclusal em adultos com DTM. Ao comparar os sujeitos do grupo controle com os de DTM, foi possível identificar que os pacientes com disfunção tiveram um maior acometimento de contatos prematuros, e sendo estatisticamente significativa a associação entre a estabilidade da oclusão e DTM no grupo avaliado 21. Um total de 250 indivíduos desdentados parciais foi investigado buscando a relação entre este padrão e DTM. Encontrou-se que pacientes com perdas dentárias em várias localizações da arcada, principalmente gerando perda de suporte posterior, apresentaram um maior acometimento pela DTM 4, não corroborando com as informações encontradas neste estudo.
Nota-se que, mesmo diante de vários estudos sobre a contribuição das perdas dentárias na etiologia da DTM, há a necessidade de mais estudos clínicos buscando investigar a parcela de responsabilidade destes fatores na causa da DTM . Isto poderia a médio ou em longo prazo, facilitar a construção e implementação de políticas públicas de saúde, através dos sistemas de saúde, visando alterar o curso desta desordem e alcançar um melhor tratamento e qualidade de vida para a população acometida. Portanto, uma avaliação ampla da saúde se faz necessário devido à sua possível relação com os fatores sociais e económicos, como também os estilos de vida e o ambiente físico em que se está inserido 22. De acordo com a capacidade do paciente em se adaptar, tanto a oclusão como o estresse têm uma participação na ocorrência da DTM, mas devido aos diferentes graus de tolerância fisiológica ao estresse, atuam de forma diferente 23.
Percebe-se que, dentre os pacientes com DTM, o sexo feminino foi o mais acometido. Quanto à origem, ocorreu um maior acometimento articular do que muscular. Não houve associação estatisticamente significativa entre as variáveis género, idade, origem, DV e condição dentária com a DTM. Parece que os fatores analisados isoladamente não têm influência no processo etiológico da DTM, mas não devem ser desconsiderados numa avaliação buscando o diagnóstico e tratamento do paciente.