Introdução
A síndrome respiratória aguda grave (SRAC) foi descrita pela primeira vez em 1967, por Ashbaugh 1. É caracterizada como uma síndrome aguda manifestada por dispneia, taquipneia, hipoxemia refratária à oxigenoterapia, diminuição da expansão pulmonar e evidência de infiltração alveolar difusa 2,3. Ao longo dos anos, houve melhor compreensão de sua etiologia, a qual inclui tanto fatores intrínsecos ao pulmão (infecções, traumas torácicos, ventilação mecânica com altas pressões ou volumes correntes) quanto extrínsecos a esse órgão (choque, sepse, lesão cerebral aguda, transfusões, pancreatite aguda, embolia gordurosa) 3,4.
Clinicamente, manifesta-se por hipoxemia grave e refratária às altas frações inspiradas de oxigênio (FIO2), presença de infiltrados pulmonares bilaterais na radiografia de tórax e redução da complacência pulmonar, mas que apresenta resposta positiva ao uso de pressão expiratória final positiva (PEEP) 3. A hipoxemia leva ao aumento da resistência vascular pulmonar, ao desenvolvimento da hipertensão pulmonar e à hipertrofia do ventrículo direito, culminando em necessidade de suporte ventilatório mecânico 5.
O quadro clínico da SRAC pode ser causado por infecções virais, como o coronavírus (Sars-CoV-2), que exige atenção contínua e cuidados intensivos 6,7. Com a rápida evolução da pandemia da covid-19, houve aumento de pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva com necessidade de posicionamento prona como estratégia terapêutica durante a ventilação mecânica 8-11.
Em pacientes com SRAC, há melhora significativa na oxigenação quando colocados na posição prona em relação à posição supina 12,13. Isso ocorre devido à mudança na pressão transpulmonar, que permite distribuição mais homogênea do ar no pulmão, o que contribui para que haja melhor troca gasosa 14,15. Com melhor função pulmonar, menor suporte ventilatório é necessário para que o paciente obtenha níveis adequados de oxigênio 16. Além disso, essa posição previne lesões pulmonares induzidas pelo ventilador mecânico 15,17; ademais a literatura demonstra que a sobrevivência é significativamente maior entre os pacientes que são submetidos à posição prona em relação à supina 18-20.
Apesar dos benefícios, ao serem colocados em prona 15, os pacientes estão sujeitos a várias complicações, como extubação acidental, perda de acesso venoso, lesões por pressão, lesões neuromusculares, edema facial e periorbital 21,22. Por isso, o procedimento requer preparo específico da equipe, para reduzir a incidência de eventos adversos relacionados à posição 23.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi explorar, na literatura científica, práticas atuais de cuidado de enfermagem ou intervenções para pacientes com SRAC submetidos à posição prona.
Métodos
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Esse tipo de revisão contribui para o avanço do conhecimento e para a implementação de intervenções na prática clínica, pois permite agrupar, revisar e sintetizar resultados sobre um determinado tópico, de forma sistemática e ordenada, possibilitando o aprofundamento do conhecimento - o que contribui para a qualificação da prática clínica relacionada ao assunto revisado 24. O desenvolvimento da revisão foi conduzido em seis etapas: 1) definição da questão de pesquisa, 2) amostragem ou busca na literatura, 3) extração dos dados, 4) avaliação das produções, 5) interpretação dos resultados e 6) síntese do conhecimento ou apresentação da revisão 24.
Para a elaboração da questão orientadora, utilizou-se da estratégia PICO, em que P é população: "pacientes com SRAC", I é interesse: "cuidados de enfermagem" e co é contexto: "posição prona" 25. Assim, a questão deste estudo foi: "Quais são os cuidados de enfermagem para pacientes com SRAC submetidos à posição prona?".
Foram incluídos estudos de fonte primária e guidelines, disponíveis na íntegra, com acesso gratuito, publicados em inglês, português ou espanhol. Para a busca, foram utilizados os seguintes descritores e palavras-chave: nursing OR nursing care AND respiratory distress syndrome AND prone position OR prone positioning OR prone; nas seguintes bases de dados: US National Library of Medicine (PubMed), Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL), Scopus Info Site (Scopus), Web of Science e Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) - sem recorte temporal. Foram excluídos editoriais, artigos duplicados nas bases de dados e revisões de literatura. Os resultados foram exportados, nas diferentes extensões de arquivos digitais disponíveis em cada base, para o Rayyan®, um aplicativo/website online gratuito 26.
As buscas nas bases de dados foram realizadas em momentos diferentes. A primeira ocorreu no mês de setembro de 2020. Naquele momento, o número de artigos importados para o Rayyan® totalizou 1.052. Destes, 41 registros foram excluídos por estarem duplicados nas bases de dados, resultando no total de 1.011 artigos pré-selecionados para a revisão (Figura 1). Um membro da equipe designou a função de avaliação às cegas para duas autoras, por meio do recurso "Blind on", disponível no Rayyan®, para a avaliação do título e do resumo dos 1.011 artigos pré-selecionados. Realizadas as avaliações quanto à inclusão ou à exclusão dos artigos na revisão, foi possível identificar divergência em 22,1 % das decisões. Os conflitos foram solucionados com a descontinuidade do cegamento inicial e com a reavaliação conjunta dos 33 artigos para o consenso final sobre a inclusão/exclusão dos trabalhos revisitados. Os avaliadores consideraram que 822 dos artigos não respondiam à questão orientadora do estudo e que outros 76 artigos não correspondiam aos idiomas pré-selecionados, totalizando a exclusão de 989 artigos e a inclusão de 22 artigos. Após a leitura na íntegra por dois avaliadores independentes, foram excluídos dez artigos. As discordâncias restantes foram resolvidas por meio da análise de um terceiro avaliador. A amostra final, relativa à busca do ano de 2020, incluiu 13 artigos (Figura 1).
Após 1 ano e 4 meses da primeira análise e da caracterização dos artigos, a atualização dos dados foi necessária. Com isso, realizou-se uma nova busca, em janeiro de 2022, com as mesmas estratégias utilizadas anteriormente. Nessa procura, 288 artigos foram identificados e importados para o Rayyan®, sendo 34 excluídos por estarem duplicados. Após a leitura dos títulos e dos resumos, os avaliadores consideraram que 246 artigos não respondiam à questão orientadora do estudo e que outros cinco não correspondiam aos idiomas pré-selecionados, totalizando a exclusão de 251 artigos e a inclusão de três artigos. Após ler os três artigos em sua totalidade, os avaliadores consideraram que um artigo não abordava cuidados de enfermagem e, por isso, foi excluído. Dessa forma, a amostra final da busca do ano de 2022 incluiu dois artigos. Portanto, a amostra total de artigos selecionados foi de 15, considerando a somatória dos artigos selecionados em 2020 e 2022 (Figura 1).
As informações extraídas, a análise e a posterior síntese foram baseadas na versão adaptada do instrumento de Ursi 24, como a seguir: título do artigo, autores, ano de publicação, resultados (cuidados de enfermagem para o paciente na posição prona), nível de evidência e conclusão.
Para a classificação do nível de evidência, seguiu-se a classificação: 1A - revisão sistemática de ensaios clínicos controlados randomizados; 1B - ensaio clínico controlado randomizado com intervalo de confiança estreito; 1 C - resultados terapêuticos do tipo "tudo ou nada"; 2A - revisão sistemática de estudos de coorte; 2B - estudo de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade); 2C - observação de resultados terapêuticos e estudo ecológico; 3A - revisão sistemática de estudos caso-controle; 3 B - estudo caso-controle; 4 - relato de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade); e 5 - opinião de especialistas 27.
Resultados
Considerando os 15 artigos selecionados 28-42 (Quadro 1), os anos 2001, 2002 e 2021 foram aqueles com maior número de publicações, com dois trabalhos em cada um. O artigo mais antigo sobre a temática data de 1999 28, enquanto os mais recentes são de 2021 41,42. Quanto ao idioma, 14 artigos foram publicados em inglês e um artigo em inglês e em espanhol 30. Com relação ao nível de evidência, foi observado que 86,8 % dos estudos apresentaram nível de evidência 5, 6,6 %, nível 2B e 6,6 %, nível 3B (Quadro 1).
Os cuidados de enfermagem foram elencados na seguinte ordem e são descritos em detalhes adiante: alinhamento do corpo para a prevenção de lesões neuromusculares, com destaque para membros superiores, quadril/pelve e membros inferiores; cuidados com equipamentos diversos; cuidados tegumentares; recomendações neurológicas.
Alinhamento do corpo para a prevenção de lesões neuromusculares
Alinhar o corpo corretamente durante a posição prona alivia as tensões nos músculos e previne lesões neuromusculares e contraturas 28,31,32. A cabeça deve ser lateralizada e elevada com apoio em "C" voltado para a face interna do rosto, o que facilita a higiene da cavidade oral, permite fácil acesso ao tubo orotraqueal (TOT), minimiza o edema periorbital e facial, alivia a pressão e previne lesões por dispositivos e por pressão na região 30,33,34. Em alguns pacientes, a lateralização da cabeça pode ser difícil. Nessa situação, é necessária a utilização de almofadas que suspendam a cabeça fora da cama 35. Em ambos os casos, a cabeça deve ser alinhada com a coluna vertebral 34.
Com relação aos membros superiores, um deles deve ser fletido em rotação externa. Cotovelo e ombro são flexionados em um ângulo de aproximadamente 90°, com a mão apoiada em um travesseiro para estender o punho e permitir a flexão dos dedos e, então, a cabeça deverá ser fletida para esse lado 30,32,34. O membro oposto deve ser mantido ao longo do corpo, em rotação externa, com a palma da mão para cima, cotovelo e ombro fletidos (de 20° a 30°). Esses cuidados diminuem o estresse em ambos os plexos braquiais 30,34. Contudo, é importante que a troca da posição dos membros superiores com a cabeça seja realizada em períodos de duas a quatro horas 29,33,34,36,37,41.
Outro ponto importante relacionado ao alinhamento diz respeito à elevação da escápula (ombro e pelve) com travesseiros ou coxins. O tórax elevado reduz o peso do corpo sobre as mamas 30. Portanto, um travesseiro deve ser posicionado na parte superior do tórax 29,30,32,34, o que permite que os ombros caiam um pouco para frente, diminuindo o risco de sobredistensão da região anterior da cápsula do ombro e lesão do plexo braquial 32. A elevação da pelve/quadril ajuda a liberar o abdômen e o diafragma 31,32, o que melhora os movimentos respiratórios e protege a hiperextensão da coluna, com alívio das articulações do quadril 28,38. Porém, existe controvérsia: estudo 41 apontou que apoios na região torácica e pélvica não favorecem a oxigenação, mas levam ao aumento da pressão pleural, devido à diminuição da complacência torácica. Por sua vez, a manobra promove melhor tolerância à alimentação enteral, diminui o risco de translocação bacteriana no intestino e a chance de complicações hemodinâmicas por compressão da veia cava 32.
Para os membros inferiores, o apoio pré-tibial e em tornozelos contribui para o alinhamento em um ângulo de 90° com a perna, evitando a flexão plantar sustentada (pé equino) 30,41. Manter os pés elevados, com leve flexão dos joelhos (de 20° a 30°), libera tensões nas articulações e previne a lesão por pressão na região do dorso dos pés. Além disso, essa posição previne o excessivo alongamento dos tecidos moles ao redor das articulações dos tornozelos, evita o encurtamento do tendão de Aquiles e reduz a pressão exercida sobre a cabeça da fíbula - o que poderia lesar o nervo fibular comum 32.
De maneira geral, o alinhamento do corpo na prevenção de lesões neuromusculares está entre os cuidados que evitam sequelas. O enfermeiro deve estar atento quanto à frequência de mudança de posição, bem como avaliar se há necessidade de mudança antes do período previsto, a fim de prevenir sequelas neuromusculares.
Cuidados com equipamentos diversos
Antes da execução da manobra de colocar o paciente na posição prona, todos os equipamentos, os dispositivos e os drenos devem ser verificados quanto à sua fixação e ao seu funcionamento 30,35,37. Dispositivos e monitorizações não essenciais durante a manobra podem ser desconectados 28,30,32,34. Os dispositivos considerados imprescindíveis e que, portanto, permanecem contínuos durante o procedimento, necessitam ter comprimento seguro para que fiquem conectados ao paciente 30,35.
A oximetria de pulso deve permanecer in situ visível ou com alarme ativado o tempo todo para promover a monitorização efetiva durante a manobra e alertar os profissionais para uma possível deterioração da condição clínica 30,32,41.
É sugerido que, durante o posicionamento, seja realizada uma pausa breve com o paciente lateralizado apenas para avaliar sua resposta inicial à mobilização e, após esse pequeno intervalo, deve-se reposicionar os eletrodos do tórax para as costas, minimizando o tempo em que o paciente permanece sem monitorização 29.
O paciente deve ser mobilizado para o lado do ventilador mecânico ou do cateter venoso central, de tal maneira que, ao virar, a maior parte das extensões e dos equipos fiquem por cima do paciente 30. As linhas que estão localizadas na parte superior do tronco, junto com transdutores conectados às bombas, devem ser posicionadas na cabeceira da cama, enquanto as linhas femorais devem ser direcionadas para o pé da cama 34. Drenos e ostomias devem ser previamente esvaziados 34.
Quanto ao TOT, sua fixação deve ser trocada, mantendo-o em posição anatômica, ou seja, em linha média na comissura labial para não lesar a boca 30,34,35. O tamanho do tubo e sua posição, isto é, a altura em que a rima está localizada, devem ser registrados nas anotações de enfermagem 32. Antes do posicionamento, deve-se aspirar TOT e boca e, se possível e disponível, instalar sistema de aspiração fechado, a fim de prevenir recrutamento alveolar 30,34. Além disso, deve-se observar mudanças nas pressões do ventilador ou no volume corrente, causadas pela compressão do TOT 30,34 - o que pode ser evitado com o uso de suportes adequados 34. Os profissionais de saúde precisam estar preparados para a aspiração traqueal assim que a posição prona for alcançada, pois a mudança de decúbito pode mobilizar secreções do paciente 35.
A bolsa coletora de urina deve ser colocada fechada entre as pernas do paciente para a execução da manobra 30. Após o procedimento, deve-se posicioná-la na lateral da cama com sua extensão localizada embaixo da perna, mantendo o cateter urinário entre as pernas 29.
A nutrição enteral deve ser suspensa antes do procedimento 29,30,32,35,39 e a permeabilidade do cateter nasoenteral verificada 30. De acordo com a literatura, é necessário que a dieta seja pausada uma hora antes do procedimento e/ou que o conteúdo gástrico seja drenado 29,30,39. Além disso, o profissional de saúde deve confirmar que não haja conteúdo estomacal antes da realização da manobra 30,35. Para reduzir as chances de aspiração, o cateter nasoentereal deve estar localizado no duodeno e a cama posicionada em Trendelemburg reverso, entre 30° e 45° 30,32,34,35,39. A alimentação poderá retornar uma hora após o procedimento, na mesma velocidade de infusão prévia à mudança de decúbito 29; contudo, o suporte calórico também pode ser ofertado por via parenteral, o que elimina as chances de broncoaspiração 39.
Com isso, é recomendado que os profissionais de saúde estejam atentos ao exame físico e à presença de sinais clínicos que impeçam o retorno da dieta, a fim de propiciar segurança ao paciente, bem como atentos aos sinais de desnutrição hospitalar, visto a quantidade de tempo que o paciente poderá permanecer sem o adequado suporte calórico.
Cuidados tegumentares
No que se refere aos olhos, estes devem ser limpos e ocluídos, a fim de evitar ressecamento e lesões na córnea 29,30,32,34,39,41,42. O cuidado com esse órgão, além da limpeza de secreções, envolve a lubrificação com lágrimas artificiais e o uso de pomada epitelizante apropriada 28,30,38,39,41. Esses procedimentos podem ser realizados em conjunto com a mudança da posição da cabeça a cada duas a quatro horas, o que permite acesso e avaliação de ambos os olhos 30,33,36,37. A cabeça deve ser posicionada de uma forma que as secreções da boca, do nariz e do tubo sejam drenadas para longe do olho, para a prevenção de infecção oftálmica 34. Assim, o travesseiro deve ser trocado sempre que umedecido com a secreção da orofaringe 28 ou pode ser utilizado um acolchoamento absorvente sob a boca e o nariz 30,32,34. Além disso, a equipe de enfermagem deve assegurar que almofadas, coxins e/ou travesseiros não estejam causando pressão direta nos olhos 32,35,39.
Com relação aos cuidados com a pele, deve-se realizar avaliação céfalo-caudal e documentação das condições tissulares antes da mudança de posição, devido ao risco de ruptura da pele na posição prona por longo período 32,36,40-42. Para mitigar esse risco, medidas preventivas devem ser executadas e registradas 39. Essas ações incluem precauções gerais e específicas para cada região do corpo 39,41.
Como cuidados gerais, os autores recomendam que as mudanças de posição dos braços e cabeça devam ser feitas a cada duas a quatro horas 29,30,32,34,37,41 e, a cada reposicionamento, deve-se avaliar e registrar alterações da condição da pele 35,39. Além de mudanças de posição, a utilização de dispositivos (colchões de ar, travesseiros, almofadas, coxins) e coberturas profiláticas, como hidrocoloides extrafinos ou espuma de silicone, podem ser úteis para aliviar os pontos de pressão e diminuir forças de fricção e cisalhamento 29,32,39,41,42.
No que concerne aos cuidados a áreas específicas do corpo, a cabeça deve ser posicionada lateralmente, de modo que se evite pressão no nariz, na região frontal e no mento 34,35. Nessa área, deve-se manter uma proteção absorvente embaixo da boca 28,30,32,34, com as secreções orais aspiradas sempre que necessário 29,31.
Para a prevenção de lesões no tórax, os eletrodos devem ser transferidos para as costas do paciente e os adesivos da superfície ventral retirados; ostomias, drenos ou curativos posicionados na parte anterior do corpo devem ser esvaziados e trocados previamente à manobra para reduzir o risco de ruptura da pele por excesso de secreções no local 29,32,34,39,41.
A região das mamas e as genitálias são particularmente sensíveis à pressão, por isso devem ser protegidas e ter a pressão local aliviada 30,34,42. No que tange aos membros inferiores, sugere-se a utilização de coberturas profiláticas de espuma ou hidrocoloide extrafino em pontos de pressão, em especial a patela e área pré-tibial. Além disso, as pernas também podem ser elevadas para evitar pressão nos artelhos 29,30,33,39,41.
No que diz respeito aos cuidados tegumentares, as recomendações para prevenir danos são presentes em todos os estudos selecionados, como também estão apoiadas nas diretrizes internacionais - o que contribui para subsidiar com segurança os protocolos na prática clínica.
Recomendações neurológicas
Durante a execução da manobra, quantidade maior de sedação pode ser necessária para garantir mais conforto e segurança durante o procedimento, tanto para a equipe de saúde quanto para o paciente 30,34,39,40. O uso de bloqueadores neuromusculares não é mandatório, mas é considerado em casos de assincronia com o ventilador mecânico 32,39. A avaliação da dor é realizada previamente, de modo que a necessidade de realização de analgésico em bolus pode ser ponderada 39. A administração desses medicamentos e os aumentos em sua velocidade de infusão devem ser avaliados em conjunto com a equipe médica, previamente à mudança para a posição prona 30. É importante também que o enfermeiro faça o exame neurológico do paciente, incluindo a avaliação pupilar, antes do posicionamento, e registre o observado no prontuário 34.
O enfermeiro deve monitorar qualquer alteração no padrão ventilatório e, se necessário, intervir junto a equipe médica, além de estar atento às alterações pupilares e à presença de agitação motora.
Discussão
A SRAC está associada à alta taxa de mortalidade e a posição prona pode diminuí-la 43,44, mas, apesar de benéfica para o paciente, a manobra apresenta riscos inerentes, como complicações relacionadas às vias aéreas, lesões por pressão, lesão em nervos periféricos, contraturas e fraqueza muscular 45. O profissional de enfermagem, por desempenhar papel central nos cuidados prestados, deve buscar modalidades de assistência que beneficiem o paciente, ao mesmo tempo que mitiguem as chances de danos 40.
Entre os danos, destacam-se as lesões musculares e as contraturas. Para preveni-las, a mobilização frequente e o correto posicionamento do paciente são necessários. No entanto, não existe evidência na literatura que apoie a frequência com que os membros do paciente devam ser movidos ou sobre a frequência da realização de movimentos passivos 33. Sabe-se que a falta de movimentos provoca rigidez e encurtamento muscular, prejudicando a sua função 33. Por sua vez, o estiramento excessivo dos tecidos moles também pode levar a danos do tecido conjuntivo 32. Por isso, é importante manter a mobilidade dentro de uma amplitude normal e em posturas naturais de repouso 33, sendo elaborado e respeitado o plano de cuidados individual, visto que o nível de atividade do paciente, sua capacidade de reposicionamento e a tolerância tecidual devem ser levados em consideração 46. Em pacientes instáveis, que não toleram a mudança de decúbito, reposicionamentos mais frequentes devem ser considerados apenas para o alívio de pontos de pressão 46.
Além disso, é indispensável destacar a importância dos coxins/travesseiros nos ombros, no abdômen, no quadril e nos membros inferiores, a fim de aliviar as áreas de pressão 30,32,34,42. A orientação de que os ombros devem estar ligeiramente para frente tem o objetivo não somente de evitar a distensão da cápsula anterior da articulação do ombro, permitindo movimentação dos braços, como também evitar lesões nos plexos braquiais 32. Com relação ao levantamento do abdômen com coxins/travesseiros, clínicos e pesquisadores ainda têm dúvidas se essa elevação realmente contribui para os benefícios atribuídos ao deslocamento diafragmático. Alguns hospitais elevam o abdômen apenas se o paciente está quimicamente paralisado, pois bloqueadores neuromusculares diminuem a capacidade diafragmática 34.
Além de lesões musculares, a posição prona está associada ao aumento da pressão intra-abdominal, o que poderia aumentar o risco de refluxo gastroesofágico, intolerância à alimentação enteral, vômitos e pneumonia associada à ventilação mecânica (43 %). No entanto, Bruni et al.47 investigaram questões relacionadas à enfermagem e à nutrição enteral, por meio de revisão sistemática, a qual incluiu seis estudos, e observaram que não há diferença do volume residual gástrico entre as posições supina e prona 47. Apenas um estudo demonstrou risco aumentado para a intolerância à dieta enteral e para vômitos, tendo havido necessidade de sua interrupção 47.
As intervenções devem ser implementadas de acordo com os protocolos institucionais, por exemplo, uso de agentes procinéticos, posição do cateter nasoenteral pós-pilórico, cabeceira elevada a 30° e administração contínua ao longo de 24 horas, o que pode aumentar a tolerância da nutrição enteral à posição prona 48,49, diminuindo os riscos de broncoaspiração e a necessidade de pausas na administração da dieta, já que uma nutrição adequada está associada à mortalidade e ao tempo de internação menores em pacientes críticos 50-52.
Apesar de aumentar a sobrevida em pacientes com SRAC grave 43, quando submetidos a essa posição, há maior probabilidade de desenvolvimento de lesão por pressão, se comparado à supina 53. Por esse motivo, a vigilância deve ser constante para sua prevenção, pois se trata de uma das complicações mais frequentes 54,55.
Com relação aos cuidados cutâneos, o National Pressure Advisory Panel (NPAP) não recomenda a utilização de dispositivos em formas de anéis ou donut para a prevenção de lesões por pressão 46. Para essa finalidade, é indicado o uso de colchão de ar, pois este pode reduzir as complicações na pele 34,41,46. Apesar de reduzir o risco de lesão, o uso desses colchões pode atenuar os efeitos da posição prona, visto que melhora a ventilação pulmonar dorsal, por diminuir a complacência da parede torácica ventral. Portanto, o uso dos colchões poderia, em teoria, interferir na mecânica ventilatória 35.
O NPAP reforça o uso de coberturas profiláticas em pontos de pressão, como face, tórax, joelhos, área pré-tibial, com atenção especial nas regiões das mamas e da genitália masculina 46. Lee et al.56, por meio de revisão sistemática, avaliaram o uso de coberturas profiláticas para a prevenção de lesão por pressão e observaram que seu uso diminui a incidência desse evento associado a dispositivos médicos. No entanto, não houve evidência clínica da cobertura mais eficaz entre hidrocoloide extrafino, espuma ou filme transparente. Ao serem utilizadas coberturas profiláticas, múltiplas camadas devem ser evitadas, pois aumentam a pressão local ao invés de diminuí-la 46.
Outro ponto importante é o cuidado com a fixação do TOT. Alguns dispositivos de fixação comercialmente disponíveis podem contribuir para a ruptura da pele em pacientes pronados. Logo, deve ser considerada a utilização de fixação convencional (fita ou cadarço) 46. Além disso, essa região apresenta bastante umidade e, para controlá-la, há indicação da utilização de protetores/selantes na pele do rosto e da aplicação de hidrofibra/alginato de cálcio 46.
Além dos cuidados com a pele do rosto, a equipe de enfermagem deve assegurar-se de que a língua esteja sempre dentro da cavidade oral do paciente, para a prevenção de lesões nessa região; caso necessário, pode ser utilizado um bloqueador de mordida, como a cânula de Guedel 39,46.
Quanto aos cuidados oculares, deve-se evitar pressão direta 32,35,39, pois a posição prona aumenta a pressão intraocular (PIO) 57. A PIO elevada pode provocar complicações relacionadas à diminuição da perfusão local. Portanto, caso haja pressão direta sobre o olho, devido ao posicionamento inadequado, os valores podem elevar-se ainda mais e, consequentemente, haverá maiores chances de complicações (57 %). Nesse caso, a posição em Trendelemburg reverso pode contribuir para a manutenção da PIO em valores normais 58.
A sedação profunda durante a posição prona pode ser necessária, a fim de proporcionar conforto ao paciente 59. Apesar de fundamental, o uso de sedativos gera efeitos nocivos ao paciente, como delirium, um preditor de mortalidade em terapia intensiva 60,61, e a síndrome pós-intensiva, definida por um conjunto de incapacidades cognitivas, físicas e psicossociais adquiridas após uma doença crítica e persistente após a alta da unidade de tratamento intensivo 62.
Em alguns casos, o uso apenas de sedação é insuficiente para inibir o drive respiratório. Por isso, bloqueadores neuromusculares são prescritos. Quando esses medicamentos estão sendo utilizados, é imprescindível a sedação adequada. Caso contrário, o paciente pode apresentar paralisia muscular com consciência preservada, provocando trauma psicológico 59. Por esse motivo, a qualidade e a profundidade da sedação devem ser avaliadas, por meio de escalas específicas, proporcionando ao paciente a sedação adequada 63 e, consequentemente, o conforto e a segurança necessários à posição 59.
Limitações do estudo
Cabe pontuar, como limitações, a análise de estudos apenas em português, inglês e espanhol, o que impossibilitou conhecer as práticas profissionais de países com experiência no enfrentamento da covid-19 e na posição prona. Outra limitação foi a classificação obtida com relação ao nível de evidência, que, devido às características dos artigos incluídos nesta revisão, impossibilitou a realização de uma revisão sistemática com metanálise.
Implicações para a prática clínica
O posicionamento do paciente em decúbito prona deve ser realizado por equipes experientes e capacitadas, já que a saída de dispositivos e a extubação endotraqueal acidentais são possíveis. Uma vez nessa posição, complicações como lesões neuromusculares podem ser evitadas com o adequado alinhamento corporal. Por isso, o profissional de enfermagem deve estar capacitado para orientar sua equipe acerca dos cuidados para a prevenção de complicações neuromusculares, a fim de evitar sequelas, como a lesão do plexo braquial.
Com relação aos cuidados tegumentares, um plano de intervenções para a prevenção de lesões por pressão deve ser instituído, com o uso de colchões e coberturas profiláticas apropriadas em regiões corporais nas quais a incidência de lesão é frequente.
Para isso, protocolos institucionais específicos, relacionados aos cuidados de enfermagem para pacientes na posição prona, devem ser implementados. Ademais, é de extrema importância que a equipe de enfermagem receba educação contínua, a fim de potencializar os benefícios e minimizar os riscos e danos inerentes à posição.
Conclusões
As recomendações para a prática incluem cuidados voltados para a prevenção de danos, sejam lesões neuromusculares, lesão por pressão, sejam por dispositivos, cuidados relacionados a cateteres e/ou equipamentos e recomendações neurológicas. Essa revisão sugere que, para prestar essa assistência complexa, o profissional de enfermagem deva ter conhecimento sobre as implicações e as complicações em se manter um paciente na posição prona. Tal conhecimento permitirá tomadas de decisões na construção ou no seguimento de protocolos institucionais que contribuam para a prevenção de riscos e resultem em melhores desfechos para o paciente. Além disso, é imprescindível que os enfermeiros compartilhem seu conhecimento e sua prática profissional por meio de artigos, novos protocolos e reflexões acerca dos cuidados de enfermagem e a posição prona.