Considerações iniciais
“It occurred to me by intuition, and music was the driving force behind that intuition.
My discovery was the result of musical perception.”
(Albert Einstein, when asked about his theory of relativity1)
Ler, e compreender o que está escrito, é um direito humano fundamental e a base para aprendizagem ao longo do ciclo vital; é plenamente essencial para o desenvolvimento social e humano na sua capacidade de transformar vidas, já que, se a pessoa é capaz de ler, pode ser capaz de participar na formação de sua sociedade. Para os indivíduos, famílias e sociedades, saber ler se constitui em um instrumento de capacitação para melhorar a saúde, a renda e o relacionamento com o mundo (Siro, 2016).
O não letramento de adultos é uma dupla violação do direito humano à educação. Em uma primeira instância, é consequência da falta de educação acessível, aceitável e adaptável para os adultos, quando eram crianças. Em uma segunda, representa o fracasso do Estado em proporcionar uma alfabetização de adultos livre, de qualidade e inclusiva, o que aponta uma violação contínua do direito à educação. O direito ao letramento não é somente um componente do direito à educação, mas também uma precondição necessária para o pleno gozo de outros direitos humanos e para a participação na sociedade. Uma vida digna e livre da pobreza, para a maioria das pessoas no mundo, só é possível por meio do letramento, que significa, entre outras coisas, inclusão social (Pini, 2019).
Entretanto, a responsabilidade pelo fracasso escolar e pelas dificuldades de aprendizagem muitas vezes recai sobre os ombros dos alunos. Tais dificuldades geralmente são as responsáveis também pela falta de motivação, pela baixa autoestima e pela consequente evasão dos alunos das instituições de ensino. Uma das principais dificuldades do estudante brasileiro está relacionada à leitura; aproximadamente 55% dos alunos que cursam o quarto ano do ensino fundamental apresentam desempenho crítico ou muito crítico em língua portuguesa (Alferes e Mainardes 2019).
Porém, os quadros de dificuldades de aprendizagem, na maioria dos casos, não têm origem cognitiva. Assim, faz-se importante que os educadores estejam atentos a essas dificuldades. Para isso, devem estar envolvidos diretamente no processo educativo dessas crianças, já que existe um correspondente para a dificuldade de aprendizagem do aluno, enunciado na fala do professor, que se refere à sua prática, denominado de “dificuldade de ensinagem” (Polity, 1997). Para minimizar tais dificuldades, a música aparece como um excelente recurso mediador nos procedimentos pedagógicos.
A música tem o potencial de afetar o nível de concentração, melhorando a execução de tarefas (Frasher, 2014). Então, é imperativo que sejam usadas intervenções e instrumentos mediadores, que potencializem a aprendizagem significativa e promovam a elevação da autoestima, autoconfiança e autonomia das crianças em risco e/ou situação de não letramento. Dentro desse cenário, pode-se afirmar que a música tem um papel fundamental na escola, pois é um veículo facilitador da construção do conhecimento. Por isso, a música pode ser importante na mediação para a potencialização da linguagem e da leitura, quando usada para estimular a alfabetização, o letramento e a linguagem (Pourkalhor e Tavakoli, 2017).
Várias pesquisas já foram realizadas para verificar a importância da música na escola (Alisaari e Heikkola, 2017; Benetti et al., 2014a; Zuk et al., 2013). Porém, pouco se tem escrito sobre a relação da música (melodia) agregada a sua letra (texto) no âmbito da linguística, em especial no seu papel de facilitador do processo de aprendizagem da leitura e desenvolvimento da linguagem. Portanto, os educadores podem usar contextos extralinguísticos como a música para ensinar estruturas e palavras que ainda não foram adquiridas, o que pode favorecer o desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, os professores devem usar o significado e seu contexto musical para auxiliar na aquisição da linguagem (Cogo-Moreira et al., 2013).
Enquanto o brincar e o jogar tendem a desenvolver e potencializar as habilidades sociais e o raciocínio lógico, o uso da música se constitui em um recurso mediador de aprendizagem, porque “convida” o hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pelas habilidades da linguagem, para trabalhar em parceria com o hemisfério direito, responsável pela criatividade. Essa associação fortalece a conexão entre os neurônios, estimulando funções cognitivas, reforçando a aprendizagem- (Muszkat, 2012).
A mediação se constitui na ação orientadora dos adultos no mundo da criança (Vygotsky, 1993). Então, seja por intervenções sociais, seja por exposição às situações e instrumentos mediadores, é fundamental que a criança tenha boas situações de mediação, pois a presença de mediadores frágeis pode prejudicar o desenvolvimento afetivo e cognitivo da criança, resultando em desempenho inadequado também no contexto escolar.
Além disso, a música representa um grande aliado da aprendizagem, pois enquanto ferramenta pedagógica contribui para a socialização e aprendizagem de conceitos e para a descoberta do mundo; portanto, um veículo de memorização, compreensão e expressão das emoções (Bréscia, 2003). Neste cenário, as canções (letra e melodia) contêm ingredientes de promoção de desenvolvimento humano que albergam aspectos globais (físico, mental, social, emocional e espiritual), constituindo-se em um veículo facilitador da aprendizagem sistemática (educacional), favorecendo o bem-estar dos educandos.
Partindo desta premissa e acreditando que todas as crianças, independentemente de raça, credo ou condições financeiras, têm direito ao acesso à leitura, os profissionais da educação têm a importante tarefa de tentar proporcionar às crianças experiências significativas. É nesse cenário que a música pode ser usada como recurso para motivar as crianças e facilitar contextos ricos, permitindo-lhes que se defrontem com novas experiências interessantes que as permitam observar, manipular e experimentar diferentes situações durante o processo de ensino-aprendizagem sistematizado.
Tendo como pano de fundo a epígrafe que inaugura este trabalho, é intenção mostrar que a música pode ser uma grande aliada do professor, já que pode ser provocadora de descobertas ímpares, como aconteceu com Einstein, ao elaborar a teoria da relatividade. Assim, a proposta deste estudo foi encontrar melhores alternativas para a potencialização da linguagem e da leitura, investigando o impacto da música como instrumento de mediação que contribui para esse processo, importante para o bem-estar e a qualidade de vida dos seres humanos.
Modalidade de Pesquisa, Contexto e Participantes
Esta é uma pesquisa quase experimental, uma vez que apresenta características de um experimento, mas não apresenta o controle de todas as variáveis (Bryman, 1989). É um estudo concluído em 2016, que envolveu dois grupos (controle e experimental), com a manipulação de variáveis independentes. Avaliações pré e pós-testes foram realizadas, tanto na condição experimental quanto na de controle.
As famílias que participaram da pesquisa residem no estado de Santa Catarina, Brasil. Os alunos que participaram desse projeto de pesquisa foram crianças entre 7 e 9 anos de idade, matriculados em uma escola de ensino fundamental desse estado. Participaram 31 famílias — foram entrevistados 31 pais. As crianças pesquisadas foram 10 meninas e 21 meninos, sendo incluídos, na coleta de dados, dois informantes de cada família: a criança e um cuidador2.
Diferente da hipótese nula (H0), em que não há diferença entre as crianças que têm a música como mediadora, a hipótese (H1) deste estudo pressupõe que há diferença entre as crianças que têm a música como mediadora do processo de potencialização da linguagem e da leitura. Para essas crianças, a música como recurso pedagógico faz diferença na aprendizagem (H1).
Instrumentos de Avaliação
1. Questionário sociodemográfico— aplicado aos pais das crianças selecionadas como forma de coleta de dados: idade das crianças, idade e escolaridade dos pais, renda familiar e condições de moradia.
2. Teste de Desempenho Escolar ([TDE] Stein, 1994) — instrumento psicométrico, aplicado aos alunos, para avaliar as capacidades fundamentais para o desempenho escolar, isto é, escrita, aritmética e leitura. Constitui-se por três subtestes: 1) escrita: escrita de nome próprio e de palavras isoladas; 2) aritmética: solução oral de problemas e cálculos de operações aritméticas por escrito3;3) leitura: reconhecimento de palavras.
3.Inventário de Recursos do Ambiente Familiar ([RAF] Marturano, 2004 - — roteiro de entrevista semiestruturada, composto de dez tópicos baseados nas descrições de recursos disponíveis e nas práticas parentais existentes no ambiente familiar4.
Procedimentos
Após a aprovação do comitê de ética da universidade local, deu-se início à pesquisa de campo. Foram agendados contatos/reuniões com a secretária de educação e cultura do município e, posteriormente, com a diretora da unidade escolar, junto à professora das duas turmas de segundo ano (a matutina conformou o grupo experimental e a vespertina, o grupo de controle).
Foi enviada aos pais dos alunos uma carta-convite na qual se explicava sobre o conteúdo da pesquisa e solicitava a presença deles em uma reunião na unidade escolar com hora e data marcadas, onde foram prestados esclarecimentos sobre o termo de consentimento livre esclarecido (TCLE), sobre do preenchimento do questionário sociodemográfico e sobre o RAF. A pesquisa teve duração de seis semanas, nos meses de setembro e outubro. O estudo foi concluído em 2016. Para verificar o desenvolvimento da leitura e da linguagem mediada pela música, foi realizado o “teste/reteste” com o TDE, antes do início das atividades interventivas (teste) e ao final delas (reteste).
No grupo experimental, havia 18 crianças: seis meninas e 12 meninos, que frequentavam as aulas no período matutino. O grupo controle foi composto de 13 crianças: quatro meninas e nove meninos, que frequentavam as aulas no período vespertino. As intervenções foram realizadas em 21 encontros consecutivos, com duração de uma hora e meia para cada encontro, e foi utilizada uma música classificada como infantil educativa (Bréscia, 2003). Com relação às ações que envolveram a música, foram utilizados o texto e a melodia desta, além de atividades como jogos, figuras, bingos, ditados de leitura, brincadeiras de letras e palavras, colagens, acrósticos, rimas, combinação de palavras, criptogramas, formação de palavras, jogos ortográficos, classificação de palavras, charadas, caça-palavras, sequência textual lógica, organização de palavras, “ovelha negra -”5, entre outras.
Análise dos Dados
Os dados foram analisados com o software estatístico SPSS 20, contemplando análises estatísticas descritivas (média e desvio-padrão para as questões que envolvem o RAF, assim como os resultados do TDE) e análises de associação entre as variáveis apresentadas. Os dados foram testados também com o teste r de Pearson para obter correlações entre a idade dos pais e o desempenho na linguagem e na leitura; foi utilizado o teste t para verificar as diferenças entre os grupos pesquisados. A variável dependente “linguagem” foi dividida nos domínios apresentados pelo teste de desempenho escolar (Stein, 1994), conforme Tabela 1.
variável suporte parental, considerada neste projeto como variável independente, foi divida em quatro domínios (Marturano, 2006), conforme apresentado na Tabela 2:
Resultados Encontrados no Grupo Experimental
Os resultados revelaram a média de 35 anos para as mães e 39, os pais. A média de idade das crianças foi de 7.5 anos com um desvio-padrão de 0,767. Com relação à renda mensal das famílias pesquisadas, seis famílias declararam ter proventos entre dois a quatro salários-mínimos, e cinco relataram receber renda mensal de até um salário-mínimo. Somando-se as famílias que possuem renda mensal entre menos de quatro salários-mínimos, verifica-se que há 15 famílias que vivem com baixa renda mensal; há três famílias que apresentam melhores salários.
Verificou-se também a escolaridade dos pais e mães, e observou-se que 13 mães cursaram as séries inicias e duas completaram o ensino fundamental; duas completaram o ensino médio e duas concluíram o ensino superior. Ainda, de acordo com os resultados oferecidos pelo questionário sociodemográfico, o grau de escolaridade dos pais entrevistados ficou assim delineado: 15 pais cursaram as séries inicias, três completaram o ensino fundamental, dois completaram o ensino médio e um deles concluiu o ensino superior.
A Tabela 3 apresenta a média e o desvio-padrão dos domínios pesquisados, além do total de suporte parental das famílias, contendo a pontuação mínima e a pontuação máxima obtida no inventário. O resultado referente ao suporte parental apontou a média mais favorável (13,56) para as práticas parentais e, consequentemente, a menor dispersão (2,59), aproximando-se do desvio-padrão estabelecido como estatisticamente significativo. Em contrapartida, os estímulos disponíveis estiveram entre os domínios que ofereceram maior distância da média (19,56) com desvio-padrão de 5,316. O RAF, englobando todos os domínios, obteve uma média de 76,44 pontos, com desvio- padrão de 10,09, o que indica grande dispersão em relação à média.
Quanto ao teste de desempenho escolar, a Tabela 4 mostra a média e o desvio-padrão dos subtestes de escrita e leitura, e evidenciou que a média do total do TDE aumentou em 23,44 pontos. O subteste de escrita teve média de 15,94 pontos antes das intervenções e média de 22,33 ao final das intervenções, o que representa um aumento de 7,39 pontos. O mesmo aconteceu no subteste de escrita, em que o valor inicial marcava 38,89 pontos, aumentando posteriormente para 17,22 pontos, chegando ao total de 56,11 pontos. Assim, tanto nos domínios de leitura quanto nos de escrita, percebe-se uma diminuição no desvio-padrão em todos os itens avaliados, indicando maior proximidade com a média e menor dispersão nos resultados.
Fonte: Acervo das autoras
O resultado apresentado na Tabela 5 sinaliza para números estatisticamente significantes (p < 0,05) quando correlacionadas às variáveis relativas à idade dos pais, o que indica que, quanto mais idade tem os pais, melhor a criança escreve. A idade da mãe se mostrou significativa (p < 0,05) também quando correlacionada com o total do TDE das crianças sob investigação.
Resultados Encontrados no Grupo de Controle
A média de idade das mães foi de 35 anos e a dos pais, 41, o que sinaliza que a maioria dos pais e das mães é jovem. A média de idade das crianças foi de oito anos com desvio-padrão 0,408. A média de idade das crianças do grupo controle foi maior que a média de idade das crianças do grupo experimental. Quanto à renda mensal, a maioria das famílias desta pesquisa, num total de 11, está na faixa mensal de até quatro salários-mínimos, ou seja, aproximadamente R$ 3.500,00. Os resultados também evidenciam que duas famílias pesquisadas recebem mais de seis salários- mínimos mensalmente, considerada uma renda privilegiada para a realidade da região.
Quanto à escolaridade dos pais e mães das crianças investigadas, os resultados evidenciaram que a maioria das mães (nove) possui o ensino fundamental incompleto, e apenas uma tem esta etapa completa; duas têm curso superior e uma não completou o ensino médio. Os pais apresentaram na sua maioria (sete), como no caso das mães, o ensino fundamental incompleto. Porém, se comparado com as mães, mais pais declararam ter o ensino fundamental completo (cinco); apenas um deles tem o curso superior. O nível mais discrepante de escolaridade entre pais e mães — ensino fundamental completo — confirmou mais escolaridade dos pais.
A Tabela 6 apresenta a média e o desvio-padrão dos subtestes de escrita e leitura, além do total do TDE. Observa-se que a média do total do TDE aumentou 2,38 pontos. O subteste de escrita teve uma média inicial de 20,38 pontos (superior ao grupo experimental) e uma média final de 21,15, o que representa um aumento de 0,77. O mesmo aconteceu no subteste de escrita — o valor inicial era de 51,46 pontos (novamente superior ao grupo experimental), aumentando posteriormente apenas 1,62 pontos, chegando ao final com um total de 53,08 pontos de média.
Foram realizadas, também, análises de correlações para dados pareados (teste t) entre o grupo experimental e o grupo controle, para verificar se a mediação da música se mostrou estatisticamente significativa na potencialização da linguagem relacionada à leitura e à escrita. Na análise da Tabela 7, é possível observar, através das médias apresentadas, diferenças de desempenho geral das crianças na leitura e na escrita, tanto das que participaram do grupo experimental quanto daquelas testadas no grupo de controle, nos subtestes de reavaliação — após as intervenções. Comparando a leitura e a escrita dos dois grupos, observa-se, pela média e pelo desvio-padrão, que o grupo de controle teve maior desempenho na escrita, enquanto o grupo experimental obteve escores mais altos na leitura.
O resultado final do TDE revelou que, apesar de o grupo experimental ter iniciado as intervenções mediadas pela música com uma média significativamente inferior ao grupo controle, ao término das intervenções, o grupo experimental alcançou e ainda superou a média obtida pelo grupo controle em todos os domínios da linguagem que foram pesquisados. Ao observar as correlações, pode-se perceber que elas se mostram em nível maior no grupo experimental (,954), que é estatisticamente considerada uma correlação muito forte, o que evidencia que o grupo experimental teve maior desenvolvimento na leitura e na escrita.
Com relação ao nível de significância, apresentada entre os testes de leitura e escrita, observou-se que tanto o desempenho da escrita quanto da leitura elas foram estatisticamente significantes com níveis próximos a p < 0,001, o que indica que as crianças do grupo experimental alcançaram desempenho significativo do ponto de vista estatístico em todos nos domínios testados, quando comparadas às crianças do grupo de controle.
Discussão dos resultados
A presente pesquisa pautou-se por investigar o impacto da música como instrumento de mediação para potencializar linguagem e habilidades básicas de leitura em crianças do segundo ano do ensino fundamental em uma escola municipal do Brasil. A investigação alcançou sucesso quanto ao desenvolvimento das crianças do grupo experimental, comprovando a H1 deste estudo, que trazia como hipótese alternativa a afirmação de que há diferença entre as crianças que têm a música como mediadora do processo de potencialização da linguagem e da leitura.
Com essa hipótese validada, fica respondida a questão deste trabalho, que se preocupou em oferecer subsídios para afirmar que música infantil educativa pode ser um bom instrumento para a mediação de linguagem e habilidades básicas de leitura. Bréscia (2003) advoga sobre a música como sendo a forma mais antiga de expressão dos seres humanos; mais antiga do que a própria linguagem e mais antiga que a arte. Nesse sentido, os achados desta pesquisa confirmam que o uso dessa forma “antiga” de expressão, como mediação da linguagem e de habilidades básicas de leitura, possui uma ótima capacidade de contextualização dos temas abordados, despertando e desenvolvendo nos alunos sensibilidades mais aguçadas na observação de questões próprias à disciplina, proporcionando ao professor um segundo caminho comunicativo, diferente do verbal: a poesia musical (Carr et al., 2014).
A música e o texto também favorecem a aprendizagem conceitual, e estimulam a manutenção do interesse por temas científicos (Benetti et al., 2014b; Zanetic, 1996), reabilitando o imaginário e o poético como fonte do saber e favorecendo a linguagem oral (Kraus, e Hornickel, 2012). A integração da música na sala de aula de alfabetização é benéfica para alunos que precisam de uma maneira envolvente de trabalhar com suas habilidades de alfabetização nasala de aula. Os alunos ficam mais envolvidos quando fazem uma tarefa com música do que quando apenas ouvem o professor ou tentam responder às perguntas feitas por ele. Durante as músicas, os alunos também dançam e fazem outras ações, além de cantar, desenvolvendo criatividade (Strom, 2016).
A repetição apoia e melhora o letramento emergente, oferecendo às crianças a oportunidade de ler textos de nível superior e ler com a música repetidamente em um contexto significativo. A palavra impressa (texto) convida a participar na leitura e no canto ao mesmo tempo. Além disso, os professores que usam texto repetitivo podem facilmente modelar e exagerar a repetição, a rima e o ritmo do texto, incentivando as crianças a se juntarem nessa brincadeira (Huss et al., 2011). Quando usada intencionalmente, em sala de aula, a música promove efetivamente o letramento e habilidades de leitura, além da prontidão escolar para as crianças menores (Bhide et al., 2013).
Pesquisa relacionando a disciplina de Física com a música expõe que a última auxiliou significativamente no processo de aquisição do conhecimento físico-matemático, fazendo com que os alunos ficassem mais interessados pelos conceitos apresentados pelos professores (Alisaari, e Heikkola, 2017). Esses dados mostram que a música não se limita apenas a conhecimentos linguísticos, mas também abrange outras áreas do conhecimento.
A música é uma linguagem que pode ser estimulante e confortadora (Strom, 2016). Ela pode encorajar, animar, encantar e falar com a parte mais interna da criança. Nessa direção, os dados apresentados corroboram com a pesquisa realizada em um município do estado de Santa Catarina, onde foi identificado que os alunos que tiveram a mediação da música apresentaram um aumento significativo na aquisição e no desenvolvimento da leitura e escrita, com uma diferença de 21 pontos em relação ao grupo de controle.
Ao comparar os escores do TDE com os dados obtidos nesta pesquisa, percebe-se que, inicialmente, o grupo experimental apresentava uma média no subteste de escrita considerada inferior (<19) para crianças que cursam o segundo ano; já o grupo de controle apresentava um valor considerado médio (20-26) para essa faixa de desenvolvimento escolar. No subteste de leitura a média das crianças, tanto do grupo experimental como do grupo de controle, foi considerada inferior (< 57), quando comparadas às médias apresentadas por Stein (1994) no TDE. Ao final das intervenções mediadas pela música, o grupo experimental alcançou um escore considerado médio (20-26) na escrita e inferior na leitura (< 57). Já o grupo controle manteve seu escore considerado médio no subteste de escrita e inferior no subteste de leitura. É importante lembrar que a pontuação, para ser considerada superior à média, é de < 27 para o subteste de escrita, e < 57 para o subteste de leitura.
Como se pode observar, os benefícios de incorporar experiências musicais na ensinagem diária vai além de incrementar o processo de leitura, estendendo-se também para a escrita. Fornecer atividades práticas para a implementação da sala de aula, incluindo músicas, tem impacto no desenvolvimento de habilidades de linguagem, fluência de leitura e progresso de escrita. A música pode transformar as salas de aula em ambientes de aprendizagem positivos onde as crianças prosperam acadêmica, social e emocionalmente. Oferecer às crianças atividades musicais estruturadas e abertas, criar uma atmosfera de confiança e respeito mútuos, e compartilhar a alegria da criatividade é fundamental para o crescimento e desenvolvimento do aprendiz (Strom, 2016).
A música é uma forma de melhorar a aquisição e compreensão do vocabulário, além de envolver a criança na aprendizagem da leitura. A letra da música fornece uma fonte de vocabulário novo. Além disso, acompanhada de sua letra, desenvolve a consciência fonológica na criança, já que compreender uma oração falada requer um processamento auditivo bem-sucedido dos fonemas individuais combinados com a entonação comunicada pelo tom, e ouvir música requer ouvir as notas individuais combinadas com seus valores rítmicos. Devido a essas semelhanças fundamentais, o cérebro humano processa música e linguagem de maneiras semelhantes e a música tem impacto emocionante na aquisição da consciência fonológica. Por essa razão, também, recomenda-se o uso dela e de sua letra, principalmente aquelas que são ricas em rimas, como um mecanismo eficaz para a construção de fonemas e conscientização fonológica em sala de aula (Adams et al., 1998).
A família e a escola são consideradas como os principais sistemas de suporte com os quais a criança conta para enfrentar os desafios cotidianos (Marturano, e Loureiro, 2003). A escola funciona como um marco de inserção que reproduz e atualiza o contexto sociocultural mais amplo, explicitando papéis sociais e exigências formais de aprendizagem, colocando as crianças em contato com novas oportunidades e proporcionando-lhes uma ampliação do universo de interação com adultos e crianças.
A família, por sua vez, contribui com a base segura de estabilidade emocional e uma diversidade de recursos de apoio, tais como a valorização dos esforços da criança, um envolvimento positivo na vida escolar dela e a oferta de experiências educacionais e culturais enriquecedoras (Benetti et al., 2014a; Benetti et al., 2016). Vale salientar que o envolvimento das famílias em atividades de suporte ao desenvolvimento das crianças está ligado a condições socioeconômicas, fornecendo um diferencial importante nesse desenvolvimento (Andrada et al., 2008).
Assim, outro fator importante é que as famílias pesquisadas, em grande parte, moram na zona rural e, no que se refere à renda familiar, a maioria delas (26) recebe até quatro salários-mínimos. Dessa forma, existe uma constituição familiar que pais e mães trabalham na agricultura para manter um nível econômico estável, levando as crianças consigo para o local de trabalho ou confiando suas crianças aos cuidados de um terceiro — parentes, avós ou vizinhos. Os resultados relativos ao suporte parental, oferecido pelas famílias da pesquisa, em quase todos os domínios observados, apresentou um nível médio, se comparado com o que se é esperado para que se possa ter um ambiente apoiador do desenvolvimento nessa fase escolar das crianças.
Portanto, podemos observar, pelos resultados apresentados nos domínios do suporte parental, que o grupo de pais incluídos neste estudo, no que se refere às atividades engajadas, obteve um escore muito abaixo do esperado, com média de 21,39 para o grupo experimental e 20,54 para o grupo controle, sendo que o máximo esperado seria de 45 pontos. É bastante provável, nesse caso, que é necessário que haja mais interação entre pais e filhos, nas atividades realizadas pelas crianças juntamente com os pais.
Ao analisar os demais domínios, observa-se uma pontuação acima da média no item “atividades previsíveis”, com uma média de (21,28) para o grupo experimental e (23,15) para o grupo controle, considerando que a pontuação máxima prevista para esse domínio é de 27 pontos, o que indica que os pais da pesquisa conseguem oferecer, aos seus filhos, atividades extraescolares, oportunizando desenvolvimento humano.
No que se refere aos estímulos disponíveis do ambiente familiar, observa-se uma pontuação significativamente inferior ao esperado (33 pontos). Com média de (19,56) para o grupo experimental e (18,69) para o grupo controle; esses dados indicam que há necessidade de estímulos promotores do desenvolvimento para a maioria das famílias pesquisas. Com relação às práticas parentais, o escore foi considerado médio para ambos os grupos, sendo superior em apenas (1,0 ponto) para o grupo experimental (Marturano, 2006).
Considerações finais
Saber ler deve ser compreendido dentro de uma abordagem baseada em direitos e deve fazer parte dos princípios de inclusão para o desenvolvimento humano. Deve, também, ser reconhecido como um direito dentro do conjunto de benefícios conferidos aos indivíduos, famílias, comunidades e nações. É reconhecido como um direito, explicitamente para crianças e adultos, em certas convenções internacionais, tais como: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção Contra a Discriminação, Alfabetização para Todos – UNESCO) UNESCO, entre outras.
A ausência de letramento pode tragicamente custar vidas humanas, se pensarmos que bebês, crianças e até mesmo adultos têm suas vidas ameaçadas devido à incapacidade de ler, escrever e usar habilidades de alfabetização para acessar informações que poderiam salvar sua vida. Muitas tarefas diárias simples estão além da habilidade de muitos que não conseguem ler e se informar via leitura.
Poucas são as pesquisas encontradas no cenário nacional com resultados que envolvam música e ensino da linguagem escrita. O presente trabalho teve a preocupação de amalgamar essas duas áreas do conhecimento com a finalidade de tentar explorar a influência da música — texto e melodia— nas habilidades de linguagem relacionadas à leitura e à escrita.
Diante dos dados obtidos, é possível verificar que os objetivos propostos para a pesquisa foram alcançados. Durante as intervenções, verificou-se grande envolvimento das crianças nas atividades relacionadas à música. E, apesar de ambos os grupos terem evoluído nos domínios da linguagem, o grupo experimental que, no início tinha desenvolvimento significativamente inferior — 20 pontos em relação ao grupo de controle —, ao término das intervenções, conseguiu superar essa diferença e ainda obteve médias maiores na leitura e na escrita.
Tendo analisado todos os dados, faz-se importante que a Psicologia esteja atenta a novas estratégias para auxiliar professores e educadores no processo de construção e aperfeiçoamento de práticas didáticas, que estejam adequadas à fase desenvolvimental da criança, já que na graduação são abordados temas sobre desenvolvimento infantil e práticas escolares. Assim, com ao auxílio da Psicologia escolar/educacional, os professores, que muitas vezes já se mostram cansados da rotina escolar e das dificuldades, não conseguindo perceber novas práticas de ensino mais adequadas, podem beneficiar-se de diferentes técnicas comprovadas pelas pesquisas. Portanto, seja pelo puro prazer de ouvir sons suaves e harmonias rítmicas, seja por ganhar novas habilidades sociais e de linguagem, e em qualquer cenário — uma sala tranquila em casa com a família ou um grande campo gramado cheio de pessoas, ou uma sala de aula ocupada —, a música pode animar e enriquecer a vida das crianças e das pessoas que estão junto delas.
Outro fator de grande relevância para o psicólogo educacional/escolar é o olhar sobre a família. Percebeu-se nesta pesquisa que muito se tem, ainda, a realizar para instruir pais e cuidadores sobre a importância do suporte parental como base para um desenvolvimento escolar saudável e promissor. Por isso, é fundamental que sejam construídos programas de atendimento aos pais, em que eles possam ser instruídos a lidar com problemas e a estimular seus filhos de forma adequada. Concluindo, para futuras pesquisas, sugere-se que trabalhos de investigação incluindo o TDE e a música — letra e melodia — sejam realizados, para verificar o desempenho também em questões aritméticas.