Introdução
As tendências da elevação de consumo se refletem sobre a produção, bem como influenciam as tendências atuais de alta de consumo de recursos (Santos, Alberto, Lima, e Charrua-Santos, 2018). Isso ocorre, principalmente, quando os níveis de consumo e as perdas na cadeia de produção exigem a requalificação e a reorganização das tarefas de projeto e produto em diversos setores industriais (Carvalho, Dourado, Fernandes, Bernardes e Magalhães, 2015; Ramos e Andrade, 2016). Tais preocupações são enfrentadas pelo setor de produção de cerveja, visto que as oportunidades demandam a constante busca por aperfeiçoamento dos requisitos nos projetos de produto. Ferreira, Pereira, Rezende e Vieira (2018) afirmam que a produção e o consumo de cervejas artesanais no Brasil são singularizados a consumidores mais exigentes em termos de qualidade sensorial, que visam a um produto diferenciado, sem se importar com o preço deste.
Oliveira (2011) afirma que o aumento na renda da população brasileira permite que o consumidor seja mais exigente e mais sofisticado ao comprar uma cerveja especial; com isso, tende a consumir produtos diferenciados e de maior qualidade. Barlow, Verhaal e Hoskins (2018) afirmam que as cervejas de massa são percebidas como sem sabor e sem "graça", enquanto as produzidas por cervejarias artesanais são verdadeiros exemplos de distinção e estilo de alta qualidade.
A indústria de cervejas artesanais é um dos segmentos em crescimento na indústria de bebidas (Aquilani, Laureti, Poponi e Secondi, 2015). Percebe-se que os consumidores participam ativamente na formação e no dinamismo dos mercados influenciando na escolha e na diversidade de produtos, influência que pode surgir intencionalmente ou não (Kjeldgaard, Askegaard, 0rnstedt e 0stergaard, 2017).
É indispensável, para empresas de qualquer ramo de atividade, dar prioridade e definição às estratégias que dizem respeito à satisfação das necessidades dos consumidores de uma maneira rentável (Sousa, 2012). O entendimento das principais necessidades e expectativas do cliente com relação ao consumo de cerveja especial é essencial, pois permitirá que as empresas produtoras desse produto consigam adequar seus processos (Mello, Silva e Dourado, 2017), com informações sobre os requisitos do projeto informacional para um produto conceitual em desenvolvimento.
A ausência de conhecimento sobre o consumo de cervejas especiais reafirma a necessidade de pensar e repensar a forma dos projetos de produto (Mello et al., 2017; Bassani, Milan, Lazzari e De Toni, 2018; Ferreira et al., 2019). Acredita-se que o uso de matrizes de desdobramento da função qualidade, ferramenta QFD em projetos de produto, possa aperfeiçoar o desenvolvimento de conceitos em uma nova cerveja artesanal.
A ferramenta QFD é aplicada para entender as necessidades do cliente e selecionar características adequadas. A experiência e a melhoria contínua fazem parte do gerenciamento do conhecimento (Moldovan, 2014). O lançamento eficaz de novos produtos e a melhoria da qualidade dos produtos existentes são duas questões de grande relevância para a capacidade competitiva das empresas, sendo o QFD um dos métodos mais bem aceitos para o processo de desenvolvimento de novos produtos, em decorrência de sua característica de estruturação e por acomodar um conjunto de técnicas dentro dele (Cheng e Melo Filho, 2010).
Diante do cenário desafiador que exige maior cuidado com erros de mercado e projetos inadequados, o presente trabalho tem como objetivo identificar e qualificar, com base na ferramenta QFD, os requisitos de produto para um projeto informacional de uma cerveja artesanal.
Além desta introdução, este trabalho apresenta uma seção de revisão de literatura que aborda conceitos relacionados às características das cervejas e o processo de desenvolvimento de produto, sobre a ferramenta QFD. A seguir, uma seção de resultados e discussão; finalmente, a seção de conclusões e as referências.
Revisão de literatura
Classificação e características das cervejas
Cervejarias artesanais ou "boutique" estão aumentando em número nos Estados Unidos da América e em outras partes do mundo desenvolvido. Muitas estão localizadas em áreas rurais e tornaram-se novas experiências de turismo rural, relacionado ao turismo do vinho e ao crescimento do turismo culinário (Murray e Kline, 2015). Micro e pequenos operadores de cervejarias artesanais percebem e operacionalizam inovações que desenvolvem novos estilos e novas receitas, e melhoram a sua qualidade (Duarte Alonso, Bressan e Sakellarios, 2017). De acordo com Oliveira e Drumond (2014), as cervejas, normalmente, são classificadas por diferentes características: tipo de fermentação, extrato primitivo, extrato final, cor e teor alcóolico.
As cervejas podem ser classificadas em dois tipos de acordo com o seu grau de fermentação: ale e lager, que se subdividem em diversos subtipos. Segundo Araújo, Silva e Minim (2003), as cervejas do tipo ale são fermentadas à temperatura entre 7 e 15 °c, e a duração da fermentação e da maturação é de 7 a 10 dias. As cervejas do tipo lager são fermentadas nas temperaturas de 18 a 22 ° c, e a duração da fermentação e da maturação é de 3 a 5 dias. Devido às baixas temperaturas usadas no processo, os sabores e aromas das cervejas lager são mais suaves e leves em comparação com as ales. Em comparação às cervejas similares de baixa fermentação, as do tipo ale adquirem aromas mais intensos, variados e saborosos.
Dentre as cervejas do tipo ale, também se encontram as cervejas de trigo (weiss, weizenbier ou weissbier), que se utilizam de malte de trigo em sua composição e geralmente não se filtram. Segundo Matos (2011), são pobres em lúpulos, para que sobressaiam as características do sabor e aroma do trigo. No Brasil, têm uma boa aceitação por serem de claras a dourada-escuras, de coloração convidativa, encorpada, levemente túrbida (pelo fato de nem sempre serem filtradas), refrescante e de espuma cremosa. Sua maturação é rápida e apresenta aromas frutados (geralmente de banana). Em regra, não envelhecem bem e perdem qualidade com mais rapidez (Beer Judge Certification Program - BJCP, 2015).
Segundo Oliveira e Drumond (2014), além do tipo de fermentação, as cervejas podem ser classificadas quanto ao extrato primitivo, à cor, ao teor alcoólico e ao extrato final.
Extrato primitivo. Refere-se à quantidade de extrato, ou seja, matéria-prima solubilizada, com relação ao volume do mosto. Pode ser: leve (>5% e <10,5%), comum (>10,5% e <12%), extra (>12,0% e <14%) e forte (> 14%).
Cor. Baseia-se no padrão estabelecido pela European Brewery Convention (EBC), órgão técnico-científico que congrega os cervejeiros da Europa e que utiliza a unidade EBC como medida. Pode ser: clara (menos de 20 unidades EBC), escura (20 ou mais unidades EBC).
Teor alcoólico. Sem álcool (menos de 0,5% em volume de álcool) e alcoólica (igual ou maior que 0,5% em volume de álcool).
Extrato final. Refere-se à quantidade de matéria-prima não fermentável no processo de fabricação da cerveja ou, simplesmente, à proporção de malte de cevada em sua composição. Entende-se como uma "cerveja puro malte" aquela que possui 100% de malte de cevada em sua composição e considera-se apenas "cerveja" aquela que possui um valor superior ou igual a 50% de malte de cevada.
O Quadro 1 representa os atributos mais relevantes no processo de projeto do produto cerveja.
Aparência | Cor: presença de coloração amarelada, que varia do amarelo claro ao amarelo escuro. |
Turbidez: qualidade na transposição da luz na amostra em copo de vidro tipo tulipa transparente. | |
Uniformidade da espuma: uniformidade no tamanho das bolhas contidas na espuma. | |
Aroma | Álcool: nota de aroma característico do álcool. |
Malte: nota de aroma característico do malte de cevada.. | |
Lúpulo: nota de aroma característico de lúpulo cervejeiro | |
Fruta: nota de aroma característico de fruta. | |
Sabor | Álcool: nota de sabor característico do álcool. |
Malte: nota de sabor característico do malte de cevada. | |
Residual de cerveja: residual característico de produto cervejeiro presente na boca pós-degustação. | |
Doce: sensação de gosto doce associado ao produto pós-degustação. | |
Ácido: sensação de acidez similar a acético. | |
Amargo: nota de sabor característico ao lúpulo cervejeiro. | |
Carbonatação: percepção gasosa no palato promovida por gás como o co2. | |
Fruta: nota de sabor característico à fruta. | |
Textura | Encorpado: sensação de corpo ou de densidade percebida durante a degustação. |
Fonte: adaptado de Matos (2011).
O processo de desenvolvimento de produto e o projeto informacional
A pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos é uma área que ganha cada vez mais espaço no ambiente competitivo e globalizado (Vieira, Silva, Berbert e Faia, 2015). Segundo Rozenfeld et al. (2006), desenvolver produtos constitui-se em um conjunto de atividades com o objetivo de alcançar determinadas especificações do projeto de um produto.
O autor ainda destaca que, pelo processo de desenvolvimento do produto (PDP), uma empresa se torna capaz de criar produtos mais competitivos, respondendo assim às constantes transformações mercadológicas e tecnológicas e ainda se situando na interface entre a empresa e o mercado, na qual conexões são estabelecidas e oportunidades e necessidades de mercado identificadas, o que leva a soluções que atendam a essa demanda.
No desenvolvimento de produtos complexos, demanda-se um maior entendimento dos fluxos de conhecimentos para gerenciar o ambiente de projeto, disseminando-o, expandindo-o e utilizando-o eficazmente, com vistas a projetos cada vez melhores (Sampaio, Passos e Assis, 2014). Ainda no contexto de definição de um projeto de produto, Silveira et al. (2018) citam que o PDP pode ser considerado um conjunto de atividades que têm início na percepção de uma oportunidade de mercado e têm como resultado a produção e comercialização de um produto.
É de suma importância para as empresas o estudo sobre as preferências do consumidor. Rozenfeld et al. (2006) citam que o projeto informacional contempla as especificações-meta do produto. Estas serão utilizadas como critério de avaliação e de tomada de decisão em etapas posteriores do desenvolvimento (Nickel et al., 2010; Teixeira e Canciglieri Junior, 2019).
Ogliari (1999) sustenta que a fase do projeto informacional corresponde ao levantamento das informações do mercado, em função de interesses de pessoas que se relacionam, direta ou indiretamente, com o produto em questão, o que converte essas informações em especificações do projeto. Segundo Pinto e Fontenelle (2013), as mudanças nos mercados apontam para novos cenários para as organizações que precisam enfrentar a competitividade em preço e qualidade, forçando-as a incorporarem e desenvolverem constantemente novos produtos e tecnologias.
Ferramenta QFD
O QFD, como vimos, é a sigla para "quality function deployment", que significa "desdobramento da função qualidade". É uma ferramenta utilizada principalmente na gestão de desenvolvimento de produtos. Permite trabalhar com matrizes muito extensas com abordagens qualitativas nas questões de design industrial e produção (Dehe e Bamford, 2017; Miguel, 2008). O QFD é um método de desdobramento que possibilita, dentro de sua estrutura gráfica, montar partições que agregarão informações detalhadas e específicas a respeito do produto pesquisado (Freitas et al., 2015; Abreu e Vaccaro, 2013; Mello, Risso Filho, 2019).
O QFD permite mensurar e traduzir as necessidades dos clientes por meio de partições que agregarão informações detalhadas (Rocha, 2012). O QFD é uma ferramenta dirigida para a satisfação do consumidor, sendo capaz de traduzir suas demandas em metas de projeto a serem implementadas no estágio de produção. De acordo com Cheng e Melo Filho (2010), o QFD mantém sempre o foco no atendimento das necessidades dos clientes, com a identificação e o desdobramento das variáveis que compõem o desenvolvimento do produto, mediante tabelas, matrizes e procedimentos de extração, relação e conversão.
Rocha (2012) afirma que, com base na ferramenta QFD, é possível calcular a viabilidade de criação ou de substituição de um produto da empresa, analisar o ciclo de vida de um produto, que inclui as fases de existência deste como crescimento, maturidade e declínio. Com isso, é possível atingir todas as expectativas do consumidor conforme as tendências do mercado e as necessidades do público-alvo.
A ferramenta conhecida como a "casa da qualidade" (Figura 1) apresenta visualmente a maneira como os consumidores veem os produtos e seus aspectos, comumente chamados de "requisitos", o que auxilia na identificação de oportunidades e de lacunas ainda existentes.
Segundo Pinto e Fontenelle (2013), o primeiro quadro possibilita identificar e analisar os desejos básicos dos clientes que são transformados em requisitos; no segundo, os requisitos são avaliados conforme seu grau de importância; o campo três faz um comparativo entre os produtos já existentes no mercado; no quarto, são inseridos os requisitos do produto; já no quinto quadro, são avaliados os requisitos dos produtos com relação às expectativas dos consumidores; no sexto, são quantificados esses requisitos, a partir da análise da intensidade e importância de cada; no sétimo quadro, matriz de correlação, o grau de correlação entre cada característica do produto é ponderado. De acordo com Pasquini (2013), desdobrar a voz do cliente, por meio de consultas detalhadas, brainstorming, mecanismos de feedbacks e pesquisa de mercado, consiste em traduzir as necessidades do cliente em requisitos técnicos que se enquadram em cada estágio do desenvolvimento do produto.
A otimização no processo de desenvolvimento de novos produtos, a tomada de decisão a partir dos conhecimentos das próprias vantagens competitivas e o aumento da satisfação dos clientes são fatores considerados no método QFD, o que o enquadra como adequada para a análise, de forma clara e esquematizada, das necessidades e anseios dos clientes.
Metodologia
Sobre o mercado de cerveja artesanal, destacam-se a definição das características dessa indústria no Brasil, os seus fatores limitantes e o conhecimento do tipo de consumidor que busca esse produto e de seus requisitos. Para a participação nesta pesquisa, escolheram-se, como público-alvo, os consumidores de cervejas artesanais da região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil.
A vertente empírica baseou-se em um estudo investigativo, por meio da aplicação de questionários de caráter exploratório da percepção dos usuários quanto à qualidade das cervejas especiais comercializadas no Rio de Janeiro e da percepção dos profissionais e empresários da indústria de cerveja artesanal. Realizouse a aplicação da ferramenta QFD a fim de analisar os requisitos para o projeto de produto proposto.
A partir desta análise, verificou-se que a ferramenta mais adequada seria a implementação da matriz QFD que contém a tabela de desdobramento da qualidade exigida e a matriz de qualidade propostas por Cheng e Melo Filho (2010), visto que esta matriz atenderia de melhor forma aos objetivos adotados no estudo.
Classificação da pesquisa
Esta pesquisa tem natureza aplicada e abordagem qualitativa, no que tange à utilização de um questionário com perguntas abertas ao público-alvo, e quantitativa por ser uma pesquisa exploratória e descritiva aplicada a uma amostra de população.
A pesquisa exploratória "consiste em descobrir o campo de pesquisa, os interessados e suas expectativas, e estabelecer um primeiro levantamento/diagnóstico da situação" (Thiollent, 1998, p. 48). Gil (2002) argumenta que as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população.
Técnicas de coleta de dados
Segundo Marconi e Lakatos (2002), a técnica de entrevista se define como o "encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto", e a técnica de coleta de dados por questionário como "instrumento de coleta de dados constituído por uma série de perguntas, que devem ser respondidas por escrito" (p. 98).
Nesse sentido, escolheram-se, como técnica de coleta de dados, a entrevista estruturada e um questionário fechado para identificar a percepção da preferência dos consumidores.
Procedimento para a análise de dados
Para se analisar os dados coletados quantitativa e qualitativamente, a fim de se atingirem os objetivos propostos pelo presente estudo, optou-se pela aplicação da ferramenta QFD, pois esta demostra, com uma quantidade significativa, informações relevantes de forma prática e os principais atributos buscados pelos clientes. Cada etapa que compôs essa ferramenta é detalhada a seguir:
1. identificação das necessidades dos clientes acerca das cervejas artesanais por meio de atributos da cerveja definidos por Matos (2011), que são utilizados para pesquisas de análises sensoriais, e inserção delas na tabela de desdobramento da qualidade exigida;
2. identificação das características de qualidade nos níveis necessários;
3. avaliação e ponderação da relação de cada característica da qualidade com cada item da qualidade exigida. Essa ponderação se deu com a relação dos pesos: forte com peso 9, moderado com peso 3 e fraco com peso 1;
4. elaboração da tabela de qualidade planejada a partir da avaliação do grau de importância que atribui a cada item de qualidade exigida. Esse grau de importância, geralmente, é obtido com uma escala Likert com variação de 1 a 5;
5. definição do nível de desempenho do produto no determinado quesito;
6. decisão de quais itens serão usados como argumentos de venda, ou seja, que aumentariam o número de venda, caso sua qualidade fosse aumentada. Utilizou-se dos valores indicados por Cheg e Filho (2010): quando for especial, aplicou-se valor 1,5; comum, valor 1,2; sem argumento, aplicou-se 1 como valor;
7. cálculo do peso absoluto por meio das ponderações da qualidade planejada;
Equação 1. Peso absoluto da qualidade planejada
8. cálculo do peso relativo de cada item, convertendo o peso absoluto em contribuição percentual no peso total através da fórmula:
Equação 2. Peso relativo
9. O peso absoluto das características da qualidade foi obtido da multiplicação do peso absoluto da qualidade exigida pelo peso da ponderação do grau de relação, e somado na coluna de todas as características da qualidade. Miguel (2008) expressa essa ponderação da seguinte forma:
Equação 3. Peso absoluto da característica da qualidade
em que:
PCQj = peso absoluto da j-ésima característica da qualidade;
PCQÍ = peso relativo (ou absoluto) do i-ésimo requisito do cliente;
Rj = relação de intensidade entre o i-ésimo requisito do cliente e a j-ésima característica da qualidade;
n = número de requisitos do cliente;
m = número de características da qualidade.
Com a junção das etapas, pode-se elaborar a matriz de qualidade como se indica no Quadro 2, o que possibilita a priorização das características do produto a partir do seu peso absoluto.
Com base nessa matriz, obtêm-se os resultados das características da qualidade que devem ser priorizadas no desenvolvimento do produto, a partir do maior peso absoluto. Portanto, é possível qualificar as metas de desempenho de cada característica.
Caracterização da amostra da pesquisa
O universo da pesquisa se caracteriza como infinito, ou seja, desconhecido. Concentra-se no mercado consumidor da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com participantes que já tenham consumido algum tipo de cerveja artesanal, tanto em um estabelecimento quanto em casa. Segundo Bastos, Guimarães e Severo (2015), métodos estatísticos servem como alertas para indicar aos gestores que algo não está indo como se esperava; dessa forma, auxiliam em mudanças de rumo nas políticas de uma empresa.
As fórmulas para o cálculo do tamanho amostral deste estudo pressupõem populações de tamanho ilimitado. Cada unidade amostrada representa uma significativa fração do universo amostral finito. Nesses casos, as fórmulas podem ser ajustadas a partir de um fator de correção para populações finitas, o qual minimiza a dimensão da amostra necessária. Caso se objetivasse descrever as percepções de uma população que nunca tenha sido descrita anteriormente, pode-se admitir um erro tolerável e uma expectativa do desvio-padrão desse grupo (Miot, 2011). A amostra deste estudo é não probabilística por conveniência (Gil, 2002). A amostra da população foi calculada pela equação 4, segundo Montgomery (2012):
Equação 4. Cálculo de amostra para população infinita
em que:
n = tamanho da amostra;
z = desvio do valor médio aceitável para alcançar o nível de confiança desejado de 90% (=1,645);
ε = margem de erro máximo admitida. No caso da presente pesquisa, utiliza-se do valor de 5,8%;
p = proporção que se espera encontrar; em geral, utiliza-se de 50%, valor empregado no presente estudo.
O resultado do tamanho da amostra recomendado foi de 203 respondentes. A composição da amostra foi elaborada com a utilização da amostragem aleatória simples, visto que cada elemento da população apresenta igual probabilidade de ser selecionado para compor a pesquisa. Com as 203 respostas ao questionário, obteve-se o seguinte perfil de faixa etária: de 18 a 25 anos com 52%; de 26 a 35 com 41%; as outras faixas tiveram o percentual complementar.
Resultados e discussão
Na matriz QFD, foram consolidados os resultados da pesquisa quantitativa. Com isso, puderam ser ponderadas as características mais importantes de uma cerveja artesanal para atender aos requisitos dos consumidores foco do estudo e de um projeto de desenvolvimento desse produto.
Segundo Matos (2011), há influência direta da qualidade dos ingredientes sobre a qualidade da própria cerveja, o que torna primordial a escolha e qualidade dos ingredientes para a produção de uma cerveja especial, principalmente para as microcervejarias e cervejarias artesanais, que buscam fabricar cervejas de alta qualidade.
Percepção na matriz QFD generalizada
A partir das qualidades exigidas predeterminadas, juntamente com as informações coletadas sobre o grau de importância do consumidor, a qualidade atendida de cada tipo de cerveja (apenas para essa matriz) e a percepção da estratégia oferecida em cada um desses requisitos, estruturou-se a matriz correlacionando com as características de qualidade. Por meio dos dados obtidos, pôde-se observar que, em uma visão geral, como se indica na Figura 2, dentre as características com maior valor para o peso absoluto, consequentemente as que devem ser priorizadas e que necessitam de maior atenção, destacaram-se: a "qualidade do malte", com média de 3,59 (com uma correlação de 9,1% às qualidades exigidas [QES] dos consumidores), e a "concentração de lúpulo", com peso absoluto de 3,43 (correlação de 8,7% com as QES), quanto aos insumos das cervejas; "tempo de fermentação", com média 3,35 (correlação com as QES de 8,5%), com referência a uma etapa do processo. Essas características se mostraram de suma importância para atender às necessidades do consumidor.
Por sua vez, as médias dos pesos relativos das características de qualidade (CQ) se mostram próximas umas das outras, notável pelo percentual da correlação com as QES da maioria das características entre 6% e 9%, aproximadamente. Isso significa que o processo de fabricação de cerveja, conforme sustenta Ogliari (1999), demanda levantamentos de informações do mercado manifestados por pessoas que se relacionam, direta ou indiretamente, com o produto em questão.
Percepção na matriz QFD sobre as cervejas do tipo lager
Para esta matriz, apresentada pela Figura 3, utilizou-se das informações coletadas sobre o grau de importância e percepção da estratégia pelo consumidor sobre as cervejas artesanais do tipo lager e a qualidade oferecida pelas cervejas mais mencionadas pelos consumidores. Incluiu-se, assim, o campo "Produto lager", que, para fim de cálculo, empregou valores da média de qualidade das lager, segundo os consumidores. Também se acrescentaram o "plano do produto" (valores planejados de qualidade que foram utilizados pela maior nota das concorrentes nesse requisito somado 0,1) e o "índice de melhoria" para cada QE, valores que fazem parte do cálculo do peso absoluto.
O resultado desta matriz aponta que a CQ "concentração de lúpulo" apresentou maior média, 3,88 (com correlação à QE de 9,8%), e a característica "qualidade do malte" continuou com a mesma média, 3,59, porém com uma correlação minimamente menor (9%) em comparação à matriz generalizada. Outra característica em destaque é a "concentração de malte", com média 3,41 e correlação com as QES de 8,6%. Novamente, as características de qualidade mostraram ter um perfil de proximidade nos valores entre si.
A Tabela 1 evidencia as qualidades exigidas e seu grau de importância, peso relativo e taxa de desempenho para a cerveja lager, o que demonstra os requisitos mais importantes na ótica do cliente. "Aroma do malte", "sabor do malte", "textura encorpada" e "preço" são os requisitos com maior peso relativo, o que os torna prioridade no desenvolvimento de uma nova cerveja artesanal.
Qualidade exigida (requisitos do cliente) | Grau de importância | Peso relativo | Taxa de desempenho | ||
---|---|---|---|---|---|
Aparência | Cor | 3,89 | 6,2% | ⇧ | 97,1% |
Turbidez | 3,53 | 5,2% | ⇗ | 95,5% | |
Uniformidade da espuma | 3,85 | 6,0% | ⇧ | 97,5% | |
Aroma | Álcool | 3,27 | 4,8% | ⇧ | 97,5% |
Malte | 4,27 | 7,1% | ⇧ | 97,6% | |
Lúpulo | 4,02 | 6,5% | ⇧ | 97,6% | |
Frutas | 3,56 | 5,4% | ⇗ | 95,4% | |
Sabor | Álcool | 3,18 | 4,7% | ⇧ | 96,8% |
Malte | 4,39 | 7,2% | ⇧ | 97,4% | |
Residual de cerveja | 4,22 | 6,7% | ⇧ | 96,1% | |
Doce | 3,30 | 4,4% | ⇩ | 88,0% | |
Ácido | 3,22 | 4,6% | ⇗ | 95,6% | |
Amargo | 3,87 | 6,0% | ⇧ | 97,5% | |
Frutas | 3,35 | 4,9% | ⇨ | 92,0% | |
Carbonatação | 3,64 | 5,6% | ⇧ | 97,4% | |
Textura | Encorpado | 4,63 | 7,9% | ⇧ | 97,2% |
Preço | 4,27 | 6,8% | ⇧ | 96,5% |
Fonte: elaboração própria.
Em comparação aos outros estilos, a lager foi a única em que se destacou o preço pela sua relevância. Como esse tipo de cerveja tem um preço abaixo das demais, é de suma importância que este esteja adequado ao mercado, o que justifica que, na avaliação sobre a qualidade em comparação com a weiss e a ale, a lager se sobressaia; contudo, perde em outros fatores de qualidade.
Sobre os requisitos que se mostraram de menor importância, apresentam-se: "sabor de álcool", "sabor ácido", "sabor doce" e "aroma de álcool". Estes se apresentam com o menor peso relativo, logo com uma menor priorização, o que Pinto e Fontenelle (2013) afirmam ser uma clara evidencia dos requisitos básicos dos consumidores e dos desdobramentos sistemáticos, isto é, a voz do cliente.
Sobre as priorizações da qualidade exigida e das características de qualidade da cerveja lager, observa-se que estão voltadas para o malte e com enfoque maior no preço. Segundo Cheng e Melo Filho (2010), para evitar que as características da qualidade não reflitam a verdadeira necessidade do cliente, sua voz deve ser transformada nessas características de forma mensurável, extraindo elementos de qualidade da tabela de qualidade exigida.
Percepção na matriz QFD sobre as cervejas do tipo ale
A matriz QFD sobre as cervejas tipos ale (Figura 4) apresenta um resultado semelhante à matriz QFD sobre as cervejas lager, tendo as CQS mesma ordem de pontuação, com alteração apenas de alguns valores, apesar de as cervejas terem características distintas. A característica "concentração de lúpulo" apresentou média do peso absoluto de 3,78 e correlação com a qualidade exigida de 9,6%; "qualidade do malte" apresentou média 3,61 e correlação de 9,1%, enquanto a "concentração de malte", 3,38 de média e 8,6% de correlação.
Sobre as qualidades exigidas para a cerveja do tipo ale, representadas na Tabela 2, destacaram-se o "aroma do malte", o "sabor do malte" e a "textura encorpada", sendo também os requisitos com maior peso relativo, porém com uma diminuição na importância dada ao preço e um aumento no aroma de lúpulo, no sabor amargo e na coloração, o que corrobora com informações técnicas constantes da revisão.
Qualidade exigida (requisitos do cliente) | Grau de importância | Peso relativo | Taxa de desempenho | ||
---|---|---|---|---|---|
Aparência | Cor | 3,92 | 6,3% | ⇧ | 97,8% |
Turbidez | 3,56 | 5,3% | ⇧ | 97,7% | |
Uniformidade da espuma | 3,90 | 6,0% | ⇧ | 97,8% | |
Aroma | Álcool | 3,18 | 4,6% | ⇧ | 97,3% |
Malte | 4,31 | 7,1% | ⇧ | 97,8% | |
Lúpulo | 4,08 | 6,6% | ⇧ | 97,8% | |
Frutas | 3,57 | 5,4% | ⇧ | 96,8% | |
Sabor | Álcool | 3,06 | 4,3% | ⇗ | 94,9% |
Malte | 4,48 | 7,4% | ⇧ | 97,8% | |
Residual de cerveja | 4,24 | 6,8% | ⇧ | 97,8% | |
Doce | 3,22 | 4,8% | ⇧ | 97,3% | |
Ácido | 3,14 | 4,1% | ⇩ | 88,8% | |
Amargo | 3,87 | 6,0% | ⇧ | 97,7% | |
Frutas | 3,31 | 5,1% | ⇗ | 95,9% | |
Carbonatação | 3,55 | 5,4% | ⇧ | 96,5% | |
Textura | Encorpado | 4,62 | 7,9% | ⇧ | 97,9% |
Preço | 4,22 | 6,7% | ⇧ | 97,0% |
Fonte: elaboração própria.
Sobre os requisitos que se mostraram de menos importância e de menor priorização, também foram os apresentados para o estilo lager: "sabor de álcool", "sabor ácido", "sabor doce" e "aroma de álcool".
Percepção na matriz QFD sobre as cervejas do tipo weiss
Na matriz QFD das cervejas do tipo weiss, representada na Figura 5, também se destacaram as três características de qualidade das matrizes dos estilos anteriores, porém nota-se que, pelo fato de o malte de trigo ser protagonista nesse estilo, obtiveram-se médias mais elevadas no peso absoluto nas características como "qualidade de malte" e "concentração de malte" e uma redução na média da "concentração de lúpulo", assim como alterações na correlação com a qualidade exigida.
Sobre as características de qualidade exigidas para a cerveja do tipo weiss, representadas na Tabela 3, destacaram-se o "aroma do malte", o "sabor do malte" e a "textura encorpada", sendo também os requisitos com maior peso relativo, porém com uma diminuição na importância dada ao preço semelhantemente ao estilo ale. Por sua vez, seguindo a citação de Cheng e Melo Filho (2010), quanto ao QFD auxiliar no processo de desenvolvimento com o foco sempre no atendimento das necessidades dos clientes, evidenciou-se, com a pesquisa, a existência de pesos relativos maiores para o aroma e sabor do malte, atributos com bastante enfoque nesse estilo; pelo fato de essa cerveja não ser filtrada, a textura encorpada destacou-se com a maior priorização.
Qualidade exigida (requisitos do cliente) | Grau de importância | Peso relativo | Taxa de desempenho | ||
---|---|---|---|---|---|
Aparência | Cor | 3,92 | 6,5% | ⇗ | 94,1% |
Turbidez | 3,58 | 5,5% | ⇨ | 92,3% | |
Uniformidade da espuma | 3,90 | 6,5% | ⇗ | 94,0% | |
Aroma | Álcool | 3,19 | 4,5% | ⇧ | 95,1% |
Malte | 4,27 | 7,6% | ⇧ | 96,1% | |
Lúpulo | 4,04 | 6,7% | ⇗ | 93,8% | |
Frutas | 3,55 | 4,9% | ⇩ | 89,5% | |
Sabor | Álcool | 3,10 | 4,5% | ⇧ | 96,3% |
Malte | 4,42 | 7,9% | ⇧ | 96,4% | |
Residual de cerveja | 4,23 | 6,8% | ⇨ | 93,4% | |
Doce | 3,19 | 4,1% | ⇘ | 91,9% | |
Ácido | 3,12 | 4,1% | ⇗ | 94,6% | |
Amargo | 3,84 | 5,7% | ⇩ | 90,5% | |
Frutas | 3,29 | 4,5% | ⇩ | 90,7% | |
Carbonatação | 3,53 | 5,3% | ⇗ | 94,6% | |
Textura | Encorpado | 4,60 | 8,8% | ⇗ | 94,9% |
Preço | 4,23 | 5,8% | ⇨ | 93,6% |
Fonte: elaboração própria.
Os requisitos que se mostraram com menos importância e menor priorização foram os mesmos apresentados para os tipos anteriores: "sabor de álcool", "sabor ácido", "sabor doce" e "aroma de álcool". Tais resultados evidenciam a citação de Kjeldgaard et al. (2017) sobre a percepção dos mercados com capacidade de influenciar na escolha e na diversidade de produtos projetados. A detecção de tais requisitos acelera o processo de desenvolvimento de produto e, conforme citam Nickel et al. (2010), possibilita trabalhar direcionado por especificações-meta que podem ser utilizadas como critério de avaliação e de tomada de decisão em etapas do desenvolvimento do produto.
Acredita-se que regiões que desenvolvam projetos de produto mais assertivos possam explorar a vocação para a criação de cervejarias artesanais, como alternativas de atração do público consumidor interessado em experimentar cervejas com características regionais, em um contexto de experiências únicas de consumo. Isso é apontado por Murray e Kline (2015) e Duarte Alonso et al. (2017) como potencial para micro e pequenos produtores operacionalizarem inovações e desenvolverem novos estilos e receitas.
Conclusões
Com o presente trabalho, foram realizadas análises a fim de alimentar um projeto informacional de desenvolvimento de uma cerveja artesanal conceitual com foco no consumidor da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. O uso da ferramenta QFD, aplicada para três tipos de cervejas artesanais, comprovou sua capacidade em auxiliar o projeto informacional de desenvolvimento de uma nova cerveja artesanal.
Sobre o perfil do consumidor pesquisado, é predominantemente do gênero masculino, com maior parte entre 18 e 25 anos de idade e com ensino superior completo. Com os resultados, o estudo identifica que os entrevistados buscam, de uma maneira geral, cerveja com uma maior qualidade no seu aspecto encorpado, assim como qualidade no aroma e sabor do malte. Além disso, o consumidor não se mostrou tão sensível ao preço para o estilo ale e weiss, mais exigente a outras características ante o preço nesses dois estilos. Com relação à cerveja tipo lager, o preço ainda permanece como um diferencial.
Quanto às características da qualidade prioritárias, apontaram-se importância na concentração do lúpulo, concentração e qualidade do malte para os três tipos de cervejas, porém cada uma demostrou alterações diferentes nas priorizações com relação aos requisitos do cliente. Houve uma alteração maior no enfoque do preço das cervejas do tipo lager, com priorização no lúpulo e na cor das cervejas ale e um destaque ainda maior à turbidez, ao aroma e sabor do malte nas cervejas do tipo weiss.
Por ter universo considerado desconhecido, a presente pesquisa não teve a pretensão de trazer conclusões genéricas sobre a população inteira do estado do Rio de Janeiro. Conclusões e considerações indicam apenas um exercício interpretativo do método utilizado, e como tendências de mercado a serem observadas em projetos de fabricação de cerveja artesanal.
Como sugestão para pesquisas futuras, existe a possibilidade que seja realizada a análise sensorial de tais atributos com as principais cervejas comercializadas de cada estilo aplicado ao consumidor do Rio de Janeiro. Outro estudo sugerido é sobre os controles do processo produtivo de cerveja artesanal, com o foco nas priorizações dos atributos mais relevantes do cliente, evidenciados no presente estudo.