Introdução
A redução do consumo de sódio/sal na dieta em pessoas com insuficiência cardíaca (IC) apresenta evidências inconclusivas 1,2. Entretanto, o Comitê Diretor da Diretriz Brasileira de IC recomenda, na prática clínica, educar e orientar as pessoas a reduzirem o consumo de sal como medida adjuvante para a manutenção da estabilidade clínica 3.
Estudos apontam que o seguimento de uma dieta com baixo teor de sódio/sal em pessoas com IC apresenta baixa adesão 4,5. A literatura destaca crenças individuais, preferências alimentares, habilidades para executar a dieta, dificuldades financeiras, dependência e influência de referentes sociais como fatores que podem favorecer e/ou dificultar o seguimento da dieta prescrita 6,7.
Ante a diversidade de fatores que podem influenciar a adesão a comportamentos em saúde e, particularmente, a redução do consumo de sal na dieta, mostra-se de especial relevância dispor de instrumentos para obter informações consistentes que levem à identificação dos determinantes capazes de favorecer ou dificultar a realização do comportamento 8.
Nessa perspectiva, a construção de instrumentos de medida deve ser subsidiada por modelos teóricos consistentes que ofereçam estrutura conceitual para a compreensão dos fenômenos que influenciam o comportamento humano em saúde. Dessa maneira, a Theory of Planned Behavior (TPB) destaca-se como referencial teórico oriundo da psicologia social, que tem como objetivo analisar crenças, predizer e explicar a motivação do indivíduo em executar o comportamento, além de defender que a intenção comportamental é antecedente imediato deste 9.
Ao revisar o estado da arte sobre o tema, identificou-se, no contexto brasileiro, o Questionário Restritivo da Dieta de Sódio (QRDS), versão adaptada, traduzida 10 e validada 11 do Dietary Sodium Restriction Questionnaire (DSRQ), desenvolvido por Bentley 12, cuja finalidade é identificar fatores que afetam a adesão à restrição dietética de sódio para pessoas com IC, construído com base na TPB.
Os instrumentos de medida construídos a partir dos pressupostos teóricos da TPB, metodologicamente, devem ser formulados mediante levantamento de crenças salientes 8,13 a respeito do fenômeno a ser investigado. Essa etapa fornece subsídios para a estruturação e a formulação dos itens de medida de acordo com os construtos teóricos da teoria: atitude, norma subjetiva, controle comportamental percebido e intenção comportamental.
É importante mencionar a relevância do estudo avaliativo de crenças, considerando que achados significativos podem não estar contemplados em instrumentos antecipadamente validados em contextos culturalmente distintos. A partir de tal compreensão e com base nos resultados de pesquisa preliminar no contexto do Nordeste brasileiro, que suscitou as crenças de pessoas com IC relacionadas à redução do consumo de sal na dieta 14, identificou-se a necessidade de construir e validar o conteúdo de um instrumento para medir a intenção e os seus determinantes, uma vez que um conjunto de crenças salientes não estava contemplado no instrumento disponível na literatura nacional 10.
Ademais, instrumentos adaptados para identificar os fatores determinantes de comportamentos relacionados à saúde podem apresentar viés metodológico ao generalizarem resultados de diferentes populações, em especial, na abordagem de variáveis que não se adaptem ao cenário de investigação 8,13. Assim, diante dessa lacuna, justifica-se a relevância do instrumento para a compreensão do fenômeno de maneira adequada, para que possa ser mensurado de forma confiável e condizente com a realidade regional.
Isso posto, o objetivo deste estudo foi construir e validar instrumento para medir a intenção comportamental de reduzir o consumo de sal na dieta em pessoas com IC.
Materiais e métodos
Trata-se de estudo metodológico ancorado nos pressupostos da TPB 9, desenvolvido em três etapas: construção do instrumento, validação de conteúdo com juízes especialistas e validação semântica com um grupo representativo da população-alvo, realizado de março a setembro de 2018, no município de João Pessoa, estado da Paraíba, Brasil.
Em observância às recomendações da TPB 9,13 no que concerne à consideração dos elementos ação (reduzir o consumo), alvo (sal na dieta), contexto (ambulatorial) e tempo (30 dias), delimitou-se o comportamento de interesse para a investigação: reduzir o consumo de sal na dieta nos próximos 30 dias. Optou-se por usar o termo "sal" e não "sódio" por ser facilmente compreendido pela população e ser a principal fonte de sódio, no contexto brasileiro, para o preparo da dieta 8.
De acordo com a TPB, as crenças fornecem a base para as variáveis antecedentes da intenção. A atitude é formada pelas crenças comportamentais, ao se avaliarem as consequências positivas ou negativas da execução do comportamento em questão. Precedentes à norma subjetiva estão as crenças normativas, que vislumbram a expectativa para concordar com os referentes sociais importantes. O controle comportamental percebido é composto pelas crenças de controle na presença de fatores que facilitem ou dificultem o desempenho do comportamento 9,13.
Nesse sentido, a primeira etapa foi realizada por meio de estudo prévio 14, com o objetivo de analisar as crenças salientes (emitidas com frequência igual ou superior a três) relacionadas à redução do consumo de sal em pessoas com IC. Participaram dessa etapa 26 pessoas com IC em seguimento ambulatorial em uma instituição hospitalar de ensino do Nordeste brasileiro. As crenças (comportamentais, normativas e de controle) obtidas foram organizadas pela contagem da frequência de sua emissão e categorizadas conforme os construtos determinados pela TPB, para compor os itens do instrumento de intenção comportamental e seus determinantes 13,14.
Após a análise das crenças, elaborou-se a versão preliminar do instrumento por meio de medidas diretas, que são aquelas facilmente compreendidas e, consequentemente, respondidas, e medidas indiretas, formuladas a partir do levantamento das crenças salientes 13,15. Cabe destacar que a redação dos itens seguiu o guia ilustrativo do referencial teórico disponível na literatura 16 e na homepage17 pessoal do autor da teoria.
Assim, a primeira versão do instrumento continha 34 itens distribuídos nos seguintes construtos teóricos: atitude (13 itens), norma subjetiva (sete itens) e controle comportamental percebido (13 itens) e intenção comportamental (um item). Como opção de respostas, utilizou-se de escalas do tipo Likert, de cinco pontos, de diferencial semântico. Embora o referencial teórico 13,16 sugira escala de sete pontos para respostas, é facultada ao pesquisador a escolha do tipo de escala, assim, considerando o nível de escolaridade do público-alvo, optou-se pela escala de cinco pontos para facilitar a compreensão das respostas.
Na sequência, procedeu-se à validação de conteúdo, que consiste em um processo de avaliação por meio de um comitê de especialistas na área do conteúdo, que visa verificar se os itens formulados para um instrumento correspondem ao construto investigado e se estão adequados para o que se propõe a medir 18. Recomenda-se, nessa fase, no mínimo cinco e no máximo 10 participantes para o processo de validação 19.
Para a seleção dos especialistas, foi realizada consulta ao currículo Lattes no site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), utilizando no espaço "assunto" a expressão 'Theory of Planned Behavior". Inicialmente, foram identificados 13 potenciais juízes para a avaliação do instrumento de medida, que foram selecionados por julgamento, mediante os seguintes critérios de inclusão: contar com o título de doutor, experiência profissional (clínica, de ensino ou pesquisa) na área de saúde e produção científica que trate dos pressupostos teórico-metodológicos de interesse do estudo.
Foi enviado convite via e-mail aos experts, no qual eram explicados os objetivos do estudo, os conceitos teóricos da TPB e a população-alvo da pesquisa. Após o contato inicial, oito juízes concordaram em participar do estudo. Encaminhou-se em seguida um roteiro de avaliação do instrumento, bem como o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi solicitado o retorno do material no prazo de 20 dias, o qual terminou sendo prorrogado por mais 30 dias, de acordo com a solicitação do juiz. No entanto, apenas seis juízes retornaram o material preenchido dentro do prazo pactuado.
Com relação à área de formação, quatro eram enfermeiros, um, psicólogo e um, nutricionista. Quanto à região de atuação dos profissionais, dois juízes atuavam na Região Nordeste, dois, no Sudeste, e as Regiões Centro-Oeste e Sul, com um juiz cada. Todos os juízes apresentavam a titulação de doutor e tinham experiência em docência no ensino superior, produção científica com uso TPB e estavam vinculados a grupos de pesquisa certificados pelo CNPq.
A avaliação do instrumento considerou a pertinência dos itens (se expressavam verdadeira relação com a proposta do estudo em questão) e a clareza (se os itens estavam descritos de forma compreensível). Os juízes foram orientados a realizar sua avaliação, atribuindo pontuações para o critério de pertinência: 1 - discordo totalmente; 2 - discordo; 3 -concordo; 4 - concordo totalmente. Consideraram-se para a clareza: 1 - não claro; 2 - pouco claro; 3 - claro; 4-totalmente claro. Ao final de cada item, um espaço foi deixado para sugestões ou anotações. Além disso, os juízes puderam fazer comentários sobre a exclusão ou a inclusão de itens.
Posteriormente, foi calculado o índice de validade de conteúdo (IVC) para analisar a avaliação dos especialistas quanto à pertinência e à clareza dos itens individualmente (I-CVI), expresso pela fórmula: número de especialistas que avaliaram os itens com notas 3 ou 4, dividido pelo número total de juízes. Para classificar o item como válido, é desejável um valor igual ou superior a 0,80 19. Para avaliar o instrumento como um todo, utilizou-se do critério de concordância, que foi obtido ao se dividir o número total de itens considerados como válidos pelos juízes pelo número total de itens. Considerou-se o instrumento como validado com uma concordância de no mínimo 80 % 19.
Após a validação de conteúdo, realizou-se a validação semântica com a finalidade de averiguar a adequação do instrumento, a necessidade de reformulação de perguntas e a habilidade do pesquisador para a aplicação no público-alvo 18,19. O cálculo do tamanho amostral seguiu as recomendações da literatura, com pré-teste realizado em 30 a 40 pessoas da população-alvo 20. Para tanto, selecionou-se uma amostra não probabilística, por conveniência, constituída por 30 pessoas com IC, de qualquer etiologia, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade ≥ 18 anos, de ambos os sexos, categorizados nos aspectos clínicos I-III da New York Heart Association 3 e em seguimento ambulatorial. Os critérios de exclusão foram apresentar déficit de cognição confirmado em prontuário. Ao final de cada aplicação, realizou-se um feedback para os participantes, com intuito de verificar possíveis problemas de compreensão.
Conforme recomendação, os itens construídos para avaliar os construtos teóricos diretamente, a priori, devem ser avaliados quanto à sua validade 15. Para a presente investigação, foi utilizado o cálculo do coeficiente do alfa de Cronbach, que assume valores entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, mais confiável, sendo aceitáveis valores ≥ 0,6 21.
O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba sob o Parecer n.° 2.406.616/2017. Todos os participantes formalizaram sua participação por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
As crenças comportamentais, normativas e de controle mais emitidas que orientaram a construção do instrumento foram publicadas em 2019 14.
Na análise de conteúdo do instrumento, que continha 34 itens, ao verificar o I-CVI individualmente, no que diz respeito à pertinência, 29 itens foram considerados pertinentes na avaliação dos juízes. No entanto, cinco itens 8, 12, 22, 23, 28 foram julgados irrelevantes ou inadequados ao critério de pertinência, não atingindo a pontuação mínima de 0,80. Quanto à clareza, os juízes consideraram quatro itens como não claros, ou seja, que não estavam descritos de forma compreensível 8, 12, 23, 28, com pontuação de 0,66, abaixo de 0,80.
Nesse sentido, após a análise da validação de conteúdo dos juízes, optou-se por excluir cinco itens 8, 12, 22, 23, 28, por apresentarem valores abaixo de 0,80 (I-CVI = 0,66), pontuação considerada como insatisfatória. Optou-se por não reenviar o instrumento aos juízes para validarem novamente o conteúdo, pelo fato de todas as recomendações terem sido acatadas pelos pesquisadores e os valores obtidos terem alcançado índices satisfatórios. Neste estudo, o percentual de concordância obtido na avaliação geral do instrumento foi de 82 %. Os comentários e as sugestões dos juízes especialistas estão apresentados no Quadro 1.
Posteriormente, a segunda versão do instrumento foi revisada e discutida em reunião do Grupo de Estudo e Pesquisa em Doenças Crônicas, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba. O instrumento, após refinamento, constou de 30 itens, sendo incorporado um novo item para medida da intenção comportamental, como sugestão dos juízes. Desse modo, o construto passou a ser mensurado por dois itens. A versão final do instrumento está apresentada no Quadro 2.
Para calcular os valores das respostas, os escores são avaliados por construtos separadamente. Para as medidas diretas (atitude, norma subjetiva e controle comportamental percebido), a pontuação se dá pela média dos itens; os escores variavam de 1 a 5; para as medidas indiretas, considerou-se o modelo multiplicativo (produto das crenças) proposto pela teoria calculado da seguinte forma: os escores das crenças comportamentais variam de 4 a 100 (força da crença comportamental X avaliação das consequências); para as crenças normativas, de 3 a 75 (força da crença normativa X motivação para concordar com o referente) e, para as crenças de controle, de 4 a 100 (força da crença de controle x poder de controle). Logo, quanto maior for a pontuação, maior será a favorabilidade ao comportamento.
Para os itens 6, 7, 23, 24, 27 e 28, as pontuações atribuídas foram invertidas devido a se reportarem às crenças negativas. Desse modo, quanto maior o escore, maior a intenção comportamental de executar o comportamento de interesse.
O Quadro 3 apresenta a distribuição dos itens no que diz respeito aos construtos teóricos da TPB para cada variável.
Entre os 30 participantes da validação semântica, 57 % eram do sexo masculino, 60 % viviam casados ou em união estável, 60 % estavam inativos economicamente, apresentavam escolaridade média de 6,57 anos e renda familiar de 1 a 2 salários-mínimos. Destaca-se que 43,3 % estavam classificados na classe funcional i da New York Heart Association, categorizados pela ausência de sintomatologia da IC.
Quanto aos questionamentos "Vocês tiveram alguma dificuldade para responder a este formulário?" e "Gostariam de alterar algo?", os participantes não sugeriram mudança na redação dos itens e avaliaram o instrumento como de fácil compreensão e resposta.
Na avaliação da confiabilidade do instrumento verificada pelo alfa de Cronbach, obteve-se escore total aceitável (α = 0,66). Identificou-se que os itens formulados apresentavam clareza e compreensão, de acordo com o público-alvo.
Discussão
A TPB é um modelo teórico reconhecido internacionalmente por oferecer uma estrutura conceitual por meio de construtos teóricos claramente definidos para projetar e avaliar comportamentos-alvo em que se almeja intervir. Quanto mais os indivíduos acreditarem que o comportamento levará a resultados benéficos, que as pessoas cujas opiniões eles valorizam concordam que eles devem realizar o comportamento e que eles contam com os recursos e oportunidades necessários, mais forte deverá ser a intenção 8,9,13.
Conforme recomendações do modelo teórico, questionários-padrão não devem ser utilizados, pois a definição do comportamento envolve especificidades relativas à população, ação, alvo, contexto e tempo 13,16. Assim, este estudo diferencia-se pela sua originalidade na construção de instrumento de medida à luz das crenças salientes de pessoas com IC relacionadas à redução do consumo de sal na dieta ao considerar que as crenças comportamentais, normativas e de controle são indicadores formativos e reflexivos para avaliar quais fatores são determinantes da intenção para executar o comportamento.
Posteriormente, a aplicação do instrumento possibilitará o delineamento de estratégias de intervenção a partir da identificação das variáveis preditoras do comportamento, com o escopo de fortalecer a motivação para o autocuidado. Em adição, servirá de parâmetro para avaliar a efetividade dessas estratégias na prática clínica do enfermeiro, o que poderá impactar nos desfechos clínicos em face da adesão à terapêutica instituída.
Estudos de desenvolvimento de instrumentos de medida ancorados na TPB têm empregado a validação de conteúdo com especialistas, no sentido de produzir uma ferramenta para medir o comportamento de maneira útil e adequada 22,23. Por sua vez, outras pesquisas conduzidas no campo da psicologia não oferecem descrição sobre a realização dessa etapa 24,25.
Os diferentes métodos de elaboração de instrumentos, com ou sem a etapa de validação, apontam para a necessidade de se refletir sobre a real importância da validação de conteúdo de questionários fundamentados na TPB, ao se considerar que as crenças identificadas sobre o fenômeno podem ser eliminadas a partir de julgamentos imprecisos dos juízes, o que pode comprometer a identificação dos antecedentes do comportamento.
Na pesquisa em tela, optou-se pela inclusão da validação de conteúdo, etapa que permitiu agregar uma ampla variedade de conhecimentos de seis especialistas, que atuavam profissionalmente em diferentes regiões geográficas do país e apresentavam qualificação para o refinamento do instrumento, a fim de alcançar o objetivo proposto. Estudo cujo objetivo foi construir e analisar a validade de conteúdo de um instrumento para avaliar a intenção comportamental de indivíduos com hipertensão de tomar comprimidos anti-hipertensivos à luz da TPB 26 obteve resultados similares aos observados neste estudo.
De modo geral, foi sugerido, por unanimidade do comitê de especialistas, iniciar todas as opções da escala de respostas pelo adjetivo negativo, o que possibilitou aos participantes mais percepção de clareza ao escolher o escore, associando a melhor pontuação ao comportamento desejável. Outras considerações se reportaram à inclusão do tempo (30 dias) para a padronização dos itens. Dessa forma, as questões foram reorganizadas para que permitissem melhor compreensão pelos participantes do estudo.
Sobre os itens formulados, ressalta-se que apenas seis foram considerados insatisfatórios, que não atendiam aos critérios clareza e pertinência para os construtos da TPB. Com relação ao construto atitude, foram excluídos os itens 8 e 12, que se referiam ao hábito de usar sal na dieta. Os juízes argumentaram que o hábito não estava contemplado no construto, uma vez que se buscava apreender a favorabilidade e a desfavorabilidade, bem como suas respectivas consequências na realização do comportamento de interesse.
Entende-se que o hábito é um ato automático, inconsciente e, portanto, não pode ser considerado uma ação consciente para a efetivação do comportamento. Pesquisadores têm utilizado o hábito como uma variável adicional aos construtos teóricos da TPB. Contudo, optamos por não o incluir, ao analisar as evidências da capacidade preditiva das variáveis da TPB para a compreensão de fenômenos comportamentais relacionados à saúde 27.
É oportuno salientar que as crenças constituem a base fundamental na TPB ao guiar intenções e, portanto, elas podem ser incorretas, refletir pensamentos de desejo ou ser tendenciosas em um determinado construto, o que impacta o comportamento futuro 9,16.
No construto norma subjetiva, todos os itens construídos foram considerados válidos, apresentando excelentes índices de concordância. No entanto, acataram-se as sugestões dos especialistas para reformular o item de medida direta do construto. Dessa maneira, com base nas sugestões propostas, o item foi modificado para "Pessoas que são importantes para mim acham que eu devo reduzir o consumo de sal na dieta nos próximos 30 dias".
Pesquisa realizada nos Estados Unidos evidenciou a norma subjetiva como preditora do consumo excessivo de sódio em pessoas com IC (p < 0,001). Os autores recomendam que pessoas significativas expressem claramente sua opinião sobre o seguimento de uma dieta com baixo teor de sal, auxiliando e motivando a reduzir seu consumo, a fim de evitar quadros de descompensação clínica da IC 28. Assim, reforça-se a pertinência desse construto na avaliação do comportamento em tela, uma vez que os referentes sociais podem se configurar como elos positivos ou negativos para a execução ou não de uma dieta com baixo teor de sal.
Quanto ao construto controle comportamental percebido, houve a exclusão de um item 22 de medida direta. Os avaliadores sugeriram sua exclusão pela similaridade com as afirmativas precedentes. Em acréscimo, para os itens 23 e 28 da versão preliminar, que abordavam a questão do preparo das refeições pela esposa, os juízes argumentaram a pertinência de não o restringir somente à esposa, mas também estendê-lo a outras pessoas responsáveis pelo preparo das refeições, para que todo o núcleo familiar possa se engajar e auxiliar na motivação do comportamento; portanto, foi excluído.
Os argumentos apresentados foram considerados coerentes com o contexto atual, em que, na dinâmica familiar, homens e mulheres estão inseridos na divisão das atividades domésticas dentro e fora do lar, ou seja, devem ser corresponsáveis pela preparação, bem como pela aquisição de alimentos e insumos com baixo teor de sódio/sal para a manutenção da dieta.
Em consonância com a afirmativa anterior, estudo realizado no Irã evidenciou aumento na intenção comportamental, bem como nas escalas de atitude, norma subjetiva e controle comportamental percebido ao promover sessões educativas para pacientes com IC e seus familiares sobre a importância da adesão à dieta com baixo teor de sódio, métodos para aromatizar os alimentos, quantidade recomendada de ingestão de sódio, identificação de alimentos com baixo ou alto teor de sódio/sal e estratégias para escolher alimentos adequados dentro e fora de casa 29.
Posto isso, ratifica-se a necessidade de conhecer as crenças de controle que podem facilitar ou impedir a realização do comportamento, o que poderá não ser evidenciado ao usar instrumentos adaptados transculturalmente. Entre os fatores de controle, estão habilidades, disponibilidade ou falta de tempo, dinheiro e cooperação de outras pessoas. Dessa maneira, acredita-se que as pessoas sejam capazes de agir sobre suas intenções na medida em que tenham controle sobre o desempenho do comportamento 9,13,16.
As intenções comportamentais são indicações de prontidão para realizar um comportamento. Essa prontidão para agir pode ser verificada perguntando se as pessoas pretendem se envolver, esperam, planejam, tentam participar e, de fato, se elas estão dispostas a praticar o comportamento 15,16,26. Dessa forma, outra sugestão pertinente foi adicionar um item para a medida direta da intenção comportamental, com a inclusão da afirmativa "Eu quero reduzir o consumo de sal na dieta nos próximos 30 dias", sugestão considerada pertinente e acatada.
Quanto à validação semântica, os participantes não relataram dificuldades de compreensão e interpretação dos itens formulados, não sendo necessárias reformulações adicionais, garantindo que os itens disponíveis fossem respondidos. Nesse momento, foi possível avaliar a técnica de coleta de dados e o tempo mínimo necessário para a aplicação do instrumento construído, que teve a duração média de 16 minutos.
A construção e a validação do instrumento atenderam aos itens inerentes ao polo teórico, partindo-se de conceitos próprios do referencial teórico adotado para a elaboração dos itens, seguida da análise teórica pelos juízes e pelos representantes da população-alvo. A literatura destaca sua importância para fundamentar a definição dos construtos e atributos, e a operacionalização dos itens de medida, para que possa se articular com a teoria sem ambiguidades e com o fenômeno que se propõe medir 13,17. Portanto, o conteúdo apresentado permite sua aplicação de modo satisfatório ao contexto específico.
Posteriormente, uma etapa seguinte desta pesquisa almeja avaliar a versão fina do instrumento na prática clínica por meio de estudo-piloto de intervenção com uma amostra ampliada. Espera-se, mediante análises de testes de correlação, averiguar a força e o sentido das relações entre as variáveis comportamentais e a variável critério (intenção), e, pela regressão, verificar quais variáveis são preditoras da intenção comportamental de reduzir o consumo de sal em pessoas com IC. Análises do alfa de Cronbach são testadas, e os resultados são divulgados.
Conclusões
O questionário original projetado com base no levantamento das crenças mostrou-se válido quanto ao seu conteúdo, a partir da análise de um comitê de especialistas com reconhecida experiência no uso da TPB. Além disso, foi considerado claro e compreensível pelo público ao qual se destina, mostrando-se como uma ferramenta confiável e útil para a aplicação em investigações futuras, para avaliar os fatores psicossociais determinantes da intenção comportamental de pessoas com IC de reduzir o consumo de sal na dieta.
Como implicações para a prática de enfermagem, o instrumento auxiliará o enfermeiro na compreensão das variáveis para as quais sejam direcionadas intervenções com intuito de modelar o comportamento estudado, fortalecendo a adesão do paciente ao consumo de dieta com teor de sal reduzido, a fim de permitir melhor autogestão de cuidado e qualidade de vida. Em adição, poderá orientar a construção de novos instrumentos para o estudo de comportamentos distintos à luz do modelo teórico empregado.