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Investigación y Educación en Enfermería
Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280
Invest. educ. enferm vol.29 no.3 Medellín Oct./Dec. 2011
ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE/ ARTIGO ORIGINAL
Educação em saúde. Relatos das vivências de enfermeiros com a Estratégia da Saúde Familiar
Educación en salud. Relatos de las vivencias de enfermeros con la Estrategia de Salud de la Familia
Health education. Nurses experiences with the family health strategy
Simone Roecker1, Sonia Silva Marcon2
1Enfermera, Magíster en Enfermería. Universidade Estadual de Maringá, Brasil. email:moneroecker@hotmail.com.
2Enfermera, Magíster en Enfermería y Doctora em Filosofía de La Enfermería. Profesora de la Universidade Estadual de Maringá, Brasil. email: soniasilva.marcon@gmail.com.
Subvenciones y ayudas: artigo associado a investigação O trabalho assistencial e educativo no cotidiano do enfermeiro no PSF. Características e desafios da Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Enfermagem; apoiado financeiramente pela Fundação Araucária.
Conflicto de intereses: ninguno a declarar.
Cómo citar este artículo: Roecker S, Marcon SS. Educação em saúde. Educação em saúde. Relatos das vivências de enfermeiros com a Estratégia da Saúde Familiar. Invest Educ Enferm. 2011;29(3): 381-390.
RESUMO
Objetivo. Descrever a prática educativa dos enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF). Metodologia. Estudo qualitativo realizado em 2010. Fizeram-se entrevistas semi-estruturadas sobre as vivências cotidianas de 20 enfermeiros que laboravam com a ESF na 10ª Regional de Saúde do Paraná, Brasil. Resultados. Todos os enfermeiros atribuem grande importância à educação em saúde, a qual se realiza em forma cotidiana. A nível individual, destacaram-se as orientações em puericultura, enquanto no âmbito coletivo foram mais frequentes as atividades educativas grupais -gestantes, hipertensos e fumantes-. Em alguns relatos se apreciou que a avaliação das necessidades educativas da população foi feita sem a participação efetiva da comunidade. Conclusão. A prática de ESF deve ser reorientada à promoção e prevenção em saúde, tentando a ativa participação da família e da comunidade em general, fortalecendo novas fórmulas sobre pensar e fazer em saúde.
Palavras chaves: educação; programa saúde da família; enfermagem em saúde pública; atenção primária à saúde.
RESUMEN
Objetivo. Describir la práctica educativa de los enfermeros que actúan con la Estrategia de Salud de la Familia (ESF). Metodología. Estudio cualitativo realizado en 2010. Se hicieron entrevistas semiestructuradas sobre las vivencias cotidianas de 20 enfermeros que laboraban en la ESF en la 10a Regional de Salud del Paraná, Brasil. Resultados. Todos los enfermeros atribuyen gran importancia a la educación en salud, la cual realizan en forma cotidiana. Individualmente, se destacaron las orientaciones en puericultura, mientras que en el ámbito colectivo fueron más frecuentes las actividades educativas grupales -gestantes, hipertensos y fumadores-. En algunos relatos se apreció que la evaluación de las necesidades educativas de la población, se realizó sin participación efectiva de la comunidad. Conclusión. La práctica de ESF debe ser reorientada a la promoción y prevención en salud, procurando la activa participación de la família y de la comunidad en general, fortaleciendo nuevas fórmulas sobre pensar y hacer en salud.
Palabras clave: educación; programa de salud familiar; enfermería en salud pública; atención primaria de salud.
ABSTRACT
Objective. To describe nurses who participate in the Family Health Strategy (FHS) educational practice. Methodology. Qualitative study, carried out in 2010. Semi-structured interviews about daily experiences of 20 nurses who worked with the FHS in the 10th Health Regional of Paraná, Brazil, were done. Results. All the nurses confer great importance to health education, which they do daily. At the individual level, childcare guidance is highlighted, while in the group level, group educational activities pregnant women, hypertensive patients, and smokers- were the most frequent ones. In some stories it was appreciated that the evaluation of educational necessities of the population was done without the effective participation of the community. Conclusion. FHS practice should be reoriented to healths promotion and prevention, trying to get family and general community active participation, strengthening new formulas about thinking and doing in health.
Key words: education; family health program; public health nursing; primary health care.
INTRODUÇÃO
O Ministério da Saúde (MS) na tentativa de operacionalizar um modelo assistencial pautado nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) propôs, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF), hoje denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF), como forma de reorganização da produção de cuidados de saúde, objetivando a reorientação da prática assistencial em direção a uma assistência focada na família, compreendida a partir de seu ambiente físico e social.1
Esta estratégia assistencial apresenta como principais diretrizes operacionais a substituição das práticas convencionais de assistência por um trabalho centrado na prevenção e promoção à saúde das famílias; a integralidade e a hierarquização das ações no serviço de saúde; a territorialização da área de abrangência com a finalidade de conhecer a totalidade da população escrita; e, por fim, o trabalho desenvolvido por uma equipe mínima, formada por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico em enfermagem e agentes comunitários de saúde.2
A partir da criação da ESF, como estratégia do SUS, o trabalho do enfermeiro foi incorporado a um conjunto de atividades assistenciais, gerenciais, educativas e de pesquisa. Além de produzir modificações relevantes na organização e operacionalização dos serviços de acordo com a política vigente do país, o perfil do profissional teve que se adequar às mudanças do momento histórico, fazendo com que este adquirisse competência técnica e científica na assistência de enfermagem à população, com ênfase nas ações de educação em saúde ao sujeito no contexto familiar e social, visando especialmente à promoção da saúde.3
Assim, após a implantação da ESF, os profissionais de saúde passaram a atuar de modo a contemplar não só o indivíduo e sua doença, mas a prestar um cuidado que visa promover à saúde de toda a família e comunidade, principalmente por meio da prevenção de doenças. Nesse novo contexto, dentre as atividades desenvolvidas pelos profissionais nas equipes de ESF, a educação em saúde ganha imenso destaque. Salienta-se que as ações educativas estão inseridas no trabalho dos profissionais da saúde, principalmente do enfermeiro, cuja essência é o cuidado, o qual envolve um conjunto de ações, onde a educação na saúde é um dos elementos essenciais.4
A educação na saúde é essencialmente uma educação para a liberdade, destinada a reforçar a consciência do indivíduo sobre si e a sua realidade. E para que ela possa ocorrer de forma plena e viabilizar ações reflexivas nos serviços de saúde é preciso haver o diálogo entre os sabares técnocientíficos dos profissionais da saúde e os saberes populares dos usuários.5 Nessa perspectiva, as ações de educação na saúde objetivam a construção da autonomia e da responsabilidade dos sujeitos no cuidado com a sua saúde e de toda a comunidade, por meio da transformação dos saberes.6
Face ao exposto, este estudo tem por objetivo conhecer a prática educativa dos enfermeiros que atuam na ESF, por meio dos relatos de vivências cotidianas.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, que integra um projeto de pesquisa maior intitulado: "O trabalho assistencial e educativo no cotidiano do enfermeiro no PSF características e desafios", apoiado financeiramente pela Fundação Araucária. Atualmente o Estado do Paraná tem 399 municípios, os quais estão divididos em 22 Regionais de Saúde que são responsáveis pela organização e disponibilização dos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade à totalidade da população. O foco de investigação foi o trabalho educativo na saúde desenvolvido pelos enfermeiros atuantes na ESF em municípios que integram a 10a Regional de Saúde (RS) do Paraná, a qual é composta por 25 municípios e possui atualmente 62 equipes de ESF e tem como sede o município de Cascavel.
Para efeitos do estudo os municípios que compõe a 10a RS foram divididos em cinco grupos, de acordo com o porte populacional: menos de 5.000 habitantes (seis municípios); de 5 000 a 9 999 habitantes (dez municípios); de 10 000 a 19 999 habitantes (sete municípios); de 20 000 a 35 000 habitantes (um município); e com mais de 35 000 habitantes (um município).
Realizou-se a seleção de oito municípios para o estudo, sendo que nos três primeiros grupos em que havia mais de um município foi realizado o sorteio aleatório de dois deles, e nos outros dois grupos, como havia apenas um município, estes foram selecionados. Isso porque, entende-se que ao possuir características populacionais distintas, os municípios também possuem capacidades diferenciadas de atendimento de saúde à população, o que pode determinar a realização do trabalho educativo pelos enfermeiros.
Todos os enfermeiros atuantes na ESF dos municípios incluídos no estudo poderiam ser informantes, desde que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: integrar uma equipe de ESF completa e estar atuando na mesma equipe pelo tempo mínimo de cinco meses. Desse modo, do total de 27 enfermeiros atuantes nas equipes de ESF nos municípios selecionados, 20 participaram do estudo, considerando que quatro não atendiam aos critérios de inclusão, um estava em férias, um afastado por questões de saúde e outro não aceitou participar do estudo.
A coleta dos dados foi realizada no mês de abril de 2010, por meio de relatos de experiências vivenciadas pelos enfermeiros no seu cotidiano de trabalho, os quais, após o consentimento, foram gravados em equipamento do tipo gravador digital. O encontro com os pesquisados para a coleta de dados foi previamente agendado por telefone, conforme a disponibilidade de cada profissional. A maioria das entrevistas (16) foram realizadas no próprio local de trabalho dos enfermeiros, ou seja, nas unidades de saúde, três foram realizadas na secretaria municipal de saúde em dias de reunião e uma na sede da 10a RS em dia de capacitação.
As entrevistas foram guiadas por um roteiro semi-estruturado constituído de três partes: a primeira, com questões objetivas concernentes ao perfil sócio-demográfico dos pesquisados; a segunda, com questões abertas relacionadas à prática de educação na saúde junto à população (que originaram dados apresentados em outros trabalhos) e a terceira parte com uma questão que incitava os enfermeiros a relatarem uma experiência vivenciada na sua prática educativa na ESF, na unidade atual de trabalho. Assim, para esse trabalho foi utilizada a primeira e a terceira parte do roteiro da entrevista.
Para análise e interpretação dos dados se utilizou da análise do conteúdo.7 Para tanto, após a transcrição dos relatos, o material foi lido na íntegra, iniciando a pré-análise e a exploração dos dados, os quais, posteriormente, foram agrupados em unidades que permitiram descrição exata das características pertinentes. Em seguida, realizou-se a categorização, que consistiu em impor determinada organização às falas. Procedeu-se, então, a inferência por meio dos dados obtidos e utilizando como base teórica o material disponível em publicações científicas acerca do trabalho educativo na ESF, buscando, em seguida, conclusões sobre as características dessas ações.
O estudo foi realizado em conformidade com as exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, com aprovação do projeto pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer n°659/2009).
Para a diferenciação dos sujeitos, bem como preservação de sua identidade, os informantes foram identificados com a letra E acompanhada de numeral arábico, o qual indica a ordem em que foram realizadas as entrevistas (E1 a E20).
RESULTADOS
Inicialmente é descrito o perfil sócio-demográfico dos enfermeiros, com a finalidade de conhecer a população em estudo. Após é apresentada a categoria emanada no decorrer da análise do conteúdo e suas duas subcategorias que trazem as atividades dos enfermeiros agrupadas em individuais e coletivas.
O perfil sócio-demográfico dos enfermeiros. Dos vinte enfermeiros que integraram o estudo, identificou-se que a grande maioria era do sexo feminino (19), doze se encontravam na faixa etária de 22 a 30 anos, e os demais (8) na faixa etária de 31 a 45 anos. Do total, doze eram casados, seis solteiros, um em união consensual e um divorciado. Onze dos entrevistados não possuíam filhos, e os demais tinham um (4) ou dois (5) filhos. A maior parte (13) graduou-se em universidades públicas e o tempo de formação variou bastante, sendo que sete tinham entre um e quatro anos de formado, 12 estavam formados entre 5 e 10 anos e uma há vinte anos. A grande maioria (19) cursou pós-graduação lato sensu, em que se observaram áreas distintas, com o predomínio em Saúde Pública (12). Ao questioná-los sobre a abordagem do tema educação na saúde na pós-graduação grande parte (15) respondeu que houve sim abordagem, e quatro disseram que o tema não foi mencionado durante o curso.
O tempo de atuação na presente unidade variou de cinco meses a oito anos. Em relação às condições de trabalho, dezessete eram concursados e apenas três eram regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e dois deles possuíam mais de um vínculo empregatício. A renda familiar mensal apresentou um predomínio (11) de seis a nove salários mínimos, cinco deles de três a cinco salários e quatro possuem renda superior a 10 salários mínimos, e a maioria (17) possuía de dois a cinco dependentes desta renda.
Apreciando a prática educativa dos enfermeiros na ESF. Ao instigar os enfermeiros a relatarem uma ação educativa vivenciada na atual equipe de trabalho, observaram-se relatos diversificados, pois, cada um possui experiências diferenciadas, tanto de formação, quanto laboral. Pôde-se notar, por meio dos relatos, que todos os enfermeiros atuantes na ESF reconhecem a relevância da prática educativa no processo de trabalho com famílias, e a grande maioria (19) a realiza tanto no âmbito individual, quanto coletivo. E, no decorrer das leituras e interpretações dos relatos, foi possível observar que os profissionais acreditam que a educação na saúde é uma ação essencial e muito positiva dentro desta modalidade de atenção à saúde das pessoas, mesmo sendo esta, caracterizada como um trabalho moroso e que apresenta resultados longínquos.
Apresentando as ações individuais de educação em saúde desempenhadas pelos enfermeiros. Dentre as ações por eles efetuadas, oito dos enfermeiros optaram por relatar experiências da prática educativa no âmbito individual, sendo que sete dos relatos eram referentes à educação em saúde realizada no momento da puericultura, na qual realizam orientações às mães quanto aos cuidados à saúde da criança, e um relato na realização do exame citopatológico, em que orientam às mulheres quanto aos cuidados com a sua saúde: Olha teve um caso que aconteceu de pegar uma criança com mais de um ano que não firmava as perninhas, que durante o exame físico na puericultura eu consegui observar e orientar a mãe, e ainda encaminhar a criança para atendimento especializado, e realmente a criança teve uma dificuldade no início do desenvolvimento e que a gente conseguiu somente naquela fase da vida dela fazer o que era necessário para que ela pudesse ter um desenvolvimento normal agora, pois ela não freqüentava as puericulturas. Então eu acho que o nosso trabalho de educação na saúde, mesmo que tardio, sempre está surtindo efeito positivo (E11).
A prestação de uma assistência domiciliar voltada à prevenção de doenças: Eu tenho um caso para contar de uma senhora que nunca havia feito o exame preventivo, e que eu, tanto na visita domiciliar, como aqui na unidade orientava ela, e certo dia ela começou a sentir dores pélvicas fortes, procurou a unidade e veio falar comigo. Então nós fizemos um exame. Ela estava com uma lesão não curada por HPV, e já era um câncer, nós tratamos, encaminhamos, acompanhamos, e eu orientei muito. Então eu acho que a minha orientação teve um bom resultado, um pouco tardio já, mas nós conseguimos fazer com que ela tratasse e ficasse recuperada. Assim foi muito gratificante poder ajudar na melhoria da condição de saúde dela, por isso considero a educação na saúde tão importante (E17).
Apresentando as ações coletivas de educação na saúde desempenhadas pelos enfermeiros. No que concerne à prática educativa no âmbito coletivo, obtivemos doze relatos distintos, dentre os quais os enfermeiros fizeram menção às atividades em grupos específicos, sendo que três enfermeiros relataram experiências com grupo de gestantes, três com grupo de tabagismo, dois com grupo de hipertensos e diabéticos (HIPERDIA) e quatro relatos foram de atividades esporádicas sobre temáticas diversificadas. Em relação à atividade em grupo de gestantes, apresenta-se a seguir um dos relatos: Me lembro que teve uma paciente em um grupo de gestantes, que nós discutimos uma vez de não dar chá para o bebê antes dos seis meses de idade, e aí quando ela chegou do hospital a mãe disse pra fazer chá e ela disse, não vou fazer chá porque a enfermeira disse que não é para dar chá a ele, então faz que tomo eu. Então a mãe vem aprende e depois segue o que foi orientado, e são casos como estes que nos estimulam a continuar fazendo as ações educativas (E3).
Dentre as ações realizadas na esfera coletiva, identificou-se que o grupo de combate ao tabagismo, tem surtido efeitos positivos: No grupo de tabagismo nós tínhamos duas mulheres que fumavam 3 a 4 carteiras por dia, então elas vieram desesperadas procurar a gente porque queriam parar de fumar, mas elas estavam passando por momentos bem difíceis, e aí elas achavam que fumando iriam evitar muitos problemas, então foi uma fase bem complicada, mas aí depois de um mês elas ainda não haviam fumado, e esse grupo foi em agosto do ano passado, e até agora em abril, elas não fumaram mais. Assim, por meio da conscientização, apoio, aconselhamento e orientações, conseguimos muitas vezes ajudar as pessoas a se prevenir e evitar doenças (E6).
Quando o processo da doença já está avançado, as ações educativas podem contribuir para que sejam controlados e/ou evitados os seus agravos, reduzindo assim as consequências: Tenho até um exemplo que eu chamo de o herói da resistência, um paciente nosso aqui que foi para o pronto atendimento passando mal com o papel que eu havia entregue na reunião do HIPERDIA, e ele dizia eu to sentindo o que está escrito aqui, aí perguntaram quem deu esse papel e ele falou, foi a enfermeira da unidade. Então ele fez exame, e não é que ele sentiu mesmo o que estava escrito, aí foi encaminhado para o hospital, fez mais exames e realmente ele estava enfartando e o papel salvou ele, então isso me motiva sempre a realizar educação na saúde (E13).
Em dos grupos específicos estabelecidos pelas políticas públicas de saúde, observou-se em quatro relatos a realização de ações com a comunidade em geral, no âmbito coletivo, as quais se apresentam: trabalho em sala de espera sobre efeitos adversos de medicamentos; grupo com as famílias do interior sobre os cuidados com agrotóxicos; grupo com população na unidade de saúde sobre o uso de plantas e ervas medicinais; e campanha de prevenção às doenças destinada a todos os usuários. Essas atividades eram esporádicas, fato este que talvez possa justificar a não adesão ou a pequena participação da população em tais atividades: Eu agendei há alguns dias uma palestra em uma comunidade no interior com uma média de 150 famílias, onde eu iria falar sobre o uso de agrotóxicos, os cuidados que devem ser tomados, o uso de equipamento de proteção individual (EPI), os malefícios que o uso incorreto pode trazer para a saúde não só do produtor, mas de toda a comunidade, mas infelizmente não compareceu nenhuma família. Olha e eu tinha planejado tudo, tinha feito apresentação e tinha me preparado bem para a palestra, mas no dia ninguém compareceu. Nesse sentido eu percebi que esta era uma necessidade que eu percebo na comunidade, mas que eles estão pouco interessados, porque eles até sabem o que tem que usar para se proteger, mas não usam, então não gostam de escutar a gente pegando no pé deles, então acredito que por isso que eles não foram (E10).
DISCUSSÃO
Dentre as ações individuais de educação na saúde, nota-se que uma parcela significativa das ações desenvolvidas pelos enfermeiros, nas unidades de saúde da família (USF), é efetuada no momento em que as pessoas procuram o atendimento no serviço da saúde, estando muito interligadas à assistência baseada na demanda espontânea da população, e fundamentada, quase exclusivamente, na questão biológica, deixando de lado, muitas vezes, os aspectos psicológicos, espirituais, sociais e econômicos que envolvem os indivíduos.
Como se encontra evidente no relato apresentado, a observação, o diagnóstico e o encaminhamento da criança aconteceram de forma tardia, pois a criança não era acompanhada pela enfermeira ou médico na unidade, nem pelo agente comunitário de saúde (ACS), então a família buscou o atendimento apenas quando o problema foi evidenciado, ou seja, no momento em que se carecia de um atendimento reabilitador e curativo. Desse modo, cabe ressaltar que todos os profissionais da equipe falharam na efetivação do seu trabalho, seja ele primariamente educativo ou secundariamente reabilitador/curativo, no qual nenhum dos profissionais, com ênfase especial ao ACS que é o profissional o qual acompanha de forma mais contígua as famílias escritas na sua área, identificou o problema. Assim sendo, fica evidente a inabilidade de toda a equipe multiprofissional para atuar de forma integral, eficiente e resolutiva nesta estratégia assistencial da Atenção Primária à Saúde (APS).
Percebe-se que além da importância conferida pelos enfermeiros às orientações sobre os cuidados com a saúde das crianças, destaca-se ainda a relevância em se insistir no trabalho educativo com a população em todas as faixas etárias, seja ele na unidade, domicílio ou comunidade, tendo como foco a promoção da saúde por meio da prevenção, ou até da cura, de problemas já instalados. A ESF é destinada a realizar ações de promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos, em todas as fases da vida, desde o nascimento até a velhice, apresentando como objetivo a reorganização das atividades assistenciais nas unidades básicas de saúde e propondo a substituição do modelo tradicional de saúde vigente.8
Observa-se que a prática educativa em muitos momentos vai além da unidade, estendendo-se até o domicílio. Destaca-se que a prevenção realizada por meio das ações educativas, pelos profissionais da saúde no âmbito da atenção primária não é o foco dos indivíduos ao buscar os serviços de saúde, pois normalmente procuram o serviço quando já estão sendo acometidos por algum mal, ou mediante a presença de sinais e sintomas. Entretanto, é fundamental que o enfermeiro realize educação em todos os momentos da vida dos usuários, mesmo que tardiamente, pois essa pode contribuir para a redução de danos, melhora na qualidade de vida e na resolutividade dos problemas já instalados.
Em se tratando das práticas de educação em saúde voltadas à prevenção do câncer cérvico-uterino realizadas pelos enfermeiros da ESF, a literatura aponta que o enfermeiro as desempenha por meio de orientação contínua e dialógica, especialmente no momento da realização do exame, e salienta que esta ação deve ser desenvolvida com muita sensibilidade e empatia junto às mulheres, com a finalidade de que elas se conscientizem da importância da prevenção e do cuidado à saúde em todas as fases da vida.9
No entanto, para que se consolidem as ações educativas, de maneira especial na ESF, é preciso seguir dois princípios básicos: primeiro é necessário conhecer os indivíduos para os quais se destinam as ações de saúde, incluindo sua cultura, crenças, hábitos e papéis, e as condições objetivas em que vivem; o segundo princípio parte da premissa de que é preciso envolver os indivíduos nas ações, o que se contrapõe a sua imposição, sendo necessária a conscientização das pessoas quanto à importância de cuidar da sua saúde e da saúde da comunidade e não apenas buscar o serviço quando a doença já se encontra instalada. O autor avalia que apenas com a participação comunitária será possível assegurar sustentabilidade e efetividade das ações da saúde, especialmente as de cunho educativo.10
No que concerne as ações coletivas de educação na saúde, os enfermeiros fizeram menção às atividades em grupos específicos:gestantes, tabagismo, hipertensos, diabéticos e atividades esporádicas sobre temáticas diversificadas. Em relação à atividade em grupo de gestantes, os profissionais devem criar um espaço adequado para a mulher, seja ele individual ou coletivo, o qual possibilite prepará-la para viver o parto e o puerpério de forma positiva, integradora, enriquecedora e feliz. Nesse momento, entende-se que o processo educativo é fundamental não só para a aquisição de conhecimento sobre o processo de gestar e parir, mas também para o seu fortalecimento como ser e cidadã.11
A educação na saúde é repassada às pessoas por meio de orientações individuais e grupais, na qual profissional e usuário devem construir um diálogo livre e participativo, pois é menos eficiente o enfermeiro repassar o conhecimento técnocientífico sem buscar compreender as reais condições de vida, cultura, crenças e as necessidades de saúde de cada indivíduo da área escrita. Salienta-se que ensinar não é somente transmitir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria construção. Logo, a educação não se resume na transmissão de conhecimentos, mas sim, em uma profunda e constante interação entre educador e educando, sendo o diálogo um caminho fundamental para que ocorra a construção e a troca dos saberes.12
Dentre as ações realizadas na esfera coletiva, o grupo de combate ao tabagismo, o qual é uma atividade integrante do Programa Nacional de Controle do Tabagismo instituído em 2004 pelo MS, tem surtido efeitos positivos e influenciado no controle do surgimento e agravos de patologias ligadas ao uso contínuo e prolongado de tabaco. O objetivo primordial do trabalho dos profissionais na ESF é prevenir e, consequentemente, promover a saúde das pessoas, com o intuito de evitar o surgimento ou agravamento de patologias, reduzindo a necessidade de encaminhar o usuário a níveis mais complexos de atendimento, o que pode aumentar a credibilidade das pessoas para com o serviço primário, encarando-o como sua fonte regular de cuidados e, assim, reduzir custos com os serviços de saúde.
No entanto, sendo a ESF um "lócus" de participação da população, deve-se promover uma nova relação entre os sujeitos, na qual o profissional e usuário podem ser produtores da saúde. Este envolvimento só é possível mediante um processo de diálogo entre os saberes, no qual um contribui com seu conhecimento peculiar da situação, acreditando-se que o desenvolvimento efetivo dessa participação parte de práticas vivenciadas no cotidiano. Por conseguinte, remodelar a assistência à saúde implica modificar o processo de trabalho, pois a sua implantação por si só não garante que o modelo assistencial esteja sendo modificado, mas com certeza já nos leva a refletir sobre mudanças necessárias e urgentes na forma de agir e implementar ações e serviços no contexto da ESF.13
A educação na saúde quando tardia, normalmente, não auxilia na prevenção de problemas à saúde das pessoas, contudo, pode fazer com que elas se conscientizem da importância da prevenção e dos cuidados a serem tomados para que se goze de saúde plena, além de informá-las sobre os seus direitos enquanto cidadão, e que mediante a participação comunitária possam exercer o controle social. Entretanto, quando o processo da doença já está avançado, as ações educativas podem contribuir para que sejam controlados e/ou evitados os seus agravos, reduzindo assim as consequências.
Evidencia-se que o resultado positivo de uma ação educativa, que neste caso foi a melhoria da condição de vida do usuário, na qual se evitou o agravamento do quadro do usuário ou até a sua morte, é um dos fatores que determinam o grau de satisfação e motivam os profissionais da área da saúde, especialmente, no nível da atenção primária à saúde, além de fazer com que os usuários confiem nos profissionais e sigam melhor as suas orientações. Estudo realizado em Aracaju/SE, região nordeste do Brasil, apresenta os cinco fatores motivacionais e de satisfação no trabalho dos enfermeiros, por ordem de prioridade: gostar do que faz; bom relacionamento com a equipe multiprofissional; possibilidade de crescimento profissional; o poder de resolutividade das questões da saúde atrelado ao compromisso com a população; e as condições proporcionadas para o desenvolvimento do trabalho.14 Destarte, a visualização da resolutividade das questões de saúde dos usuários tem sido avaliada pelos enfermeiros como um fator que estimula a realização das ações de educação na saúde, conjeturando sempre a melhoria da qualidade de vida.
É possível notar que a maior parte das atividades que são realizadas provém das normativas estabelecidas pelo MS, que são normalmente exigidas pela RS e SMS, em que se identifica o quão pouco se faz baseado nas reais necessidades da população, as quais são passíveis de observação constante na ESF pela proximidade que os profissionais da equipe têm com a população, em virtude da política desse modelo assistencial.
Salienta-se que a participação da população em atividades educativas ocorre quando estas são vistas como algo importante, entretanto, observa-se que os enfermeiros ao perceberem a necessidade se programam para a realização de um trabalho que acreditam ser primordial e normalmente o fazem sem a participação efetiva da comunidade, ou dos seus representantes legais, e sem verificar se há o interesse dos usuários em tal ação, fatos estes que podem estar relacionados ao descaso da população com a questão preventiva e sua visão ainda muito arraigada na assistência curativista.
Afirma-se que as práticas de educação na saúde desenvolvidas na ESF ainda são baseadas no modelo tradicional hegemônico, o qual preconiza que as prevenções de doenças primas pela mudança de atitudes e comportamentos individuais e nas estratégias desta prática se incluem informações verticalizadas que ditam comportamentos a serem adotados para a manutenção da saúde. E ainda, enfatiza-se que a participação ativa da população nas decisões de cuidado com a própria saúde e no planejamento dos serviços da saúde não são práticas presentes no cotidiano da ESF.15,16
Apesar de a reorientação do modelo assistencial, do qual faz parte a nova política da ESF, ser uma proposta concreta, na prática, esta continua em processo de consolidação e, em virtude disso, coexistem elementos dos dois modelos de atenção à saúde, o curativista e o preventivo. Ao mesmo tempo em que, na sociedade em geral, persiste a ideia de que os serviços da saúde se associam com situações de doença e não com a saúde, dificultando ainda mais a reversão do modelo biomédico de saúde.17
Evidencia-se que mesmo após dezesseis anos de existência da ESF, esta é questionada quanto ao seu papel, e suas estruturas continuam permeável ao modelo hegemônico médico/curativista, o qual determina o processo de trabalho cotidiano. Nesse sentido, ainda são necessárias muitas mudanças nas práticas da saúde, especialmente, no que concerne à produção de cuidados, mas este processo de reorientação do modelo de saúde implica muito labor. No entanto, as políticas da saúde, como a ESF, já têm possibilitado a construção de práticas de saúde mais humanizadas, acolhedoras e resolutivas.13 Nessa perspectiva, notam-se esforços sendo empregados pelas equipes de saúde da família, mesmo diante dos problemas, a fim de reverter o modelo de assistência à saúde, por meio da valorização da saúde em detrimento da doença, inclusão e adoção dos seus novos princípios, como a promoção da saúde, especialmente pelas ações educativas, participação comunitária e controle social.18
Em conclusão, consideramos que os resultados encontrados nos permitem afirmar que todos os enfermeiros em estudo, reconhecem a importância da realização da educação na saúde em sua prática profissional no interior da ESF, sendo que dezenove deles desenvolvem ações educativas constantemente no seu trabalho junto à população. Ainda que, essas ações estão majoritariamente focadas na doença, na intervenção, na difusão de informações quando o usuário busca atendimento ou é identificado pela equipe no momento em que a doença está com seu curso avançado, causando prejuízos e danos à saúde. Estes aspectos por sua vez, nos levam a concluir que os enfermeiros ainda precisam ser estimulados a aprimorar sua prática educativa na ESF, visando à efetiva prevenção das doenças e a promoção da saúde das famílias no âmbito da APS. E ainda, para que se alcance a reorientação do modelo de cuidado à saúde das pessoas, é preciso desconstruir as matrizes do modelo assistencial biologicista e curativista, e ao mesmo tempo, construir um trabalho conjunto de universalidade com os serviços da saúde e a comunidade, criando espaços de parceria que fortaleçam o aparecimento de novas formulações sobre o pensar e o fazer na saúde.
Acredita-se que os resultados do estudo possam contribuir no campo de atuação na ESF incentivando os enfermeiros a desenvolverem trabalhos educativos em parceria com a população, transformando as ações em práticas concisas, eficazes e resolutivas, capazes de contribuir com a promoção da saúde da população. No ensino e pesquisa, espera-se contribuir com a produção científica da área, fornecendo assim, subsídios para pesquisas futuras sobre a temática em questão.
REFERÊNCIAS
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Fecha de Recibido: 13 de diciembre de 2010. Fecha de Aprobado: 16 de agosto de 2011.