INTRODUÇÃO
O gênero Cinnamomum (canela) pertence à família Lauraceae, muitos dos quais são usados como temperos e aromatizantes [1]. Existem duas variedades principais de canela: o Ceilão ou a verdadeira canela (Cinnamomum zeylanicum Blume), que é cultivada no Sri Lanka e sul da Índia, e cassia (Cinnamom aromaticum Ness), que é cultivada na China, Indonésia e Vietnã [2,3].
Além de sua utilidade na culinária, essas variedades são utilizadas na fitoterapia, devido à presença de taninos, mucilagem, açúcar, resinas e óleos essenciais. Dentre estes componentes o mais importante é o óleo essencial. Estudos apontam que o óleo possui em sua maior parte o cinamaldeído e este é responsável pelo sabor e o aroma da canela [4,5]. No entanto há diferenças quanto a isso, em relação à variedade e as partes da planta. Estudos realizados com óleos essenciais extraídos das cascas do Cinnamomum zeylanicum Blume mostraram de 60 a 80% de cinamaldeído e 2% de eugenol, enquanto que nas folhas a composição do eugenol é maior, em torno de 60 a 75% [6-8]. Já óleos essenciais extraídos da variedade Cinnamomum aromaticum Ness mostraram a presença de 80 a 90% de cinamaldeído com pouco ou nenhum eugenol [3].
Devido a elevada composição de eugenol no óleo essencial das folhas do Cinnamomum zeylanicum Blume, questiona-se a atividade moluscicida deste óleo frente ao Biomphla-ria glabrata (Say 1818). Estudos realizados com o eugenol, timol e linalol mostraram que estes possuem atividade moluscicida contra Biomphalaria alexandrina e Bulinus truncatus, sendo estes, respectivamente, hospedeiros intermediários do parasita Schistosoma mansoni e Schistosoma haematobium, transmissores da doença esquitos-somose [9]. Além disso, sabe-se também que o eugenol possui outras atividades, tais como: larvicida [10], antimicrobiana [11], antioxidante [12], anti-inflamatório [12], antifúngico [13], antinociceptivo [14], citotóxica [15].
No Brasil, os hospedeiros intermediários do S. mansoni pertencem ao gênero Biomphalaria. Até o momento, somente as espécies B. glabrata, B. tenagophila, B. straminea são infectadas, enquanto que as espécies B. amazonica e B. peregrina são consideradas hospedeiras em potencial, justamente por serem infectadas experimentalmente. No estado do Maranhão, observamos a ocorrência das espécies B. glabrata e B.straminea em 30 e 39 munícipios, respectivamente, principalmente na capital, São Luís [16].
Nesse caso, uma das medidas preventivas é uso de moluscicida. Os moluscicidas químicos mais utilizados são: hidróxido de cálcio, Gramaxone®, Frescon® e Bayluscid® (niclosamida) [17]. No entanto, o uso destes é desvantajoso e isto acaba limitando sua utilização. Dentre estas, destacam-se: toxicidade para outras espécies, baixa seletividade, contaminação ambiental e resistência dos moluscos da espécie B. glabrata. Assim, há uma grande necessidade de encontrar novos moluscicidas, preferencialmente de origem natural, que sejam menos agressivo ao meio ambiente e mais seletivos [18, 19].
Portanto, neste trabalho, determinamos a atividade tóxica e moluscicida do óleo essencial das folhas do Cinnamomum zeylanicum Blume frente ao caramujo Biomphlaria glabrata (Say 1818) que são encontrados no Munícipio de São Luís, Maranhão.
PARTE EXPERIMENTAL
Extração do óleo essencial
Obtemos as folhas da canela em supermercado da rede varejista de São Luís e levamos ao herbário. No Herbário Ático Seabra (SLS) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) o Cinnamomum zeylamicum Blume, está registrado como pertencente à família das Lauráceas e número 1153.
Para a extração do óleo essencial do Cinnamomum zeylamicum Blume, utilizamos o extrator de Clevenger de vidro acoplado a um balão de fundo redondo de 1000 mL e a uma manta elétrica como fonte geradora de calor. A cada rotina de extração, pesamos 30 g da amostra e o triturávamos em um moinho elétrico. Após essa etapa, misturamos essa amostra com água destilada na proporção 1:10 e colocamos em um balão de fundo redondo acoplado ao sistema extrator. Em seguida, ligávamos a manta elétrica e mantínhamos a temperatura em 100 °C. Após 5,0 horas encerrávamos a destilação recolhendo-se o óleo essencial. O óleo foi seco por meio de percolação em sulfato de sódio anidro (Na2SO4). Realizamos essas operações em triplicatas e armazenamos as amostras em ampolas de vidro âmbar sob refrigeração (15 °C) para evitar possíveis perdas de constituintes voláteis.
Análises cromatográficas
Utilizamos a técnica cromatográfica em fase gasosa acoplada ao espectrómetro de massas por impacto de elétrons e analisador íon trap (CG-EM-IE-Ion trap). O equipamento utilizado foi da marca Varian 2100, utilizando hélio como gás de arraste com fluxo na coluna de 1mL.min-1; temperatura do injetor de 270 °C, split 1:50; coluna capilar (15 m x 0,25 mm) com fase estacionária VF-1ms (100 % metilsiloxano 0,25 μη) e programação de temperatura do forno de 60 a 200 °C com taxa de aquecimento de 8 °C min-1, e de 200 a 290 °C com taxa de aquecimento de 15 °C min-1.
No espectrómetro de massas as temperaturas do mainfold, íon trap e da linha de transferência foram de 50 °C, 190 °C e 200 °C, respectivamente. Injetamos alíquotas de 1,0 μL (injetor automático CP-8410) nas amostras diluídas na proporção de 20 μL em 1,5 mL de hexano. Identificamos os componentes do óleo a partir da comparação destes com os dados obtidos de substâncias autênticas existente em bibliotecas de referência [20, 21].
Coleta dos caramujos
Coletamos as amostras de caramujos em criadouros naturais do bairro Sá Viana, periferia de São Luís, Maranhão. Capturamos os mesmos nos períodos chuvosos (janeiro a junho de 2010), utilizanod EPI's (equipamento de proteção individual): luvas, bota sete léguas e pinça metálica. A técnica de coleta consiste em raspar com a concha as áreas submersas; colocamos os caramujos em um recipiente de vidro com tampa e água do próprio criadouro [22]. A busca dos mesmos foi realizada em diversos pontos de cada criadouro, a fim de obtermos uma boa amostragem. Após as coletas, estas foram etiquetadas por criadouro e levados para análises.
Teste de positividade parasitária para caramujos
Em um recipiente de 30 mL de capacidade, adicionamos 25 mL de água desclorada e cinco caramujos. Após isso, levamos essa mistura para exposição da luz (lâmpadas de 100 W) a uma distância de 30 cm, durante 1 h, para estimular a liberação das cercárias [23]. Após essa exposição, visualizamos os caramujos com uma lupa estereoscópica (8x) para identificar e separar os que estavam parasitados dos que não estavam. Selecionamos para o teste de atividade moluscicida os caramujos que não apresentaram sinais de infecção pelo trematódeo no período de 30 dias.
Após isso, em um recipiente de poliestireno, adicionamos água desclorada e os caramujos; em seguida, esses foram alimentados com alface hidropónico para futuro teste da atividade moluscicida. Ressaltamos que o período de análise desse teste foi por sete dias, em um período de um mês.
Teste de atividade moluscicida
Realizamos essa atividade de acordo com descrito pela Organização Mundial de Saúde (WHO), somente com os caramujos que não estavam parasitados no teste de positividade. Para isso, o óleo essencial obtido nesse estudo foi utilizado em dois testes, sendo estes realizados em triplicata. No primeiro, denominado de teste piloto, em cada béquer de 500 mL, diluímos o óleo essencial em água destilada e 0,15 mL do tensoativo Tween 80 na concentração de 100 mg.L-1; em seguida, adicionamos 10 caramujos adultos, negativos para Schistosoma mansoni, a fim de obtermos uma proporção de 50 mL de solução para cada caramujo. Expulsemos a solução por 24 h, sob temperatura ambiente e após esse período, removemos, lavamos os caramujos duas vezes com água desclorada e os colocamos em cada béquer com 500 mL de água desclorada. Estes foram alimentados com alface hidropónico e observados a cada 12 h (método preconiza 24 h), por 4 dias para avaliar a mortalidade [24].
No segundo teste, denominado de concentração letal (CL), em cada béquer de 500 mL, diluímos o óleo essencial em água destilada e 0,15 mL do tensoativo Tween 80 nas concentrações de 75, 50, 25 e 10 mg.L-1, a fim de obtermos uma proporção de 50 mL de solução para cada caramujo. Expulsemos a solução por 24 h, sob temperatura ambiente e após esse período, removemos, lavamos os caramujos duas vezes com água desclorada e os colocamos em cada béquer com 500 mL de água desclorada. Estes foram alimentados com alface hidropónico e observados a cada 12 h (método preconiza 24 h), por 4 dias para avaliar a mortalidade [24].
Para o teste controle, realizamos dois testes. No primeiro, em um recipiente de vidro, imergimos em 500 mL de água desclorada 10 caramujos; no segundo, em um recipiente de vidro, adicionamos 0,15 mL de Tween 80 em 500 mL de água desclorada e imergirmos 10 caramujos. Nas duas situações, alimentamos os caramujos com alface hidropónico e procedemos a análise igual a realizada nos testes de concentração letal e piloto.
Consideramos os moluscos mortos àqueles cuja massa cefalopodal estava retraída para o interior da concha, liberando a hemolinfa ou então inchando e estendendo o cefaló-pode para fora da concha [25].
Teste de toxicidade
Em um aquário com solução sintética (60 g de sal marinho/litro de água destilada), saturada com oxigênio a partir de bomba de ar, adicionamos os cistos de Artemia salina Leach. Antes disso, dividimos o aquário em dois compartimentos: um para os cistos e outro sob iluminação artificial (lâmpada de 100 W) para que haja a eclosão e o deslocamento dos cistos para esse compartimento [26]. Procedemos de acordo com o descrito na metodologia de Gomes e colaboradores [15].
Para a avaliação da letalidade de Artemia salina Leach, adicionamos 20 mg do óleo essencial em 0,02 mg de Tween 80, completando-se o volume para 2 mL com salina artificial. Essa diluição foi feita para obtermos solução-mãe de 10 mg.mL-1 e com uma concentração de 0,1% de Tween 80. Amostras de 5, 50 e 500 μL dessa soluçãomãe foram transferidas para frascos com 5 mL de solução final, obtendo-se concentrações de 10, 100 e 1000 mg.L-1, respectivamente. Em cada frasco, transferimos dez larvas na fase náuplio e realizamos o branco (solução salina) com 20 μL e o controle negativo (solução salina e tween 80 a 0,1%) com 20 μL. Após 24 horas de incubação, contamos as larvas vivas e consideramos mortas aquelas que estavam ausentes de movimentação.
Em relação ao critério de toxicidade, consideramos três tipos: altamente tóxicas (CL50 menor que 80 mg.L-1,), moderadamente tóxicas (com CL50 entre 80 a 250 mg.L-1) e atóxicas (com CL50 maior que 250 mg.L-1) [27].
Análise estatística
A análise estatística dos dados foi realizada de acordo com o método de Reed-Muench, o qual parte do princípio de que um animal que sobreviva a certa dose, também irá sobreviver em qualquer outra dose menor que aquela, consequentemente, o animal que morrer com certa dose, também irá morrer em doses maiores que aquela. A partir de uma tabela contendo os dados de mortalidade para cada concentração testada, é construído um gráfico onde se observa uma curva para o acúmulo de animais mortos em cada concentração e outra curva para o acúmulo de sobreviventes. O ponto de intercessão entre as curvas é a Concentração Letal 50% (CL50), pois nesse ponto o número de animais sobreviventes é igual ao número de animais mortos [28,29].
O intervalo de confiança foi calculado a partir da construção do gráfico do percentual de mortos versus logaritmo (log) da dose. A seguir determina-se o valor de "R", que é a diferença entre o log da dose que mata 75% das larvas e o log da dose que mata 25% das larvas. Calcula-se também a variável "h" que consiste na média das diferenças dos valores de log das doses. Com esses dados determina-se o log do erro padrão (SE), através da seguinte fórmula: (SE)2 = 0,79 x h x R/20. Finalmente, o valor do intervalo de confiança é igual 2 x 10SE [30].
Utilizamos a Anova de único fator para avaliar associação da concentração do óleo essencial com mortalidade a nível de significância de p <0,05.
RESULTADOS
Análise cromatográfica do óleo essencial
A partir de comparações dos dados obtidos dos cromatogramas com os da biblioteca de referência [20,21], identificamos e quantificamos a presença de quatro constituintes, sendo estes: Eugenol com 83,0% (componente majoritário), Cariofileno com 12,2%, Linalol com 3,0% e por último Humuleno com 2,5% (componente minoritário).
Avaliação do teste de toxicidade
Nesse estudo, observamos que a mortalidade foi 100% na concentração de 1000 mg.L-1 (ver tabela 1) e concentração letal (CL50) de 162,1 mg.L-1 (ver figura 1).
Depois do período de exposição, ou seja, 24 horas, observamos que não houve mortalidade das larvas (ver tabela 2) para o teste controle.
Avaliação da atividade moluscicida T2
No teste piloto com óleos essenciais do C. zeylanicum Blume na concentração de 100 mg.L-1, observamos que a mortalidade porcentual dos caramujos foi máxima no tempo de 72 de horas. Essa concentração é ideal para considerarmos a atividade do óleo essencial em um tempo de 24 h [31].
No estudo para as concentrações de 100, 75, 50, 25 e 10 mg.L-1, observamos que a mortalidade foi máxima na concentração de 100 mg.L-1 (ver figura 2) e que há efeito da concentração com mortalidade a nível de significância de p <0,05 (Anova: F = 1,91; p = 0,21). A partir disso, constatamos que a concentração letal (CL50) foi 18,62 mg.L-1 (ver figura 3).
Passados do período de exposição, observamos que não houve mortalidade dos caramujos (ver tabela 3) para o teste controle.
DISCUSSÃO
De fato, concluímos que o óleo essencial extraído das folhas de C. Zeylanicum Blume é constituído, majoritariamente, por eugenol e atribuímos a este componente a sua eficácia moluscicida contra o caramujo Biomphalaria glabrata. No entanto, este óleo essencial possui atividade tóxica moderada.
A composição de eugenol que obtemos em nosso estudo foi 83%. Apesar desse resultado está dentro da faixa, que é de 70 a 94% [32,33], observamos em outros estudos diferenças na composição centesimal desse componente para a mesma espécie. Óleos de folhas coletadas no município de Manaus, Amazonas, e de duas árvores cultivadas em Morretes, que foram adubadas com matéria orgânica e com adubo químico, apresentaram eugenol em 60% [6, 34], apesar do estudo realizado [34] mostrar composições de outras partes da planta com valores de 90%. Assim a explicação que atribuímos para essas diferenças está nas variações espaço-temporais, tais como, temperatura, umidade relativa, fotoperíodo, irradiância, genótipo, método de extração e condições agronômicas que de alguma forma afetam o perfil químico do óleo essencial extraído para a mesma espécie de planta [35-38].
No presente estudo, o óleo essencial extraído das folhas C. Zeylanicum Blume exibiu atividade moluscicida contra o caramujo B. glabrata com concentração letal (CL50) de 18,62 mg.L-1. De acordo com os critérios adotados pela Organização Mundial de Saúde (WHO) a atividade moluscicida é eficaz quando a concentração letal (CL50), em um período de 24 h a uma determinada temperatura é inferior a 100 mg.L-1 para vegetal bruto e 20 mg.L-1 para extratos [31]. Dessa forma, os resultados do nosso estudo confirmam e ampliam o número de espécies da família Lauraceae que possuem atividade moluscicida. O estudo realizado por [39] comprovou a atividade moluscicida do óleo essencial Ocotea bracteosa (Meisn) Stem Bark contra o caramujo B.glabrata com concentração letal (CL50) de 4,6 μg.mL-1.
No entanto, esse critério não pode ser levado ao pé da letra. Quando se compara a eficácia da atividade moluscicida com concentração ou tempo nos capítulos do livro editado pela Organização Mundial de Saúde (WHO) de 1987, observamos que há dualidade [40]. No capítulo Guidelines for evaluation of plant molluscicides, a atividade em moluscos aquáticos é eficaz quando a concentração for menor ou igual a 100 mg.L-1 e matar em 90% os caramujos em 24 horas sob temperatura constante. Em outro capítulo, as plantas que apresentam mortalidade de concentração em até 100 mg.L-1 são consideradas positivas, enquanto que superiores a essa são negativas, independente da porcentagem [41]. Apesar dessa dualidade na porcentagem, observamos o ponto comum a toda atividade moluscicida de óleos essenciais. Esta é eficaz quando for igual ou menor que 100 mg.L-1.
Avaliar o teste de moluscicidade in vitro é essencial, porém quando complementado com o teste de toxicidade, este nos dá uma dimensão de como seria a ação desse óleo em um sistema real. Nesse contexto, estudos de toxicidade realizados com Artemia salina tem suas vantagens, que são: capacidade de formar cistos dormentes, fácil manipulação em laboratório e baixo custo econômico, além de ser um ótimo indicador para avaliar a interferência da substância com outros organismos. [42, 43]. Assim, o resultado do nosso estudo revelou toxicidade moderada do óleo essencial. A partir disso, concluímos que este óleo pode afetar outros organismos que não sejam alvos. Mas para isso é necessário a realização de estudos em campo para confirmar ou negar essa hipótese.
CONCLUSÃO
Concluímos que o óleo essencial da canela é constituído em sua maior parte pelo eugenol e que este componente possui atividade moluscicida contra os caramujos Biomphalaria glabrata e toxicidade moderada frente a Artemia salina. Portanto, esse óleo essencial pode afetar outros organismos que não sejam o caramujo.