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Praxis Filosófica

Print version ISSN 0120-4688On-line version ISSN 2389-9387

Prax. filos.  no.23 Cali July/Dec. 2006

 

CARLOS GUILHERME MOTA
Ideologia da Cultura Brasileira, 1933-1974
São Paulo, Editorial Ática, 1994, 8 edi. 303 pp.

Alvori Ahlert

Universidade Estadual do Oeste do Paraná


O livro de Carlos Guilherme Mota é sua tese de Livre-Docência para Professor titular de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, publicada em primeira edição em 1977.

Mota abre sua discussão e análise com o que chama de "Cristalização de uma ideologia: A 'cultura brasileira'" , lembrando que o período pós 1967 abriu a possibilidade de fazer uma análise da literatura que pensou o Brasil a partir da década de 1930. O principal expoente desta literatura foi Gilberto Freyre, um erudito da geração de explicadores da brasilidade que se auto-denominou de "cultura brasileira". 1930 é o período em que surgem as capas médias da sociedade e que ajudam no ajustamento dos estamentos sociais de uma sociedade de classes em formação. A principal obra deste período é Casa Grande & Senzala, onde Freyre fez a interpretação da cultura ideológica brasileira, partindo da preocupação regional para o nacional. Esta obra adquiriu importância nacional e internacional para retratar o Brasil. Sua importância valeu-lhe convites para participar no cenário educacional no período inicial da ditadura de 1964. Sua obra foi considerada a reconstituição da interpretação dos aspectos íntimos do passado nacional de raça e cultura brasileira em formação e uma interpretação de fatos. Por isso quase nada conclui, mas muito interpreta. Entretanto, Mota acredita que conclui sim: que sua visão do regional tornou-se, na verdade, uma tentativa de uma conclusão de uma visão nacional. O desenvolvimento econômico colocou a necessidade de uma laicização do saber. Sua implantação possibilitou um projeto ideológico de unificação de todas as correntes educacionais. Neste período o Estado Nacional substituiu 774 escolas vinculadas às regiões de imigração por 885 escolas nacionalistas. Este processo foi acompanhado pela criação da universidade brasileira, tendo como um dos principais articuladores Fernando de Azevedo. A primeira universidade brasileira foi essencialmente de princípios aristocráticos, para que a elite pudesse precaver-se diante de uma ameaça de uma democratização.

Na seqüência, Mota recupera o Testamento da geração de 1944. A Segunda Guerra Mundial provocou uma instabilidade internacional e nacional, desencadeando um final de ciclo cultural representado por autores influentes como Afonso Arinos de Melo Franco, Sérgio Milliet, João Alphonsus, Luiz da Câmara Cascudo, Emiliano Di Cavalcânti, cujos depoimentos estão na Obra "Testamento de uma Geração". Iniciou-se uma recessão da atividade crítica, pois a rede universitária ainda não era capaz de influenciar de forma vigorosa uma produção intelectual do novo. Para Mota esta crise se evidenciou em Mário de Andrade, quando disse ser a sua "pífia geração o quinto ato conclusivo de um mundo". Afonso Arinos de Melo Franco foi um "explicador do Brasil". Publicou três obras a este respeito. Como escritor e jornalista sempre esteve próximo do poder, mas trouxe um gosto pelo popular. Ideologicamente optou pela democracia, contra a onda do momento que se dividia entre o fascismo e o comunismo. Impôs-se contra as teorias marxistas que estavam sendo importadas neste período. Artur Ramos, influenciado pelo cientificismo, trabalhou numa linha de investigação que privilegiava a Psicologia Social, as relações raciais e a religiosidade. Eduardo Frieiro, oriundo da classe operária, conseguiu romper o círculo intelectual ao tornor-se um letrado sem passar pelos requintes burgueses de formação. Ee trouxe para dentro da literatura uma visão nova do trabalho humano, contrapondo trabalho braçal e trabalho intelectual com base em sua própria experiência de vida. Isso levou-o a significar a ação cultural enquanto necessidade do intelectual militar, de posicionar-se neste tempo de guerra, de medo e de partido. Luiz Câmara Cascudo esteve ligado à idéia de "cultura nacional" misturando erudição com "sabedoria popular" para falar do nada e nada falar. Procurou ao máximo se omitir no falar. Não quiz assumir posição. Um dos mais discretos, mas importante autor da época, foi Sérgio Milliet. Participou da vanguarda modernista e liderou o I Congresso Brasileiro de Intelectuais. Iniciou-se na poesia, mas foi na crítica que se tornou importante. Introduziu, através de suas traduções, obras internacionais de Rugendas, Debret, Sartre, Simone de Beauvoir e Montaigne. Desmascarou o individualismo e a falta de um projeto comum da intelectualidade que acabou dispersando-se em pequenos grupos. Cândido Mota Filho criticou o liberalismo indisciplinado e eleitoral. Buscou restaurar o ser humano em sua totalidade. Era ideologicamente conservador e estava isolado dos demais intelectuais da época. Tristão de Athayde foi um dos mais destacados autores da época. Percebeu a questão do momento. Numa pssagem para um novo século, rejeitou o mecanicismo, o monismo, o cientificismo, o positivismo que cultuava a ciência. Foi militante católico. Nessa militância busca uma humanização política, econômica e crítica que lançasse as bases para as transformações da Igreja Católica que vieram mais tarde. Já Mário de Andrade foi, segundo Mota, quase um limite entre os autores dessa época e a posterior. Adepto do radicalismo, abriu caminho para uma nova geração de pensadores mais radicais. Fez uma auto-crítica e criticou seus contemporâneos por sua intelectualidade aristocrática. Esta crítica foi construída a partir de uma análise social, política e ideológica que determinou a produção intelectual do período. Suaa produção visava manter um nacionalismo que estabilisasse a consciência dos "produtores intelectuais" do período. Politicamente Mário de Andrade foi um dos autores mais avançados dessa época.

Mota também discute as raízes do pensamento radical brasileiro. Lembra que em 1945 foi publicada uma obra-gêmea do "Testamento de uma Geração". É a "Plataforma de uma Nova Geração", que inaugurou uma vertente radical do pensamento brasileiro, embora não revolucionária. Entre os vinte e nove depoimentos colhidos e editados por Mário Neme, Mota descreve cinco autores que na sua visão figuram entre os mais representativos desse pensamento: Edgar de Godói da Mata-Machado (mineiro), Paulo Emílio (paulista), Antonio Candido (mineiro e paulista), Mário Schenberg (pernambucano). Mata-Machado contestou o conceito de "geração" em voga na época. Para ele, não eram os limites de idade que dividiam as gerações, mas o grupo ao qual se estava filiado. Se a geração anterior a ele era literária, a sua era política. Sua participação política como intelectual aconteceu via Igreja Católica. Antonio Candido, que fez um "combate a todas as formas de pensamento reacionário", rompeu com os quadros intelectuais anteriores propondo que a atitude teórica devesse preceder as ações. Defendeu a necessidade "de esclarecer o pensamento e colocar em ordem as idéias". Ele atacou as três tendências do pensamento brasileiro desse período: as filosofias idealistas, a sociologia cultural e a literatura personalista. Segundo ele, a filosofia idealista segregava o intelectual dos problemas reais através das discussões metafísicas. Já a sociologia cultural vinha carregada da teoria evolucionista que influenciou tanto a liberais, quanto a marxistas, mergulhando-os num lineamento evolucionista da História.

Para Mota, a história das ideologias no Brasil dos anos 50 forjaram novas concepções de trabalho intelectual que produziram novas e radicais interpretações referente a ideologia da Cultura Brasileira. Neste período parte da intelectualidade transformou-se em políticos, a exemplo de Darcy Ribeiro e Celso Furtado. Nesta época surgiram publicações como a Revista Problemas, do PC, e a Revista Brasiliense. Também aconteceram eventos de expressão como o Encontro Internacional de Intelectuais, realizado em 1954 em São Paulo, e o Seminário Internacional sobre Resistência à Mudança, realizado em 1959 no Rio de Janeiro. Nesse período cresceu a investigação científica que aprofundou a pesquisa sobre os problemas nacionais ligados à cultura nacional e aos problemas sociais. Este momento nacional experimentou a afirmação das tendências ideológicas nacionalistas que buscavam a superação do subdesenvolvimento mediante a proposição de uma revolução burguesa. Foi um período em que a maioria da intelectualidade embarcou nos projetos do reformismo nacionalista. Mas, exceções importantes, que figuram entre os principais representantes do pensamento progressista, foram Antônio Cândido e Florestan Fernandes. Antônio Cândido, sem divorciar-se da realidade, imprimiu uma crítica ao reformismo populista numa abordagem dialética. Produziu, assim, uma história da literatura com um forte cunho social. Ele deu duas noções aos seus estudos de história da Cultura Brasileira: a noção de geração e a noção de influência que marcaram a continuidade histórica. Em 1958, Raymundo Faoro rompeu com a visão dos ideólogos da Cultura Brasileira. Inspirado em Weber, dirigiu sua crítica ao estamento burocrático, responsabilizando- o pela existência de instituições anacrônicas que impediam a "emancipação política e cultural" do país. Este estamento burocrático cindiu a nação em duas sociedades que se colocaram uma contra a outra: uma cultivada e letrada e outra primária, fragmentada e sem simbolismo telúrico. Faoro instituiu o questionamento da cultura brasileira face a cisão essencial por ele elucidada. Sua análise desvinculou-se, rompeu com a ideologia reformista e com o marxismo ortodoxo nacionalista, propondo novos ângulos e novos conceitos para uma nova interpretação da política e da cultura brasileira. Florestan Fernandes fundou uma das mais significativas escolas de explicação histórico-sociológica, superando a orientação funcionalista. Ele introduziu o instrumental marxista na sociologia analisando a sociedade brasileira sob a ótica do materialismo histórico e do materialismo dialético. Contra um reformismo desenvolvimentista, ele lutou pela escola pública, pela implantação de novos padrões de trabalho científico e fez o diagnóstico da "revolução" brasileira.

O Golpe Militar de 1964 consolidou um projeto de desenvolvimento e de sociedade que obrigou os intelectuais a repensarem os seus papéis. Para Mota, as novas definições de cultura pós-64 não possuem marcos divisores bem claros. Seus limites devem ser buscados em alguns traços significativos dentro de uma complexidade da produção cultural no Brasil deste período. Os marcos iniciais deste movimento revisionista foram as obras de R. Stavenhagen, "Sete Teses Equivocadas Sobre a América Latina (1965), e de Caio Prado Júnior, "A Revolução Brasileira" (1966). Em sua obra Mota estuda o período revisionista enfocando cinco abordagens: 1. Revista Civilização Brasileira (1965-1968),cuja abordagem colocava a política e a cultura como faces de uma mesma moeda, aproximando esses dois níveis. Sua linha editorial caracterizava-se por dois períodos. No primeiro, estava mais compromissada com a linha do pensamento progressista do período anterior. Foi a fase populista desta produção intelectual. No segundo período desenvolveu uma visão radical a partir de novas linhas de diagnósticos, produto de análises científico-sociológicas inspiradas pelo movimento neomarxista de novas escolas como a de Frankfurt. Esta fase ficou notória na produção de R Schwarz, Florestan Fernandes, Leandro Konder, entre outros. 2. A segunda abordagem de Mota enfoca a militância lúdica de Ferreira Gullar, um dos protótipos do intelectual engajado. Sua principal obra foi publicada em 1969, "Vanguarda e Subdesenvolvimento", abrindo caminho para a crítica da indústria cultural - mass media, que começou a invadir toda a produção intelectual com o intuito de criar o hábito consumista. 3. Outro marco importante da época de revisões radicais foi Dante Moreira Leite que publicou a obra "O Caráter Nacional Brasileiro", na qual retratou a história da ideologia do homem brasileiro. Esta tentativa de auscultar o passado brasileiro com "novas lentes" possibilitou ao autor a elaboração de uma teoria da história voltada mais para a explicação dos eventos, onde figuram mais a "autoconsciência de um povo" do que a "consciência de classe". Esta teoria levou-o à "superação das ideologias" na explicação do Brasil. Foi quase uma ideologia da "superação das ideologias". Assim, superou o modelo de explicação do Brasil centrado no "caráter nacional", e criou uma utopia de um novo país fruto de um "povo livre" semelhante ao dos países desenvolvidos. 4. Em 1967 surgiu Roberto Schwarz questionando a vanguarda cultural. Sua crítica constou como um verdadeiro divisor de águas. Na sua compreensão a vanguarda cultural não gerava outra coisa do que o fortalecimento do sistema sócio-político. E foi nessa integração capitalista que o movimento de vanguarda conquistou suas vitórias. A configuração radical de Schwarz foi construída através de seus ensaios publicados entre 1960 e 1964, onde desenvolveu seus conceitos ancorados em Lukács, Adorno, Horkheimer e Benjamin. Depois de 1967 Schwarz conseguiu um melhor equilíbrio entre teoria e prática e, a partir disso, tornou mais aguda sua a crítica contra a produção intelectual e artística que se ajustava mais e mais ao mercado de consumo. Sua revisão radical lhe permitiu uma análise crítica dos novos meios de comunicação de massa onde o artístico estava em decadência. A produção intelectual desse autor transformou-se num ponto de referência para estudar as transformações de importantes setores intelectuais da burguesia de esquerda. 5. Antonio Candido estudou a consciência nacional a partir de registros literários possibilitando um novo ângulo para uma análise da história das ideologias no Brasil. Ele constriu uma formulação mais ampla sobre a história da cultura brasileira, contra um a cultura bipolarizada que emergia durante o Regime Militar. Enquanto Schwarz dirigia sua crítica a uma produção específica, Antonio Cândido produziu uma revisão mais geral. Sua investigação cultural elucidou a imposição e a adaptação cultural ocorrida ao longo da história do Brasil, que expressou-se no romantismo, nos padrões clássicos, como o barroco, no neoclassicismo de influência francesa.

Por fim, quem deseja conhecer ou aprofundar conhecimentos sobre a história da ideologia da cultura brasileira encontra na obra de Carlos Guilherme Mota uma das referências mais conssistentes e fundamentais. Ele conclui seu texto, afirmando que, "Os 'grandes intelectuais', para usar a expresão de Gramsci, estiveram nos cargos nobres, às vezes ainda com um pé na grande propriedade paterna. Os representantes radicais provinham da classe média, às vezes chegando a assessores de governadores e ministros, nos anos quarenta, ou a ministros nos anos 50 e 60. Ou, quando menos, a professores" (p. 290).

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