Introdução
O nascimento de uma criança expõe à mãe a uma nova situação em que terá que desenvolver habilidades para cuidar, amamentar, prover afeto e condições necessárias à sobrevivência do bebê e, também, manejar a nova rotina com os outros filhos, companheiro(a), casa, trabalho e demais papéis que desempenha. Diante dessas demandas, a interação estabelecida com o bebê dependerá de múltiplos aspectos, tanto biológicos como da história de vida da mulher, dos modelos parentais que teve acesso, da forma como percebe o repertório comportamental do bebê, das crenças sobre desenvolvimento infantil e de práticas culturais a respeito da maternidade (Aquino & Salomão, 2011; Frota et al., 2011; Martins et al., 2014; Nunes et al., 2015).
A interação mãe-bebê se permeada por responsividade, conta com comportamentos maternos que são contingentes, apropriados e imediatamente relacionados aos comportamentos infantis (Bornstein & Tamis-Lemonda, 1997), no atendimento às suas necessidades ou em resposta às suas iniciativas de interação, apresentando implicações sobre o seu desenvolvimento da criança (Ribas & Seild de Moura, 2006). Na perspectiva da Análise do Comportamento, os comportamentos interativos maternos responsivos podem ser definidos como respostas contingentes da mãe aos comportamentos emitidos pelo bebê, sendo que diferentes tipos de ocorrência estariam associados a diferentes tipos de respostas (Alvarenga, et al., 2016). Por exemplo, um cuidador responsivo responderia imediatamente e apropriadamente aos comportamentos do bebê. Considerando a bidirecionalidade da interação, o bebê também apresentaria comportamentos responsivos aos comportamentos maternos.
Frota et al. (2011) realizaram um estudo sobre a percepção materna acerca do cuidado e desenvolvimento dos filhos. Os resultados apontaram que o sorriso do bebê facilitava a comunicação e o desenvolvimento do vínculo entre a díade. Aquino e Salomão (2011) desenvolveram um estudo sobre a percepção materna das habilidades sociocomunicativas do bebê no primeiro ano de vida. Elas verificaram que essas variaram de acordo com a idade da criança e que parte das mães apresentou dificuldade em conhecer as habilidades do seu filho, visto que compreendiam a comunicação do bebê relacionada ao início da vocalização e fala.
No estudo de Nunes et al. (2015) foi observado que as mães respondiam diferencialmente às expressões faciais dos bebês e interpretavam alguns comportamentos que eram apresentados por eles como sendo relacionados às emoções (exemplo: se o bebê chora ao mudar de colo, a mãe diz que ele está triste porque saiu do seu colo). A percepção dessas habilidades pelas mães pode contribuir para a interação com o bebê, na medida em que influencia os comportamentos que elas apresentarão na interação com ele, além de percebê-los como agentes ativos na interação.
Além das habilidades maternas, o temperamento também é uma característica do bebê que pode influenciar as interações que a mãe estabelece com ele. Em uma revisão sistemática da literatura sobre temperamento de bebês e a relação com o seu desenvolvimento, foram destacadas quatro abordagens e, entre elas, a de Thomas e Chess (1977), que o classificou em três tipos: temperamento fácil, difícil e lento para reagir. As diferenças entre esses estilos ocorrem em relação à regularidade nas funções biológicas, às respostas diante de novos estímulos, adaptação às mudanças ambientais e intensidade do humor (Klein & Linhares, 2010).
O temperamento do bebê pode relacionar-se ao envolvimento parental (Schmidt et al., 2019), à vinculação da mãe com o bebê (Tolja et al., 2020) e influenciar a maneira como a mãe percebe a sua interação com a criança. O estudo de Yoo e Reeb-Sutherland (2013) mostrou maior envolvimento negativo na interação diádica dos bebês percebidos pelas suas mães como altamente negativos quando comparados com bebês que apresentavam baixa reatividade negativa. O estudo de Klein e Linhares (2010) encontrou maior risco de apresentar problemas no desenvolvimento infantil quando as crianças apresentavam temperamento identificado por nível elevado de humor negativo, como medo, timidez e raiva.
Farkas e Rodríguez (2017) investigaram preditores (sensibilidade materna, temperamento infantil e nível socioeconômico) para a percepção materna sobre o desenvolvimento socioemocional de bebês aos 12 meses, controladas pelo sexo e idade da criança. Os resultados mostraram que o temperamento infantil foi o único preditor para a percepção materna sobre o desenvolvimento socioemocional da criança. As crianças percebidas pelas suas mães como mais reguladas e extrovertidas, também eram percebidas como apresentando um desenvolvimento socioemocional melhor.
O temperamento tem sido estudado a partir da resposta materna a questionários e instrumentos (Brito et al., 2018; Carneiro et al., 2013; Malhado & Alvarenga, 2012; Klein et al., 2009; Klein & Linhares, 2010), da observação em ambiente natural ou em situação experimental (Klein & Linhares, 2010) e medidas combinadas de relato materno e observação da interação mãe-criança (Cassiano & Linhares, 2015). A interação, por sua vez, tem sido estudada por meio de observação da interação (Pederro & Rodrigues, 2019), e pelo autorrelato materno (Ramos & Furtado, 2007; Arpini et al., 2015).
Estudos brasileiros têm utilizado diferentes instrumentos para avaliar o temperamento do bebê, como o Questionário de Temperamento Infantil Revisado (IBQ-R) que propõe uma classificação em cinco categorias: fácil, difícil, de aquecimento lento, intermediário baixo e intermediário alto. Malhado e Alvarenga (2012) investigaram o temperamento de 28 bebês, de quatro a 11 meses de idade, via relato materno e os resultados mostraram que 25% da amostra apresentou temperamento fácil e 75% temperamento intermediário baixo. De outro estudo participaram sete bebês com idade de 3 a 12 meses, filhos de mães que estavam encarceradas, que responderam sobre o temperamento de seus bebês por meio do IBQ-R. Os resultados apontaram que a maioria dos bebês apresentavam características que os classificaram como de temperamento fácil (Brito et al., 2018).
Um estudo da percepção materna sobre o temperamento do bebê foi realizado por Chiodelli (2016) com 40 díades mães-bebês a partir da Escala do Temperamento do Bebê (Lopes dos Santos et al., 2005). Os resultados apontaram que 55% das mães perceberam seus bebês como apresentando temperamento moderado, 27,5% como temperamento fácil e 17,5% como temperamento difícil. É importante destacar que a percepção materna sobre o temperamento do bebê pode ser uma das variáveis que determina o oferecimento de oportunidades de desenvolvimento para o bebê, uma vez que o bebê percebido como de temperamento moderado ou difícil pode demandar mais cuidados e atenção materna. Por outro lado, isso pode impactar o comportamento materno na interação, por vezes sendo mais intrusiva do que responsiva, o que justifica a oportunidade de participar de intervenções que a auxiliem na identificação do temperamento de seu bebê e na definição de estratégias eficientes para lidar com ele.
Gordon (1983) explorou a relação entre a percepção materna do temperamento do bebê e da interação a partir da observação no contexto de brincadeira livre e de entrevistas sobre estilos parentais. O autor verificou que mães que perceberam que o temperamento de seus filhos era difícil responderam ao questionário que avaliava a sua percepção sobre temperamento infantil assinalando mais a opção “pior do que a média” quando comparadas às mães que percebiam seus filhos como fáceis - essas assinalaram mais a opção “melhor do que a média”.
Considerando os resultados encontrados nos estudos sobre interação e temperamento do bebê (Chiodelli, 2016; Farkas & Rodríguez, 2017; Gordon, 1983; Klein & Linhares, 2010; Yoo & Reeb-Sutherland, 2013), ressalta-se a importância de investigar a percepção materna sobre a interação com o seu bebê, a depender do tipo de temperamento. O resultado pode contribuir para a identificação de díades que se beneficiariam de intervenções focadas na identificação de comportamentos interativos maternos promotores do desenvolvimento da criança.
Além da identificação dos comportamentos interativos maternos, a análise da percepção materna sobre a relação entre o temperamento e a sua interação com o bebê pode dar pistas para intervenções pontuais no início da história de interação da díade. O presente estudo pretendeu descrever a percepção de mães sobre sua interação com seus bebês, considerando o seu temperamento. Enquanto objetivos específicos, pretendeu-se descrever, a partir da percepção materna de bebês com temperamento fácil e moderado: a) as interações das mães com os seus bebês considerando a duração, frequência e tipo de atividades que gostam ou não de realizar com eles; b) os comportamentos maternos ou dos bebês que facilitam ou dificultam a interação e, c) o envolvimento nas brincadeiras e as estratégias de enfrentamento diante de desconforto dos bebês.
Método
Participantes
Trata-se de um estudo de corte transversal e descritivo realizado com 44 mães adultas de bebês com idades entre três e quatro meses (M = 3 meses e 3 dias; DP = 0,65; Mínimo = 2 meses e 20 dias; Máximo = 4 meses e 2 dias). Os critérios de inclusão para a composição da amostra foram: mães de bebês que faziam aniversário/mês de três e quatro meses, até 15 dias antes e 15 dias depois do aniversário/mês (entre dois meses e quinze dias a quatro meses e quinze dias); mães biológicas que tinham a guarda legal de seus bebês, identificados em um projeto de extensão de uma Universidade Pública e de um programa de intervenção precoce realizado em um Centro Especializado em Reabilitação, ambos localizados em uma cidade de porte médio do interior paulista. O critério de exclusão foi a mãe ter algum comprometimento cognitivo que a impedisse de compreender as instruções para o preenchimento dos instrumentos.
Com relação às mães da amostra total (não probabilística, de conveniência), 54,5% tinham 30 anos ou mais (Média = 29,3 anos; DP = 5,9), 59,1% tinham concluído o ensino médio, 56,8% exerciam atividade remunerada, 63,6% tiveram parto cesárea, 61,4% eram mães de meninos, 63,6% tiveram bebês nascidos a termo, 52,3% eram multíparas, ou seja, tinham dois filhos ou mais e, 88,6% pertenciam a famílias nucleares (residiam com o bebê, o pai do bebê e demais filhos, caso fosse multípara). As demais configurações familiares eram a mãe e o bebê residindo com a família de origem da mãe ou a família nucelar residindo com os avós. Quanto à condição socioeconômica das famílias, foi avaliado a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa -ABEP-, 2016) e a classificação mais frequente foi a C (45,5%).
Aspectos éticos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) (processo número: 1.958.940), atendendo as condições previstas pela Resolução No 466/2012 (Ministério da Saúde, 2013) e da Resolução nº 510, que regulamenta as pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (Ministério da Saúde, 2016), do Comissão Nacional de Saúde.
As participantes foram esclarecidas a respeito dos objetivos da pesquisa, do sigilo por ocasião de apresentação em congressos ou publicações, da participação voluntária e da possibilidade de desistência da pesquisa a qualquer momento. Após o aceite, assinaram a um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Instrumentos
Ficha de Caracterização Sociodemográfica. Para caracterização das mães e dos bebês com questões sobre a gestação, via de nascimento, saúde do bebê, sexo da criança, idade, estado civil, escolaridade materna e configuração familiar.
Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa (ABEP, 2016). Para coletar informações socioeconômicas como: quantidade de bens de consumo nos domicílios e nível de escolaridade dos pais. A pontuação varia de 0 a 46 e a classificação divide-se em A, B, C, D e E, em que a maior pontuação indica maior nível socioeconômico (A) e a menor pontuação, menor nível socioeconômico (E).
Questionário sobre aspectos da interação e temperamento. Elaborado para esse estudo, o questionário tem como objetivo descrever aspectos da interação da mãe com o seu bebê no dia a dia, analisados a partir da percepção que ela tem sobre o temperamento do bebê. A classificação de temperamento utilizada está baseada na proposta de Thomas e Chess (1977). A percepção do temperamento é avaliada a partir da pergunta “Você considera que o seu bebê apresenta um temperamento” em que a mãe assinala uma das alternativas: fácil (sorri, aceita ser trocado sem reclamar, não apresenta problemas relacionados a alimentação e sono, aceita novas rotinas e atividades, não estranha pessoas desconhecidas); difícil (chora ou reclama/protesta com frequência, mostra-se irritado, apresenta dificuldade para dormir, alimentar-se, ser trocado, para se adaptar a um novo local, nova atividade/rotina, pessoa desconhecida) ou moderado (apresenta características de temperamento fácil e difícil). As outras 12 questões versam sobre aspectos da interação com o bebê (frequência, duração, atividade mais prazerosa, comportamentos do bebê e da mãe que facilitam e dificultam a interação, estratégias para lidar com o desconforto do bebê). Elas expressam comportamentos maternos e do bebê que, se presentes na interação da díade, auxiliam na compreensão da relação estabelecida entre a díade, de acordo com os princípios da Análise do Comportamento (Alvarenga et al., 2016). As respostas eram de múltipla escolha e, para as questões de 1 a 4, 12 e 13 foi necessário informar apenas uma opção. Para as questões de 5 a 11 as mães puderam assinalar mais de uma alternativa. Neste caso, a frequência relativa foi calculada considerando o número de respostas.
Procedimentos de coleta de dados
O recrutamento das participantes foi realizado em um projeto de extensão e em um serviço de intervenção precoce em um município do Centro-Oeste paulista (Brasil). As participantes foram convidadas no primeiro atendimento de cada serviço e responderam aos instrumentos em uma sala de atendimento individual equipada com cadeiras e uma mesa. Foram fornecidas instruções para responderem às questões de cada instrumento e a pesquisadora colocou-se à disposição para esclarecer eventuais dúvidas que poderiam surgir durante o preenchimento dos mesmos.
Procedimento de análise dos dados
Os dados obtidos pelo Questionário sobre aspectos da interação e temperamento foram tabulados em planilhas do Excel (Versão Microsoft 16). Registraram-se as respostas maternas para cada questão. Na questão em que foi avaliada a percepção materna sobre o temperamento do bebê, nenhuma delas respondeu que percebia o temperamento do seu bebê como difícil. Assim, suas respostas foram organizadas em dois grupos para a análise: Grupo Temperamento Fácil (GTF) ou Grupo Temperamento Moderado (GTM). Em seguida utilizou-se estatística descritiva e foi calculada a frequência absoluta e relativa das respostas para a amostra total e para cada grupo, GTF e GTM.
Resultados
Características das participantes
Quanto ao número de participantes, o GTF tinha 31 participantes e o GTM 13 participantes. A maioria das mães do GTF e GTM tinham 30 anos ou mais (51,6% e 61,5%, respectivamente), o ensino médio completo também foi a escolaridade mais frequente para as mães dos dois grupos, 77,4% das mães de GTF exerciam atividade remunerada e 53,8% das mães do GTM não trabalhavam. Sobre a gestação, 54,8% das mães do GTF e, 61,5% das do GTM não planejaram a gravidez. A cesárea foi a via de parto mais frequente para as mães dos dois grupos (GTF = 64,5% e GTM = 61,5%). A maioria das mães dos dois grupos eram mães de meninos (GTF = 58,1% e GTM = 69,2%, respectivamente) e tiveram bebês nascidos a termo (GTF = 61,3% e GTM = 61,5%). Das mães, 51,6% do GTF eram primíparas e 61,5% do GTM eram multíparas. A configuração familiar nuclear foi a mais frequente para as mães de ambos os grupos (GTF = 87,1% e GTM = 92,3%). A classificação econômica B e C foi a mais frequente para as mães do GTF (ambas com 41,9%) e 53,8% das mães do GTM apresentaram a classificação C.
Para a análise dos resultados considerou-se a percepção das mães sobre sua interação com o bebê da amostra total (n = 44) e dos dois grupos de mães, o GTF e GTM.
A primeira questão buscou caracterizar a frequência em que ocorre a interação com o bebê: A interação com o(a) seu(a) filho(a): ( ) ocorre todos os dias, ( ) apenas no final de semana ou ( ) não ocorre. Todas elas responderam que a interação acontecia todos os dias. Sobre os períodos do dia em que ocorria a interação a questão foi: Durante a semana, você interage com o(a) seu(a) filho(a): ( ) pela manhã, ( ) à tarde, ( ) à noite, ( ) todos os períodos e, ( ) nos horários das refeições. Das mães, 92,31% do GTM e 82,35% do GTF responderam que interagiam com os seus bebês durante todos os períodos do dia.
Para conhecer sobre a duração da interação, foi feita a pergunta: Diariamente você disponibiliza para interagir com o(a) seu(a) filho(a): (tempo aproximado). As respostas obtidas a partir da amostra total mostraram que 89% delas interagiam por quatro horas ou mais e, considerando a divisão por temperamento do bebê, 90,32% das mães do GTF e 84,62% das mães do GTM responderam que interagiam por quatro horas ou mais.
A Tabela 1 apresenta as respostas das mães para as questões: Diariamente quais atividades você realiza com o(a) seu(sua) filho(a) e Entre as atividades que você realiza com o(a) seu(sua) filho(a), qual(quais) considera como mais prazerosa(s). Nas duas elas poderiam assinalar uma ou mais respostas. Considerando os resultados da amostra total, as atividades mais frequentes foram as relacionadas aos cuidados (trocar fraldas, alimentar e dar banho), mas, também, brincar e acalmar. Para as mães do GTF as atividades mais frequentes foram trocar fraldas e brincar com seu bebê. Das mães do GTM foram mais frequentes aquelas relacionadas aos cuidados (trocar fraldas, alimentar e dar banho) mas, também, brincar, cantar e acalmar.
Para a segunda questão, considerando a amostra total, as atividades mais prazerosas que realizavam com os bebês foram alimentar (61,4%) e dar banho (61,4%). Para as mães do GTF, foram mais prazerosas alimentar (64,5%), dar banho (64,5%) e brincar (51,6%) e, para as mães do GTM, foram alimentar (53,8%) e dar banho (53,8%).
Para a questão: Assinale os comportamentos que seu bebê apresenta que facilitam sua interação com ele, considerando comportamentos que ocorreram para mais de 50% das mães como facilitadores para a interação, as mães da amostra total relataram mais frequentes: bebê presta a atenção na conversa; o sorriso do bebê; o contato visual; a emissão de sons e olhar para objetos apresentados pela mãe. Usando o mesmo critério, para as mães do GTF os mais frequentes foram: o sorriso; a resposta do bebê de prestar a atenção durante a conversa; emitir sons; olhar para objetos oferecidos pela mãe e, manter contato visual. Para o GTM, todas as mães responderam prestar a atenção e, também relataram como mais frequentes: emitir sons; sorrir; manter contato visual e olhar para objetos (Tabela 2).
Das mães da amostra total, 23 (52%) responderam à questão: Assinale os comportamentos que seu bebê apresenta que dificultam sua interação com ele, sendo 13 (42%) do GTF e 10 (77%) do GTM. Das mães do GTF, os comportamentos mais frequentes (para 50% ou mais delas) foram: mostrar-se irritado; chorar com intensidade e frequência e, ter dificuldade de acalmar. Das mães do GTM, a agitação do bebê e a irritabilidade foram os comportamentos mais frequentes que dificultam a interação (Tabela 2).
As participantes responderam à questão: Assinale os comportamentos seus que facilitam a interação com o(a) seu(sua) filho(a) e foram considerados aqueles com mais de 50% das respostas (Tabela 3). Tanto as mães da amostra total como dos dois grupos separados as respostas mais frequentes foram: gostar de estar com o bebê, ter muita paciência, reservar tempo para brincar e gostar de crianças.
Apenas 11 (25% mães, considerando a amostra total, responderam sobre as dificuldades encontradas no próprio comportamento na dinâmica da interação a partir da pergunta: Assinale os comportamentos seus que dificultam a interação com o(a) seu(sua) filho(a). Da amostra total, 27% responderam que não tinham tempo para brincar, seguido por 18% que consideraram que se sentiam inseguras e que lhes faltava experiência com crianças (18%). Quatro mães do GTF (12,9%) responderam a essa questão. Uma respondeu que não tinha tempo para brincar, uma que se sentia insegura, outra respondeu que tinha que dividir a atenção com o outro filho mais velho e, a quarta, considerou que estar brava dificultava a interação. Das mães do GTM 54% responderam à essa questão e, 29% delas optaram pela resposta de que não tinham tempo e 29% que não tinham experiência com crianças.
Para a questão: Avalie a qualidade da sua participação em brincadeiras com o(a) seu(a) filho(a), 50% das mães da amostra total responderam que consideravam o envolvimento ótimo, 45% responderam bom e 5% respondeu regular. Na divisão por grupos, 52% das mães do GTF responderam como bom e 48% responderam como ótimo. Das mães do GTM, 54% consideraram como ótimo, 31% consideraram bom e 15% regular.
A Tabela 4 exibe os resultados da questão: Quando o(a) seu(sua) filho(a) está chorando e demonstrando desconforto com alguma situação, qual(s) estratégia(s) você utiliza para acalmá-lo(a) (pode marcar mais do que uma resposta). De acordo com os resultados da amostra total, 29 mães (65,9%) responderam a essa questão e, para mais de 50% delas, as respostas mais frequentes foram: segurar no colo; conversar; balançar; acariciar; identificar choro e, trocar de posição. As 19 mães (61,9%) do GTF que responderam à questão relataram que: seguravam o bebê no colo; o balançavam; conversavam e, o acariciavam. As respostas mais frequentes das 10 mães do GTM que responderam foram: segurar o bebê no colo, conversar com o bebê; identificar o choro; acariciar; cantar; balançar e, trocar de posição.
Discussão
O presente trabalho pretendeu analisar a percepção de mães sobre sua interação com seus bebês, considerando o temperamento infantil. Das participantes, cerca de 70% consideraram seu bebê com temperamentos fácil, 30% moderado e nenhuma identificou o seu bebê com temperamento difícil. Tais dados coincidem com os resultados relatados por estudos brasileiros em que o temperamento fácil (Brito et al., 2018) e fácil e moderado foram os tipos mais frequentemente identificados por mães de bebês com idades entre 3 e 6 meses (Chiodelli, 2016). No estudo de Malhado e Alvarenga (2012) nenhuma das mães que compõem a amostra percebia seus bebês como de temperamento difícil, mas identificaram um percentual maior de bebês com temperamento intermediário baixo, equivalente ao moderado. A inexistência de bebês com temperamento difícil e o baixo número de bebês com temperamento moderado podem responder a um aspecto cultural que romantiza a maternidade e que resulta em mães que não podem reclamar de seus bebês. Badinter (1985) foi uma das primeiras autoras a discutir o amor materno como uma invenção social e cultural, romantizada e sacralizada como uma forma de reprimir a autonomia da mulher. Estudos tem mostrado que ainda é muito forte, entre as mulheres, a obrigatoriedade do amor materno incondicional (Estrela et al., 2018), que incide na percepção que tem do seu papel junto ao filho (Damaceno et al., 2021) impedindo que identifiquem características nos seus bebês que podem questionar o cumprimento do seu papel como mãe culturalmente esperado.
Todas as mães responderam que interagiam com alta frequência com seus bebês, todos os dias e em todos os períodos. É importante destacar que, na idade dos bebês do presente estudo, entre três e quatro meses, as mães ainda não retomaram suas atividades profissionais, considerando que mais de 65% delas trabalhavam fora. Martins et al. (2014) destacaram que há uma expectativa cultural de que nos primeiros meses os cuidados primários do bebê sejam responsabilidade principalmente das mães, o que implica em maior disponibilidade de tempo para com o bebê, com o pai como figura de apoio (Cunha et al., 2021). Ao considerar a variável percepção do temperamento do bebê, a frequência de interação com a criança permaneceu elevada, no entanto foi maior para as mães do GTM (92,31%) em comparação às mães do GTF (82,35%). Essa diferença pode ser explicada pela forma como os bebês de temperamento fácil respondem à interação e o impacto que podem produzir nas respostas de seus cuidadores. Devido a criança adaptar-se com facilidade às mudanças na rotina e aos cuidados, pode ocorrer de exigir menos de seus cuidadores nas interações, diminuindo o tempo em que permanecem na sua companhia (Aring & Renk, 2010, Chiodelli, 2016).
Ao permanecer grande parte do dia ou, ainda, o dia todo às voltas com o bebê, as mães desenvolvem um rol de atividades com eles, como atividades de cuidado (higiene e alimentação) e de estimulação (brincadeiras, passeios, cantos). As atividades mais frequentes que as mães realizavam com o bebê se relacionavam ao cuidado e, menos, à estimulação. Cerca de 50% das mães de bebês relataram gostar de alimentar e dar banho e, as atividades de estimulação como preferidas ficaram abaixo de 38%. Mas, separando por grupo, cerca de 50% das mães do GTF relataram gostar de brincar. Com relação ao tipo de atividade desenvolvida, pela idade dos bebês da presente amostra, pode-se considerar que a preocupação inicial das mães ainda era prover cuidados para garantir a sobrevivência do bebê, como alimentá-lo, dar banho, trocar suas fraldas. A estimulação será integrada à interação com a criança na medida em que esta amplia suas respostas aos estímulos do ambiente, por exemplo, esticar os braços até um objeto colocado a sua frente, emitir mais sons, sorrir (Martorell et al., 2020). No entanto, a aquisição desses comportamentos pela criança está atrelada às oportunidades de aprendizagem que são oferecidas pelo seu ambiente, que incluem a mãe, indicando a importância de intervir nessa área. Os resultados encontrados pelo estudo de Rodrigues et al. (2019) com mães de bebês nascidos a termo e pré-termo também referendam a importância da intervenção, uma vez que foi observado que independentemente da idade gestacional apresentada pela criança ao nascer, havia diferenças em relação a crença de que estimular a criança era importante e a prática. As mães acreditavam mais na importância de estimular do que de fato estimulavam seus filhos. Quanto às crenças e práticas de cuidado dessas mães em relação aos seus filhos, as autoras encontraram que as mães dos dois grupos (prematuros e a termo) praticavam mais cuidado com seus filhos do que acreditavam na sua importância.
Considerando as situações de cuidado, a troca de fraldas foi considerada a atividade que as mães menos gostavam de realizar e, das de estimulação foi passear. Isso pode se dever ao fato de que trocar fraldas acontece muitas vezes ao dia, sem horário fixo, interrompendo outras atividades e, passear, pode ser menos prazeroso para a mãe, pois o bebê ainda responde pouco ao ambiente. Outra hipótese para esse resultado refere-se a muitas mães evitarem sair com seu bebê antes de vaciná-lo, e na idade dos bebês da amostra essas vacinas poderiam ainda não ter sido aplicadas, visto que as principais são dadas até os 3 ou 4 meses de vida dos bebês.
A comparação entre os dois grupos mostra que as mães de bebês do GTM tiveram menos prazer em fazer coisas com eles do que as mães do GTF. Esse resultado vai ao encontro do apontado pela revisão de literatura realizada por Schmidt et al. (2019) que ao analisar relações entre envolvimento parental e o temperamento infantil apontou uma tendência ao envolvimento parental ser maior diante de crianças que apresentam temperamento mais fácil. Isso pode ocorrer devido aos comportamentos que os bebês de cada grupo apresentam nessas ocasiões. Aqueles que são percebidos como de temperamento fácil podem estimular a responsividade parental (Schmidt et al., 2019).
Para as mães, respostas dos bebês de prestar atenção na conversa e sorrir foram mais frequentemente relatadas tanto para a amostra geral como para as mães do GTF como comportamentos que facilitam a interação. Mães do GTM consideraram prestar atenção, emitir sons, sorrir e manter o contato visual como comportamentos mais importantes para a interação, sugerindo que parecem esperar mais do bebê para que a interação ocorra. Tais dados corroboram os do estudo de Aquino e Salomão (2011) cujos comportamentos de sorrir, gargalhar e olhar apareceram como respostas às perguntas sobre o tipo de participação do bebê na interação, considerados indicadores de propensão à socialização. Frota et al. (2011) também encontraram que o sorriso do bebê foi um facilitador para a interação. Destaca-se que, nos meses iniciais o bebê apresenta um repertório limitado de respostas ao ambiente, mas, na medida em que começa a sorrir e emitir sons, as interações podem tornar-se mais prazerosas para as mães, pois passam a identificar, com maior clareza, o papel ativo do bebê na interação.
Das mães, 42% do GTF e 77% do GTM responderam sobre os comportamentos dos bebês que dificultam a interação. O número menor de mães do GTF que respondeu pode se dever ao fato de não identificarem dificuldades nos seus bebês, justificando a classificação dos mesmos como de temperamento fácil. Das mães do GTM, 50% delas atribuíram a agitação do bebê e ser muito irritado, difícil de acalmar, sugerindo que essas mães perceberam mais dificuldades em seus filhos do que as mães do GTF, comportamentos que podem caracterizar a classificação do comportamento deles como moderado. Da amostra total, menos de 35% delas atribuíram ao choro, agitação e irritabilidade as dificuldades dos bebês para a interação.
Todas as mães identificaram comportamentos que facilitavam a interação com o bebê e, a maioria delas atribuiu a gostar de estar com a criança. As mães do GTF creditaram a facilidade também a ter paciência e gostar de crianças enquanto as mães do GTM atribuíram a reservar tempo para brincar e ter paciência. Esse dado mostrou que as mães do GTF demonstraram responsividade, sendo sensíveis às demandas da criança ao serem pacientes. Esse dado corrobora o encontrado por Malhado e Alvarenga (2012) que indicaram que quanto mais fácil o temperamento do bebê, maior a frequência de práticas facilitadoras das mães. Paciência ou o comportamento de esperar também pode ser visto como uma habilidade aprendida a partir da história de vida das mães e que estaria relacionada à responsividade dos cuidadores (Alvarenga et al., 2016).
As mães do GTM, relataram que reservam um tempo para brincar, um comportamento que tem relação direta com a estimulação do bebê, indicando que reconhecem seu papel no desenvolvimento dele. Costa e Aquino (2019) destacaram a importância do brincar no desenvolvimento de bebês sugerindo o investimento em intervenções junto às mães para aproveitar com eficiência os momentos de brincadeira. Todavia, todos os momentos de relação com o bebê devem ser aproveitados para brincadeiras e interações positivas com o bebê, como a troca de fraldas, um momento que ocorre frequentemente durante o dia a dia da díade (Santos, 2020).
Para as mães dos dois grupos foram mais frequentes as facilidades do que dificuldades. Apenas 25% das mães da amostra total responderam sobre suas dificuldades na dinâmica da interação, com respostas como a ausência de tempo para brincar, insegurança e falta de experiência com crianças. Mais mães do GTM responderam à essa questão e com uma variabilidade maior de dificuldades, o que pode colaborar para a percepção dos bebês com temperamento moderado. Chiodelli (2016) identificou que mães que percebiam seus bebês com temperamento moderado apresentaram mais comportamentos de orientação social positiva nas interações com seus filhos do que mães que percebiam seus bebês com temperamento fácil ou difícil. A hipótese levantada pela autora é que dada a variabilidade do comportamento do bebê, as mães precisam utilizar mais estratégias positivas para acalmá-lo e atrair sua atenção, obtendo bons resultados e melhores do que mães de bebês que são percebidos como de temperamento fácil e podem exigir pouco na interação ou que exigem muito (temperamento difícil), fazendo com que aumentem as estratégias negativas nas interações com seus filhos.
Uma das respostas mais frequentes das mães dos dois grupos foi a ausência de tempo que pode estar atrelada a realidade da mulher na atualidade (Cunha, 2018). Piccinini et al. (2012) verificaram que pais de bebês de 3 meses de idade relataram que ajudavam as mães, mas não rotineiramente, o que pode justificar a sobrecarga para as mães que não trabalhavam fora ou que ainda não retomaram o trabalho fora do lar. Cunha, Melchiori e Salgado (2021) compararam se o tempo de cuidado com o bebê, a divisão de tarefas domésticas e a rede de apoio social das mães diferiam quando elas trabalhavam fora ou não. Os resultados mostraram que em ambos os casos as mães eram as principais responsáveis pelos cuidados com o bebê, e não diferiram em relação ao tempo de cuidado, pois aquelas que trabalhavam fora dedicavam-se mais ao bebê aos finais de semana como uma forma de compensar o tempo longe do bebê durante a semana. As tarefas domésticas continuavam sendo realizadas com mais frequência pelas mães, independente de trabalhar fora, o que pode contribuir para maior sobrecarga materna, impactar em saúde mental e nas interações com o bebê.
Sobre o envolvimento em brincadeiras com os bebês, a maior parte das mães da amostra geral avaliaram seu envolvimento como ótimo ou bom (95%). Todas as mães do GTF responderam como bom ou ótimo assim como a maioria do GTM (85%). A avaliação regular apareceu somente para algumas mães do GTM, o que parece coerente com os resultados de estudos anteriores que apontaram um envolvimento menor dos pais quando identificam mais dificuldades de temperamento do bebê (Schmidt et al., 2019), bem como impactos para a percepção materna sobre a qualidade do vínculo com o bebê ser mais baixa ao final do primeiro ano de vida da criança (Tolja et al., 2020).
Segurar o bebê no colo foi uma das estratégias mais utilizadas pelas mães para acalmar seus bebês, para os dois grupos. Gradisar et al. (2016) realizaram uma pesquisa sobre pegar o bebê no colo para dormir ou deixar chorar no berço. Os resultados mostraram que chorar no berço não aumentava o estresse do bebê, mas aumentava a duração do sono e diminuía os episódios de acordar durante a noite. Todavia, aos 12 meses não observaram diferenças do sono entre os grupos que dormiam no colo ou que choravam no berço, o que, culturalmente, pode reforçar o comportamento materno de pegar os bebês no colo quando choram.
Diante disso, conhecer sobre os aspectos da interação entre a mãe e a criança a partir da percepção materna do temperamento pode auxiliar na implementação de programas que apoiam a parentalidade positiva (Altafim et al., 2018) e a interação mãe-criança nos primeiros meses de vida, favorecendo o desenvolvimento da criança. O suporte emocional individual ou em grupo auxiliaria a compreensão sobre os vários aspectos que envolvem essa etapa da vida e, até mesmo, o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento relacionadas às cobranças advindas da sociedade.
Os achados do presente estudo apontaram que mães de bebês, independente do temperamento, estão cuidando deles, envolvendo-se nas atividades de cuidado e estimulação. No entanto, ao avaliarem as atividades mais prazerosas, aquelas relacionadas ao cuidado (banho e alimentação) foram identificadas com maior frequência independente da percepção do temperamento do filho. Esse resultado pode sugerir que intervenções com mães de bebês poderiam incentivá-las a aproveitar todos os momentos para estimular comportamentos do bebê como sorrisos, vocalizações, contato visual, preparando-os para uma participação mais ativa no seu ambiente e com outras pessoas que os rodeiam.
Mães de bebês com temperamento moderado identificaram mais aspectos negativos tanto nos seus bebês como nelas mesmas. Essa identificação é um ponto importante para mudanças. Estudos futuros poderiam investir em auxiliá-las no desenvolvimento de habilidades mais efetivas para a interação com seu bebê, tornando a convivência com eles mais prazerosa.
Entre as limitações desse estudo, identificou-se alguns pontos. O primeiro seria conduzir uma avaliação mais minuciosa do temperamento, utilizando escalas já traduzidas e validadas para o contexto brasileiro (Klein et al., 2009). O segundo ponto foi o número reduzido de participantes. Um número maior aumentaria as chances de identificação de bebês com temperamento difícil, o que possibilitaria uma análise mais acurada da influência do temperamento nas interações mãe-bebê a partir do seu relato. Um terceiro ponto seria a realização de análises estatísticas inferências que, associadas a um maior número de participantes resultaria em dados mais robustos.