Introdução
As doenças crónicas e os agravos não transmissíveis (Dant) constituem um dos maiores problemas de saúde pública e são considerados a principal causa de morte prematura em todo o mundo. Cerca de 41 milhões de pessoas morrem por Dant, o que corresponde a 70 % de todas as mortes registradas 1,2. No Brasil, as Dant foram responsáveis por 76 % de todos os óbitos em 2019, com destaque para as doenças cardiovasculares, as neoplasias, as doenças respiratórias crónicas e o diabetes mellitus3.
As Dant apresentam em comum quatro fatores de risco comportamentais passíveis de modificação: uso de tabaco, consumo abusivo de álcool, inatividade física e alimentação não saudável 1. Além disso, os determinantes sociais, ou seja, condições de vida, educação, ocupação, renda e gênero interferem na saúde, o que contribui para intensificar os fatores comportamentais e potencializar o desenvolvimento das Dant 4. Dessa forma, essas doenças atingem todos os níveis socioeconómicos, porém mais intensamente a população de baixa renda e escolaridade. Soma-se ainda a isso o fato de que pessoas nessas condições têm pior acesso aos cuidados de saúde, ao diagnóstico e ao tratamento oportuno. Além disso, esses agravos representam alto custo financeiro, o que contribui para o empobrecimento das famílias 1,2.
A transição demográfica e o aumento da expectativa de vida também levam à prevalência das Dant devido às transformações importantes no perfil de morbimortalidade 5,6. O aumento das Dant e seus fatores de risco observados na população geral têm grande influência na saúde dos trabalhadores, causando impactos socioeconómicos negativos em virtude do aumento do número de faltas não programadas no trabalho (absenteísmo), da diminuição da produtividade (presenteísmo), de incapacidades e, consequentemente, de aposentadorias precoces 7, o que amplia ainda mais as desigualdades sociais.
Dessa forma, considerando o impacto das Dant para a saúde dos trabalhadores e para a economia, tornam-se necessários estudos que avaliem a saúde do trabalhador da indústria para além da carga de doença devido aos fatores de risco presentes no ambiente de trabalho, como os agentes carcinogênicos, o nível de ruído, os estressores ergonómicos e a segurança. Nesse cenário, a enfermagem tem muito a contribuir para o enfrentamento dessa problemática, requerendo, para tal, o conhecimento desse contexto de forma mais detalhada. Assim, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência das Dant e seus principais fatores de risco segundo sexo, idade e escolaridade em industriários de Minas Gerais, Brasil.
Materiais e método
Estudo epidemiológico, transversal e analítico. Foram analisados dados secundários cedidos pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) do estado de Minas Gerais (MG). Alinhado à proposta de vigilância das Dant preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde 8, que enfatiza a importância da obtenção de dados essenciais sobre os fatores de risco determinantes da carga de doença da população 8, o Sesi desenvolveu um sistema de monitoramento desses fatores. Esse sistema foi criado com a finalidade de conhecer e identificar o perfil de saúde e estilo de vida dos trabalhadores da indústria, bem como as especificidades dessa população.
O sistema de monitoramento abrange trabalhadores do setor industrial ou contribuintes do sistema indústria. Os dados desse sistema são coletados presencialmente nos postos de trabalho por profissionais da área da saúde. Dessa forma, são considerados inelegíveis aqueles trabalhadores que estavam de licença-médica, licença-maternidade, férias e os que foram transferidos de unidade ou demitidos no período da coleta.
O questionário utilizado é dividido em blocos e contém dados pessoais, sociodemográficos e domiciliares, referentes à prática de atividade física, ao consumo alimentar, ao tabagismo, ao consumo de álcool, a doenças referidas, à utilização dos serviços de saúde e de medicamentos, às características do ambiente de trabalho, à qualidade de vida, a medidas antropométricas, à medida da pressão arterial e à avaliação odontológica.
O presente estudo incluiu os dados coletados entre janeiro de 2016 e maio de 2017. Nesse período, foram cadastradas 206 empresas no Sesi-MG, contabilizando um total de 53.299 trabalhadores, de 84 cidades do estado. Dos cadastrados, participaram do sistema de monitoramento 34.253 trabalhadores. Destes, 56 foram considerados inválidos por conter menos de 75 % do questionário respondido; foram ainda excluídos 125 questionários de trabalhadores com idade inferior a 18 anos completos. As variáveis consideradas na análise foram os fatores de risco (tabagismo, uso de álcool, inatividade física e alimentação inadequada), excesso de peso, doenças e agravos não transmissíveis referidos e autoavaliação da saúde conforme detalhado no Quadro 1.
As prevalências dos indicadores apresentados no quadro foram calculadas segundo as covariáveis sexo, faixa etária e nível de escolaridade, sendo utilizado o teste qui-quadrado (x2) de Pearson para a comparação entre os grupos. Em seguida, foi calculada a razão de prevalência (RP) ajustada pelas demais covariáveis por meio de regressão de Poisson. O processamento dos dados foi feito no software Stata 14.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o Parecer 2.528.128. A base de dados utilizada neste estudo foi cedida pelo Sesi mediante a assinatura de um termo de compartilhamento das informações que expressa sobre a concordância, os objetivos da pesquisa e a divulgação dos resultados. Os dados compartilhados não continham a identificação dos trabalhadores, para garantir o sigilo das informações e o anonimato dos participantes da pesquisa.
Resultados
Participaram deste estudo 34.072 trabalhadores, dos quais 30,6 % eram mulheres e 69,4 %, homens. A faixa etária prevalente foi de 25 a 34 anos (38 %) e mais da metade dos entrevistados (55,1 %) tinham entre 9 e 11 anos de estudo (Tabela 1).
Conforme se vê na Tabela 2, para os indicadores de atividade física, 63,9 % dos homens e 69,9 % das mulheres foram identificados como insuficientemente ativos segundo a classificação do Ipaq 9 e, segundo a recomendação da OMS 10, a frequência foi 71,9 % entre homens e 80,7 % entre as mulheres, a razão de prevalência para as mulheres ajustada por faixa etária e escolaridade, para as duas formas de cálculo, foi 1,09 (IC 95 %: 1,06-1,13) para o Ipaq e 1,13 (IC 95 %: 1,10-1,16) para a OMS.
RPa: razão de prevalência ajustada por faixa etária e escolaridade. IC: intervalo de confiança. 'Categoria de referência na regressão de Poisson; **Valor p: teste X2 de Pearson.
Fonte: Sesi, 2016.
Quanto ao consumo alimentar, maiores prevalências de consumo inadequado foram observadas entre os homens, dos quais 63,4 % consumiam carne ou frango com gordura (RPmulheres = 0,73; IC 95 %: 0,71-0,75) e 44,5 % bebiam refrigerante ou suco artificial regular (RPmulheres = 0,81; IC 95 %: 0,78-0,84) (Tabela 2).
Referente ao tabagismo, a prevalência de ex-tabagistas foi 11,5 % em homens e 6,8 % entre as mulheres, e a prevalência de tabagistas atual na população total foi 9,8 %, sendo maior nos homens; nas mulheres a prevalência foi menor (RPmulheres = 0,63; IC 95 %: 0,58-0,68). Do total de industriá-rios, 14,4 % eram tabagistas passivos no trabalho e a maioria homens se comparados às mulheres (RPmulheres = 0,95; IC 95 %: 0,9-1,02). Com relação ao consumo de álcool, observou-se que 30 % dos industriários tinham consumo abusivo, sendo mais prevalente nos homens se comparados às mulheres (RPmulheres= 0,60; IC 95: 0,57-0,63) (Tabela 2).
Quanto ao excesso de peso, os homens apresentaram maior prevalência de sobrepeso (56,5 %) em relação às mulheres (51,8 %) (RPmulheres = 0,92; IC 95 %: 0,89-0,95). Já as mulheres apresentaram prevalência de obesidade 1,16 vezes (IC 95 %: 1,10-1,23) maior do que os homens (16,3 %). A prevalência total de hipertensão foi 10,5 %, diabetes foi 2,1 % e colesterol elevado, 9,8 %. Todas as doenças e os agravos analisados foram mais prevalentes nas mulheres, porém não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos para diabetes (Tabela 2).
A autoavaliação negativa da saúde apresentou prevalência de 1,4 % na população estudada, e as mulheres referiram autoavaliação negativa 2,95 mais vezes (IC 95 %: 2,46-3,55) que os homens (Tabela 2).
A Tabela 3 mostra as variáveis estudadas com relação à faixa etária. A prevalência de inatividade física foi menor nos idosos (65 anos e mais), sendo de 72,2 % ao considerar o Ipaq e 83,5 %, a OMS. Todos os indicadores de consumo alimentar foram melhores nos grupos de maior idade. Os adultos na faixa etária de 18 a 24 anos apresentaram pior hábito alimentar, dos quais 70,6 % tinham baixo consumo de frutas, 58,1 %, baixo consumo de verduras e saladas, e 61,1 % consumiam carne ou frango com gordura. Já a prevalência do consumo regular de refrigerante ou suco artificial na mesma faixa etária foi 53,2 %, e entre os idosos foi de 25,8 % (RPidosos = 0,42; IC 95 %: 0,28-0,62) (Tabela 3).
RPa: razão de prevalência ajustada por faixa etária e escolaridade. IC: intervalo de confiança. 'Categoria de referência na regressão de Poisson; **Valor p: teste X2 de Pearson.
Fonte: Sesi, 2016.
A proporção de ex-tabagistas, tabagistas atuais, tabagistas pesados no trabalho foi maior nas faixas etárias mais elevadas. Entretanto, após ajustes, para a faixa etária de 65 anos e mais, não foi observada diferença significativa com relação à faixa etária de 18 a 24 anos (RPidosos = 0,83; IC 95 %: 0,43-1,60). Quanto ao tabagismo passivo no trabalho, somente trabalhadores na faixa etária de 25 a 34 anos apresentaram prevalência menor que na faixa etária de 18 a 24 anos (RPde 25 a 34 anos = 0,89; IC 95 %: 0,82-0,97), os trabalhadores das demais faixas etárias não apresentaram diferença estatisticamente significativa. O consumo abusivo de álcool foi mais prevalente entre adultos com idade entre 25 e 34 anos (31,6 %) (Tabela 3).
O sobrepeso foi elevado em todas as faixas etárias, tendendo a aumentar com o aumento da idade. Enquanto a obesidade foi mais prevalente nas faixas etárias entre 35 e 64 anos. A prevalência de diabetes foi maior entre os trabalhadores nas faixas etárias mais elevadas, atingindo 16,5 % nos indivíduos com 65 anos e mais (RPidosos = 26,50; IC 95 %: 14,56-48,24). A proporção de indivíduos com autoavaliação negativa da saúde foi maior nas faixas etárias entre 45 e 54 anos de idade (RPde 45 a 54 = 1,42; IC 95 %: 1,03-1,97) (Tabela 3).
A prevalência da prática insuficiente de atividade física foi maior entre os menos escolarizados, sendo 68,1 %, segundo a classificação do Ipaq e 80,7 %, segundo a OMS, entre os indivíduos com 0 a 8 anos de estudo, conforme apresentado na Tabela 4. Os indivíduos com 12 ou mais anos de escolaridade apresentaram prevalências de 64,6 % e 70,3 % nos dois indicadores. O baixo consumo de frutas foi observado em 75,4 % dos indivíduos com baixa escolaridade, 65,5 % dos trabalhadores com nível de escolaridade de 9 a 11 anos e 58,2 % na faixa de 12 ou mais anos de estudo. A prevalência de baixo consumo de verduras ou saladas foi 60,2 % entre os indivíduos com 0 a 8 anos de estudo e 43,8 % nos indivíduos com 12 e mais (Tabela 4).
RPa: razão de prevalência ajustada per faixa etária e escolaridade. IC 95 %: intervalo de 95 % de confiança. 'Categoria de referência na regressão de Poisson; **Valor p: teste X2 de Pearson.
Fonte: Sesi, 2016.
Todos os indicadores de tabagismo apresentaram baixas prevalências entre os mais escolarizados. Os indivíduos com maior escolaridade apresentaram RP de tabagismo pesado de 0,16 (IC 5 %: 0,08-0,34) em relação a não fumar. Destaca-se, ainda, a elevada prevalência de tabagismo atual e tabagismo passivo no trabalho entre indivíduos com escolaridade baixa. Já o consumo abusivo de álcool foi elevado nos indivíduos mais escolarizados, sendo 34,8 % entre os indivíduos com 12 ou mais (RP12 anos e mais =1,26; IC 95 %: 1,19-1,34) (Tabela 4).
O sobrepeso e a obesidade foram mais prevalentes entre os adultos com escolaridade baixa, sendo respectivamente 60,5 % e 20,5 %. A proporção de doenças e agravos foi menor entre os mais escolarizados, exceto o colesterol elevado que obteve alta prevalência entre os indivíduos com 12 ou mais (RP12 anos e mais = 2,24; IC 95 %: 2,03-2,47). A autoavaliação negativa da saúde foi mais prevalente nos indivíduos com escolaridade baixa (2 %) (Tabela 4).
Discussão
Diferentemente dos inquéritos populacionais de saúde realizados no Brasil, a maior população deste estudo foi composta por homens 14,15, o que demonstra a existência das desigualdades relacionadas ao gênero em trabalhadores de indústrias. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, as mulheres apresentam mais dificuldades de participação no mercado de trabalho que os homens, devido ao tradicional papel de cuidar da casa e da família 16. Embora tenha ocorrido um crescimento significativo e constante da participação da mulher no mercado de trabalho, o setor industrial ainda se mostra dominado predominantemente por homens 17.
Em geral, apresentaram maiores prevalências dos fatores de risco para Dant os homens e os indivíduos de menor escolaridade, situação já verificada em estudos realizados na população brasileira 14,18. Em contrapartida, as mulheres referiram mais frequentemente diagnóstico médico de hipertensão arterial e colesterol elevado, e percepção negativa do estado de saúde, o que também está de acordo com a literatura 1.
A prática regular de atividade física contribui para reduzir a prevalência de Dant e melhoria da qualidade de vida. Entretanto, os níveis de inatividade física foram elevados, principalmente entre as mulheres. Estudo realizado com a população de trabalhadores do Rio Grande do Sul, Brasil, mostrou que as barreiras mais frequentes à prática de atividade física foram cansaço 15,1 %, seguido de excesso de trabalho 12,7 % e obrigações familiares 9,2 % 19. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2013, com a população geral apontou prevalência de 46 %, sendo 51,5 % entre as mulheres 15.
Em 2016, a frequência de adultos insuficientemente ativos na população geral, foi de 45,1 %, sendo 54,5 % em mulheres e 34,1 % em homens 14. Portanto, constata-se que a prevalência de prática insuficiente de atividade física entre os trabalhadores da indústria é mais alta se comparados à população em geral. Percebe-se, neste estudo, que a prática insuficiente de atividade física é superior nos indivíduos mais idosos e nos que possuem baixa escolaridade, assim como encontrado na população geral 14.
A alimentação saudável é um determinante de saúde que proporciona proteção contra várias doenças e agravos 15. Entretanto, a alimentação inadequada foi prevalente entre os trabalhadores da indústria, sendo o baixo consumo de frutas o indicador observado em maior proporção dos trabalhadores. No estudo do Vigitel, 64,8 % 14 da população das capitais brasileiras apresentou consumo menor que cinco porções ou 400g diárias de frutas e verduras e, na PNS, a proporção foi 62,7 % 20.
Neste estudo, quase metade dos entrevistados referiu consumo regular de refrigerante ou suco artificial. Na população geral, esse consumo foi menor, sendo 23,4 % na PNS 21 e 16,4 % no Vigitel 14. É possível que o elevado consumo de refrigerante e suco artificial entre os trabalhadores seja devido a que a maior parte das refeições são feitas fora do domicílio. Indicadores de alimentação inadequada entre trabalhadores da indústria foram mais frequentes entre homens, indivíduos mais jovens e com menor escolaridade, semelhante ao encontrado em estudos com a população geral 18,21.
O hábito de fumar vem reduzindo gradativamente ao longo dos anos conforme mostra estudo com a população geral 22. Contudo, a redução na prevalência do uso de tabaco continua a ser um desafio global 23. A PNS obteve uma prevalência de tabagistas atual de 15 % 24. Já no Vigitel 2016, a frequência foi 10,2 % 14, resultado semelhante ao encontrado neste estudo. A frequência de tabagismo passivo no ambiente de trabalho foi o dobro da frequência encontrada no Vigitel, no entanto, na PNS, a frequência encontrada foi 13,5 % 24, resultado similar ao encontrado neste estudo. Com a implantação da legislação e a proibição do tabagismo em ambientes coletivos fechados, bem como a intensificação da fiscalização (25), esperava-se menor prevalência desse indicador. Cabe ressaltar que pessoas expostas à fumaça do cigarro estão sujeitas às mesmas consequências que um fumante 24.
O consumo abusivo de álcool entre os trabalhadores da indústria foi superior ao encontrado em pesquisas com a população geral 26, fato este que pode ter relação com a pressão por produtividade, a insegurança no trabalho e o estresse, entre outros. Tal observação constitui um grave problema de saúde, pois, além de contribuir para o desenvolvimento de Dant, também pode ser causa de lesões intencionais e não intencionais 26, incluindo os acidentes de trabalho e violências. O consumo foi maior entre os homens, as pessoas jovens e mais escolarizadas, o que é semelhante com a literatura 14,26. Segundo o estudo Vigitel, na população geral, a prevalência total foi 19,1 %, e a frequência duas vezes maior nos homens (27,3 %) se comparados as mulheres (12,1 %) 14. Destaca-se que, em ambos os sexos, a frequência tendeu a reduzir a partir dos 35 anos de idade e a aumentar com a escolaridade 14. Na PNS, a frequência total foi 13,7 %, sendo que nos homens foi 3,3 vezes maior do que entre as mulheres (6,6 %); maiores prevalências foram encontradas em adultos jovens escolarizados 26. Espera-se que o uso de álcool continue a ser um dos principais fatores de risco para o aumento de doenças crónicas não transmissíveis e, possivelmente, seus prejuízos poderão ser ainda maiores em relação aos demais fatores de risco 27.
O sobrepeso e a obesidade juntos são considerados o quinto fator de risco mais importante para a carga de doenças no Brasil 28. Em 2015, o IMC elevado contribuiu para 4 milhões de óbitos globais e com 120 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (Dalys, na sigla em inglês) 29. No presente estudo, a prevalência entre os trabalhadores foi elevada, sendo o sobrepeso maior em homens e a obesidade maior para mulheres, assim como nos resultados encontrados em estudo com dados do Vigitel 15. Em estudo realizado em uma indústria do estado de Santa Catarina, Brasil, o excesso de peso entre os trabalhadores avaliados foi 53 %, sendo que destes 10,1 % apresentavam obesidade. A frequência de sobrepeso foi mais elevada entre os homens (55,6 %) 30, semelhante ao encontrado no presente trabalho. Sobrepeso e obesidade apresentaram maior prevalência nas faixas etárias mais avançadas, com exceção dos idosos, e nos menos escolarizados, assim como o encontrado em estudo com dados do Vigitel 15. Em estudo com industriários, encontrou-se maior prevalência de excesso de peso em trabalhadores com idade superior a 41 anos e nível de escolaridade elevado 30.
No que tange às doenças e aos agravos estudados, a hipertensão foi a mais prevalente entre os trabalhadores. Entretanto, a prevalência de hipertensão encontrada foi menos da metade do observado na população geral, que foi de 25,7 % nas capitais brasileiras 15. Em estudo realizado em uma indústria de São Paulo, 6 % da população referiu diagnóstico de hipertensão, resultado ainda menor do que o encontrado neste estudo 31. Ressalta-se que a hipertensão é considerada uma epidemia global, responsável pela maioria dos óbitos por Dant no mundo 32, assim é de extrema importância atuar na promoção da saúde e na prevenção dessa doença.
O diabetes é um problema de saúde crescente. Em 2019, as estimativas mostram que cerca de 460 milhões de pessoas viviam com diabetes, o que representava 9,3 % da população adulta global e espera-se que esse número aumente para 578 milhões (10,2 %) em 2030 33. O diabetes está associado a várias morbidades com potencial de complicações graves, como incapacidades e danos socioeconómicos 4. Conforme estudo realizado com dados da PNS a prevalência de diabetes foi 6,2 % 20 e no Vigitel 8,9 % 15. No presente estudo, a prevalência de diabetes foi mais baixa, corroborando estudo realizado em trabalhadores do estado de Pernambuco, no qual a prevalência de diabetes foi 2,5 % em ambos os sexos 34. Tal observação pode ser devido às diferenças na composição da amostra, uma vez que, entre trabalhadores da indústria, a proporção de homens e jovens é superior se comparadas à população geral.
As prevalências de hipertensão e diabetes foram maiores entre as mulheres, os mais idosos e os indivíduos com menor nível de escolaridade, em concordância com estudos prévios 14,18,34. A menor prevalência de hipertensão e demais morbidades analisadas podem estar subestimadas nos homens, o que pode ser consequência da procura menor destes pelos serviços de saúde 35. A prevalência de colesterol elevado na população da indústria foi semelhante à obtida na PNS que foi 12,5 % 14. Assim como na literatura, neste estudo, as mulheres e os indivíduos mais velhos apresentaram maior frequência de colesterol elevado 22,15. Porém, com relação à escolaridade, os resultados de outros trabalhos se diferem, pois, a prevalência foi maior em trabalhadores com nível de escolaridade elevado 22,15.
A autoavaliação da saúde é entendida como a percepção que os indivíduos têm com relação à sua própria saúde 14, e ela envolve elementos físicos, emocionais, aspectos do bem-estar e de satisfação com a vida 14. No presente estudo, a autoavaliação negativa da saúde foi baixa, sendo o valor encontrado menor do que o obtido pelo estudo do Vigitel (4,4 %) 14 e pela PNS (5,9 %) 14. Uma possível explicação para essa diferença seria o fato de os indivíduos terem vínculo formal de trabalho e serem economicamente ativos, o que poderia influenciar na sensação de bem-estar e satisfação com a vida, e pela maior proporção de trabalhadores serem do sexo masculino, que, em geral, avaliam melhor sua saúde que as mulheres 18.
As prevalências dos comportamentos de risco estudados foram, em geral, maiores na população de industriários que na população total brasileira. Por sua vez, destaca-se que as prevalências de diabetes e hipertensão foram menores no grupo estudado com relação à população geral, que pode ser devido à composição etária da população de industriários. Outro possível motivo para essas prevalências mais baixas é o viés do trabalhador saudável, que consiste na seleção de indivíduos mais saudáveis para trabalhar nas empresas. Observa-se que a prevalência de doenças e agravos nessa população é menor se compararmos aos estudos com a população geral.
Uma das limitações deste estudo decorre da utilização de informações referidas pelo trabalhador e a realização da coleta de dados no local de trabalho, onde pode ter havido omissão de resposta por receio de avaliação e julgamentos com repercussões negativas no emprego, e por isso as frequências podem estar sub ou superestimadas. Destaca-se que, quanto ao questionário alimentar, não foi possível reconstruir os indicadores com base na literatura, contudo a classificação utilizada é mais conservadora, o que indica que a alimentação dos trabalhadores está muito distante do ideal. Não foram feitas comparações com resultados de estudos internacionais, uma vez que a intenção era de comparar a população de trabalhadores brasileiros que atuam na indústria, com a população geral desse mesmo país.
Este estudo traz informações importantes que poderão contribuir para os avanços nas ações de promoção de saúde e para a prevenção de agravos voltadas para essa população. Os achados oferecem subsídios capazes de propiciar maior efetividade para a prática de enfermagem voltada para a saúde coletiva, de forma geral, bem como para a saúde do trabalhador de forma mais específica.
Conclusões
Os resultados mostram alta prevalência de fatores de risco para a ocorrência das Dant entre os trabalhadores da indústria. Entre os quais se destacam a insuficiência na realização de atividade física, a alimentação inadequada, o sobrepeso e o uso abusivo de álcool. Entretanto, a prevalência de doenças foi menor do que a encontrada na população em geral por estudos prévios.