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Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.37 no.3 Bogotá Sep./Dec. 2019

https://doi.org/10.15446/av.enfermv37n3.73702 

Artículos de investigación

Violência contra mulheres idosas segundo o modelo ecológico da violência

Violencia contra mujeres adultos mayores según el modelo ecológico de la violencia

Violence against older adult women according to the ecological model of violence

Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues1 

Suelen Borelli Lima Giacomini2 

Jack Roberto Silva Fhon3 

Luípa Michele Silva4 

Vanessa Costa Almeida5 

Fernanda Laporti Seredynskyj6 

1Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8916-1078 Correio eletrônico: rosalina@eerp.usp Contribuição: concepção, metodologia, análise, escrita e revisão final do manuscrito.

2Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0611-8478 Correio eletrônico: susu_borelli@hotmail.com Contribuição: concepção, coleta de dados, análise e escrita.

3Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1880-4379 Correio eletrônico: beto_fhon@hotmail.com Contribuição: concepção, coleta de dados e revisão final do manuscrito.

4Unidade Acadêmica Especial de Biotecnologia da Universidade Federal de Goiás-Regional Catalão (Catalão, Goiás, Brasil) ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6147-9164 Correio eletrônico: luipams@gmail.com Contribuição: concepção, metodologia, análise, escrita e revisão final do manuscrito.

5Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Programa de Enfermagem Fundamental (Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2126-8834 Correio eletrônico: van.c.almeida@gmail.com Contribuição: coleta de dados.

6Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7491-8891 Correio eletrônico: fernanda.seredynskyj@usp.br Contribuição: coleta de dados.


Resumo

Objetivo:

compreender os significados e os possíveis fatores de violência segundo o modelo ecológico da violência para idosos que vivem no domicílio.

Metodologia:

estudo descritivo-ex-ploratório e qualitativo, realizado com 19 idosas. Os dados foram coletados por meio da realização de grupos focais e as falas analisadas baseados em análise temática indutiva, com auxílio do software Iramuteq.

Resultados:

o modelo teórico e o conceito sobre a violência possibilitaram a construção de quatro categorias: Os fatores socioeconómicos e a violência contra o idoso; violência e os fatores individuais; violência e os fatores sociais e violência e as relações do idoso com a comunidade.

Conclusão:

para os idosos, a violência está relacionada aos significados construídos acerca do problema, sobretudo na sociedade atual onde não se sentem respeitados como cidadãos plenos de direitos, mas sim excluídos socialmente.

Descritores: Violência contra a mulher; Idoso; Pesquisa Qualitativa (fonte: DeCS, BIREME)

Resumen

Objetivo:

comprender los significados y posibles factores de violencia según el modelo ecológico de la violencia para adultos mayores que viven en su hogar.

Metodología:

estudio descriptivo-exploratorio y cualitativo realizado con 19 adultos mayores mujeres. Los datos se recolectaron por medio de la realización de grupos focales, y las conversaciones se estudiaron con base en el análisis temático inductivo, con ayuda del software Iramuteq.

Resultados:

el modelo teórico y el concepto sobre la violencia posibilitaron la construcción de cuatro categorías: Factores socioeconómicos y violencia contra el adulto mayor; Violencia y factores individuales; Violencia y factores sociales y Violencia y relaciones del adulto mayor con la comunidad.

Conclusión:

para las ancianas la violencia se relaciona con los significados construidos acerca del problema, sobre todo en la sociedad actual, donde no se sienten respetadas como ciudadanas plenas de derechos sino socialmente excluidas.

Descriptores: Violencia contra la mujer; Anciano; Investigación Cualitativa (fuente: DeCS, BIREME)

Abstract

Objective:

to understand the meanings and possible factors of violence according to the ecological model of violence for older adults living at home.

Methodology:

descriptive-exploratory and qualitative study, conducted with 19 older adult women. The data were collected through the realization of focal groups, and the conversations were studied on the basis of inductive thematic analysis, with the help of the Iramuteq software.

Results:

the theoretical model and the concept of violence enabled the construction of four categories: Socioeconomic factors and violence against the older adult; Violence and individual factors; Violence and social factors, and Violence and older adult's relationship with the community.

Conclusion:

for older adult women, violence is related to the constructed meanings about the problem, especially in today's society, where they do not feel respected as citizens with their rights and feel socially excluded.

Descriptors: Violence against women; Older Adult; Qualitative Research (source: DeCS, BIREME)

Introdução

Estimativas da Organização Mundial de Saúde 1 apontam que a população mundial de idosos será de dois bilhões no ano 2050. No Brasil, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2, a proporção, que era de 8,6 % em 2000, passará para quase 15 % em 2020. Até 2025, o Brasil terá aproximadamente 32 milhões de idosos, o que corresponderá à sexta população mundial de pessoas acima dos 60 anos 1,2.

A mudança do perfil demográfico decorrente do crescimento da população idosa, associada às mudanças sociais e ao desrespeito com o idoso, tem aumentado o número de casos de violência. Esta pode ser definida como o uso da força ou a imposição do poder através de atitudes agressivas ou a ameaça contra si ou outrem, resultando em escoriações, isolamento social, depressão, medo e sofrimento psicológico, o que pode levar a pessoa à morte ou um desenvolvimento prejudicado 1.

Incidências apontam que, em todo o mundo, cerca de 5 % a 10 % dos idosos são vítimas de atos de violência física que podem ou não desencadear ferimentos fatais 1. De acordo com um estudo realizado no Brasil em três cidades brasileiras, foram registrados 2612 boletins de ocorrência em Delegacias do Idoso 3. Nesse aspecto, ressalta-se que a maior parte dos casos de violência contra o idoso ocorre no meio intrafamiliar onde, na maioria das vezes, o agressor é a pessoa que presta o cuidado ou com a qual ele tem muita proximidade 4. Conflitos intrafamiliares podem gerar atos violentos de natureza física, moral, psicológica e/ou social 5.

Relatos de violência e os atos do tipo física contra idosos cometidos por seus familiares com frequência decorrem de comportamentos abusivos, do uso de drogas e de outros problemas possivelmente relacionados a questões sociais e de saúde dos agressores, o que requer intervenção 6. Outro fator a ser ressaltado em relação à violência é o silêncio das vítimas e/ou a falta de conhecimento sobre o tema. Há, entre elas, um sentimento de dependência e inutilidade e chegam a acreditar que precisam se submeter a atos violentos até o final de suas vidas 5.

Trata-se de um fenômeno grave, em expansão pelo próprio aumento da população idosa, e ainda permeado por dúvidas. Na tentativa de compreender a natureza do ato violento, a Organização Pan-Americana de Saúde 7 propôs o modelo ecológico, baseado em questões individuais e situacionais associadas ao contexto no qual o indivíduo está inserido e que podem influenciar o comportamento violento.

Esse modelo se apresenta em quatro níveis: o primeiro envolve o nível individual, pois comportamentos e históricos de violência podem levar o indivíduo a ser vítima ou agressor; o segundo está relacionado com os relacionamentos de dominação seja com um companheiro, familiar ou pessoa próxima, que aumentam a possibilidade de agressões ou submissão ao agressor; o terceiro procura examinar os contextos das relações comunitárias a fim de identificar as características associadas às vítimas ou aos agressores; e o quarto representa aquele em que a sociedade examina os fatores mais significativos para as taxas de violência. Assim, esse modelo descreve que violência pode ser causada por diferentes fatores e em diversas etapas da vida 7.

Segundo a análise da proposta da Organização Pan-Americana de Saúde 7, a violência está presente em todos os níveis de atenção. Estudos dessa natureza, com foco na compreensão da violência pelo próprio idoso, são essenciais para detectá-la. Assim, a pergunta que norteou o presente estudo foi: Como os idosos compreendem os atos de violência praticados contra eles na sociedade? Considerando os aspectos até então discutidos, o objetivo foi compreender os significados e os possíveis fatores de violência segundo o modelo ecológico da violência para idosos que vivem na comunidade.

Métodos

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa com o uso da técnica do Grupo Focal 8, com o objetivo de possibilitar uma interação entre as participantes do estudo e o tema "violência contra idosos".

As participantes do estudo são idosas que moram no domicílio e que participam em um grupo de extensão com atividades voltadas para o Programa Universidade Aberta para a Terceira Idade em um município paulista.

O grupo conta com 50 idosos cadastrados, de ambos os sexos. Entretanto, somente as 19 idosas aceitaram o convite para a pesquisa realizado por meio de contato telefônico feito pelos pesquisadores. Os demais idosos recusaram a participação justificando questões pessoais. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 60 anos, residentes no município de Ribeirão Preto, participar do grupo de atividades mencionado e com estado cognitivo adequado, avaliado pelo Mini Exame do Estado Mental 9. Não houve perdas após o uso dos critérios de inclusão com as idosas que decidiram participar do estudo.

O estudo respeitou todos os aspectos abordados pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Antes de iniciar o grupo focal, as participantes foram informadas sobre os objetivos do estudo, relevância da temática, participação voluntária e poder desistir a qualquer momento sem prejuízos nas atividades do grupo. Todas, ao aceitar participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, recebendo uma cópia e a garantia do sigilo das informações colhidas.

Os grupos focais ocorrem no mesmo dia em abril de 2016. Foram formados dois grupos com um total de 19 participantes (dez e nove, respectivamente). Participaram destes grupos um moderador, cuja função foi facilitar e encorajar o processo de discussão; um observador, que embora não tenha participado diretamente, teve o papel de sintetizar e registrar as discussões do grupo; e os pesquisadores que conduziram o debate das questões apresentadas 8, para o diálogo e construção coletiva do debate sobre o tema. Inicialmente foi apresentado a dinâmica dos encontros e o tema a ser debatido. Todos os participantes dos grupos focais foram informados da dinâmica do trabalho que foi desenvolvido. A equipe foi formada pela coordenadora do projeto e estudantes de pós-graduação, mestrado e doutorado.

Cada grupo durou, aproximadamente, duas sessões de duas horas cada uma e foram realizadas em um ambiente privativo da universidade, com acomodação para as idosas. Para traçar o perfil demográfico das participantes, inicialmente foi feita a interação entre as idosas e a equipe de pesquisadores, com apresentação individual e, a seguir, entrevista para caracterizar as participantes do estudo. Assim, foram consideradas as seguintes variáveis: estado civil (solteiro, casado/ amasiado, separado/divorciado, viúvo); procedência; escolaridade (anos completos); ocupação atual (desempregado, ativo, aposentado com atividade remunerada, aposentado/pensionista, trabalho em casa sem remuneração); com quem reside e renda familiar (em salários mínimos).

A avaliação do Mini Exame do Estado Mental, instrumento traduzido e validado para a língua portuguesa 9 e reavaliado 10, foi realizado em todas as idosas e elas foram consideradas aptas de acordo com escore total, que dependia também do nível educacional da participante 9,10, podendo variar de um mínimo de zero a um máximo de 30 pontos. Para que a idosa fosse considerada com déficit cognitivo, definiu-se um corte de 20 pontos, para analfabetos; 24, para os que possuíam um a quatro anos de escolaridade; 26,5, para aqueles com cinco a oito anos de escolaridade; 28, para os que tinham entre 9 e 11 anos de escolaridade; e de 29 pontos acima, para os que tinham escolaridade superior a 11 anos 10.

Para a realização do grupo focal, partiu-se das seguintes perguntas norteadoras que seguiram a proposta do modelo ecológico 7: Qual sua compreensão sobre a violência contra o/a idoso/a na sociedade? Qual sua compreensão sobre a violência familiar contra o/a idoso/a? Em sua opinião, o que contribui para casos de violência contra o/a idoso/a na sociedade? Os dados foram gravados com gravador de voz digital, mediante anuência dos participantes e realizado registro escrito por um dos pesquisadores. Ao final dos grupos focais, foram realizadas as leituras das discussões para os idosos validarem os temas debatidos nos encontros e novas observações foram descritas. Após os grupos focais, os discursos foram transcritos na íntegra para possibilitar a compreensão, o registro e a organização dos dados do estudo.

Com o objetivo de analisar os dados sociodemográficos, utilizou-se uma planilha eletrônica no programa Microsoft Excel®. A análise foi realizada por meio de estatística descritiva e os dados obtidos analisados segundo a técnica de Análise Temática Indutiva 11. Contou-se com o auxílio do software Interface de R pour les Analyses Multi-dimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ) para desenvolver análises estatísticas sobre corpus textuais, quadros com informações sobre indivíduos e palavras 12.

As falas foram organizadas em um banco de dados que foi submetido ao software, o qual foi responsável por agrupar os trechos com sentido lexical próximos. Os pesquisadores analisaram os conteúdos agrupados e denominaram as classes com base no modelo ecológico da violência: violência e os fatores relacionais; violência e os fatores individuais; violência e os fatores sociais e violência e as relações do idoso com a comunidade. Além da análise lexicográfica, o software produziu a "nuvem de palavras" com os termos mais evocados pelas idosas. Os dados foram analisados com base no modelo ecológico da violência e na literatura pertinente à temática.

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

Os dois grupos foram formados por 19 mulheres idosas com idades entre 60 e 79 anos (84,2 %), média de 72,57 anos, viúvas (47,4 %), com cinco a oito anos de escolaridade (47,4 %), provenientes de Ribeirão Preto, São Paulo. A maioria chefiava o domicílio (89,4 %), residia sozinha (31,5 %) e referiu renda de até um salário mínimo (47,4 %).

Com base na análise dos dados e no modelo ecológico, foram construídas quatro categorias referentes à compreensão das idosas sobre a violência praticada contra elas e seus possíveis fatores relacionados. Essas categorias foram obtidas por meio do software, com suas respectivas unidades de análise. E as evocações mais frequentes deram forma a uma "nuvem de palavras" (figura 1), que representa a essência das falas das idosas sobre a temática estudada.

Fonte: IRaMuTeQ 0.7, versão - alpha 2,2014

Figura 1 Representação, nuvem de palavras, a partir da frequência de palavras. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2018 

A partir dos dados analisados, as categorias são descritas a seguir:

Fatores socioeconómicos e violência contra o idoso

Diz respeito aos problemas que envolvem as relações estabelecidas entre a idosa e outrem, demonstrando que a questão financeira interfere diretamente na relação entre a idosa e seus familiares, assim como o seu convívio social. Essa categoria evidencia-se nos seguintes trechos:

É isso aí [...] ofensas doem mais do que se tivesse dado um tapa, palavra que ofende a gente [Part. 07]; eu não dou dinheiro para neto, eu não dou mesmo, porque eu já sei como é [Part. 08]; é independente da classe social [Part. 10]; não dou dinheiro, porque ele não ganha, ele não trabalha e quando trabalha é para beber, então é difícil [Part. 11]; eu não vou dar, entendeu! E ela falou pra mim: -você é muito má! Coloquei ela para fora de casa... [Part. 14] Trabalhar para: beber, comprar e pagar tudo [Part. 03].

Violência e fatores individuais

Refere-se às manifestações e aos comportamentos de desrespeito das pessoas mais jovens para com os idosos e como isso desencadeia sérios atos violentos, psicológicos e morais contra eles. Os discursos dos participantes evidenciam como o desinteresse da geração jovem os afeta:

A geração jovem não dá atenção ao idoso, precisa de educação [... ] é uma geração que, em geral, vive no mundo deles [...] acha que dever ter liberdade [Part. 03]; o jovem pensa que não maltrata, mas falta com respeito, com carinho e paciência com a pessoa idosa, eles devem ser humildes com a gente [Part. 05]; os jovens se acham os donos do mundo [Part. 07]; idoso com vida dependente; deixar de conversar e ouvir para falar no celular com amigo, no computador ou sentar para assistir televisão [Part. 12]; difícil o afilhado e o sobrinho ligar; hoje falta atenção, amor ao próximo, carinho e respeito, benção do avô [Part. 13].

Violência e fatores sociais

Esta categoria enfatiza o significado da família para a vida do idoso e como ele depende de um vínculo para lidar com o medo de ser abandonado, conforme mostram os seguintes trechos:

O filho cuida da mãe até falecer, ....mas o filho deve cuidar da mãe doente, as vezes em um asilo uma vez que a nora/genro não concorda em cuidar [Part. 02]. Ficar doente, de idade e morar sozinha sem os filhos; fico um tempo sem falar com meu filho, antes eles iam em casa, depois que o pai faleceu, quase não vem me visitar [Part. 04].

Violência e as relações do idoso com a comunidade

Apresenta o olhar e a vivência do idoso na sociedade cujos direitos são desrespeitados e negados. Os discursos das idosas expressam que se julgam tratadas com indiferença e violentadas, tanto em serviços públicos quanto em privados, como mostram alguns trechos:

Motorista de ônibus reclama de pegar na rua e parar no ponto [Part. 01]. O doutor não trata senhor de mais idade [Part. 02]. Chegar ao banco e o moço reclamar de gastar o tempo com senhor de mais idade [Part. 03]. Vai passear na cidade e o menino não levanta do banco para o senhor de mais idade sentar, tem que falar e obrigar [Part. 04].

Discussão

Embora o foco do estudo não foi a violência contra a mulher idosa, mas o intuito foi discutir a temática da violência contra o idoso, é importante destacar que esse fenômeno é mundial, que afeta mais as mulheres do que os homens. As idosas no grupo focal relataram casos não somente relacionadas com elas mesmas, mas também com os seus vizinhos, amigos ou familiares mais próximos. Os casos relatados estão relacionados a nível individual, relacional, comunitário e social.

Pesquisadores apresentaram uma revisão da literatura e identificaram que 64 % dos casos de violência contra idosos são do sexo feminino, estudos esses obtidos de outras fontes como os Boletins de Ocorrência 13.

As idosas relataram fatos que estão dentro da perspectiva do modelo ecológico de violência 7, sendo perceptível que todas as falas mostram o que elas visualizam como violência contra o idoso e que remetem a intervenções dos serviços de saúde e de atenção aos direitos dos idosos 13.

No modelo ecológico, o nível relacional é expresso em problemas dos idosos nos relacionamentos com outrem. Nas falas, as idosas expressam compreender a necessidade econômica de trabalhar, de ter sua independência e buscar meios de sustento financeiro para cuidar da família e suprir gastos diversificados. No decorrer do processo do envelhecimento, o fator econômico pode desencadear meios de exploração e apropriação de bens financeiros, capazes de contribuir para a ocorrência de atos de violência contra o idoso 14.

A violência financeira é uma temática que registra a exploração do idoso em seu contexto familiar, o que acarreta perda significativa da independência em virtude dos prejuízos financeiros 15, na maioria dos casos desencadeados por familiares, como filhos e netos, que consomem drogas. Ressalta-se que esse envolvimento de membros próximos da família com drogas vem contribuindo para a ocorrência de casos de violência, o que torna os idosos ainda mais vulneráveis 7.

O contexto identificado com base nos discursos das participantes expressa que fatores relacionados ao processo do envelhecimento como limitações físicas, dependência de um cuidador e vulnerabilidade na saúde estão cada vez mais presentes na vida social do idoso 16. Isso onera seus recursos, quase sempre incompatíveis com as demandas e a renda mensal de todos os membros da família, situação que demanda mudanças no cotidiano familiar.

Os novos modelos familiares e o crescimento da população mantiveram o idoso em um ambiente familiar por cujo sustento ele passou a ser responsável 17. Essa visão do espaço familiar como um local de predisposição a atos violentos está inserida no modelo ecológico da Organização Pan-Americana de Saúde 3. Nesta pesquisa, as idosas reconhecem que a violência é um produto dos múltiplos níveis de influência sobre o comportamento humano, principalmente entre as relações intergeracionais.

O desinteresse dos jovens relatado nos discursos decorre de uma inversão dos valores culturais das novas gerações que diferem das gerações passadas. A não integração dos idosos às premissas dessa nova cultura social poderá desconstruir sua identidade e conduzi-los a um isolamento social 18. A maioria das participantes destaca que a violência se manifesta sob atos de "desrespeito e falta de atenção ao idoso" em seu cotidiano. O desrespeito e o fato de serem tratados com desigualdade são fenômenos observados nos conflitos intergeracionais, o que permite inferir que a sociedade os exclui, não os considera pessoas que contribuem com o grupo e, ainda, acredita que possam dificultar a vida dos mais jovens 19.

Outro aspecto a ser registrado diz respeito aos casos em que os idosos dependem de cuidadores, muitas vezes mais jovens, e a convivência entre eles desencadeia conflitos insustentáveis o que pode resultar em atos de violência 5.

Ainda no âmbito da convivência social, as participantes referem que os valores morais, éticos e sociais e as distintas visões de mundo entre eles e os mais jovens são confrontados. Nesse sentido, essas diferenças, associadas à inflexibilidade dos jovens e ao preconceito para com os idosos, geram conflitos violentos e um consequente distanciamento entre as gerações 18.

Apesar dos discursos não se referirem à inserção de idosos na sociedade como trabalhadores, percebe-se na sociedade atual a falta de espaços abertos para uma relação entre as gerações nos diversos segmentos sociais o que é considerado essencial para preservar a cultura de uma nação 20,21. No entanto, isso não ocorre com o idoso uma vez que ele, muitas vezes, é visto como uma pessoa sem projetos para o futuro, detentor apenas de uma vida de lembranças 21.

Esse mito da velhice contribui para atitudes discriminatórias, manifestadas nas diferentes esferas da vida social 7. Assim, com base nesse contexto e de acordo com os discursos das participantes, compreende-se que a cultura familiar construída pelo idoso, com toda sua bagagem de experiências, está sendo ignorada e desrespeitada pela geração mais jovem.

O vínculo familiar, nesse contexto, é visto por elas como uma forma de segurança e sobrevivência o que expressa a importância da união familiar. No grupo focal, algumas participantes relatam receio e, até mesmo, incerteza quando discutida a falta de cuidados com o idoso. Mencionam o termo abandono como uma forma de violência, pois não se configura tecnicamente como agressão física ou psicológica contra o idoso, como em outros casos apresentados no estudo 14.

A temática do abandono foi apresentada juntamente com a da negligência ou outro tipo de violência contra os idosos e é caracterizada como recusa ou omissão de cuidado. Nos discursos, essa forma emerge como uma atitude violenta dos familiares 14.

Os significados da prática de atos violentos contra o idoso podem estar associados a fatores como o isolamento social, fragilização das relações, crescente desarticulação familiar, desequilíbrio de poder entre a vítima e o agressor, bem como desvalorização da pessoa idosa 22,23. Esses pontos são considerados essenciais para analisar a vida na comunidade.

A violência contra o idoso, qualquer que seja sua natureza, é uma violação aos direitos que lhes são assegurados pelo Estatuto do Idoso e envolve desde medidas de proteção até assistência de saúde, jurídica, social, de trabalho, entre outras 6. A violência tem gerado a necessidade do acompanhamento dos idosos vítimas de violência. Um estudo com diferentes países europeus apontou que em países como a Grécia e a Lituânia, o apoio social ao idoso vítima de violência é maior que em países como a Alemanha e Portugal 24. O estudo mostra que independentemente da localização geográfica, esta população necessita de apoio e respeito, portanto, os achados do grupo focal também remetem a esse tipo de necessidade e suporte.

A violência social está presente em espaços de convívio cotidiano do idoso, em situações culturais, ambientais e políticas, desencadeadas por falta de respeito interpessoal 25,26. As atitudes preconceituosas e de desrespeito por parte de motoristas de transportes coletivos com os idosos são consideradas um exemplo de violência em espaços públicos 18. O desrespeito é também expresso pela insensibilidade de funcionários de empresas que atendem ao público idoso em diversos espaços públicos, o que pode levar a acidentes e causar danos.

O desconhecimento da lei de proteção ao idoso atinge grande parte da sociedade e, de certa forma, explica a ocorrência de atitudes desse nível 19. No entanto, os direitos e os deveres de todos os seres humanos não são distintos por faixa etária, portanto devem ser seguidos e respeitados por todos. A proteção dos direitos morais e humanos dos idosos deve ser capaz de se contrapor às atitudes desrespeitosas que os colocam em uma situação inferior na sociedade 18.

As categorias não apontam diretamente os tipos de violência identificáveis, mas situações que podem gerar conflitos e, consequentemente, atos ou atitudes violentas. Esta pesquisa explicita algumas divergências entre o que se encontra relatado na literatura e a compreensão dos idosos sobre a violência contra eles praticada, aspecto bastante discutido nos grupos focais.

A violência contra o idoso é um ato individual, porém reflete a postura de uma sociedade que o desvaloriza, ao mesmo tempo em que se valoriza a nova geração de insumos, embora muitas vezes nocivos à sociedade. Por sua vez, o ambiente familiar se mostra como o local de maior ocorrência de violência contra o idoso, praticada principalmente por familiares, o que impõe a todos danos sociais.

Uma das limitações do estudo é a dificuldade do idoso retratar a violência física e verbal contra ele mesmo. Entre as limitações encontradas pelos pesquisadores, foi a falta de estudos voltados para a temática da violência contra a mulher idosa. Pareceu-nos que nas falas das participantes, certos comportamentos dos familiares e da própria sociedade vêm sendo arraigado na cultura brasileira como normais. O desafio da sociedade é assegurar o direito do idoso de viver com dignidade e que este também seja corresponsável, como sujeitos desse processo, assegurando seus direitos de cidadão.

Os dados mostraram que é necessário um olhar sobre as questões de violência ao idoso, sendo importante o profissional da enfermagem estar atento aos pequenos sinais de agressões, sejam elas verbais ou físicas. Além disso, é oportuno repensar os programas de violência contra a mulher, incluindo as idosas, diante das especificidades, que é de maior vulnerabilidade física e social.

Conclusão

Os resultados revelam que as participantes compreendem a violência e os fatores a ela relacionados, muitas vezes como normais e que fazem parte do cotidiano. Do ponto de vista do modelo ecológico, as idosas relataram a violência como uma questão social permeada por fatores econômicos, sociais e familiares, e temem ser abandonadas e desrespeitadas no que se refere aos seus direitos. Os casos de violência relatados foram construídos em torno do problema do estudo e vivências por elas percebidas, uma vez que se parte do pressuposto da compreensão dos significados acerca da violência contra si ou outrem, direcionando o modo como essas idosas enfrentam essa realidade, na atualidade tão comum entre os idosos.

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Cómo citar: Rodrigues RAP, Giacomini SBL, Fhon JRS, Silva LM, Almeida VC, Seredynskyj FL. Violência contra mulheres idosas segundo o modelo ecológico da violência. 2019. Av Enferm, 37(3):p-p. DOI: https://doi.org/10.15446/av.enfermv37n3.73702

Recebido: 26 de Julho de 2018; Aceito: 09 de Fevereiro de 2019

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