Introdução
O aumento projetado da população global para nove bilhões de pessoas em 2050 44 e a crescente demanda por práticas sustentáveis que minimizem os riscos à saúde humana e ao meio ambiente, tem intensificado as mudanças na indústria pecuária para atender às expectativas mundiais de produção. Dessa forma, a adoção de estratégias alimentares, como o uso de aditivos alimentares na nutrição de animais ruminantes, são uma alternativa para produzir de forma mais eficiente, além de reduzir o ônus ambiental.
O Brasil possui grande diversidade de flora, com vegetações de diferentes características e com muitos princípios ativos ainda desconhecidos. No entanto, é no bioma Amazônico (Figura 1), que ocupa cerca de 58,9% do território brasileiro, onde concentra-se a mais rica biodiversidade, com metade das espécies vegetais do planeta e alto grau de endemismo 20. Algumas plantas amazônicas têm sido amplamente utilizadas de forma empírica pelos povos tradicionais para tratar patologias, como por exemplo infecções microbianas e, apesar da importância que possuem, ainda há carência de estudos científicos sobre os efeitos medicinais.
Os possíveis efeitos medicinais das plantas amazônicas têm despertado interesse na produção animal em virtude dos potenciais efeitos na modulação da fermentação ruminal. Pois, comprovadamente, a inclusão de aditivos vegetais pode, efetivamente, modificar a fermentação ruminal pela inibição de bactérias gram-positivas, reduzindo a desaminação, a concentração de NH3N e metanogênese 24,49. Isso ocorre porque as plantas possuem metabólitos secundários, que se originam de processos metabólicos primários, mas não constituem a estrutura molecular vital dos vegetais e são responsáveis pela proteção à estresses abióticos e bióticos 12,47. Esses compostos podem apresentar ampla atividade antimicrobiana, antioxidante e anti-inflamatória, o que hipoteticamente possibilita a sua utilização na produção animal, objetivando explorar as atividades específicas em produtos naturais 47. Dentre eles, os antimicrobianos como alternativa biologicamente natural aos antibióticos não ionóforos na modulação da fermentação ruminal, uma vez que a utilização dos antimicrobianos não ionóforos tem sido limitada pelo desenvolvimento de cepas resistentes e pelo efeito residual em produtos de origem animal 8,23,28,50,65. Isso motivou as restrições da União Europeia quanto ao uso de antibióticos considerados antimicrobianos criticamente importantes pela Organização Mundial de Saúde, desde 2006, recentemente, o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China emitiu o Anúncio n°194 em 2020, que proíbe a inclusão de antibióticos medicamentosos na dieta de animais (ex. virginiamicina) 82.
Dessa forma, as antocianinas e flavonoides, fitoquímicos majoritários do açaí e os terpenos, fitoquímicos majoritários da copaíba, salva-do-marajó, pupunha e bacuri, tem sido alvo de estudos devido ao potencial efeito modulador da microbiota ruminal. O estudo com a utilização do extrato de repolho roxo com bovinos de corte, realizado por Gao et al. (2022), foi observado aumento na concentração de AGV total, na proporção molar de propionato e redução na relação acetato/propionato. No estudo de Lee et al. (2021), o uso de folhas de oliveira, rico em terpenos, como aditivo na fermentação ruminal in vitro reduziu a produção de metano (CH4). Shakeri et al. (2017), observaram redução na produção de metano, nitrogênio amoniacal ruminal e aumento na concentração molar de propionato com a utilização subprodutos e extratos de oliveira in vitro.
Por essas razões, O açaí, copaíba, salva-do-marajó, pupunha e bacuri apresentam em sua composição metabólitos secundários que hipoteticamente têm o potencial de selecionar microorganismos benéficos no rúmen, principalmente reduzindo bactérias gram-positivas, com possíveis impactos na (i) eficiência energética (mitigando a emissão de metano), (ii) eficiência de utilização da proteína (reduzindo as perdas por amônia e aumentando a quantidade de proteína não degradada no rúmen), (iii) na saúde ruminal (com redução nas concentrações de ácido lático, e melhora na relação acetato:proprionato no rúmen) e (iv) aumento da digestibilidade da matéria seca 28,36. Portanto, objetiva-se com essa revisão apresentar dados científicos disponíveis na literatura dos efeitos dos extratos de açaí, copaíba, salva-do-marajó, pupunha e bacuri na modulação da microbiota ruminal e desempenho animal. Objetiva-se também apresentar informações científicas que fundamentem o potencial de uso desses extratos de plantas amazônicas, principalmente dos extratos em que ainda não se possuem pesquisas realizadas com animais ruminantes.
Modulação da fermentação ruminal e os fitoquímicos das plantas
Em ruminantes, a digestão dos alimentos ingeridos acontece através da fermentação realizada por microrganismos no trato gastrointestinal, no rúmen, os alimentos passam processos fermentativos realizados por bactérias, protozoários e fungos. Nesse processo, a degradação inicial ocorre através de sistemas enzimáticos extracelulares em que, os carboidratos são degradados a monossacarídeos e, no metabolismo intracelular reduzidos a piruvato, precursor dos ácidos graxos voláteis (AGV’s); as proteínas são degradadas a aminoácidos e, desaminados no metabolismo intracelular a amônia, a-cetoácidos (precursor dos AGV’s) ou são utilizados na síntese de proteína microbiana. Adicionalmente, os lipídeos esterificados e galactolipídeos são hidrolisados por enzimas da membrana celular, formando glicerol, galactose e ácidos graxos saturados e insaturados; o glicerol e galactose são metabolizados a AGV’s ao entrarem na célula bacteriana e os ácidos graxos insaturados são biohidrogenados extracelularmente, através da utilização de NADH do citoplasma bacteriano, tornando-os saturados 25.
Assim, o processo de fermentação ruminal converte os alimentos ingeridos majoritariamente em ácidos graxos voláteis, dióxido de carbono, metano, amônia e ácido lático. Em que, podem ser utilizadas diferentes rotas para formação do produto final da fermentação ruminal, os AGV’s, onde o acetato, propionato e butirato são os mais importantes (19. A proporção que cada AGV é produzido é dependente da espécie bacteriana, da concentração de NADH e H2 e da dieta fornecida aos animais 45,25. Adicionalmente, a utilização de H2 do meio ruminal depende da ação das bactérias metanogênicas, que usam H2 para formação de dióxido de carbono e metano 25, em que a produção de metano representa 2 a 15% da ingestão de energia bruta da dieta 18,48.
Nesse sentido, a modulação da fermentação ruminal e o desenvolvimento da população microbiana é realizada para otimizar a utilização de energia proveniente da dieta, e minimizar a produção de metano, a degradação da proteína no rúmen e a acidose ruminal, considerados processos ineficientes e prejudiciais aos animais 18. Uma das formas de manipular a fermentação ruminal pode ser através da utilização de aditivos moduladores da fermentação ruminal, dentre eles, os antibióticos ionóforos, que devido ao uso indiscriminado, questões recentes têm sido debatidas sobre o efeito residual e a resistência de cepas aos antibióticos sintéticos, encorajando a busca por aditivos alimentares naturais, minimizando os riscos à saúde e ao meio ambiente (49.
Por essa razão, os aditivos naturais têm sido alvo de estudo, devido a presença de metabólitos secundários, que são derivados do metabolismo primário das plantas, classificados como terpenos, fenóis e alcaloides. No ambiente ruminal esses compostos são capazes de interagir com os microrganismos, que levam a alterações na fermentação ruminal, redução da metanogênese in vitro e in vivo, refletindo no desempenho de animais ruminantes 18.
Os terpenos são sintetizados a partir do difosfato de isopentenil (isoprenos C10), classificados conforme a quantidade de isoprenos. Os fenóis são biosintetizados a partir de diferentes rotas metabólicas, são caracterizados pela presença de ao menos um anel aromático. Os alcaloides possuem diferentes precursores biogenéticos, apresentam nitrogênio em sua estrutura química 7. Os efeitos desses fitoquímicos vegetais sobre a população de bactérias, fungos e protozoários, originam mudanças nos produtos finais da fermentação, como amônia e AGV’s. No estudo com a utilização de extratos de plantas que possuem metabólitos secundários como aditivos na dieta de búfalos, Sama et al. (2016) observaram que houve redução na concentração de nitrogênio amoniacal e a população de protozoários ciliados com a utilização do aditivo. Joch et al. (2018), avaliaram o efeito dos metabólitos secundários sobre os parâmetros de fermentação ruminal in vitro e observaram que a produção de AGV’s e metano foram afetadas dependendo do metabólito e da dose utilizada, as menores concentrações reduziram a produção de metano e alteraram a dinâmica das famílias de bactérias Lachnospiraceae, Succinivibrionaceae, Prevotellaceae, Clostridiales e Ruminococcaceae.
Além disso, esses compostos fitoquímicos podem ser degradados no ambiente ruminal 54. Por isso, ainda não está totalmente elucidada a função dos fitoquímicos no ambiente ruminal, especialmente, na fermentação ruminal. Com base nos achados, os extratos de plantas amazônicas podem apresentar potencial modulador da microbiota ruminal, devido à presença d metabólitos secundários.
Açaí
O açaí (Figura 2), é fruto de uma palmeira monoica nativa da região amazônica, apreciado desde a época pré-colombiana, que se destaca pela alta concentração de macronutrientes 80. Embora existam diferentes espécies de açaí no Brasil, as mais conhecidas são E. oleracea Mart. (Açaí do Pará), E. precatoria Mart. (Açaí do Amazonas), E. edulis Mart. (Juçara), E. catinga Wallace (açaizinho), E. Longibracteata Barbosa Rodrigues (Açaí da Terra firme); mas apenas espécies nativas da região amazônica são utilizadas comercialmente (26.
O fruto tem sido considerado como uma “superfruta” na alimentação humana em razão das suas propriedades medicinais e sua composição como teor de fibras (76,4%), lipídeos (24,7%), ácidos graxos insaturados (70,1%), antocianinas e vitaminas (0,41%) e por ser fonte de energia (37,8 kcal/100g) 21. A polpa de açaí possui aproximadamente 50% de lipídeos na matéria seca, com rico conteúdo de antocianinas, pertencente à família dos flavonoides, que confere fruto uma cor avermelhada 80) (Figura 3). A polpa também é conhecida por suas propriedades medicinais, tais como: antimicrobiana, anti-inflamatória, anticarcinogênica, além de prevenir a oxidação de proteínas de baixa densidade e doenças neurológicas e cardiovasculares 3,10,68,71,79. Além disso, o perfil fenólico, a atividade antioxidante e as propriedades farmacológicas têm sido relatados 33,35,70.
Dentre os compostos fitoquímicos presentes na polpa de açaí, as antocianinas e proantocianidinas são as famílias de flavonoides predominantes, com teor de 3,19 mg/g de MS e 12,89 mg/g de MS, respectivamente; as antocianinas são representadas pela presença majoritária de cianidina 3-glicosídeo e cianidina, 3-rutinosídeo 64. Também são detectados os flavonoides homoorientina, orientina, isovitexina, scoparina, taxifolina deoxihexose, vitexina, luteolina, crisoeriol, quercetina e diidrocaempferol 24,64. Devido à presença desses compostos fitoquímicos, a polpa de açaí apresenta alta capacidade antioxidante, principalmente, pela presença de luteolina, quercetina e diidrocaempferol, que podem contribuir com a redução do estresse oxidativo causado dentro das células 24. Em ensaios in vitro, o óleo da polpa de açaí mostra efeito inibitório no crescimento de bactérias gram-positivas (Staphylococcus aureus, Enterococcus faecalis) 32,36.
Após o beneficiamento da polpa do açaí, as sementes são descartadas, podendo representar até 80% do peso do fruto, gerando volume considerável de resíduos agroindustriais 35. A fim de reduzir o ônus ambiental e econômico, essa grande quantidade de resíduos incentivou a utilização de sementes de açaí para diversos fins, em que uma parte tem sido utilizada como ingrediente na dieta de animais ruminantes 14,29,43.
Recentemente, a caracterização das sementes de açaí tem sido estudada, apresentando teor de 86% de fibras, 4,89% de proteína e 2,75% de lipídeos 35. As sementes de açaí apresentam teor fenólico total de 64,58 mg/g de extrato, representado por procianidina B1 (16,08 mg/g), catequina (15,66 mg/g), epicatequina (5,32 mg/g), procianidina B2 (1,49 mg/g) 35. O alto teor dos compostos fenólicos na semente de açaí pode ser correlacionado com a alta atividade antioxidante, sendo superior à atividade antioxidante da polpa 6. Além disso, as sementes apresentam atividade antimicrobiana contra bactérias gram-positivas (S.aureus e E. faecalis) e Candida albicans33.
É importante ressaltar que esses achados mostram que as sementes de açaí possuem teores de compostos bioativos elevados em comparação a polpa do fruto, e está sendo descartada como resíduo agroindustrial. Nesse sentido, pesquisas utilizando óleo da semente de açaí na nutrição de ruminantes podem demonstrar maior potencial na modulação da fermentação ruminal e no desempenho desses animais, visto que as pesquisas desenvolvidas com o óleo polpa do fruto apresentam resultados promissores (Tabela 1).
Os efeitos da inclusão do óleo de polpa de açaí sobre o aumento da produção de leite em ovelhas e vacas no período de lactação, pode estar relacionado aos possíveis efeitos na fermentação, proporcionando aumento na concentração de propionato, principal prercursor da glicose e redução da concentração de amônia, elucidando o aumento da concentração de glicose e redução de ureia sericas (60.
As alterações relatadas no padrão de fermentação com as diferentes dosagens do óleo da polpa açaí podem ser atribuídas ao efeito inibitório na atividade microbiana, pois a utilização de óleo pode reduzir a digestibilidade, produção de gases e AGV 13.
Apesar desses estudos serem direcionados à suplementação com óleo da polpa de açaí, acredita-se que a utilização do óleo das sementes de açaí como aditivos possam apresentar efeito modulador da microbiota ruminal e proporcionar alterações no padrão de fermentação e no desempenho, com base na composição do óleo, que possui teor considerável de flavonoides; que são polifenóis encontrados em sementes e vegetais, e podem ser classificados em oito grupos, com base na estrutura molecular: flavanol, flavandiol, flavona, diidroflavonol, flavona, flavonol, isoflavona e antocianidina 17.
Comprovadamente, no ambiente ruminal, esses compostos proporcionam equilíbrio do pH ruminal em acidose subaguda, apresentam atividade antibacteriana, melhoram a produtividade através do aumento da produção de propionato em relação ao acetato 41. Em ensaio in vitro, os flavonoides naringina e quercetina reduziram a produção de metano, bem com a quantidade de protozoários ciliados e metanogenos hidrogenotróficos 46. A utilização de extrato cítrico comercial de mistura de flavonoides (Bioflavex®), também proporcionou redução na produção de metano, bem como reduziu a população de archaea metanogênica hidrogenotrófica e, promoveu aumento da concentração de propionato e na população de Megasphaera elsdenii, em ensaio in vitro73. Portanto, devido à presença e o teor de flavonoides na polpa e nas sementes de açaí e os efeitos desse composto químico no ambiente ruminal, acredita-se que a utilização dos óleos da polpa e das sementes de açaí possam reduzir a produção de metano, aumentar a produção de propionato e equilíbrio do pH ruminal.
Copaíba
As copaíbas são árvores de grande porte e crescimento lento, que podem chegar até 40 m de altura, com tronco áspero e escuro de até 4 m de diâmetro. Seu nome tem origem indígena tupi: “cupa-yba”, que significa árvore reservatório ou depósito, devido à presença de óleo resina no tronco (Figura 4). Pertencem ao gênero Copaifera que possui mais de 60 espécies catalogadas e distribuídas na região amazônica e Centro-Oeste do Brasil 5. A copaíba também é conhecida popularmente como copaibeira ou pau-de-óleo.
A copaíba tem recebido atenção de muitos exploradores e viajantes desde os primeiros anos da sua descoberta, especialmente porque a população tradicional amazônica usa o seu óleo como medicamento popular com base em evidências empíricas 74. Atualmente, é uma das plantas medicinais mais utilizadas e comercializadas no Brasil, em razão das suas propriedades medicinais, cosméticas e industriais comprovadas 21. A óleoresina extraída do tronco (Figura 5) possui características de viscosidade e cor amarelo-marrom, conhecida por suas propriedades anti-inflamatórias e potente atividade antimicrobiana contra bactérias gram-positivas 1. Isto deve-se à presença de metabólitos secundários, sendo estes representados pela presença de mais de 60 terpenos, dentre os quais estão majoritariamente o α-cubebeno, α-copaeno, β-elemeno, β-cariofileno, γ-elemeno, α-bergamoteno, α-humuleno, trans-cadina-1, 4-dieno, germacreno D, β-bisaboleno e A-cadineno. No óleo essencial de copaíba, os terpenos representam 88% dos metabólitos secundários presentes, em que o β-cariofileno constituiu cerca de 55% dos terpenos totais 76.
Ao mesmo tempo em que o limoneno, α-pineno e β-cariofileno são conhecidos por suas propriedades antimicrobianas e farmacológicas, foram avaliados pela capacidade de modular a fermentação ruminal e inibir a digestão ruminal 54. No entanto, as respostas obtidas ainda não descrevem inteiramente seus efeitos no ambiente ruminal. Mas acredita-se que apresentem atividade citotóxica em diversos microorganismos, agindo na permeabilidade das membranas, causando efluxo de metabólitos e íons, com a consequente ruptura e morte de bactérias gram-positivas e gram-negativas 57,74.
Em ensaios in vitro utilizando o óleo bruto de copaíba como fitofármaco, o extrato inibiu espécies de bactérias gram-positivas, S. aureus e de bactérias gram-negativas, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa16,37. Em outro estudo, o óleo essencial da copaíba apresentou atividade antimicrobiana contra S. aureus, S. epidermidis, ambas espécies de bactérias gram-positivas 2. Esses resultados motivaram investigações científicas com utilização do óleo de copaíba na nutrição de ruminantes, sugerindo que esse extrato pode afetar o padrão de fermentação ruminal e melhorar a utilização de nutrientes, em razão do efeito dos metabólitos sobre as bactérias gram-positivas no rúmen (Tabela 2).
a expressa em g/kg de MS da dieta; b MS = matéria seca; PB = proteína bruta; FDN = fibra em detergente neutro
Apesar das dosagens estudadas terem promovido efeitos positivos, que apoiam os possíveis efeitos microbianos (Tabela 2), em ensaio in vitro da digestibilidade da MS, a maior dosagem do óleo de copaíba (3000 mg/L de inóculo) reduziu a digestibilidade da MS em todas as dietas utilizadas, 10:90 e 50:50 (proporção volumoso: concentrado). Por outro lado, a dosagem de 300 mg/L de inóculo proporcionou efeitos benéficos como o aumento da concentração de propionato e redução da concentração de acetato com a dieta 10:90, a mesma dosagem também promoveu redução de NH3N sem alterar as concentrações de AGV com a dieta 50:50 28. Isto sugere que com a utilização da maior dosagem (3000mg/L de inóculo), a fermentação ruminal foi inibida pela propriedade adsortiva, em que formam uma cobertura hidrofóbica na célula bacteriana ou no alimento, impedindo o metabolismo das bactérias ou sua adesão nas partículas de alimento; agindo na permeabilidade da membrana, e por conseguinte, causando a ruptura e morte microbiana 25.
De acordo com os achados, a composição fitoquímica da oleoresina de copaíba, que em sua maioria são terpenos, mostram atividade letal ou citotóxica contra bactérias, protozoários e fungos, tem como principal mecanismo de ação a ruptura da membrana celular de bactérias, agindo através da interação com a biomembrana e proteínas da membrana 57. No ambiente ruminal in vitro, os terpenos limoneno, terpineno, timol, cravacol e linolol são capazes de reduzir a produção total de gás 9. Por essa razão, acredita-se que a utilização da oleoresina de copaíba como aditivo pode ser útil na redução da produção de gás, melhorando a eficiência de utilização de energia da dieta.
Com base nesses resultados, outras investigações cientificas com óleo de copaíba podem ser direcionadas para avaliar o desempenho produtivo de ruminantes e produção de gás e seus impactos nas emissões de metano.
Salva-do-marajó
A salva-do-marajó (Hyptis crenata Pohl ex Benth; Figura 6), é uma planta herbácea anual que atinge 60 a 80 cm de altura, encontrada em solos arenosos próximo a riachos na Ilha de Marajó, estado do Pará, Brasil. A planta é conhecida como salva-do-marajó, utilizada pelas comunidades ribeirinhas para aromatização de alimentos e na medicina popular 65.
Devido às consideráveis variedades de compostos químicos, bem como ao óleo essencial, e os metabólitos secundários que podem ser obtidos da salva-do-marajó, atribuem-se a essa planta uma série de efeitos e atividades, tanto para as plantas que sintetizam esses compostos, quanto para os animais e seres humanos que entram em contato com essas substâncias 72. Embora sejam escassos estudos sobre a salva-do-marajó e sua composição fitoquímica ainda não esteja completamente caracterizada, o óleo obtido a partir das folhas e ramos finos (Figura 7), possui como terpenos majoritários cânfora (33,62%), 1,8-cineol (19,76%) e α-pineno (15,24%) 69. Esses componentes ativos dos óleos têm ação antimicrobiana, desestabilizando a membrana dos microorganismos de forma semelhante aos antibióticos ionóforos 57.
Algumas propriedades dos óleos essenciais das folhas e ramos finos de salva-do-marajó foram relatadas, como antimicrobiana 78, bactericida e larvicida 77, bem como antioxidante 56, apresentando maior atividade contra as bactérias gram-positivas, e comprovadamente inibindo cepas de Staphylococcus aureus e Enterococcus faecalis. Tais propriedades do óleo de salva-de-marajó podem ter potencial de modular beneficamente a fermentação ruminal. Os compostos presentes nesse óleo potencialmente podem favorecer o crescimento de bactérias gram-negativas, nas quais estão inseridos os microrganismos fermentadores de lactato, as bactérias proteolíticas, as bactérias que produzem preferencialmente ácido propiônico (25. Este pode, consequentemente, reduzir problemas metabólicos relacionados à acidose, reduzir a degradação e perdas de proteína no rúmen e melhorar a eficiência de utilização de energia da dieta e reduzir a emissão de metano.
Em razão da concentração de terpenos no óleo de salva-do-marajó, que apresentam atividade antimicrobiana e são capazes de reduzir a produção total de gás em ambiente ruminal in vitro57,9, acredita-se que a utilização do óleo de salva-do-marajó como aditivo na nutrição de ruminantes possa modular a microbiota ruminal, reduzir a produção de gás e elucidar os possíveis efeitos no ambiente ruminal, pois até onde pode-se pesquisar na literatura, os estudos com óleo da salva-do-marajó em nutrição de ruminantes inexistem. Nesse sentido, antes de recomendar qualquer tipo de utilização como aditivo na alimentação de ruminantes, estudos devem ser realizados para verificar se os efeitos realmente ocorrem no ambiente ruminal, quais as dosagens adequadas e qual a proporção dos possíveis efeitos na produção animal.
Pupunha
A pupunheira (Bactris gasipaes Kunth), é uma palmeira nativa da região amazônica. O fruto, conhecido como pupunha (Figura 8), possui polpa comestível aderida à semente rígida e fibrosa; a coloração da casca varia entre vermelho, laranja e amarelo, dependendo do estágio de maturação 40. Tradicionalmente, a pupunha é consumida após o cozimento em água contendo sal para melhorar o sabor e eliminar os cristais de oxalato de cálcio da casca.
A polpa do fruto apresenta pH neutro em torno de 6 a 3,9% de proteína, 18,7% de lipídeos 53. Com perfil de ácidos graxos com 50,57% de ácido palmítico, 3,39% de ácido palmitoleico, 36,27% ácido oleico, 5,18% ácido linoleico, 1,17% ácido linolênico 62. Dentre os compostos fitoquímicos encontrados na polpa do fruto foram encontrados luteína (11,94 mg/Kg de óleo), cis luteína (2,22 mg/kg de óleo), cis δ-caroteno (1,64 mg/kg de óleo), δ-caroteno (1,64 mg/kg de óleo), cis licopeno (26,84 mg/kg de óleo), licopeno (30,8 mg/kg de óleo), cis γ caroteno (35,4 mg/kg de óleo), γ-caroteno (67,62 mg/kg de óleo), cis β-caroteno (27,66 mg/kg de óleo) e β-caroteno (150,19 mg/kg de óleo) 63.
As sementes da pupunha são compostas por 75,7% de ácidos graxos saturados e 24,3% de ácidos graxos insaturados 4. Foram relatados a presença de compostos fitoquímicos nas sementes, esteroides, sendo β-sitosterol (51,3%), esqualeno (16,9%), campesterol (6,3%), estigmasterol (2,9%), δ-5-avenasterol (4,8%) e lanosterol (1%) majoritários desta família; e álcoois triterpênicos, principalmente: cicloartenol (8,7%), 24-metilenocicloartenol (5%) e citrostadienol (2%), além da presença de isômeros de vitamina E (α-tocoferol, β-tocoferol, γ-tocoferol) 55.
Os extratos etanólicos da casca, polpa e das sementes da pupunha apresentam atividade antimicrobiana, inibindo o crescimento da cepa de bactérias gram-positivas, S.aureus, em ensaio microbiológico in vitro34. Em razão disso, os compostos fitoquímicos presentes nos extratos de pupunha, bem como as propriedades relatadas, sugerem que os extratos mencionados acima podem ser capazes de modular a beneficamente a fermentação ruminal.
Apesar de uma parte dos subprodutos da pupunha sejam destinados para utilização como ingredientes na dieta de animais ruminantes 38,51,52, o teor de β-caroteno da pupunha, que atua como antioxidante e aumenta a produção microbiana in vitro81, pode possibilitar a utilização do óleo da pupunha como aditivo modulador da microbiota ruminal. Em razão disso, o desenvolvimento de estudos para avaliar os possíveis efeitos da utilização dos extratos de pupunha como aditivo no ambiente ruminal são fortemente encorajados.
Bacuri
O Platonia insignis Mart., conhecida popularmente como “bacurizeiro”, é uma árvore frutífera de 15 a 20 metros nativa da região Amazônica, encontrada principalmente no estuário do rio Amazonas 67. O bacuri (Figura 9), fruto da árvore, apresenta importância na agroindústria por seus frutos serem apreciados no mercado tanto in natura, quanto processado na produção de doces, sorvetes e geleias 58.
Os frutos são quimicamente caracterizados por seu alto teor de água 76%, 2% de lipídeos, 1,5% de proteína e 0,5% de matéria mineral, entre os compostos voláteis que compõe a polpa do fruto estão 41% de terpenos, 24% de álcoois não terpênicos, 15% ésteres, 6% de aldeídos 75.
O óleo ou manteiga extraído das sementes do bacuri tem sido utilizado na produção de sabão, no tratamento de doenças de pele e em substâncias cicatrizantes para ferimentos de animais 58. Atualmente, as pesquisas fitoterápicas com bacuri tem sido intensificada com crescente interesse, principalmente, pelas sementes de bacuri 31.
A manteiga de bacuri é rica em ácidos graxos saturados, sendo 42,23% ácido palmítico, 28,8% ácido linoleico, 10,79% ácido palmitoleico, 2,52% ácido esteárico, 1,55 ácido láurico, 1,36% ácido eicosanóico, 1,24% ácido mirístico; além disso, possui ação antioxidante 11.
Em estudo recente, foi identificado a presença de um composto da família de compostos garcinielliptona nas sementes de bacuri, que comprovadamente têm efeito fitoterápico apresentando atividade antioxidante, anticonvulsivante, vaso relaxante e antiparasitário. Este estudo revelou também, que as garcinielliptonas apresentam efeitos antiproliferativos e pró-apoptóticos contra diversas linhagens de células cancerígenas in vitro67.
Devido à presença de terpenos na composição fitoquímica no extrato de bacuri, acredita-se que a sua utilização como aditivo na nutrição de ruminantes possa reduzir a produção de gás, através da ação antimicrobiana dos terpenos 9,57. No entanto, até onde pode-se pesquisar na literatura, estudos envolvendo bacuri são escassos, por isso o desenvolvimento de estudos para avaliar os efeitos dos extratos de bacuri sobre os parâmetros ruminais são fortemente encorajados.
Considerações finais
Os extratos de plantas amazônicas, particularmente de açaí, copaíba, salva-do-marajó, pupunha e bacuri, apresentam potencial de modulação da microbiota ruminal que podem refletir no desempenho de animais ruminantes. O óleo da polpa e das sementes do açaí apresentam perfil como potenciais aditivos moduladores do crescimento da microbiota ruminal devido a concentração de flavonoides, e podem alterar as concentrações de ácidos graxos voláteis no rúmen, a produção de metano e possivelmente o desempenho de animais ruminantes.
A pupunha possui alto teor de β-caroteno, composto fitoquímico que atua como antioxidante e no crescimento microbiano in vitro, indicando potencial utilização do óleo da pupunha como aditivo modulador da fermentação ruminal.
A alta concentração de terpenóides no óleo de copaíba, salva-do-marajó extrato de bacuri, que agem seletivamente no crescimento bacteriano e, comprovadamente, reduzem a produção total de gás in vitro, indicando potencial utilização desses extratos como aditivos antimicrobianos.
Dessa forma, este breve panorama sugere que os extratos de açaí, copaíba, salva-do-marajó, pupunha e bacuri devem ser avaliados em ensaios de digestibilidade in vitro e produção de gás para avaliar as alterações na fermentação ruminal e, por conseguinte, avaliar o desempenho de animais ruminantes.