O pensamento repetitivo negativo (PRN) pode ser caracterizado como pensamentos intrusivos sobre preocupações (atuais, passadas ou futuras), experiências negativas e autocríticas, manifestando-se de forma excessiva e persistente (Ehring & Watkins, 2008). Embora possua caracterização semelhante a diversos transtornos, ressalta-se que a manifestação do comportamento difere em conteúdo, a depender da variável a que está associado (McEvoy et al., 2013). Por sua natureza intrusiva, passiva, repetitiva e uma consequente dificuldade de desprendimento, o PRN abrange duas principais características: (1) preocupação, associada aos pensamentos negativos sobre assuntos relacionados ao futuro; e (2) a ruminação, caracterizada por pensamentos negativos sobre acontecimentos passados (Funk et al., 2022; Salazar et al., 2020).
A noção de que o PRN parte de um recurso subjacente comum, que engloba a ruminação e a preocupação, foi proposta inicialmente por Harvey et al. (2004) como um processo transdiagnóstico, ou seja, o PRN atua em diferentes transtornos de saúde mental, contribuindo para o aparecimento e manutenção do sofrimento psíquico (Rosenkranz et al., 2020). Entretanto, salienta-se que alguns autores têm argumentado que essa distinção entre preocupação e ruminação é considerada um equívoco, pois ambos os fenômenos são característicos do PRN (Ehring & Behar, 2020; McEvoy et al., 2010), pressupondo-se que a ruminação e a preocupação se referem a um mesmo construto, podendo ser classificadas como um processo geral denominado “PRN” (Ehring et al., 2011).
Investiga-se, na comunidade científica, possíveis causas para o surgimento do PRN. A revisão sistemática realizada por Mansueto et al. (2021) explicita que indivíduos que vivenciaram eventos adversos na infância (abuso ou negligência) tendem a experienciar maior preocupação e ruminação na vida adulta. Detalha-se que a ruminação está associada a piores desfechos clínicos, como sintomas psiquiátricos graves, depressão, disforia, ideação suicida, queixas cognitivas, sintomas de estresse pós-traumático e agressividade, interferindo no bem-estar subjetivo dos indivíduos.
Ademais, a caracterização transdiagnóstica do PRN pressupõe sua relação com múltiplas condições clínicas (Funk et al., 2022). Isso porque considerar os modelos transdiagnósticos pode ser mais eficaz no tratamento e redução das perturbações afetivas e suas comorbidades, em comparação às abordagens pautadas em diagnósticos tradicionais, focadas em transtornos específicos (Mohammadkhani et al., 2023), que muitas vezes desconsideram a natureza onipresente das possíveis comorbidades e, assim, aumentam a lacuna entre a pesquisa e a prática profissional (Ehring & Behar, 2020).
Nesse âmbito, Spinhoven et al. (2018) sugerem que, ao considerar o PRN, deve-se direcionar o foco nos seus processos subjacentes (por exemplo, repetitividade, difícil desvinculação), tornando independente de um conteúdo específico e aplicável a preocupações sob quaisquer temporalidades.
É importante destacar que, embora o foco na literatura atual sobre o tema apareça majoritariamente em sua forma desadaptativa, o conceito de PRN vai além e pode atuar como um fator protetivo. Nesse âmbito, Ehring e Watkins (2008) distingue o PRN em abstrato-avaliativo (não construtivo) e em concreto-experiencial (construtivo). O primeiro concentra-se em eventos passados e pode produzir consequências negativas, bem como esgotamento do humor ou má resolução de problemas interpessoais (Mansueto et al., 2021). Já o segundo centra-se no presente e associa-se a uma menor quantidade de pensamentos intrusivos e a avaliações adaptativas de eventos traumáticos e angustiantes, podendo funcionar como fator protetivo para o adoecimento psicológico (Guzey et al., 2021).
Correlatos do pensamento repetitivo negativo
O PRN é um fenômeno relevante associado a variáveis individuais, sociais e psicopatológicas. Especificamente, verificar essas relações pode ajudar a entender a etiologia e a manutenção do PRN. Na literatura, avalia-se a presença do PRN em amostras clínicas e em não clínicas. Esses estudos têm explorado o reflexo de transtornos em diferentes fases do desenvolvimento, sendo consideradas majoritariamente amostras de adultos (Mansueto et al., 2021). Entretanto, outros trabalhos indicam o reflexo da variável em crianças; seus autores apontam que o PRN está associado a maiores níveis de ansiedade e depressão infantil ou a uma menor percepção de satisfação com a vida (Magson et al., 2019; Salazar et al., 2020), seja na forma de ruminação, seja na forma de mediador de sintomas secundários (Bonifacci et al., 2020; Huang et al., 2020).
As pesquisas sobre o PRN ajudam a compreender seus possíveis antecedentes e suas comorbidades em diferentes grupos. Assim, como variáveis antecedentes, citam-se as características pessoais e demográficas, que sugerem que mulheres mais jovens apresentam uma maior predisposição para o pensamento repetitivo negativo (Lilly et al., 2023). Além disso, pode-se citar os traços de personalidade, a exemplo do perfeccionismo desadaptativo, como condição antecessora do PRN (Lin et al., 2019).
No que tange aos consequentes ou às comorbidades relacionadas ao PRN, sabe-se que esse construto funciona como um mecanismo que pode levar a sintomas de depressão e ansiedade (Everaert & Joormann, 2019), transtornos alimentares (Sala et al., 2019) e declínio cognitivo em idosos (Marchant et al., 2020; Schlosser et al., 2020). Além disso, estudos demonstram o papel mediador do PRN em diferentes variáveis, como no impacto do distúrbio do sono nos sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo (Zhao et al., 2023); na relação entre evitação e sofrimento emocional em universitários (Munsamy et al., 2023); na manutenção de sintomas de ansiedade generalizada e da percepção da satisfação com a vida, comprometendo o bem-estar (Peixoto et al., 2023); na relação entre o perfeccionismo desadaptativo e o esgotamento acadêmico ou na ansiedade cognitiva de provas em estudantes universitários (Garratt-Reed et al., 2018; Jolly et al., 2022).
Os estudos supracitados ajudaram a compreender melhor o tema, auxiliando principalmente as práticas profissionais em psicologia clínica, por meio do desenvolvimento e avaliação de intervenções focadas no processo de PRN (Bell et al., 2023). Ademais, ressalta-se que os modelos teóricos relacionados ao PRN evoluíram devido à elaboração de instrumentos sobre o tema, que possibilitaram estudar de forma sistemática o fenômeno.
Mensuração do pensamento repetitivo negativo
Diante do exposto, objetivando mensurar o PRN e auxiliar em diagnósticos e na elaboração de intervenções adequadas, foram propostos instrumentos psicométricos na literatura. Destaca-se que algumas medidas existentes avaliam preocupação e ruminação em relação à ansiedade e à depressão, como é o caso do Penn State Worry Questionnaire (Meyer et al., 1990) e do Response Styles Questionnaire (Nolen-Hoeksema & Morrow, 1991), respectivamente.
Ademais, é possível citar o Rumination-Reflection Questionnaire (Trapnell & Campbell, 1999), que instrumentaliza a reflexão como forma adaptativa de pensamentos autocentrados. O questionário possui 12 itens que mensuram ruminação (exemplo, “minha atenção geralmente está focada em aspectos de mim mesmo no qual eu gostaria de parar de pensar”) e 12 itens que medem reflexão (exemplo, “adoro analisar por que faço as coisas”), respondidos em uma escala Likert de 5 pontos. Ressalta-se que o instrumento apresentou boa confiabilidade interna na amostra (a de Cronbach = 0,90 e 0,85, para ruminação e reflexão, respectivamente).
Outro instrumento utilizado é o Perseverative Thinking Questionnaire (Ehring et al., 2011), que avalia o pensamento perseverante baseando-se na definição do PRN. O instrumento apresenta 15 itens subdivididos em três fatores, a saber: (1) características centrais do PRN (repetitividade, intrusividade, dificuldades com desengajamento); (2) improdutividade do PRN; e (3) capacidade mental de captura do PRN. No seu estudo inicial, a amostra foi composta de participantes clínicos e de não clínicos (n = 1.832) e apresentou bom coeficiente de consistência interna (a de Cronbach = 0,95).
Entretanto, tais medidas propostas para avaliar o PRN apresentam limitações, bem como avaliação separada de construtos como preocupação e ruminação, o que limita a perspectiva transdiagnóstica do PRN; a medida também apresenta estrutura longa e distinta entre crianças e adultos, o que impossibilita acompanhar a manifestação da variável no desenvolvimento. Além disso, as subescalas do Perseverative Thinking Questionnaire, por exemplo, evidenciaram altas intercorrelações, o que sugere que o PRN pode ser medido por meio de um instrumento unifatorial (Magson et al., 2019).
Persistent and Intrusive Negative Thoughts Scale
Perante o exposto, visando contribuir para as investigações sobre o fenômeno como um processo transdiagnóstico na etiologia e manutenção de transtornos psicológicos em crianças e adultos, Magson et al. (2019) propõem a Escala de Pensamentos Negativos Persistentes e Intrusivos (PINTS, por sua sigla em inglês), para avaliar o PRN. No instrumento, o PRN é compreendido como um estilo de pensar sobre os próprios problemas ou experiências negativas (atuais, passadas ou futuras), por meio de três características principais; (1) o pensamento é repetitivo, relativamente intrusivo e difícil de se desprender; (2) os indivíduos o percebem como improdutivo, e (3) o PRN captura a capacidade mental. Assim, enquanto a primeira característica representa o processo de pensamento real, as duas outras referem-se aos efeitos desadaptativos do PRN, que são percebidos pelo indivíduo (Ehring et al., 2011).
A PINTS foi elaborada por Magson et al. (2019), sendo utilizada inicialmente no contexto australiano. Trata-se de uma medida breve e de fácil aplicação que reúne cinco itens, que são respondidos numa escala Likert de 5 pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (quase sempre) e agrupados em um único fator. Na pesquisa pioneira que resultou na elaboração da PINTS, Magson et al. (2019) realizaram dois estudos. Os autores consideraram amostras de crianças e de adultos, com análises fatoriais confirmatórias, nos quais a PINTS exibiu índices satisfatórios de ajuste ao modelo teórico. Especificamente, no estudo 1, com crianças, foram observados os seguintes indicadores: Tucker-Lewis Index (TLI) = 0,99; Comparative Fit Index (CFI) = 0,99; Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA) = 0,04; Root Mean Squa-re of Residuals (RMSR) = 0,01 (p < 0,05). No segundo estudo, com a amostra de adultos, foi encontrado o seguinte ajuste dos d ados à teoria: T LI = 0,97; C FI = 0,99; R MSEA = 0,09; RMSR = 0,01 (p < 0,05), evidenciando satisfatoriamente validade de construto. Ademais, os autores reuniram evidências complementares de validade convergente e de critério, demonstrando também que o instrumento apresentava adequada consistência interna e estabilidade temporal, e que era invariante em diferentes grupos (gênero e idade).
Objetivando adaptar a PINTS para o contexto português, Peixoto e Cunha (2021) realizaram um estudo com 432 participantes. A análise fatorial confirmatória (AFC) corroborou a estrutura unifatorial teorizada. Além disso, a versão portuguesa da PINTS apresentou boa consistência interna (a de Cronbach = 0,88). Por fim, foram reunidas evidências de validade para medidas externas que mostraram que a PINTS se correlacionou de forma significativa e positiva com os construtos, como ruminação, preocupação, sintomas depressivos, ansiedade, estresse, ansiedade generalizada e ansiedade social.
Dado o exposto, aponta-se a relevância da presente pesquisa, pois permitirá conhecer a manifestação do fenômeno no cenário brasileiro e contribuirá para a literatura ainda escassa acerca da temática. Além disso, a PINTS pode viabilizar a produção de estudos longitudinais e epidemiológicos sobre o PRN. Na prática profissional, poderá auxiliar na identificação e no acompanhamento a longo prazo do quadro, permitindo que o profissional selecione intervenções mais adequadas à demanda. Ademais, a PINTS objetiva avaliar o PRN nos diferentes estágios do desenvolvimento (crianças e adultos), podendo ser relevante para pesquisadores e clínicos que atuam com diferentes faixas etárias. Espera-se que isso possa ampliar a pesquisas sobre o tema (Magson et al., 2019).
Portanto, o presente estudo objetivou adaptar a PINTS para o contexto brasileiro e verificar indícios de suas propriedades psicométricas, além de verificar a validade convergente da medida. Nesse último aspecto de validade, estima-se que o PRN desadaptativo se relaciona de forma positiva com a afetividade negativa (estresse, ansiedade e depressão (Rosenkranz et al., 2020; Samtani et al., 2018)) e com a ansiedade cognitiva de provas (Jolly et al., 2022). Para tanto, foram realizados dois estudos, descritos a seguir.
Estudo 1. Adaptação e evidências psicométricas da Persistent and Intrusive Negative Thoughts Scale
Método
Participantes
Participaram 258 estudantes universitários de diferentes estados brasileiros (Midade = 21,35; DP = 4,56; variando de 18 a 52 anos), cuja maioria era do Piauí (59,7%), mulheres (59,3%), de instituições públicas (65,1%), que foram recrutados de maneira não probabilística.
Instrumentos
Foi utilizada a PINTS, elaborada por Magson et al. (2019), a qual reúne cinco itens, que avaliam globalmente o PRN. Os itens são respondidos numa escala Likert de 5 pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (quase sempre).
Procedimento
Inicialmente, utilizando-se do método back-translation (Pasquali, 2016), a PINTS foi traduzida para o português brasileiro por dois tradutores independentes e retraduzida para o inglês, por traduções às cegas, para verificar a equivalência dos itens das duas versões (português e inglês). Garantida a equivalência, com a versão brasileira, foi realizada a validação semântica, para avaliar se os itens e o formato da medida estavam compreensíveis.
Posteriormente, foi realizada a coleta de dados, após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CAAE: 54449321.8.0000.5209, Parecer: 5.213.273), seguindo as diretrizes éticas específicas para as ciências humanas e sociais; e as Resoluções 466/2012 e 510/2016. Foi utilizada a técnica de amostragem bola de neve, sendo o link da pesquisa compartilhado em redes sociais e aplicativos de mensagens (Facebook, Instagram, WhatsApp e Telegram). Os participantes foram informados, no termo de consentimento livre e esclarecido, sobre os propósitos gerais da pesquisa, seu caráter voluntário, anonimato das respostas e possibilidade de desistência a qualquer momento, sem ônus ou bônus.
Análise dos dados
Com o software Factor 10.10.03, averiguou-se a dimensionalidade da medida. Realizou-se uma análise fatorial exploratória (unweighted least squares), em que se considerou a matriz de correlações policóricas. Para definir o número de fatores, utilizou-se o método Hull, além de indicadores complementares de acurácia (clonesses) de unidimensionalidade, especificamente o Unidimensional Congruence (UniCo) e o Mean of Item REsidual Absolute Loadings (MIREAL); valores > 0,95 no primeiro e menores < 0,30 no segundo indicam dados essencialmente unidimensionais. Ademais, verificou-se a consistência interna (precisão) pelo coeficiente alfa de Cronbach (a) e pelo ômega (w) de McDonald.
Resultados
Inicialmente, observou-se a adequação da matriz de correlações policóricas à análise fatorial (Kaiser-Meyer-Olkin - KMO = 0,88 (IC 95% = 0,85-0,91) e 2 Bartlett (10) = 1039,4 e p < 0,001). O método Hull indicou uma estrutura unifatorial (CFI = 0,99), com autovalor de 3,89, explicando 77,83%. A unidimensionalidade da PINTS foi corroborada considerando outros indicadores de unidimensionalidade (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018): Unidimensional Congruence (UniCo) = 0,998 (IC 95% = 0,995-0,999), Explained Common Variance (ECV) = 0,945 (IC 95% = 0,921-0,976) e Mean of Item Residual Absolute Loading (MIREAL) = 0,181 (IC 95% = 0,137-0,280). Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1.
É possível observar na Tabela 1 que todos os itens saturaram no fator PRN 0,738 (Item 1. Fico acordado à noite pensando nas coisas) a 0,892 (Item 2. Quando tenho um problema, não consigo tirá-lo da cabeça), tendo carga fatorial média de 0,849 (DP = 0,063). A consistência interna foi avaliada pelos indicadores alfa de Cronbach padronizado (a) e ômega de McDonald (w), alcançando valores de 0,93, que são considerados adequados (≥ 0,70 (Taber, 2018)).
Posteriormente, no estudo 2, a fim de assegurar as qualidades psicométricas da PINTS, foram reunidas evidências complementares de validade (construto e convergente para medidas externas). Procedeu-se a uma AFC, técnica considerada mais robusta. Mais detalhes serão descritos a seguir.
Estudo 2. Evidências Complementares de Validade da PINTS: Confirmação da Estrutura e Validade Convergente
Método
Participantes e procedimento
Participaram 270 estudantes universitários de diferentes estados brasileiros (M idade = 21,40; DP = 4,24; variando de 18 a 48 anos), a maioria do Piauí (51,5%), mulheres (65,4%), de instituições públicas (63,2%) e cursando psicologia (27,2%). Eles foram recrutados de maneira não probabilística. Os procedimentos adotados foram similares aos do estudo 1.
Instrumentos
Além da PINTS, adaptada no estudo 1, foram respondidos aos seguintes instrumentos: Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21, por sua sigla em inglês (Lovibond & Lovibond, 1995)). Adaptada para o Brasil por Vignola e Tucci (2014), reúne 21 itens, distribuídos equitativamente entre três fatores: depressão, ansiedade e estresse. É respondida em uma escala de quatro pontos (0 - não se aplicou de maneira alguma; 3 - aplicou-se muito ou na maioria do tempo). No contexto brasileiro, a DASS-21 apresentou boa consistência interna, em cada um dos fatores, avaliada pelo indicador alfa de Cronbach: estresse (a = 0,90), ansiedade (a = 0,86) e depressão (a = 0,92). Para o presente estudo, os parâmetros psicométricos da medida foram verificados por meio de uma AFC, com o estimador Weighted Least Squares Mean and Variance-Adjusted (WLSMV), que indicou um ajuste adequado da estrutura trifatorial (CFI = 0,97, TLI = 0,96, RMSEA = 0,05 (0,04-0,06)). A confiabilidade dos fatores da DASS-21 foi considerada adequada: estresse (a e w = 0,90), ansiedade (a e w = 0,92) e depressão (a e w = 0,90).
Também foi utilizada a Escala de Ansiedade Cognitiva de Provas (EACP (Cassady & Johnson, 2002)). Instrumento adaptado para o Brasil por Medeiros et al. (2020), reunindo 16 itens que avalia o construto de maneira unifatorial. Instrumento respondido por escala do tipo Likert, variando entre 1 (nada frequente em mim) a 4 (muito frequente em mim). No contexto brasileiro, o instrumento apresentou bons indicadores de precisão (a) e ômega de McDonald (w) iguais a 0,92. Para o presente estudo, foi realizada uma AFC, com estimador WLSMV, demonstrando que a estrutura unifatorial da EACP era adequada (CFI = 0,99, TLI = 0,99, RMSEA = 0,08 (0,07-0,09) e confiabilidade meritória (a e w = 0,95)). Ademais, foi aplicado o Questionário Sociodemográfico, com perguntas referentes a idade, sexo, estado, curso e tipo de instituição.
Análise de dados
Com o SPSS, foram realizadas análises descritivas e com o software R, por meio do pacote Lavaan, procedeu-se a uma AFC, com o estimador WLSMV. O modelo foi avaliado pelos seguintes indicadores (Hair et al, 2019; Tabachnick & Fidell, 2013): CFI - índice comparativo, cujos valores a partir de 0,90 são referências de ajuste; TLI - medida de parcimônia entre os índices do modelo proposto e nulo, que varia de zero a um, com valores aceitáveis acima de 0,90; RMSEA e seu intervalo de confiança de 90% (IC 90%), recomendando-se valores entre 0,05 e 0,08, indo até 0,10.
A precisão da medida foi calculada por meio do alfa de Cronbach e ômega de McDonald, com o pacote semTools, além da confiabilidade composta (CC). Por fim, buscando reunir evidências de validade da PINTS baseadas na sua relação com variáveis externas, realizou-se uma correlação de Pearson. Para tanto, foi considerado os três fatores que compõem a afetividade negativa (estresse, ansiedade e depressão) e a ansiedade cognitiva de provas. Relações de magnitudes entre 0,20 e 0,50 sugerem evidências de validade externa com construtos relacionados (Nunes & Primi, 2010).
Resultados
A estrutura unifatorial da PINTS apresentou ajuste adequado (CFI = 0,970, TLI = 0,939, RMSEA (IC90%) = 0,088 (0,041-0,014)), Pclose > 0,05). Todas as cargas fatoriais (l) foram estatisticamente diferentes de zero (0; t > 1,96, p < 0,05). A confiabilidade foi considerada adequada (a = 0,92, w = 0,94 e CC = 0,89). Na Figura 1, é possível ver mais detalhes.
Com relação às evidências de validade com base nas relações com medidas externas, verificou-se, por meio da correlação de Pearson, que a PINTS se relacionou de forma positiva e significativa (p < 0,001) com os três fatores da DASS- 21: depressão (r = 0,47), ansiedade (r = 0,44) e estresse (r = 0,50); além da ansiedade cognitiva de provas (r = 0,56; p < 0,001).
Discussão
O PRN configura-se como um mecanismo transdiagnóstico amplamente estudado, com relações consistentes com distúrbios emocionais, como a depressão e a ansiedade (Bell et al., 2023). Dito isso, a presente pesquisa objetivou adaptar, reunindo evidências de qualidade psicométrica, a PINTS (Magson et al., 2019) para o contexto brasileiro, sendo os principais resultados discutidos a seguir.
Tendo em conta o estudo 1, por meio da análise fatorial exploratória, foram reunidas evidências que atestaram a qualidade métrica da PINTS. Assim, apoiou-se a estrutura teórica unifatorial (Magson et al., 2019), que explicou 77,83% da variância explicada relacionada ao fenômeno; percentual que é considerado satisfatório nas ciências sociais, que admite como adequada uma solução que explique 60% da variância total (Hair et al., 2019). Já os índices de consistência interna da medida (precisão) foram superiores aos indicados pela literatura, valores ≥ 0,70 (Marôco, 2021; Tabachnick & Fidell, 2013). Assim, para o contexto brasileiro, a PINTS reuniu cinco itens, que avaliam os PRN de forma global, com índices meritórios de precisão; ou seja, alfa de Cronbach (a) e ômega de McDonald (w) iguais a 0,93, este último considerado mais robusto, em detrimento do a, que é penalizado pela quantidade reduzida de itens de uma medida (McDonald, 1999).
No estudo 2, foram reunidas evidências psicométricas complementares de validade da PINTS. Para tanto, foi realizada uma AFC (Byrne, 2010). Os resultados do estudo 2 possibilitaram corroborar a estrutura unidimensional apontada no estudo, sendo observado que os dados empíricos se adequaram ao modelo teórico (CFI = 0,970, TLI = 0,939, RMSEA = 0,08 (Marôco, 2021; Tabachnick & Fidell, 2013)). Ademais, também foram corroboradosa os índices adequados de confiabilidade (precisão) da medida (a e w = 0,94), com seus valores ficando acima do ponto de corte de no mínimo 0,70 (Cohen et al., 2014; McDonald, 1999). Os resultados ratificam a estrutura unifatorial, como evidenciado em pesquisas prévias em diferentes países, como Austrália (Magson et al., 2019) e Portugal (Peixoto & Cunha, 2021).
Adicionalmente, considerando a amostra do estudo 2, na presente pesquisa, foram reunidas evidências de validade convergente para medidas externas. Para tanto, foi considerado o fator geral da PINTS, ou seja, o PRN, além das dimensões da DASS-21 (estresse, ansiedade e depressão). Os resultados sugeriram que a PINTS estava positivamente relacionada à afetividade negativa, ou seja, estresse, ansiedade e depressão (Rosenkranz et al., 2020; Samtani et al., 2018). Além disso, o fator geral da PINTS se relacionou positivamente com a ansiedade cognitiva de provas (Jolly et al., 2022). Esses resultados reforçam que o PRN desadaptativo está relacionado a distúrbios emocionais negativos, que incluem, principalmente, a ansiedade e depressão (Bell et al., 2023; McEvoy et al., 2013). Especificamente, na presente pesquisa, os valores das correlações evidenciaram relações positivas superiores a 0,40, corroborando a existência de evidências de validade convergente para medidas externas (Nunes & Primi, 2010).
Esses resultados reforçam que o PRN pode funcionar como preditor do desenvolvimento e manutenção de sofrimento e distúrbios emocionais (Peixoto & Cunha, 2022), como transtornos depressivos e de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, insônia e transtornos alimentares (Samtani et al., 2018). Na presente pesquisa, por exemplo, verificou-se uma forte relação entre ansiedade e pensamento persistente. Especificamente, a ansiedade cognitiva de provas, que se refere à preocupação excessiva com o desempenho e com possíveis consequências do fracasso (Silva et al., 2023), ocasionando distorções cognitivas (Jolly et al., 2022), que, segundo as perspectivas cognitivo-comportamentais, é o aspecto central do pensamento persistente, ocasionando preocupação excessiva com uma possível ameaça (Surzykiewicz et al., 2022), que pode suscitar ansiedade patológica (Skalski et al., 2022). Além disso, tal característica pode levar a outros decréscimos na saúde mental, tais como percepção reduzida de satisfação com a vida e sintomas depressivos (Peixoto & Cunha, 2022).
Os resultados reportados na presente pesquisa evidenciam que a PINTS se apresenta como um instrumento com boas qualidades psicométricas, que pode ser útil na difusão e compreensão da temática, uma vez que as pesquisas nessa área têm sido restringidas pela falta de medidas transdiagnósticas adequadas sobre o PRN (Mahoney et al., 2012). Assim, reforça-se que a PINTS é um instrumento com menos itens e de fácil compreensão, em comparação com medidas prévias, como, por exemplo, o Perseverative Thinking Questionnaire, composto de 15 itens (Ehring et al., 2011) e o Mini-Cambridge Exeter Repetitive Thinking questionnaire, que reúne 16 itens (Douilliez et al., 2014).
Entretanto, cabe salientar que, apesar dos resultados favoráveis, esta pesquisa não se isenta de limitações. Por exemplo, cita-se a amostra, que foi recrutada de forma acidental, não probabilística, o que impede que os resultados retratem a realidade para além da amostra considerada (Silva et al., 2023). No entanto, ressalta-se que não se pretenderam generalizações, mas apresentar uma medida adequada quanto a evidências psicométricas. Outra limitação refere-se ao caráter transversal e à natureza correlacional desta pesquisa, impedindo que sejam feitas inferências causais (Jolly et al., 2022). Além disso, a aplicação de uma medida de autorrelato é uma limitação, uma vez que é influenciada pela desejabilidade social, fazendo com que o respondente altere suas respostas para a autopromoção (Silva et al., 2020).
Portanto, a fim de superar essas limitações, pesquisas futuras são necessárias. Dito isso, uma vez que o PRN se manifesta de forma excessiva e persistente, configurando-se como um processo cognitivo que é repetitivo, passivo, relativamente incontrolável e focado em conteúdo negativo (Ehring & Watkins, 2008; Rosenkranz et al., 2020), é necessário conhecer os mecanismos associados ao construto. Por exemplo, verifica-se que características individuais, como traços perfeccionistas desadaptativos, são preditores da ansiedade cognitivas de provas e da procrastinação acadêmica, as quais podem mediadas pelo PRN (Furlan & Santos, 2023; Jolly et al., 2022; Silva et al., 2020).
Além disso, o estudo realizado por Magson et al. (2019) com a PINTS demonstrou que o construto está relaciona-do com transtornos alimentares, ansiedade social, e ansiedade de separação, corroborando que o PRN é um processo transdiagnóstico. Nesse sentido, os autores supracitados argumentam a importância de se considerar estudos com amostras clínicas, que visem determinar a sensibilidade da PINTS em diferenciar pessoas com e sem diagnóstico clínico, bem como aquelas com níveis subliminares de sintomatologia e possíveis comorbidades. Isso pode ser de particular relevância e de interesse para pesquisadores clínicos para o treinamento de propostas de psicoeducação, por meio de intervenções que objetivem ensinar as pessoas a detectarem diferentes tipos de PRN (Kornacka et al., 2016).
Por fim, espera-se que contar com uma medida curta e de fácil aplicação possa auxiliar o profissional, visto que a investigação psicológica geralmente envolve o rastreio de múltiplas variáveis (Medeiros et al., 2023). Ademais, em contextos clínicos, para avaliar diagnósticos importantes e suas comorbidades, medidas reduzidas podem atenuar a sobrecarga de conteúdo que os instrumentos longos podem ocasionar, tanto para o paciente como para o terapeuta (Peixoto & Cunha, 2021). Por fim, contar com uma ferramenta que abrange diferentes faixas etárias pode ampliar o entendimento sobre o tema, uma vez que pesquisas em amostras com crianças e com adolescentes são escassas (Bijttebier et al., 2015). Isso fortalecerá a compreensão do PRN como um processo transdiagnóstico ao longo de todo o desenvolvimento humano (Magson et al., 2019).