Introdução
Neste trabalho, é analisado o papel que têm as atividades lúdicas que envolvem a alimentação no contexto escolar vinculadas aos processos de aprendizagem, autorregulação e apropriação dos usos convencionais dos objetos-réplica. A situação lúdica analisada neste artigo foi projetada para descrever as interações triádicas durante esses momentos e caracterizar as diferenças nas ações da professora e das mães durante uma situação lúdica de elaboração de alimento que envolveu objetos-réplica.
As práticas educativas que envolvem as refeições aparecem como espaços socioculturais propícios para o desenvolvimento e para a aprendizagem (Ochs & Shohet, 2006), além de canalizar processos culturais nas crianças (Dotson et al., 2015). De uma perspectiva semiótico-pragmática, é fundamental mostrar a existência de um metassistema (cultura) que orienta os usos canônicos e as práticas do grupo. Os seres humanos precisam ser “cultivados” (Kirshner & Meng, 2011) e é por isso que participam de processos coletivos.
Nas refeições, as crianças podem construir sistemas semióticos em suas interações com outros e negociar fronteiras relacionais, obtendo ganhos cognitivos e relacionais (Nukaga, 2008; Klette et al., 2018). As crianças, nos contextos de educação infantil, têm poucas oportunidades de aprender a partir do que está em volta da alimentação. Nesse sentido, é importante permitir mediação e interação social com a presença de alimentos, especialmente em situações dirigidas para metas fins (Wiggers, 2014). Nesse contexto, o papel mediador do adulto é promover aprendizados definidos intencionalmente a fim de que esses espaços sejam construtivos para as apropriações culturais.
A alimentação é um fato que beira o natural e o social, como explicado por Ishiguro (2016), mas, para os seres humanos, no entanto, é um ato social e institucional. Usamos objetos-utensílio nos momentos das refeições, tanto para o preparo quanto para o ato de comer. Assim, as refeições são elaboradas por tecnologias específicas (Herculano-Houzel, 2017). Nesse sentido, embora os objetos criem ordem de comportamento e sejam materialidades que envolvem aspectos além da funcionalidade (Overmann & Wynn, 2019), observa-se, na educação infantil, que tanto eles quanto os alimentos são esquecidos e as refeições não são valorizadas para a aprendizagem (Alcock, 2007).
Para a abordagem desenvolvida pela pragmática do objeto, as crianças coordenam ações em que usam signos que permitem o desenvolvimento de usos convencionais nas relações triádicas (adultoobjeto-criança). Tudo isso surge através da intencionalidade sobre os objetos e seus usos em contextos específicos (Rodríguez, 2009; Palacios & Rodríguez, 2015; Moreno-Núñez et al., 2019; Rengifo-Herrera & Rodrigues, 2020). Os contextos triádicos que envolvem a alimentação permitem compreender os processos de desenvolvimento, semiose e significação (Alencar & Rengifo-Herrera, 2019, p. 21).
Assim, o posicionamento do adulto em termos comunicativos e educativos é importante na aprendizagem dos usos dos objetos (convencionais, não convencionais e simbólicos), e, ao mesmo tempo, tem implicações na compreensão sobre as formas de pensamento e organização semiótica (Rodríguez & Moro, 2002; Rodríguez, 2009).
Moreno-Núñez et al.(2015; 2017) afirmam que o adulto consegue guiar a criança a se relacionar com os objetos usando a comunicação, utilizando diferentes mecanismos, como gestos, símbolos, linguagem e uso dos objetos. Para Palacios e Rodríguez (2015), os signos produzidos na tríade surgem em regras públicas e convencionais sobre o uso de objetos. A princípio, a intencionalidade colocada no objeto é responsabilidade do adulto, porém, mais tarde, a criança passa a mostrar ações intencionais acerca do uso desse objeto.
Segundo Rodríguez (2009), os objetos são comumente marcados pelos seus aspectos físicos, sem considerar os usos convencionais. As propriedades físicas são entendidas de imediato e as funções passam despercebidas, uma vez que os objetos não são autoexplicativos, nem o uso é inferido considerando sua aparência. Rengifo-Herrera & Rodrigues (2020, p. 239) afirmam que os objetos não transparecem seus usos perceptivamente nem comunicam funções, tornando necessária a explicação e a partilha de usos que envolvem outrem. A aquisição do conhecimento acerca das funções cognitivas associadas aos usos dos objetos é fundamental nos processos de desenvolvimento das crianças (Rodríguez & Moreno-Llanos, 2020), especialmente sobre processos de controle como flexibilidade, inibição, atenção, memória de trabalho, estabelecimento de metas ou planejamento desde os primeiros anos. As funções não são obtidas diretamente pela materialidade (Overmann & Wynn, 2019), elas precisam de processos de semiose e análise (em contextos compartilhados com outrem) para gerar signos e significações que darão sentido aos usos dos objetos. A partir do momento em que o adulto apresenta para a criança a convencionalidade do objeto, a criança faz a sua interpretação acerca dos usos até alcançar o objetivo: compreender e fazer o uso canônico dos objetos de forma autorregulada e reflexiva (Moreno-Núñez et al., 2015; Belza et al., 2019b).
Diante das regras sociais estabelecidas em locais de alimentação, os utensílios são ferramentas que podem auxiliar os processos de autorregulação das crianças e, por esse motivo, é importante a introdução de novos objetos para o conhecimento das crianças, no contexto educacional e alimentar.
De acordo com os trabalhos de Ishiguro (2010; 2016), Alencar & Rengifo-Herrera (2019) e Rengifo-Herrera & Rodrigues (2020), Belza et al. (2019a; 2019b), o alimento faz parte das relações triádicas e se mostra como um importante elemento a ser discutido em contextos educacionais na primeira infância.
Método
Esta pesquisa é um estudo observacional e exploratório. O recorte foi feito a partir dos dados obtidos na segunda fase da pesquisa de Alencar (2020), que analisou as interações entre professoramãe e aluno-filho na presença de objetos-réplica (brinquedos) com formas de frutas e utensílios e aparelhos de cozinha. Participaram uma professora, três mães e três crianças. As crianças com faixa etária entre 24 e 36 meses, em uma escola de educação infantil na cidade de Brasília, Brasil. A situação foi desenvolvida em seis sessões diferentes, sendo três delas com as tríades professoraobjetos-criança e a outras três com a presença da mãe além da tríade.
A escolha da análise desse momento da atividade lúdica permite mostrar as características das interações triádicas no contexto educacional, bem como salienta as diferenças e as características da ação triádica guiada por metas educacionais que a professora explicita e da ação intuitiva das mães com seu filho. No caso, a professora mostra a existência de propósitos específicos na ação educacional que favorecem a autorregulação e a aprendizagem, características que foram menos explícitas nas intervenções das mães.
Os critérios para a seleção das crianças foram que fossem crianças típicas e cujos pais tivessem disponibilidade para participar da pesquisa. O fato de somente mães/mulheres terem participado da pesquisa não foi intencional, ocorrendo de forma livre, sem seleção de gênero e classe social. Os objetivos da pesquisa foram esclarecidos antes da aplicação, mediante termo de consentimento livre e esclarecido.
*A professora participou de três momentos da fase 2 (professora-objetos/alimentos-crianças).
Fonte: elaboração própria.
Os dados analisados foram divididos em seis momentos: três foram com o grupo de professorasutensílio/alimentos-crianças; e outros três com as mães e a mesma tarefa.
A coleta de dados da atividade lúdica para todos os seis momentos ocorreu da seguinte forma: apresentação e explicação do propósito da atividade por parte do pesquisador; distribuição para cada grupo de objetos-réplica (brinquedos) — 1 liquidificador com tampa, 2 facas, 2 copos, 2 pratos, 2 tábuas, 2 cestas e diferentes brinquedos-réplica, como frutas e verduras (brinquedos); instrução de uso dos objetos para preparar o suco por parte da pesquisadora;realização da receita de forma livre pelos adultos e pelas crianças.
Cada atividade teve uma duração de 9 a15 minutos e foi registrada durante duas semanas, sendo que a atividade da professora antecedeu a atividade com as mães.Foram realizados registros de diário de campo e gravações de áudio e vídeo. A partir da transcrição dos dados, seis trechos das gravações de vídeo foram selecionados para a análise microgenética.
Instrumentos
Dentro dessas categorias, foram analisadas ações, falas e aspectos metacomunicativos. No decorrer da análise, foram criadas subcategorias que aprimoraram a interpretação dos dados. Foram utilizados o software Élan 5.9 para a análise microgenética dos vídeos e o Excel, do pacote Office, para a quantificação dos dados.
Cada vídeo passou por quatro revisões até serem selecionados os seis trechos que fazem parte da análise microgenética, sempre a partir de um critério de seleção amparado em ações, falas e aspectos metacomunicativos relevantes e que atendiam aos objetivos da pesquisa.
As categorias analisadas nos trechos recortados da fase 2 foram ações, falas e aspectos metacomunicativos, divididas entre o adulto e a criança. Entre essas categorias, foram criadas as subcategorias, que amparam os objetivos desta pesquisa, como mostram as tabelas a seguir.
De forma a aprimorar a análise dos dados, os objetos foram categorizados da seguinte maneira: os alimentos/objetos-réplica (frutas e verduras) foram chamados “objetos naturais (ON)”; os utensílios/objetos-réplica (faca, tábua, copo, prato e cesta), que auxiliam no preparo, foram chamados “instrumentos (IN)”; e os utensílios/objetos-réplica que modificam o alimento (liquidificador), “aparelho (AP)”.
Resultados
A seguir, são apresentadas descrições dos trechos recortados da atividade lúdica, com seus respectivos gráficos, bem como a frequência das subcategorias e suas codificações. Os trechos e os gráficos envolvem a participação de cada criança com a professora e com a mãe.
Para apresentar os resultados, foi realizado uso de gráficos mediante a estratégia de nuvem de palavras. Assim, quanto maior a frequência de uma subcategoria, maior o tamanho da bolhaimagem no gráfico. Dessa forma, foram descritas as ações, falas e aspectos metacomunicativos dos participantes. A cor azul para ON; marrom para IN; e cinza para AP. Nas tabelas que acompanham cada figura, foram destacados entre duas e cinco subcategorias que apresentaram maior frequência e que fundamentam a análise e o tipo de objeto ao que a subcategoria está associada. Esse critério permite ver como a maior reiteração de cada subcategoria é um indicador do papel que representou durante a situação lúdica tanto com a professora como com as mães.
A seguir, apresentamos a sequência utilizada.
Tríade Alex-objetos-professora
O liquidificador/objeto-réplica e os alimentos/objetos-réplica foram os mais utilizados pela tríade “professora-objetos-Alex”. Por sua vez, nas ações de Alex, na situação lúdica, as subcategorias “PO” e “UCO-AP” vinculadas com ON e AP registram maior frequência. Com relação aos IN, ele faz mais USO simulando que bebe o conteúdo do copo. As ações da criança foram impulsionadas pela forma como a professora fez a intervenção educacional. Em suas ações e fala, fica clara a meta educacional que ela traçou com a criança, apresentando maior frequência de ações apontando (APT) e mostrando o objeto (MO), enquanto as falas foram sobre instruir (I) sobre ON, IN e AP, bem como perguntar (PE) sobre os ON. Isso permitiu que a criança ampliasse as possibilidades de ação e exploração de recursos cognitivos de forma autônoma. Também se destacam as pausas (P) que estão presentes no uso de ON e de AP e os sorrisos (SA) que têm maior frequência quando associados com IN e que se destacam com aspectos metacomunicativos por parte da professora.
Na dinâmica relacional dos aspectos metacomunicativos com a professora, destaca-se como Alex não os utilizou para se comunicar a respeito de AP, mas, no que tange aos IN e ON, eles apresentam maior frequência. Alex observava (O) as ações da professora e olhava (OL3) para ela, após instruções e perguntas. A professora fazia pausas (P) quando o Alex fazia uso dos ON e do AP, e, sorria (SA), quando usava IN. Ou seja, as ações da professora parecem facilitar o protagonismo da criança.
Tríade Alex-objetos-mãe
No caso das interações Alex-objetos-mãe, a maior frequência de ações foi PO se relaciona com ON e IN e faz USO de IN e uso convencional com AP. O uso simbólico do copo está presente nas ações da criança e do adulto, o que indica que o ato de levar o copo até a boca e emitir sons (onomatopeia) supõe componentes simbólicos na ação.
Alex apresentou maior frequência de observação (O) de ON, IN e AP das ações da mãe, referente aos usos dos objetos e ainda, mostrou aspectos metacomunicativos (sorrisos) relacionados ao uso do liquidificador e dos alimentos. A mãe parecia interessada em que a criança fizesse a coisa certa com os objetos. É notória a ênfase por parte dela em exemplificar na ação (UCO com IN, ON e AP), diferente do que a professora fez (Mostrar e Apontar). Ela impede o Alex usar a faca enquanto, explicava (E1, E3) vinculando ON –, IN e AP.
Enquanto a criança brincava, a mãe fazia pausas (P) e sorrisos (PA). No caso da mãe de Alex, pode-se dizer que também promoveu ações na criança, mas por vias diferentes e suscitando ações e dinâmicas distintas, especialmente porque os usos convencionais tiveram maior frequência na tríade com a professora, enquanto pegar objetos prevaleceu com a mãe. Ou seja, a postura mediadora da mãe gerou para a criança uma exploração autônoma dos ON, IN e AP relacionados ao contexto da situação lúdica, porém dirigida pelos propósitos dela e não pelo que a criança poderia alcançar (como a professora fez).
Tríade Cristina-objetos-professora
No caso da atividade da Cristina com a professora, identifica-se o uso convencional dos objetos (UCO) ON, IN e AP nas ações da criança e respostas (R) sobre ON nas falas. Durante a atividade, a professora usa Instruções (I) e AP e Perguntas (PE) sobre os ON, bem como ações de Apontar (APT) ON e IN. Nas ações e nas falas da professora, parece permitir que a criança explore e analise suas ações sobre os objetos e seus usos.
Fica explícito como nos usos convencionais da Cristina não há apenas imitações, mas também reorganização das ações a partir da compreensão que ela adquiriu e pelo que a professora lhe permitiu fazer. Portanto, diante dessa afirmação, pode-se inferir que as ações da professora facilitaram a apropriação dos usos convencionais, de exploração e de análise dos objetos envolvidos na tarefa.
Nos aspectos metacomunicativos, a professora faz pausas (P) ON, IN e AP, propiciando a ação que leve a criança para o descobrimento. Ela já tinha feito isso no caso do Alex e repete com a Cristina.
Um fato que se destaca nesse caso é que Cristina estava realizando uma tentativa de fazer o uso convencional do objeto natural (TUCO), tendo como resposta as pausas (P) da professora. Como a criança tinha dificuldade em finalizar a tarefa, a professora a instruiu (I) a fazer o uso não convencional da fruta. Nesse caso, por se tratar de objetos-réplica unidos pelo velcro, que se separam ao meio, a instrução foi que a criança a “partisse” com a mão, ao invés de usar a faca. Notou-se a intenção em facilitar a ação autônoma da criança e a busca da compreensão dos aspectos convencionais da tarefa.
Tríade Cristina-objetos-mãe
Cristina e sua mãe mostram indicadores metacomunicativos da mãe como prevalentes, destacando pausas (P) IN e AP e observações (O) OB e IN, diante dos usos dos objetos. Há pouco interesse nas ações da Cristina por parte da mãe. Já com relação às falas da mãe, é possível ver que ela explica (E1 explica para a criança o que está fazendo ou o que vai fazer) ON e AP e instrui (I) OB, entretanto, as dinâmicas comunicativas da mãe aconteceram a respeito de suas ações. Ela falava mais a respeito do que ela mesma fazia com os objetos do que fazer referência ao que a filha fazia. Em alguns momentos, a mãe estava apenas focada em usar os objetos para si sem envolver Cristina, o que acarretou um desalinho nos usos deles.
Ao mesmo tempo Cristina fez mais usos convencionais (UCO) dos ON e AP do que fez com os IN, como aconteceu na interação com a professora. Todavia, ela usou mais vezes os instrumentos com a mãe, do que com a professora. Isso ocorreu porque a criança realizou a atividade sem acompanhamento do adulto, mostrando que o fato de ter compartilhado a atividade com a professora lhe permitiu reconhecer o que devia fazer.
Tríade Izzie-objetos-professora
As ações pegar o objeto (PO) – IN – e – AP e nos usos simbólicos (USO) – AP – e – ON e usos convencionais (UCO) – AP – são destaque no caso da Izzie. Em relação aos – IN – ela fez alguns UCO e ações com o copo ao fazer os usos simbólicos. Ela conseguiu simbolizar os usos. Os USO feitos pela Izzie foram favorecidos pelas ações da professora, ao pedir para que a criança colocasse o suco no copo e o tomasse.
A professora, por sua vez, não só instruiu (I) nas três classes de objetos – ON – IN – e – AP como também fez demonstrações dos usos convencionais e simbólicos. Este é um dado importante, visto que a professora não fez o uso dos objetos com as outras crianças. Nos outros casos, a professora apontava (APT) ou mostrava (MO) e frequentemente indicava (I) informações, acompanhando com pausas (P). No caso da Izzie, ela falou diversas vezes sobre os objetos. Não há como afirmar, mas pode-se pensar que, ante as ações e a ausência de falas da criança, ela notou a necessidade de auxiliá-la de outra forma. Ainda assim, incentivou a autonomia da Izzie e promoveu a autorregulação, o que permitiu a criança agir com os objetos.
Outro dado relevante está vinculado com os usos não convencionais (UNCO) feitos pela criança e pela professora. Izzie faz o uso não convencional (UNCO) do – ON – (fruta). De forma similar ao que ocorreu com Cristina, nesta atividade, a professora identificou a dificuldade da Izzie em cortar a fruta e a incentivou a separá-la com as mãos. Além do uso do – ON –, a professora também instruiu (I) a criança a fazer o uso convencional (UCO) do liquidificador, pedindo para que ela o mexesse, enquanto ele estava batendo a fruta, induzindo a criança a acrescentar aspectos onomatopeicos e simbólicos do objeto-réplica.
A intervenção semelhante ao que fez com a Cristina mostra a importância de comunicar os usos convencionais que estão atrelados ou incorporados às suas ações, especialmente quando há uma intenção educacional.
Tríade Izzie-objetos-mãe
Aqui se destaca a subcategoria pega o objeto (PO) no – IN e surgem usos convencionais (UCO) vinculados com – ON – e – AP – como parte das ações. Izzie, diferentemente do que aconteceu com a professora, falou com a mãe e fez referências (RF) aos – ON – e comunicou (CM1), o que fez para o adulto com os – ON – e – IN –, bem como deu instruções (I) para a mãe a respeito do uso dos instrumentos. Izzie pareceu querer mostrar para a mãe que ela conseguia fazer o que a tarefa pedia.
Nas interações, é possível identificar que a mãe pegava os objetos para modelar ou entregar para a criança, pedindo para ela usar ou, até mesmo, aproximava o objeto da criança, para que ela fizesse o uso de forma autônoma. Izzie também, no que tange aos aspectos metacomunicativos, mostra como olhando para o adulto depois da instrução (OL3) sobre – ON – e observar (O) – IN – e – AP –, o que parece indicar que quer acompanhar a ação do adulto. Vemos como a mãe pega os objetos (PO) – IN – e – AP – bem como faz perguntas (PE) sobre– ON –, – IN – e – AP – e pausas (P) quando há uso dos – IN –e – AP –. A forma como o adulto se posiciona, em termos da ação e da fala, é muito importante na compreensão que a criança alcança sobre os usos convencionais UCO e usos simbólicos USO. Ou seja, a mãe pretende gerar aprendizagem na criança a partir das ações, das falas e dos aspectos metacomunicativos.
Discussão
A análise das categorias e das subcategorias envolvidas na situação lúdica com o uso de objetos-réplica apontou a importância de analisar a tríade das ações e permitiu enxergar, in loco, como se dão os processos educacionais intencionais por parte da professora e encontrar diferenças com as ações das mães. As características das ações das mães pareciam mais difusas e opacas sobre os usos dos objetos-réplica e sobre as metas que a criança pode alcançar. Ou seja, foi visto que a forma como a situação é apresentada pela professora orienta as ações das crianças e facilita o desenvolvimento de processos de controle que podem suscitar maior flexibilidade, atenção e memória de trabalho, bem como permite que a criança possa definir metas e planejar sequências a partir dos usos dos objetos (Rodríguez & Moreno-Llanos, 2020).
Esse tipo de intervenção educacional permite que as crianças desenvolvam, durante a atividade, compreensão e aprendizagens que geram modos de inferir e refletir sobre as tarefas, sobre os objetos e sobre os processos de semiose, recriando significados e permitindo a apropriação de práticas relacionadas com preparar alimentos. Ao interagir com o objeto, a criança reflete sobre os usos e analisa os objetos-réplica, o que gera ganhos na significação que auxiliam a utilização da materialidade como instrumento e via para pensar, aprender e se apropriar do mundo (Overmann & Wynn, 2019).
Como discutido antes, os alimentos não parecem ter espaço suficiente como situações que favoreçam a aprendizagem na educação infantil. Assim, a situação lúdica, além de potenciar cognitivamente, pode permitir a apropriação de aspectos relacionados com as identidades, práticas e saberes específicos da cultura da criança.
Nas ações da professora, é possível ver como ela apontava (APT), mostrava (MO) e quando foi necessário pegou o Objeto (PO) e fez usos simbólicos e canônicos (USO e UCO), mas como um imperativo de fazer uma intervenção educacional que levasse em consideração as necessidades específicas de aprendizagem da criança nesse momento. Apontar permitiu orientar semioticamente (assistência indireta) sobre o que podia/devia ser feito por parte da criança, o que permitiu que ele pudesse desvendar e analisar características sociais e culturais dos objetos e se apropriar dos usos convencionais. Igual acontece com as falas: dar Instruções (I) e Perguntar (P) sobre são as subcategorias que se reiteram, o que indica a intenção de permitir e impulsionar a ação da criança para que ela examine e identifique as regularidades e convenções da ação. Da mesma forma, os aspectos metacomunicativos, como no caso das Pausas (P), indicam uma ação que visa ao objetivo de permitir ao outro descobrir. As Pausas, Perguntas, Instruções. Apontar e realizar Usos Convencionais e Canônicos permitem outras ações, bem com Pegar o Objeto abre a possibilidade de assistências semidiretas ou diretas que favoreçam a ação da criança.
Para as mães Pegar os Objetos (PO) e Usos Convencionais (UCO) foram mais frequentes. Nas falas, as Explicações 1 (E1 – explicar o que está fazendo ou que vai fazer) e Explicações 3 (E3 - Explicar para a criança quais são e/ou sobre os ON, AP e IN) indicam que há tentativas instrucionais, porém diferentes da ação de facilitação apresentada pela professora. As Explicações não foram um fato presente nas intervenções da professora, o que pode indicar que as mães esperam ensinar-transmitir, enquanto a professora parece estar mais interessada em permitir a descoberta.
Nos aspectos metacomunicativos, Pausas (P) e Sorrisos (SA) também estiveram presentes, mas com menor frequência nas mães do que na professora. As Instruções (I) e Perguntas (P) que prevalecem na professora são pouco presentes no caso das mães, o que indica que as ações da professora estão dirigidas a questionar e levar a criança a examinar o que está fazendo. Ao mesmo tempo que as mães forneceram elementos para a criança formar relações cognitivas e análises, pode haver uma restrição em pretender dirigir a ação da criança sem definir uma meta.
Pegar os Objetos (PO) sobre – ON – e – IN– e Usos Convencionais (UCO) e Usos Simbólicos (USO) apresentam maior frequência nas crianças, o que parece indicar que as crianças focam em entender e aprender sobre a sequência convencional e sobre a rede de signos que está envolvida nos usos dos objetos. Isso também pode estar associado ao fato de que pegar os objetos permite que exista uma compreensão além do que o adulto está colocando e leva a criança para uma ação que permite provar/testar a compreensão que ela tem sobre os objetos e seus usos. Nas falas, as Referências (R), os aspectos comunicativos (CM1 e CM3), Respostas (R) e Perguntas (P) foram categorias recorrentes. Os aspectos metacomunicativos estão presentes nesse nível de análise. Observar e Olhar estão vinculados com o interesse em compreender os fatos e olhar para o adulto quando usa o objeto torna-se referência.
As situações lúdicas que envolvem objetos-réplica que remetem aos alimentos podem ser utilizadas no contexto escolar para planejar ações que permitam aprendizagens específicas, bem como auxiliar o desenvolvimento e a socialização das crianças. O papel da professora é particularmente importante para que as crianças desenvolvam as escolhas adequadas e usem objetos de forma convencional/simbólica. Metas definidas com a atividade e com o acompanhamento da forma como as crianças estão se apropriando dos usos e das finalidades da tarefa fornecem valiosos elementos sobre as funções centrais e sobre a autorregulação a partir da educação infantil.
Em suma, os dados permitiram vislumbrar possíveis dinâmicas educacionais durante situações lúdicas relacionadas com a alimentação. Isto é, a alimentação como espaço educacional deve ser considerada como oportunidade de ensino-aprendizagem dirigida e intencional.
A atividade lúdica que envolve objetos relacionados com a alimentação a partir do uso de objetos-réplica destacou como a intervenção por parte da professora que planeja e faz uma ação educativa intencional, bem como mediada pelos objetos, faz diferença nos tipos de ação e exploração dos objetos, das suas características e das possibilidades de autorregulação e metacognição na criança. As crianças mostraram que conseguiram examinar e se apropriar de usos pertinentes à tarefa, gerando inferências que esse tipo de ação intencional permite.