Introdução
Os peixes teleósteos são encontrados em água doce, salobra e marinha e muitas vezes apresentam diferenças interespecíficas quanto à temperatura, salinidade, teor de oxigénio, pH, luminosidade ideais para seu desenvolvimento. Neste contexto, a ação individual ou a interação destes fatores ambientais afeta todos os sistemas fisiológicos dos peixes, inclusive a musculatura esquelética1.
Os teleósteos muitas vezes apresentam um padrão de crescimento indeterminado, com tamanho corporal e massa muscular aumentando de forma continua até que ocorra a morte. O incremento na massa muscular durante o crescimento demanda a produção contínua de fibras musculares. Assim, até 40-50 % do comprimento máximo do corpo é atingido, e as fibras musculares mostram uma significativa plasticidade em relação ao efeito das condições ambientais2.
A presente revisão tem como objetivo discorrer sobre influência dos fatores abióticos sobre a miogênese e crescimento muscular de peixes teleósteos e os possíveis impactos sobre a piscicultura.
Musculatura de peixes
O tecido muscular é o maior dos tecidos dos vertebrados e representa a maior parte do peso corporal. Nos peixes teleósteos, o tecido muscular pode representar até 80% do peso e gera um movimento de tipo ondulatório ou contrações em forma de onda ao longo do comprimento do corpo que impulsiona o animal3,4. A musculatura dos peixes é formada por fibras organizadas em miótomos que podem ter forma variada e são separados por uma camada de tecido conjuntivo chamada miossépto.5 classificou a conformação dos miótomos em: miótomos em forma de “V”, presentes nos anfioxos; miótomos em forma de “W”, as lampreias são exemplos de peixes que possuem esta conformação; e os miótomos de forma complexa, estes últimos presentes em elasmobrânquios e teleósteos. Em todas as formas de organização das fibras musculares, os miótomos se encaixam de forma a permitir o movimento ondulatório, característico da natação dos peixes.
Além das fibras musculares, as células satélites são um importante tipo celular do tecido muscular. As células satélites são células indiferenciadas e são assim denominadas devido à sua localização, ao redor das fibras musculares6. O crescimento do tecido muscular nos peixes envolve os mecanismos de hiperplasia, que é aumento do número de fibras musculares, e hipertrofia, o aumento do volume das fibras musculares por meio da incorporação de células satélites. A fusão com as células satélites faz com que as fibras musculares maduras sejam células multinucleadas.
A principal diferença entre a musculatura de mamíferos e peixes é a organização das fibras musculares. Em mamíferos, as fibras musculares se organizam em mosaicos em que as fibras do tipo branca, de contração rápida e metabolismo glicolítico, estão juntas as fibras do tipo vermelha, de contração lenta e metabolismo oxidativo. Já em peixes, as fibras musculares se organizam em camadas. As fibras do tipo branca se posicionam abaixo da camada de fibras do tipo vermelha, e há uma camada de fibras do tipo intermediário entre elas7.
Regulação gênica do crescimento muscular
Muitos genes regulam o crescimento muscular e são encontrados em copias sendo o resultado da retenção de parálogos (um par de genes que surgiram a partir de um gene ancestral comum através de uma mutação herdada que envolve a duplicação de uma região do genoma), na medida em que o crescimento indeterminado, ectotermia e preservação de parálogos resultaram em modificações das vias genéticas que regulam o crescimento muscular em teleósteos em comparação com os mamíferos permanece largamente desconhecido2.
Os processos de hiperplasia e hipertrofia são regulados por fatores transcricionais denominados fatores de regulação miogênica, os MIFs. Os MIFs são a MyoD, miogenina, Myf5 e MRF4. A MyoD e a Myf5 na fase de crescimento controlam a determinação das células da linhagem miogênica e regulam a proliferação e ativação dos mioblasto8. Enquanto a miogenina e o MRF4 atuam na diferenciação de mioblastos para a formação de fibras musculares maduras9. Entender o controle molecular do crescimento muscular pós-embrionário em peixes e como se determina o crescimento e tamanho do peixe é muito importante na aquicultura pela demanda é de particular importância no estudo.
Os fatores de regulação citados atuam promovendo o crescimento muscular, em papel antagônico, a miostatina pertence à família TGF-β e inibe o crescimento muscular por meio da inibição de proliferação de células satélites10. 11citam que em mamíferos a miostatina atuam principalmente sobre a musculatura esquelética, tecido adiposo, glândulas mamárias e musculatura cardíaca, porém em peixes a miostatina atua em muitos outros tecidos.
A transcrição diferencial dos MRFs ou da miostatina durante a fase embrionária, o que resulta em um maior ou menor número de fibras musculares, podem influenciar diretamente no desenvolvimento muscular pós-natal12. Existe diferenças no padrão de expressão dos reguladores de crescimento muscular entre mamíferos e peixes.
Em mamíferos, a hiperplasia ocorre no período fetal e após o nascimento ocorre apenas a hipertrofia. Já em peixes, cuja maioria das espécies são de crescimento indeterminado, a hiperplasia e hipertrofia do músculo esquelético ocorre por toda a vida do animal, havendo mudança da contribuição da hipertrofia e hiperplasia no decorrer da vida do peixe.
Miogênese na fase embrionária
A miogênese é iniciada mais precocemente em embriões de peixes do que em aves e mamíferos. Isso reflete, provavelmente, a exigência precoce para gerar propulsão na natação, assim células dos somitos diferenciadas em miótomos que se diferenciam em quatro tipos principais de fibras musculares reconhecíveis: pioneiros do músculo, músculo lento, músculo rápido e músculo medial rápido2. Durante a embriogênese do zebrafish (Danio rerio), na fase de gastrulação formam-se os compartimentos do mesoderma axial e paraxial. O desenvolvimento da musculatura axial ou miogênese primaria inicia a partir do mesoderma paraxial ao longo do eixo anteroposterior para formar blocos de células denominadas somitos4. Adicionalmente, o mesoderma paraxial apresenta profundas mudanças morfogenéticas e forma varias populações celulares distintas, as quais incluem as células adaxiais13,14, miótomo primário15, camada celular externa semelhante a dermomiotomo16,17, endótomo18 e esclerótomo19. Posteriormente, o miótomo exibe um grande crescimento ou miogênese secundária, para, finalmente atingir o tamanho adulto4.
Crescimento muscular pós-eclosão
Em peixes de grande porte com crescimento rápido, a hiperplasia é particularmente ativa durante os estágios larval e juvenil. Em espécies pequenas, de crescimento lento, a sua contribuição durante a vida adulta é baixa e crescimento muscular envolve principalmente a hipertrofia de fibras formadas no embrião e durante a fase larval7.
López-Albors et al., observaram em Robalo (Dicentrarchus labrax) que a temperatura na fase vitelínica influenciou a coloração mATPase das fibras musculares brancas na fase de pós-larval e larval. Assim, verificou-se que o efeito positivo do início de alta temperatura no recrutamento de novas fibras musculares brancas no final do período larval, enquanto que o diâmetro médio das fibras musculares brancas foi maior em preaquecimento da temperatura da agua na fase post-larval (120 dias); os autores indicaram que a temperatura antes da incubação pode influenciar o número de células satélite e que o perfil da atividade mATPase das fibras musculares brancas varia em peixes cultivados a temperaturas diferentes além disso que a hipertrofia das fibras musculares brancas é o parâmetro principal músculo influenciado pela alta temperatura precoce, enquanto que a hiperplasia é influenciada, em menor grau20.
Almeida et al., Observaram em pacu (Piaractus mesopotamicus) que indivíduos com 40 dias de vida ocorre grande presença de fibras musculares menores que 20 μm e em adultos ocorre predomínio de fibras maiores de 50 μm, observaram elevada expressão de MyoD e miogenina aos 180 dias após eclosão21. Zhu et al., observaram que para o Megalobrama amblycephala a idade não influenciou o percentual de contribuição da hipertrofia e hiperplasia na formação da |musculatura vermelha, em contrapartida, para a musculatura branca a contribuição hipertrófica reduziu e a contribuição hiperplásica aumentou ao longo do tempo22.
Influência da qualidade de água sobre o crescimento muscular
O crescimento muscular apresenta efeitos tanto poligênicos como multifatoriais, sendo influenciado pelos fatores ambientais entre os quais merecem destaque a nutrição23,24, a temperatura ambiental25,26 e a disponibilidade de oxigênio27.
Múltiplos fatores que podem influenciar na miogênese em peixes como a idade dos peixes e a qualidade da água em que é feita a incubação dos ovos e a criação dos peixes. A temperatura é um fator abiótico que tem importante efeito na miogênese em várias espécies de peixes de importância comercial. Baixas temperaturas da água podem comprometer drasticamente o ate reduzir significativamente a miogênese secundaria nos peixes28.
Em trutas a miogênese segue padrões essencialmente similares que outros peixes teleósteos, os mioblastos dentro dos somitos formam os miotubos, que então produzem miofibrilas e diferenciam-se em fibras musculares, mas a maioria miotubos surgem por fusão de um número de mioblastos, e assim, a maioria das fibras musculares são multinucleadas, mudanças extremas induzidas pela temperatura no desenvolvimento pode resultar em anormalidades no desenvolvimento muscular nesta fase29.
Alves-Costa et al., observaram que a coloração da água influenciou no padrão de expressão de Myf5 e Myogenina na musculatura branca e vermelha de tambaqui (Colossoma macropomum)30. Johnston et al., observaram que o fotoperíodo influenciou diretamente no número de fibras musculares e na taxa de hipertrofia muscular em salmão do Atlântico (Salmo salar) entre 150 e 500 dias de vida. Por serem animais ectotémicos, a temperatura da água é um fator de grande importância para a miogênese de peixes, interferindo de diversas formas neste proceso31. Du et al., citam que, apesar da necessidade de estudos mais específicos, a temperatura da água é um importante agente de programação fetal para peixes32.
Através de diferentes taxas de desenvolvimento, a temperatura pode influenciar o tamanho do organismo em que ocorrem transformações ontogênicas, nos peixes marinhos pode ter influência na natação, sendo os problemas mais difíceis nestes peixes que os de agua doce, no estudo feito por Green et al.33, observaram em Amphiprion melanopus, uma pequena variação na temperatura resultou numa grande variação no crescimento, desenvolvimento e desempenho natação ,uma redução de 3 °C na temperatura diminuiu o crescimento, a taxa de desenvolvimento e natação velocidade em larvas.
Macqueen et al., observaram que houve maior velocidade na somitogênese de larvas de salmão do Atlântico em embriões incubados na temperatura de 8 ºC quando comparados com embriões incubados a 5 ºC e 2 ºC 34,35. Albokhadaim et al., os efeitos da a temperatura de incubação de ovos de salmão do Atlântico sobre o crescimento muscular e atividade locomotora 21 dias após a eclosão e constataram que larvas incubadas à 5 ºC tiveram número de fibras musculares brancas, atividade locomotora e crescimento maiores do que larvas incubadas a 10 ºC 35. Macqueen et al., observaram que, para salmão do Atlântico, a temperatura de incubação dos ovos tem influência direta sobre o tamanho das fibras musculares dos peixes adultos36.
A temperatura ambiente também pode desempenhar um papel através da interação com o genótipo para afetar os padrões de desenvolvimento embrionário29. No entanto, os efeitos da temperatura dependem em grande medida das espécies e as temperaturas aos quais estão expostos no ambiente natural, induzir uma programação térmica precoce pode ter um profundo impacto no crescimento posterior de um peixe e, portanto, ser uma ferramenta importante para modular o fenótipo peixes, esta programação de temperatura foi feito por Campos et al. 37, em linguado (Solea senegalensis), em três rangos de temperatura (15, 18 e 21 °C) observaram um aumento no crescimento do músculo para as temperaturas mais altas ,com um aumento na expressão do gene, dos fatores reguladores miogênicos, miosinas, IGF-I e fgf6; Após transferência para uma temperatura comum (20 °C), o grupo de 15 ° C iniciou um processo de crescimento compensatório companhada por uma regulação positiva da expressão do gene no músculo rápido.
Garcia de la Serrana et al., pesquisaram em juvenis de Dourada (Sparus aurata L.) um protocolo experimental com peixes criados em 17.5- 18.5 °C (baixa temperatura) e 21-22 °C (alta temperatura) para metamorfose, logo foram transferidos para 21-22 °C. Houve efeitos persistentes de temperatura desenvolvendo um padrão de crescimento muscular com 20% mais fibras de diâmetro médio inferior no grupo baixa temperatura do que alta temperatura , concluído que o crescimento do músculo não se segue um padrão fixo, mas sim pode ser modificada pelo experimentado com a temperatura durante as fases iniciais do ciclo de vida38.
De acordo com Gutierrez de Paula et al.,39, o estudo em juvenis de pacu onde aos 30 e 60 dias, o peso corporal e comprimento total foram maiores nos 32 °C do que nos 24 °C, os cultivados a baixa temperatura (24 °C) cresceram significativamente inferiores aos dos outros grupos. Pode-se inferir que uma temperatura baixa criação de juvenis de pacu foi suficiente para induzir um atraso no processo de crescimento muscular, celularidade muscular, número de células, desenvolvimento e tamanho corporal final, a hipertrofia da fibra muscular foi observado em 28 °C e 32 °C, a expressão do gene da miogenina em baixa temperatura sugere que este FRM (fatores de regulação miogênica) pode influenciar a diferenciação muscular e o tamanho das fibras musculares durante a fase juvenil e que estas alterações têm o potencial para alterar os números totais de fibras musculares durante o crescimento.
Campos et al.40, observaram o efeito de três temperaturas de incubação (15, 18 e 21 °C) no recrutamento de fibras musculares em linguado (Solea senegalensis), demonstra-se que as diferenças de temperatura embrionário foram suficientes para produzir diferenças de crescimento, fenótipo do músculo e a expressão do gene em larvas até 30 dias após a eclosão, mesmo se o larvas foram criadas na mesma temperatura após a eclosão, geralmente, a incubação de embriões a 15 °C produziu larvas menores com menos e mais pequenas fibras ao longo do crescimento em comparação com aqueles incubadas a 18 e 21 °C, aquela capacidade de uma espécie para recrutar fibras musculares podem comprometer o seu tamanho final.
Conclusões
A influência de condições ambientais para o crescimento muscular é de particular importância quando se trata de espécies destinadas à produção aquícola, onde o tamanho e a qualidade da carne são importantes. Os estudos sobre as possíveis influências sobre o padrão de crescimento dos peixes são, em sua maioria, realizados com peixes utilizados como modelos biológicos para a experimentação, com poucos estudos para espécies de criação. Para espécies nativas na Colômbia os números de estudos com esta temática ainda são insipientes diante da gama de espécies com potencial para a aquicultura.