Introdução
O cotidiano profissional é repleto de desafios os quais podem, por vezes, ser des- gastantes, levando ao estresse e fadiga emocional. Este quadro tem sido recorrente nos últimos tempos, com o aumento da insatisfação dos indivíduos na profissão, fato esse que pode resultar em problemas mais abrangentes 1.
Nesse contexto, surgiu o termo Síndrome de Burnout, do inglês “esgotamento”, a qual trata de um tipo de estresse ocupacional que acomete profissionais envolvidos em uma relação contínua, direta e emocional, entretanto, os profissionais mais vulneráveis estão vinculados às atividades que envolvem serviços, tratamento ou educação 1.
A Síndrome de Burnout foi descrita pioneiramente pelo psiquiatra Herbert J. Freudenberg, em 1974. Entretanto, os estudos sobre a temática ganharam atenção, sendo enfocado por autores em distintas áreas e cenários, com destaque na década de 1980, momento de consolidação teórico-conceitual 2-3. Atualmente, são desenvolvidas pesquisas empíricas envolvendo estudantes 4-6, bem como são realizadas investigações com profissionais 7-9.
A base teórica da Síndrome de Burnout foi consolidada por Maslach e Jackson, em 1981, os quais afirmam que é uma condição multifatorial e envolve três componentes: exaustão emocional, despersonalização ou descrença e baixa realização profissional ou baixa eficácia profissional 3,10,11.
O processo de Burnout é individual e, em geral, desenvolve-se de maneira paulatina e cumulativa, podendo levar até décadas, com o indivíduo não reconhecendo os sintomas de desgaste 12. Além disso, lhe é conferido um caráter psicossocial, tendo em vista que o ambiente social em que o sujeito está inserido é de total relevância. Assim, é necessário um processo de equilíbrio da saúde mental coletiva e do indivíduo para que a Síndrome de Burnout não ocorra 10.
Apesar de contemplar mais a dinâmica laboral, no meio acadêmico tem sido cada vez mais constante, pois os estudantes também estão suscetíveis a apresentarem alguns sintomas da Síndrome, tendo em vista a alta cobrança cognitiva e emocional existentes durante o processo de formação 4-6. A Descrença é vista como sendo uma atitude de ceticismo e distanciamento dos estudos, a baixa Realização Profissional relaciona-se ao sentimento ineficácia profissional e a Exaustão Emocional é o resultado das altas exigências do estudo 13-14.
No contexto da Medicina, ao ingressarem na graduação, “os estudantes se sentem eufóricos e realizados. No entanto, os desafios inerentes à formação podem ser fonte de estresse e angústia, comprometendo o bemestar desses estudantes” 4. E esta graduação é apontada como uma das mais estressantes, o que por vezes prejudica o bemestar físico e psicológico dos estudantes, os quais apresentam altos índices de ansiedade e depressão 15-17.
No âmbito educacional o estudo pode auxiliar na identificação, prevenção e recuperação de tal síndrome entre estudantes de Medicina e, assim, propõe correlacionar a Síndrome de Burnout com características de saúde e demográficas de estudantes de Medicina de um Centro Universitário do sertão nordestino.
Ressalta-se que “estudos cuja temática é a Síndrome De Burnout e a população-alvo são estudantes universitários permitem a reflexão sobre a qualidade do ensino e seu incremento, auxiliando na orientação do currículo e de projetos pedagógicos, além de minimizar desconfortos ocasionados, no período da formação inicial, pela busca de melhor qualidade de vida e de melhor rendimento acadêmico” 3.
Materiais e método
Pesquisa de caráter analítico, transversal, do tipo correlacional com abordagem quantitativa, realizada com estudantes do curso de Medicina do Centro Universitario de Patos (UNIFIP), localizada no estado da Paraíba. A população constou de 180 estudantes, contudo, participaram do estudo 138 universitários (76,7% do universo de pesquisa).
A amostra adotada foi do tipo não probabilística intencional mediada pelos critérios de inclusão e exclusão. Incluíramse discentes regularmente matriculados no curso da instituição de ensino e com idade igual ou superior a 18 anos. Por sua vez, foram excluídos aqueles estudantes que não estavam blocados em nenhum período do curso, além daqueles que se recusaram a participar da investigação.
Em relação à perda amostral, 15,5% se recusaram a participar do estudo, 6,1% es- tavam cursando disciplinas em vários períodos ao mesmo tempo e 1,7% eram menores de idade. Enfatizase que apesar da perda amostral (23,3%), em uma amostra probabilística com nível de confiança de 95%; margem de erro de 5%, a amostra seria válida estatisticamente com apenas 123 discentes.
Após a aprovação do Comitê de Ética do UNIFIP (CAAE: 56479516.8.0000.5181/Número do Parecer: 1.582.097/2016), o que garantiu o respeito a todos os preceitos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, procedeu-se a coleta de dados a partir da aplicação de um questionário composto por questões objetivas de identificação do perfil social e demográfico do estudante e do questionário validado Maslach Burnout Inventory Students Survey (MBI-SS), utilizado para mensurar as dimensões e a prevalência da Síndrome de Burnout 18. A coleta dados foi realizada após abordagem dos alunos em sala de aula para esclarecimentos necessários para o consentimento de participação na pesquisa. De acordo com a disponibilidade, os participantes poderiam responder o questionário em casa e devolvêlos depois aos pesquisadores.
O questionário com variáveis sociais e demográficas incluíram informações sobre idade, gênero, estado civil, lazer, atividade remunerada, bolsa de estudos para realizar o curso, satisfação com o curso, tratamentos psicológico e psiquiátrico ou em tratamento médico psiquiátrico.
Para o MBI-SS, versão para estudantes do inventário de Burnout (MBI) desenvolvida com menos itens do que a versão original do instrumento possibilitou medir três dimensões: Exaustão Emocional, Descrença e Realização Profissional. A escala MBI-SS é composta por 15 itens, com respostas de 0 (nunca) a 6 (todos os dias) 18. “Con- sidera-se que o MBI-SS é uma escala válida e fidedigna, apresentando os requisitos necessários quanto a consistência interna e validade fatorial para ser amplamente utilizada na avaliação da síndrome de burnout em estudantes universitários” (18). Para os autores, tanto a exaustão emocional quanto a realização profissional alcançaram, na consistência interna, um nível satisfatório (0,81 e 0,74, respectivamente). Para a descrença, a consistência interna apresentou nível moderado (0,59).
Os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences (R) (versão 21). Além de estatísticas descritivas de frequência relativa e absoluta e de tendência central e dispersão, adotaramse como testes inferenciais Correlações de Pearson entre variáveis contínuas ou ordinais (i.e. idade, período do curso e as pontuações da síndrome de Burnout).
Os níveis da síndrome de burnout são estimados pela soma dos escores nos fatores seguindo, então, percentis da distribuição que estabeleceram intervalos para a identificação dos níveis baixo/moderado e alto 19 (quadro 1).
Para comparar as pontuações das dimensões da Síndrome de Burnout com as de caráter qualitativo (categórico) e para evitar o erro de conjunto, visto a quantidade de variáveis, realizou-se correlação bisseriais. O sinal dessa correlação indica quais dos grupos de variáveis qualitativas apresentam maiores pontuações. Um sinal de correlação negativo indica maior pontuação para a categoria, que está no banco de dados, representada pelo menor número. Por exemplo, no banco do SPSS, o sexo masculino está representado pelo número zero (00) e o feminino pelo número “um” (01), se o sinal da correlação for negativo é um indicativo de que o sexo masculino possui maiores pontuações no questionário. Para todas as correlações foi adotada uma significância estatística menor ou igual a 0,05, ou seja, p < 0,05.
Resultados
A tabela 1 evidencia que a amostra foi composta de maioria de mulheres, com idades entre 18 e 24 anos, solteiros e sem atividade remunerada. Verifica-se ainda que pouco mais da metade relatou possuir atividades de lazer e pouco mais de um terço fazer atividade física
Na tabela 2 constata-se que a amostra foi composta pelos cinco primeiros períodos do curso, sendo que a amostra teve minoria do segundo período. A maioria não tem bolsa de estudos, declaram que as condições do curso são excelentes e nunca pensaram em desistir do curso. Em relação às condições de saúde, mais da metade relatou não ter precisado tomar medicação por conta do curso e nem tratamento psicológico. No entanto, um em cada dez estudantes relataram que às vezes precisam de tratamento psiquiátrico.
Na tabela 3 tem-se a descrição das pontuações de Burnout dos estudantes de medicina. Verifica-se que o único domínio que apresentou média abaixo do ponto médio da escala foi à Descrença. A exaustão emocional e realização profissional evidenciaram médias acima do ponto médio da escala.
A tabela 4 demonstra as correlações estatisticamente significativas e positivas entre período em curso, exaustão emocional e descrença (p < 0,05) e correlação negativa com realização profissional (p < 0,05). Por sua vez, a satisfação com o curso apresentou correlações estatisticamente significativas (p < 0,05) e negativas com a exaustão emocional e a descrença, além de correlação positiva com a realização profissional.
Nota: I Correlações bisseriais; II Correlações de Pearson Sexo - (0) Masculino; (1) Feminino;
Atividade de lazer (0) Não; Às vezes (1); Sim (2); Atividade física (0) Não; Às vezes (1); Sim (2); Bolsa de estudos (0) Sim; (1) Não;
Já pensou em desistir do curso (0) Nunca; (1) Às vezes; (2) Frequentemente;
Já tomou medicação por conta do curso (0) Nunca; (1) Às vezes; (2) Frequentemente; Tratamento psicológico (0) Sim; (1) Não;
Tratamento psiquiátrico (0) Nunca; (1) Às vezes; (2) Frequentemente;
* p < 0,05; ** p < 0,01.
Por fim, “pensamento de desistir do curso” também apresentou correlação estati- camente significativa (p < 0,05) e positiva com exaustão emocional e descrença e correlação negativa com eficácia profissional, ou seja, os estudantes que pensaramem desistir do curso apresentam tendência de maior pontuação em exaustão emocional e descrença; e menor pontuação em realização profissional.
Discussão
A Síndrome de Burnout é a resposta ao estresse crônico e envolve alterações comportamentais importantes, tendo como agravantes variáveis sociodemográficas, profissionais, de lazer e de hábitos de vida 20-21. Diante da gravidade das consequências desta síndrome, percebe-se a necessidade de atenção à situação de saúde dos estudantes do curso de Medicina.
Inicialmente, consideraram-se os dados sociais e demográficos da amostra desta pesquisa. Constatou-se que houve semelhança dos achados desta abordagem a outras investigações 21-24. Então, estudos nacionais encontraram predominância do sexo feminino 21-24, bem como pesquisa multicêntrica em sete instituições peruanas 21.
Quanto à faixa etária, o grupo foi formado por pessoas jovens, tal achado seguiu tendência internacional 21,24 e nacional 25. Também, havia predomínio de pessoas solteiras. Os estudantes universitários vivenciam situações em que há elevada car- ga horária dos componentes curriculares, tarefas extraclasses e extracurriculares, com processos avaliativos contínuos, o que pode inviabilizar o trabalho e as relações sociais e afetivas 26.
Apesar de o curso comprometer as atividades associativas, um estudo multicêntrico indicou que aqueles estudantes com maior quantidade de horas de estudo apresentam menos risco para desenvolvimento da Síndrome de Burnout 21. Esta realidade pode relacionar-se a autoeficácia, que possui efeitos satisfatórios sobre o bem-estar psicossocial e seu envolvimento dos discentes com os estudos.
Ante aos desafios inerentes à formação, os estudantes desenvolvem estratégias adaptativas e algumas não adaptativas para lidar com o estresse 27. Dentre elas estão às atividades de lazer (como a prática de atividades físicas) e o apoio psicológico/psiquiátrico. A prática de atividades físicas é considerada um fator capaz de minimizar o estresse e preponderante sobre a prevenção de doenças mentais e das manifestações da Síndrome de Burnout, além de possuir extrema importância na manutenção da saúde física desses indivíduos 19.
Pesquisa com discentes de medicina ingleses, em que se analisou a associação entre os níveis de atividade física e a ocorrência da Síndrome de Burnout afiança a assertiva anterior. Os resultados atestaram que a atividade física auxilia na prevenção da Síndrome, com maior influência sobre os níveis de exaustão emocional 24.
Quanto à realização de tratamento com um profissional da área de saúde mental, o resultado desta abordagem foi inferior ao encontrado por outros estudos que indicam comprometimento da saúde mental entre estudantes de Medicina 28-30, contudo, o achado pode ser atribuído à baixa procura pelo profissional de saúde, fato agravado pela falta de tempo, dificuldades de acesso, estigma em relação à doença mental e alto custo do tratamento 31.
Em relação às pontuações de Burnout, foram avaliadas as três dimensões. Foi identificado um nível alto de exaustão emocional e realização profissional, e um baixo índice de descrença. Assim, não foram constatados indicativos da Síndrome de Burnout na amostra em questão, já que os critérios para a sua presença/prevalência sugerem médias altas em exaustão emocional e descrença, e baixas em realização profissional 18.
Apesar da complexidade e exigências que envolvem a formação do médico e dos aspectos negativos mencionados 32, tanto este estudo, como outras pesquisas indicaram uma baixa frequência de síndrome entre estudantes 21,33.
Por conseguinte, deve-se considerar o alto índice de exaustão emocional, o que pode se constituir em indicativo de início do desenvolvimento do processo de Burnout, sugerindo que uma proporção significativa de estudantes corre alto risco de desenvolver o agravo durante seu processo de formação, e servindo de alerta para que intervenções preventivas sejam adotadas antes que a Síndrome de Burnout se torne uma realidade imutável 24.
É fundamental refletir sobre os fatores de risco relacionados ao agravo para que seja possível intervir em busca da melhoria da saúde mental dos futuros médicos 21, especialmente ao considerar que problemas de saúde mental em estudantes de medicina brasileiros têm sido bastante documentando 34, bem como o fato haver associação entre os níveis de Burnout e a qualidade de vida entre os estudantes de medicina 35.
Ainda, os achados sugerem que na medida em que os alunos evoluem no curso, apresentam aumento na exaustão emocional e descrença, contrariamente, há redução na realização profissional. Esse resultado assemelha-se a outras pesquisas 15-17,24, que indicam que o tempo de permanência no curso pode desencadear situações estressoras e propulsoras da Síndrome de Burnout.
O quadro pode apresentar tal conformação devido à carga horária destinada ao curso e a complexidade na medida em que ele evolui, com a introdução de componentes curriculares, na inserção em atividades práticas e clínicas, além da alta carga de cobrança atribuída aos estudantes. Portanto, há uma série de fatores, desde pressões acadêmicas e dívidas educacionais, até eventos de vida pessoal, gênero, ambiente de aprendizagem e exposição ao sofrimento humano 3,36-38.
Ademais, a satisfação com o curso também apresentou correlações estatisticamente significativas com a Síndrome de Burnout. Este processo de insatisfação parece comprometer as habilidades e competências dos alunos, favorecendo o desenvolvimento de sentimentos de incompetência, impotência, inferioridade, baixa autoestima e diminuição das expectativas pessoais 10,24. Os estudantes que pensaram em desistir do curso apresentaram tendência de maior pontuação em exaustão emocional e descrença e menor pontuação em eficácia profissional, resultado até certo ponto justificável. É importante salientar que a desistência do curso tem sido entendida como consequência do processo de Burnout 18.
Este estudo mostrou-se relevante uma vez que pesquisas desta natureza ainda não foram realizadas na Paraíba com o grupo em questão sendo, portanto, a primeira investigação sobre a temática em tela com estudantes de Medicina do estado.
Outrora, como limitação da pesquisa aponta-se o fato de a Instituição de Ensino Superior só contar, durante o período de coleta, com cinco períodos em curso, impossibilitando a abordagem de estudantes em fase de conclusão da graduação em medicina.
Apesar do exposto, o conhecimento e a identificação do Burnout nos estudantes corroboram com o alerta sobre a necessidade de intervenção institucional com oferecimento de apoio aqueles em risco de desenvolver a síndrome. A oferta de atividades de interação, a possibilidade de locais de descanso e a existência de uma equipe voltada para o suporte psicológico são medidas sumárias que ajudam tanto na remissão quanto na prevenção do agravo da Síndrome.
Somam-se as implicações para a pesquisa, que envolvem a possibilidade de refletir-se sobre a qualidade do ensino, o currículo médico e projeto pedagógico do curso, visto que níveis elevados da síndrome podem associar-se às exigências acadêmicas. Também, esta pesquisa, pioneira para a região, pode possibilitar a adoção de estratégias preventivas, bem como estimular a realização de estudos futuros, com base nos resultados, especialmente quando a instituição contemplar alunos nos 12 semestres formativos, possibilitando um melhor diagnóstico situacional.
Conclusão
Não foram constatados indicativos da Síndrome de burnout na amostra em questão, já que o estudo evidenciou altas médias em exaustão emocional e eficácia profissional, além de um baixo índice de descrença. Contudo, ficou visível que a exaustão emocional já estava afetada, o que é um sinal preliminar para o risco de desenvolver a síndrome. Também se ressalta que as variáveis sexo, idade, realizar atividade lazer de física, tomar medicações por conta do curso e fazer tratamento psicológico e/ou psiquiátrico não apresentaram quaisquer correlação estatística com os três componentes da síndrome. Observou-se que na medida em que os discentes evoluem semestre a semestre no curso, apresentam aumento da exaustão emocional e da descrença, contrariamente há redução da realização profissional, um indicativo de riscos para a Síndrome de burnout.